historias dos mestres do suspense - org. alfred hitchcock

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    ALFRED HITCHCOCKAPRESENTA

    HISTRIAS DOSMESTRES DO SUSPENSE

    Traduo deMarisa Gomes

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    MORTE EM STONEHENGE

    Norma Schier

    Ele se senu perturbado em meio quelas formas gigantescas. Oluar lhes acentuava os contornos. Ele esvera to sasfeito, tudo correra

    to bem, mas agora, aquelas pedras... luz do dia, Stonehenge lhe deraa impresso de um amontoado de velhas e desgastadas relquias de umaera muito anga, mas o luar emprestava quelas grandes formas uma luzaterradora e, quase insnvamente, conjurou os primivos adoradores,em seu silncio desaprovador.

    As pedras projetavam sombras descomunais, como negras faixascortando-lhe o caminho. Cambaleou ligeiramente sob o peso do fardo

    que carregava e atravessou o Crculo de Arenito, o Crculo de Pedra-Lipes,entre um monlito e um trloto, passou pela Ferradura de Pedra e chegouao Altar. O monte de seixos redondos era quase da altura de seu peitoe cuidadosamente ele a deitou naquela plataforma irregular. Os ventosassobiavam pelas plancies de Salisbury, agitando seus longos cabelos lou-ros. Ele enxugou nas calas a palma das mos midas.

    O cabelo dela estava ainda agitado pelo vento, na manh seguinte,

    quando o Inspetor Harlan Faulkner chegou junto ao corpo. Com as longasmos enadas nos bolsos e todo o corpo magro e alto encolhido pelaao do frio cortante, ele, apesar das rajadas de vento, sena-se von-tade naquele estranho lugar, pois havia abandonado a carreira de arque-

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    logo somente quando se convencera de que no dispunha de recursospara custear seus estudos. Decidira-se a desvendar crimes do presente,como uma substuio s pesquisas de tempos remotos e muitas vezesse sena recompensado, pois encontrava no trabalho policial inesperadassasfaes de natureza senmental.

    Com Stonehenge fechado s visitas do pblico os turistas, comsuas eternas cmeras, haviam sido impedidos de entrar e se encontravamainda nos nibus, recolhendo seu equipamento o tempo parecia ha-ver perdido seus pontos de amarrao e podia-se imaginar que aquelaspedras angas, erguendo-se a mais de cinco metros acima dele, estavamimpregnadas dos mesmos espritos primivos aos quais aquela mulherfora sacricada.

    O que uma tolice que no tem tamanho disse ele com seusbotes. Nunca houve sacricios aqui e este crime o produto de umdesequilibrado. Ou apressou-se a acrescentar de algum que es-pera que eu o considere assim.

    Senu-se profundamente penalizado por aquela mulher, abando-nada ali, aos ventos de um ango templo. O casaco dela estava abertoe a lmina de um punhal esquisito mergulhara em seu corpo, atravs dovesdo de seda azul. Parecia ter uns 30 anos e seus traos eram delicadose harmoniosos; mesmo morta, nha um ar de melancolia. O que a terialevado, pensou o inspetor, quele trgico m?

    Movido por um sbito impulso, afastou o cabelo do rosto dela eteve uma surpresa. A cabeleira cara presa em sua mo. O inspetor sacu-diu a cabea, como se quisesse espantar fantasias primivas, retornandoao sculo XX. Ela estava usando uma peruca, que a deixara completa-mente diferente, talvez mais interessante, embora de certo modo menos

    bonita, seu rosto agora emoldurado por mechas curtas e crespas.Os outros foram chegando e comearam a cumprir as respecvas

    tarefas, de acordo com a rona. Faulkner tambm iniciou suas invesga-es. Apanhou a bolsa que estava junto ao corpo e examinou seu conte-do. A nica coisa digna de nota era um telegrama dirigido Sra. AlexanderCarmichael, na King Street 21, Salisbury. O texto era curto: Espere-me estanoite no estacionamento de Stonehenge. Urgente. No havia assinatura.

    Ento isso, nem? murmurou o inspetor. Cherchezlhomme, no caso.

    A histria se ajustava com o vesdo de seda e a extravagante pe-ruca.

    Hugh disse ele para o seu auxiliar, um sargento atarracado,

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    de rosto redondo, que parecia bem mais moo do que era na realidade leve estas coisas para a delegacia e as examinaremos com mais vagar. Entregou a bolsa e a peruca para o sargento, acrescentando: Masmande examinar a arma agora. Preciso disso.

    Enquanto ele esperava, o mdico legista fez um exame rpido eresumiu seu parecer. O punhal, segundo tudo levava a crer, a havia ma-tado, provavelmente de imediato, entre as nove e as doze horas da noiteanterior, numa esmava preliminar.

