antonio candido ouro sobre azul

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ANTONIO CANDIDO Ouro sobre Azul OS PARCEIROS DO RIO BONITO OS PARCEIROS DO RIO BONITO 11ª edição Formato | 13 x 21 cm Nº de páginas | 336 pág. 44 fotos tiradas pelo autor em 1948 , no período da pesquisa 41 reproduções fac-similares de manuscritos do autor 2 mapas de situação ISBN | 9788588777330 Preço | R$ 53.00

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Page 1: ANTONIO CANDIDO Ouro sobre Azul

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OS PARCEIROS DO RIO BONITO

OS PARCEIROS DO RIO BONITO

11ª edição

Formato | 13 x 21 cm

Nº de páginas | 336 pág.

44 fotos tiradas pelo autor em 1948, no período da pesquisa

41 reproduções fac-similares de manuscritos do autor

2 mapas de situação

ISBN | 9788588777330

Preço | R$ 53.00

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lfL/o.1t voit certains animaux farouches, des mâles et des femelles. répa,t;dus par la (;ampálgne" floirs,

livídes el toul brliliis du soleil, altachés à /a lerre qt/ils fouíllent et qu1ils remuent at.'ec une. opiniâ.tre~

té itJvincible; ils ont comme une fl()ix lt1urticulée, et quattd ils se lêvent sur leurs piedr, iIs montycttt' une face humaíne, el en e/fel ilr sanl des hommes; ilr se retirel# la Huit dans des tanieres ou ils viven! de pain 110ft, d1eau et d(!> raclnt?s/ ils épargnent aux autres hommes la peitie de semerl de labourer et de recueiUir pour vivrej et méritent ainsi de ne pas wllnquer de ce pain qu'ils ,ont semé. n

LA BRlJYERE (1688)

1NDICE

PREFACIO

INTRODUÇÃO O PROBLEMA DOS MEiOS DE VIDA

1. Método

2. A Cl!mnr Rúst:ca

3. Os N(vó de Vi". e de Sociabilidade

4. Sociologia dos Melos de Subsistência

l,~ PARtE

A VIDA CAIPIRA TRADICIONAL

CAPÍrU!.lJ

1.<> - Rusüc.idade c Economia Fechada ,

2:' Alirr,emação e Reru:'so5 A: !me:narcs

3.~ -- Os Tipos de Povoa:nenw 4,~

5.~

As Formas, de Solidariedade

O Caipira e a SUA Cultuta:

A SITUAÇÃO PRESENTE

6.~ - Um MU.nlcipio Mugínal

7," - População Rural e Parceria

8." -- Os Trabalhos e 05 Dias

9." - A DietA.

10."" - Obtenção dos Alimentos

1 L:> ~- Valor Nutritivo da Dieta

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CAPíTULO

},' P.UTIJ

At'iALISE DA MUDANÇA

12." - Relações de Trabalho e Comércio

14." - Técnica$, Usos e Crença.s "

15.0 - Posiçiio e Relações SOdáis

t6"~ Repteseutftçócs Mentais

)7.' As Form~s de Persistêocia

CONCLUSÃO - O CAIPIRA EM FACE DA CIVILIZAÇÃO URBANA "... . . . " . . . . "

Parte Complementar ~ A Vida Familiar do Caipira

APtNDICES

I - As Raizes Históricas da População Tradkional de Bofete. , II --~ Os PsrcelJ:os do Morro e da Baixada e sua Origem

r II PrQpr:íedade Anterior , .. IV ~ Como as PtoprIedade~ Mudam de Dono V _ Movimento dos Moradores nas Casas do Mono

VI ~ Maie~ da Dependência e Necessidade de Cooperação VII A C.pel. do Socorro

VIU -~ Farinhas, Amendoim, Frutas IX Técnicas de Medir Milho X - Narrados por Khô Roque ...... ".