    O sargento retornou com o punhal. No h impresses digitais.O inspetor balanou a cabea e guardou a arma no bolso. Vou fazer uma visita. Verique este telegrama e procure saber

    detalhes a respeito dos Carmichaels, incluindo o que ela andou fazendoontem. Encontro voc na delegacia.

    Afastou-se bruscamente atravs dos crculos de pedras ou doque restava deles, decorridos quase quatro mil anos e alcanou a es-trada, caminhando apressadamente.

    O Dr. Alexander Carmichael era um calmo professor de matem-ca, aposentado, de cabelos desgrenhados e uns olhos inquietos e tristes.Sua sionomia se ensombreou quando Faulkner lhe deu a nocia. Elesestavam numa pequena sala do apartamento de Carmichael. Livros e re-vistas se achavam espalhados com certa desordem, muitos cobertos depoeira. Alguns vasos com plantas se amontoavam no peitoril das janelase duas ou trs poltronas estavam cobertas com velhas capas mal-ajusta-das. Quem quer que fosse a mulher morta, certamente no era uma boadona-de-casa.

    O Dr. Carmichael passava a maior parte de seu tempo em esot-ricas pesquisas e escrevendo sobre elas em revistas especializadas. Dealtura mediana, nha de espichar o pescoo para encarar o alto e magroinspetor. Parecia bem mais velho que sua esposa.

    Felicity est morta? exclamou, surpreso, com um tom agudode voz. Assassinada? O senhor tem certeza de que no h um engano?

    Lamento que o senhor tenha de ir idencar o corpo replicouFaulkner e ento teremos certeza.

    No havia engano e, quando ele viu a mulher deitada na mesa donecrotrio, no conteve as lgrimas. Faulkner o levou de volta para casa eo fez tomar um gole de conhaque.

    O senhor tem alguma idia, doutor, de quem poderia ter feito

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    isso? Ah, sim! exclamou Carmichael melancolicamente. Como

    pde ele fazer isso comigo? Era muito penoso at ento, mas agora... ago-ra nunca mais a verei.

    Fez um esforo para dominar-se e aos poucos voltou calma. Suaquerida e adorada Felicity uma alma doce e caridosa, segundo ele estava mantendo um romance com um arquelogo em Londres. O ho-mem viera estudar as runas de Stonehenge no ano anterior e a Sra. Car-michael uma astrnoma de renome trabalhara com ele.

    A princpio, no quis acreditar, inspetor. Felicity no seria capazdisso. Ela dizia que o conhecera e suas ligaes eram estritamente pros-sionais. Tentei acreditar, mas eles se tornaram to nmos que cheguei a

    pensar que j se conheciam h muito mais tempo e forjaram uma inves-gao prossional para salvar as aparncias. Acho que ela no pdeevitar acrescentou melancolicamente mas no ve dvidas do queaconteceu depois. Ela passou a ir todas as semanas a Londres para encon-trar-se com ele. Foi horrvel.

    Como que o senhor soube? Ela saa e inventava uma histria a respeito do que ia fazer. On-

    tem, porm, no procedeu assim. Muitas vezes... o senhor pode pensarque uma conduta estranha para um professor, mas euprecisava saber...fui atrs dela, seguindo-a a distncia. Em trs ocasies a vi entrar na casadele.

    Mas por que iria ele mat-la? Sim, por qu? repeu Carmichael. Talvez tenha encontra-

    do um novo amor e ela estava em seu caminho. um homem perverso,inspetor.

    Faulkner meteu a mo no bolso e rou o punhal. Foi com isso? perguntou Carmichael com voz rouca. dele,

    de Donat! Mostrou para ns no faz muito tempo. Isto prova tudo, no ? Vamos ver prometeu Faulkner em tom grave.

    Durante o percurso de 130 quilmetros at Londres, Faulkner dis-cuu o caso com seu auxiliar, Hugh Preddie, cujo entusiasmo o divera,pois o sargento ainda conseguia achar, nos trabalhos de invesgao deum crime, a excitao dos sonhos dos tempos de rapaz, alimentados pelaleitura de histrias policiais. Isso, porm, no impedia que ele fosse umexcelente auxiliar.

    No podemos esquecer, Hugh dizia Faulkner que h dois

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    Stonehenges: o cienco, dos arqueologistas e dos astrnomos, e o su-perscioso e romnco dos templos dos druidas e dos sacricios de san-gue. Pura tolice, naturalmente. No h qualquer indcio de que os druidasvessem qualquer ligao com este templo, que foi construdo 15 sculosantes do apogeu daqueles sacerdotes. O aspecto cienco faz muito maissendo, naturalmente e, ademais, estamos lidando com cienstas. Ain-da assim, de quando em vez se ouve falar de vultos singulares e sempreachei que os cienstas so bem mais crdulos do que confessam, como seum secreto anseio de acreditar em coisas mscas atrai uma poro delesinicialmente para a cincia, no para encontrar contestaes, mas comuma secreta esperana de que elas possam no exisr. Reparei que nogabinete dos Carmichaels h uma grande coleo de livros sobre cultos

    angos. No sei se so dele ou dela, como tambm ignoro se o interesse puramente cienco.