BIBLIOGRAFIA

lNDlCE DE ILUSTRAÇõES

Mapa do Rst. de S. Paulo com a loc$.!ização dos Munldpio5 da CapItal, de Bofete e limítrofes

MapA do Munidpio de Bofere

165 173 179

18' 193

199

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229

2)1 260 262

265 266 269 270 271

272 274

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PREFÁCIO

Esle livro leve como origem o desejo de analisar as re· ÚJ.ções entre a literatura e ii sociedade; e lIasceu de uma pesquisa sobre a poesia popular, como se manifesta no Cururu - dança cantada do lifIipim pqtdi1k1_ -, cuia base é um desafio sobre os mais vários temas) em versos obrigados t1 uma rima constante (carreira), que muda após cada rodada,

A pesquisa foi mostrando que as modalidades observadas em diversos lugares eram verdadeiros estratos superposlos, em grau variável de mistura, mas podendo ser reduzidos II alguns padrões, Estes correspOlldiam a momentos diferentes da s(}< dedade caipira no tempo. Ar modalidades "nligas se caracteri­zavam pela estrulura mais SImples} a rusticidade dos recursos estéticos, o ,unho coletlvo da invençiío, a obediência a certas normas religiosas. As atuais manifestavam individualismo e secularização crescentes.. desaparecendo inclusive o elemento CO~ reográfico socializador, para ficar o desafio na Sua pureza de confronto pessoal, Não era di/leil perceber que se tratava de uma manifestação espiritual ligada estreitamente .is mudanças da sociedade, e que uma podia ser tomada como ponto de vista para estudar a outra, Foi assim que a coerência investigação levou a alargar pOllCO a pouco o conhecimento da realidade social em que se inscrevia o cururu, alé surcitar um trabalho especial, que ê este (o outro, etnpree/ulido inida/mente, talvez nunca passe do estado de rdm",ho).

Por outro lado, a pesquisa foi aguçando no pesquisador o senso dos problemas que afligem o caipira lIessa fase de tran· slção. Querendo conhecer Os aspectos básicos, necessários para compreendê·lo, cheguei aos problemas econÓmicos e tomei como ponto de apoio o problema elementar da sllhsisl~ncia, E assim foi que tendo partido da teoria literária e folclore, o trabalho lançou uma derivante para o lado da sociologia dos meios de vida; e qlJl1hdo esta chegou ao fim, terminou pelo desejo de assumir Uma posição' em face das cOltdições descritas,

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As investigações foram iniciadas em 1947, Devido aos eJ1u

cargos de ensino) que tomam a maior parte das férias! proces~

saram0se com irregularidade, e mesmo aos pedaços. llssim Se

fez. a colheita do material em algumas áreas caracteriSticamente caipiras do Estado, durante os anos de 1941, 48, 49, 53, 54, Trabalhei) em curtos períodos de cada vez; nos municípios de Piracicaha (7 visitas L Tieté (2 visitas), Porto Feliz (1

visita), Conchas (2 visitas), Anbembi (1 visita), Botucalu (3

visitas) e sobretudo Bojete. Neste, relidi num agrupamento rural cerca de 20 dias, de janeiro a fevereiro de 1948) e) nova­mente, 40 dias, de íaneiro a fevereiro de 1954, quando a reda· ção, iniciada em agosto de 1953" tornou necessária a volta ao campo de estudo l para re/orçar O material e verificar certas bipó~ teses? à luz da passagem do tempo. Com o intuito de estabelecer comparações dentro da área de formação ou influência histórica paulista) visitei alguns municípios limítrofes em ll1inús, no auo de 1952, e no de 1954~ muito rapidamente, em companhia do meu colega e amigo Ruy CoelHo,. as zonas rurais dos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, em l/fato Grosso, Já noutras áreas} e com outra finalidade, pude ccnhecer aspectos da vida rural teuto,brasileira em Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1951) 52 e 53). Não foi possivel ir a Goiás, e só em 1957-58, depois do trabalho encerrado

p tive um primeiro contacto com o Nor~

deste {sobretudo o Ceará), cuja terrivel situação agrária faz parecer relativamente ameNa a miséria descrita neste livro.

Quanto li reconstru(ão hiuórica da 1.<l Parte, o leitor verá que não fiz pesquisa dOCUrt1211tária! segundo os re'quisitos do historiador, Limitei4ne a usar o m(Jtr:rial impresso que pareceu titil, pois trat'ltJá~se a,benas de sugerir um panorarna geral, sem delimitação precisa no tenJpo) com o lntullo de verificar a tra~ dição ofal comunicada pelos velboj caipiras.

Terminado em setembro de 1954, este trabalbo foi apre· s(.mlado C9J'W tese de doutoramento em Ciénâas Sociais à Fa­culdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde fui durante dezesseis' anos 1 Q-Assistente de Socio­logia (II)< Defendido e aprovado ett! outubro, deixei·o alguns anos de lado, na esperança de poder melhorá·lo e ampliá.h Não o fiz todavia; e ele sai comO foi apresentado! salvo correções de forma} uma ou outra. ampliação, algtmlds retijicações sugeridas pelos argüidores e a subdivisão mais yc/.cional das partes.

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Os dados numéricos envelheceram; a próprÚJ. situdção éstti~

dada se alterou localmente! com tendência para recol1stitui<t'ilo do latijt1ndio como realidade económica e social, à custa da pequffta propriedade e do siste!'}:a de p4'rcericlt aqui analisado. ]t1as és/a não é uma tese de Economia nem pretende fornecer dados re­centes. ~i!q_~_ 4~JJ;xep~r _ um".m:9ç~~flQ_.( uma rea1i®tkJwtnilpa j ~ filgcteristicosdo fenômcno gcr41 di? urbatiíz'ação 'na. EstfJdodc São Paulo, Por isso, não atualizei dados numéricos nem re" gistrei 4S modificações IOCtÚS da vida económica; se os salários e os preços aumentaram) se alguns produtos mudaram, (1 decom~

posição da vida caipir" e a sitt;ação crítIca do trabalhador ru,'al continuam a cO!J/igurar~se da maneira descrita.

Entre as partes que desclaria ter podido encorpar e melho· rar está a referída Conclusão ("O Caipira em Face da Ci1Jiliz.a~

ção U rbanaJ?) , Ela deveria ser mais sólida) para se tornar mais convincente e poder, como desejei l servir de introdução aQ es· tudo da reforma agrária, que àe lá para cá se tornou assunto banal. -

Apesar do cará/er acadêmico, e da posição política ter sido apenas esboçada /to fim, talvez este Irabalbo ainda tenha algum ínteresse para os que acham que a reforma das condições de vida do homem brasileiro do campo não deve ser baseada apettas em enunciados políticos; ou em investigações espeâalitadamente eco· nômicas e agronómicas; mas também no estudo da sua cultura e da sua sociabilidade.

,. Quanto às influências intelectuais: devo à obra de Marx a consciência da importância dos meios de vida como falar dinâ­mico, tanto da sociabilidade, qual/to da solidariedade que, em deco"!!ncia das necessidades humanas, se estabelece ettlre o bomem e a natureza, unificados pelo trabalho consciente. Homem e natureza wrgem como aspectos indissoluvelmente ligados de um mesmo processo, que se desenrola (.'omo Hist6ria da socie­dade. Neste sentido, foi decisiva para o presente estudo a parte inicial d' A Ideologia Alemã.

Ao livro de Robert Redfie/d, The Folk·Culture of Yucatan, lido sob ti orientação de Emílio Wil/ems' no Seminário de An/ro· pologia do Curso de Doutoramento, devo sugestões para com· preender o contínuo rural· urbano e para localizar cerlos a.'peclos da mudança de cultura nas sociedades rústicas.

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o livro de Audrey Richards, Hunger and Work in a Savage Tribe, lido a meio caminho da pesquisa, ahriu-me pers­pectivas novas quanto à possibilidade de estudar sociologica­mente a alimentação hUfl1artaj o que nele é leito sobre a base lúcida, embora simpliiicadora, do funcionalismo de .Malinowski. Land and Labour in Northern Rhodesi., da mesma autora, me veio às mãos um pouco tarde, mas ainda a tempo de confirmaJ' indicações do anterior,

As observações sobre troca e reciprocidade foram em pi11'te interpretadas graças li leitura de Les Strnctures Élémentaires de la Parenté, de Claude UGi-Strauss (antigo professor da Univer­sidade de São Paulo), um dos mo"umentos centrais do pensa­mento sociológico contemporâneo,

Os trobalhos de Sérgio Buorque de Ho/anda - Monções e "lndios e .Mamelucos no Expansão Paulista" (este, incorpo­rado mais tarde ao livro Caminhos e FronteÍras) - revelaram-me (1 fecundidade dos pontos de vista ecológico e tecno16gico para o' esttldo do povoamento de São P"ulo, sobretudo no que dh respeito ao aproveitamento dos recursos naturais para a;uste ao meio, ao ritmo da fusão de raças e culturas.