    Sim, senhor concordou respeitosamente Preddie. Ele prprioachava que Stonehenge fora um templo de sacricios sangrentos dosdruidas, e no inconscientemente, mas teria preferido morrer a confessaressa crena a seu chefe.

    De modo que no sabemos connuou Faulkner se existealgum po de oculsmo na raiz deste crime, embora a explicao maissimples seja a de que eles ulizaram Stonehenge apenas como um lo-cal de encontro. Talvez viessem fazendo isso frequentemente e desta vezhouve uma briga de amantes; ou ento ele j vinha planejando mat-la,por qualquer razo, como o marido sugere. A presena do punhal qued a idia da premeditao.

    Preddie limpou a garganta antes de falar. O que me chama a ateno, senhor, que o punhal uma pro-

    va gritante demais contra Donat. Para um homem inteligente e culto, apista inacreditvel. O senhor acha que ele pode ter sido vma de umatrama?

    Faulkner deu uma risada. Voc sabe muito bem que os crimes so geralmente mais bvios

    do que esses seus escritores de co fazem com que eles paream. Emtodo caso, pode ser. Temos ainda um longo caminho a percorrer, at sa-bermos tudo. Sou capaz de apostar que Donat vai declarar que o punhalfoi roubado. E pode mesmo ter sido, Hugh, pode ter sido. Ademais, o localdo encontro, e logo em Stonehenge, parece ser idia de outro homem. Eagora me lembro: o que voc descobriu a respeito do telegrama?

    Passado em Londres replicou Preddie. A agncia telefo-

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    nou para o desnatrio, mas no obteve resposta, de modo que mandouentreg-lo. O que aconteceu foi que a mulher nha ido ao cabeleireiro emSalisbury... colocar aquela peruca, com certeza. Foi essa a nica ocasioem que ela saiu, segundo sabemos. No houve visitas, como tambm nin-gum a viu sair noite passada.

    O que sabemos que aconteceu observou Faulkner no pr-prio carro dela. Ele ainda est l no estacionamento do parque.

    Foi o marido insisu Preddie, perseguindo sua idia original. Quer botar a culpa em Donat, no acha?

    Pode ser que sim, mas no h dvida de que ele est realmentearrasado. Est mesmo. E, ainda por cima, o romance.

    De cuja existncia temos somente a palavra dele.

    Carmichael foi a Londres ontem de manh e voltou no primeirotrem de hoje, segundo declarou. Vericaremos isso depois de falarmoscom Donat. O que voc descobriu a respeito dos Carmichaels?

    Viviam tranquilamente. Ningum parece ter desconado de queela vesse algum caso. Um casal devotado, segundo os vizinhos, o maridoadorando o cho que ela pisava, a mulher muito solcita com ele. Semamigos nmos ou algum que os conhecesse bem. Levavam uma vidamuito fechada.

    Que tal se no se tratava de um encontro amoroso gracejouFaulkner mas realmente uma reunio dos dois, para observarem umfenmeno astronmico que ele tenha achado mais interessante?

    E por que isso iria terminar em um assassinato? perguntouPreddie, no escondendo seu cecismo. Nunca entendi todo esse re-cente alvoroo a respeito de Stonehenge. Durante anos os astrnomosvm dizendo que as pedras foram alinhadas para mostrar a posio do sol

    nos... como mesmo?... nos solscios, no ? Para celebrar o deus-sol acrescentou, um tanto confuso.

    Ah, mas um sujeito chamado Hawkins descobriu mais algumacoisa apressou-se a ensinar Faulkner, j que o assunto recara em seupassatempo favorito. As pedras realmente assinalam posies, como ado sol nascendo bem sobre a pedra do salto, no dia do solscio do vero,e pondo-se, se voc esver olhando do lugar certo, dentro do retngulode um dos trlotos, no solscio do inverno. Um autor... Sir Arthur Evans,se no me engano... observou que o sol parecia estar entrando em umtmulo, o que se ajusta a uma religio primiva, mas Hawkins descobriumais alinhamentos astronmicos que seus antecessores sequer sonha-ram... do sol e da lua. Contudo, sua grande descoberta foi que aqueles

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    sacerdotes supostamente primivos eram capazes de prever importantesacontecimentos astronmicos, especialmente os eclipses, que provoca-vam tanto terror, com grande antecedncia, apenas com uma ligeira revi-so de seus clculos em cada trs sculos.