No capitulo dos agradecimentos, devo começar pelo meu fraternal companheiro Edgard Caro"e, a quem devo a oportu­nidade das estadias em Bofele e uma infatigável solicitude, que tornou possível t1 pesquisa. A sua experiência agrícola, o seu conhecimento da região, a sua cultura histórica! a sua excelente brasitia!íd estiveram generosamente ao meu dispor,; em muitos aspectos tratados na 2,<1 Parte, o seu auxílio se tornou verda­deira colaboração.

Não posso deíxar de lembrar, com saudade e reconheci. mell/o, o velho amigo Pio Lourenço Corrêa, falecido em 1958, admirável tipo de fazendeiro paulista, culto e reta, que me acolheu tjárias uezes na sua chácara dos arteaores de A.raraqutlra, e iii

quem devo muito do que percebo da cultura rústica. A S~ conversa era uma lição constante;' a sua experibtcia; imen.ra/. sua memória, prodigiosa, Erudito e estudioso da língua e ciências naturais)' caçador e in'vestigador dos costumes/ cedcr minucioso da flora} da fauna e da técnica rurat de,vo-il!l mais do que poderia registrar, porque são coisas qúe se poram ao modo de ver e de sentir, Quando ele ae,sen'IeP'1'IIl das recordações de setuage,~ário o que lhe contara na . um velho pai setu(tgenário~ parecia-me tacar no vivo O

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XVH~ ,AY4ritaguaba, OlIde sua :vó fala,·" língua-geral e cu;a tradtçao e~e mantmha,; na escarpada austeridade do seu caráter.

Quero em seguida evocar alguns dos caipiras que formam a base do meu estudo) pelo material ,fúrnecido em entrevistas e, mais ainda; pelo que involuntariamente forneceram,j como objeto de investigação, , H~mfns da mais perfeita cortnia; capa:r.es de se esquecerem ete SI mesmos em beneficio do próximo, enca~

raNdo COm tolerância é simpatia as evoluções de um estranho, cu,ia hOrJestidade propósitos aceitaram, ou ao menos não dis~ cutiram l por polidez. Eram todos anal/abetos, sendo alguns admiráveis pela acuidade da inteligência, Salientarei, entre os velhos (na maio"ia falecidos), Nhó Samuel Amónio de Camar­go, natural do Rio Feio; Nhó Roque António da Rocha (Roque Lameu), nalural de Bom Sucesso do Paranapanema; Nbó Erme­Imo Blcrrdoo natural de Itatinga; Nhô Artur Marques e Nh6 Joaquim Batista de Quevedt;} (Quim Baltasar), naturais da Turre de Pedra. Dentre os mais mo~'o.f, destaco o meu hospedeiro Aleides Rodrigues Ramos (A/cídio Machado) e Cristina Bueno de Campos Penteado (Négo Carreiro), naturais de Bofete.

Fernando Henrique Cardoso, antigo a/uno e já então colega, me substituiu nas atividades docentes durante (j último m{!s da redaç:ao, tornandOwse credor do mais sincero reconhecimento, Ele e Renato Jardll1l Moreira reviram Os origiMÍt dali/agrafados, c l*J.oisés Brejon calcúlou os índices retativos às grande; média e pequena propriedades em Bolete, '

Agradeço ao meu colega Florestan r'ernandes uma leítura atenta, crítica e construtivlL /lgradeço, f'JO mesmo sentido, (JS

reparos e sugestões da ComÍ5são Exami .• adoro, composta pelos Professores Aroldo de AZe<'edo, Egon Schaden, Paul Arbousse­=J3~Sli:i~) Rog.er Bastide e Fernando de Azevedo. A este, que dCIXe! mtenclOnalmente para o. fim, desejo agradecer de modo ,special o apoio e a cOfflpreensão que me dispensou, nos dezesseis '/Ias em que fui seu colaborador na Cadeira de Sociologia II, Durallle lodo esse tempo foi o. mais cordial dos chefes, o mais /1111 dos amigos, dignificando oS' seus auxiliares, dando exemplo ti, rt'lp~itu e estimulo ao trabalho intelectual.

ANTONIO CANDIDO DE MIlLLO E SOUZA

Siío Paulo, julho de 1964.

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lNTRootcçÃO

o PROBLEMA DOS MEIOS DE VIDA

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1. Método

Este estudo se baseia J de modo especiaL em investigações realizadas no município de Bofete, nos anos de 1948 e 1954.

-p Visa, em linhas gerais, a conhecer os meios de vida num agrupamento de caipiras: quais são, como se obtêm, de que maneira se ligam à vida soda!, como as formas de organização e as de ajuste ao meio. Pareceu conveniente, para compreender os demais aspectos da cultura caipira. adotur um ponto de partida situado no nivel modesto mas decisivo da realidade econômicJl.

O leitor vetá que aqui se combinam} mais ou menos 1ivre~ mente, cettas orientáções do antropólogo a outras mais próprias do soci6logo. Aquelas, desenvolvidas sobretudo para investigar povos primitivos> reunidos na maioria dos casos em grupos pequenos e relativamenre homogêneos; estas, apropriadas ao estudo das sodedade, dvilizadfts, diferenciadas ao extremo, liga­das a territórios vastos e grande população. Esquemati2ando com certa violência) poderíamos dizer, talvez, que aquelas recor~ rem à descrição, atêm·se aos detalhes e às pessoas, a fim de integrá.los numa visão que abranja, em princípio, fodas os aspectos da cultura; estas, eminentemente sintéticas no abjetivo, valem~se de amostras representativas dos grandes números} inte~ tessam-se pelas médias em que os indivíduos se dissolvem, limitando·se quase sempre a interpretar certos aspectos da cultura. Como já se escreveu, à Antropologia tende, no limite, ii descrição dos casos individuais, enquanto a Sociologia tende à estaúslka. '

O objetivo desta investigação impunha um compromisso entre ambas; não o evitei, mas não sei até que ponto o realizei com equih'brio.

1 . Patá uma apresentação rápida do estudo das sociedades cam~

pesinas do ângulo antropQlógico e do ângulo das sondagens sociais (so~

cial surveys), ver Hsi • .,.Tung Fei and Chih·I Chang. Earthbound China, "InttóductionH

, pp. 13·18.

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Como se tratava de agru?amento ,'c"d ligado a Clml cnlturJ cujo desenvolv:mento históríco é conhecido, procureI situá~lo

neste, tentando esboçar um panorama retrospectivo daquela caltura. Pareçeu~!11e que o recurso à Hist6ria daria a ter~

ceira dimensão que explic<l tantos 8:spectos da realidade observada em dado rnornento, e cuía -ausência pode comprometer as interpretações.

A este propósito, convém notar que" quando se tratou de esboçar o desenvolvimento do município a que o grupo pertence, não houve maíor dificuldade em obter alguns números e fatos relativos ao passado imediato, Ela s'J.rgiu qll:mdo se tentou reconstituir, embora csqt:emadcamente) as Icond~çõe5 da vjda C'áipira tradidonalj- po:s a História se ocupa ·do que fico,;; documentado, e a docume:1taçao se refere geralmente à vida das camadas dominantes. Lancei rr:ão, por isso, de dois recursos: 1) buscar, nos cocumentos e viajantes do século XVIII e ~nícioif do século XIX, referências e indícios sobre a vida do homem da roça; 2) longamente; pelos anos afora~ velhos caipiras dt: lugares isolados, fI fim de alcançar por meio deles como era o "tempo dos antigos". Combinando ambos, foi possível em muitos casos obter coincidências que asseguram a validade da

Neste passo, temos um exemplo de como se combinaram aqui 'otier'taçõ"s do sod61ogol-/buscando dados hist6ricos e estatísticas com as do antropólogo - reconstituindo por meio de poucos reputados signlfkativos numa sociedade relativamente Como sabemos~ nas sociedades rústi-cas; menos embora nas é acentuada a homoge-neidade dos prindpaJrnente se nos colocarmos do ponto de vista dos padrões ideais. naí " possibilidade de

Ver ta:nbétn a dos pO:1tos de vista ar:~ropo16gÍco e so-ciológ:co etn H;mlce Miner, (J,fJd Agriculture, CUJO Capít:úo 1.", "P:oblem and Metbod", ';:112 algJmas reflexões proveitosas; e Oscar Lewis, O,. lhe of lhe Black Waxy. Ambos se fundam, provave1-t:Jcme, nas diretr:zes th1Çúdas por Carl Taylor para o estudo das COlnU­

tüdades rurais, que indicam a necessidade de integrar os pontos de vista (d, Carl Taylor, "Techniques of ('..omm:l1nüy Study as applied to mo­dero dv]ized sodeties", em Ra]ph Untoo (organizador), The Science of Man in lhe World Cris!sl pp. 416-441), Para todos estes autores, a unidade de estudo é o município (community/ neste caso), ao contrário deste trabalho, que) como veremos daqui a pouco, escolhe outro ângulo de visão, mais adequado aos seus desígnios,

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conhecermos o passado pela tradição de alguns informantes escolhidos, e o presente pela análise de pequenos agrupamentos. 2

Aliás, o interesse pelos casos individuais, pelos detalhes significativos, constitui elemento fundamental neste estudo, elaborado na certeza de que o senso do qualitativo é condição de eficiência nas disciplulas sociais, e que a decisão interior do sod61ogo, desenvolvida pela meditação e o conucto com a reali­dade viva dos grupos, é tão importante quanto a técnica de manipulação dos dados. Elu lhe permite, com efdto, passar da impressão à hipótese, em rr:uitos casos onde est~ não se poderia sequer esboçar segundo critérios estatísticos ou acumulativos.

Abordam-se aquí problemas que vêm sendo, cm nOsso país, estudados através da estatística, ou d. monografia de comuni­dade. Esta tese não é uma coisa, nem outra,

Analísar as populações rurais por meio dos números refe­rentes à mobilidade, produção, área das propriedades, posição no quadro nacional sob estes vários aspectos) é ttlrefll excelente1 ,

cabível sobretudo ao dem6grafo e ao economista. O sociólogo, porém, que a pretexto buscar o geral fareja por toda a parte o humano, no que tem próprio a cada lu~ar) em cada mo~ mento, não pode neste nível. Desce então ao pormenor, buscando na sua riqueza e singularidade um corretivo 11 visilo pelas o apego ao quaUtativo, cujo esrudo sistemático foi empreendido sobretudo pelos especialistas das sociedades primitivas. '/

Por outro lado, não é um "estudo de comunidade", no sentido hoje corrente, sobretudo entre americanos e ingleses_ Não pretendi levantar sistematicamente os dilerentes "pectos de determinado agrupamento, englobando todo o seu Sistema

2 Sobre este ptoblema nas SOCIedades primitiva.s l ver Audrey L Richards, "The development oE field·work methods m Social Amhro­pology". Battlett, etc., The Study of Society, pp. 272-316. Cf. Robert Redfie1d: 'i... o esturuQSO de uma verdadeira fDlk-society estará bem próxim.o da verdade) ao descrevê"la l se apreender o que vai no espírito de uns poucos dentre 0$ seus membros ... " "The Folk.Sodety", AJS, Ln, p, 297.

:;. Veja~se como ilustração o ql1e diz McKenzle sobre as limita" ç6es do demógrafo: "Ele tende a considerar o equilíbrio como sendO' fundamentalmente uma relação entre grandes números e recursos na­turais! mais do que um fen6meno de estrutura hierárquica de divls.-w de trabaIho: daí chamar aten;:.'ão pata as migrações de: massas, mais do que para a mobilidade individuaL') Are HHuman Eco!ogy") ESS.

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