    Que coisa fantsca! exclamou Preddie, impressionado. Como podiam eles conseguir isso?

    Voc conhece os chamados buracos de Aubrey em algumaspedras. Os cienstas nunca foram capazes realmente de explic-los eHawkins imaginou que eles formavam uma mquina digital de clculo,que os eclipses podiam ser previstos em um ciclo de 56 anos e haviaprecisamente 56 buracos de Aubrey! Podiam ser ulizados para assina-lar os anos. Se seis pedras eram colocadas em determinados intervalos e

    movendo-se uma pedra por ano, o eclipse ocorria quando certo buracocoincidia com a pedra correspondente. Hawkins provou sua teoria em umminuto, com um moderno computador, alimentando-o com seus dados.Os angos pensavam que os buracos de Aubrey se desnavam a algumasnalidades rituais, inclusive cremaes, mas este aspecto secundrio.

    Preddie adorava falar do ritual de cremaes, mas eles j haviamchegado a uma bela manso georgiana em Mayfair, endereo de Donat, oque adiou as discusses arqueolgicas. Estacionaram o carro e saltaram,segurando os chapus, embora o vento fosse em Londres mais brandoque nas plancies de Salisbury.

    Quando entraram, viram que a manso fora dividida em aparta-mentos. No houve diculdade em localizar o de Donat e foi ele prprioquem abriu a porta. Era um homem moreno, bem-apessoado, com umporte atlco e um rosto queimado de sol, como seria de esperar de umarquelogo ou de um grande caador, pensou Faulkner. Colocou-se

    imediatamente s ordens do inspetor, para auxiliar no que esvesse a seualcance o que achava que no seria grande coisa.

    Os Carmichaels? Oh, sim, eles se mudaram para c recentemen-te disse ele, encaminhando os visitantes para uma sala de estar, ondese misturavam os odores de coisas angas e do couro das poltronas. Um belo casal. Ela era inexcedvel em conhecimentos sobre Stonehenge.Estvamos trabalhando em um dos problemas que Hawkins no conse-guiu resolver, o Crculo de Arenito de Stonehenge II. Escrevemos a respei-to, se o senhor est interessado.

    Mais tarde, obrigado replicou Faulkner, com toda a sinceri-dade. No momento estamos invesgando o assassinato da Sra. Carmi-chael.

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    Santo Deus! Eu sabia que ela era instvel, mas... assassinada? O que quer o senhor dizer com instvel? Bem... muito emova. Parecia amedrontada. E terrivelmente

    obcecada pelo oculsmo. Por vezes me deixava enervado. Estava sen-do tratada por uma psiquiatra, o senhor deve saber. Uma amiga minha,por sinal. Felicity a conheceu aqui em casa. Quer conhec-la?

    Oportunamente replicou Faulkner, cruzando suas compridaspernas. Desejo primeiramente fazer umas perguntas ao senhor.

    Como queira disse Donat vontade, recostando-se em suapoltrona de couro. Antecedentes, etc, suponho. No creio, porm, quelhe possa fornecer muitos dados.

    Faulkner hesitou; Donat estava representando muito bem o seu pa-

    pel se que se tratava de uma representao. Ela era bem atraente, no era? comeou, tentavamente. Sim, para quem gosta desse po. Quanto a mim, confesso que a

    achava um tanto coquete demais respondeu Donat secamente. O senhor no estava interessado nela... pessoalmente? Quem lhe meteu essa idia na cabea? perguntou Donat sar-

    donicamente. No vai-me dizer que o velho Alex Carmichael pensavaisso? No, inspetor acrescentou com um muxoxo esquea essa pista.No sou dessas coisas.

    Est representando, pensou Faulkner. Resolveu ser mais incisivo: Onde esteve ontem noite? O senhor parece estar falando srio disse Donat, parecendo

    diverr-se. Com uma amiga. Ela poder conrmar. Geralmente conrmam replicou Faulkner secamente. O se-

    nhor j nha visto esta arma? perguntou, mostrando o punhal.

    Donat cou em silncio durante algum tempo e a tenso aumen-tou.

    Inspetor Faulkner disse ele por m aceite minhas descul-pas. Subesmei-o. Pensei que se tratasse de um mexerico, mas vejo queme enganei. O senhor no vai acreditar, mas esse punhal me foi roubadoe posso provar. O senhor ter de falar com minha amiga. Ela a psiquiatrada qual lhe falei e mora justamente no apartamento no outro lado dosaguo.

    Como se fosse um ato combinado, ouviu-se uma leve bada naporta e, sem esperar resposta, entrou uma bela e elegante mulher, comuma farta cabeleira loura.

    Gary. .. Oh, desculpe! No sabia que havia visitas.

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    Sua voz era melodiosa, com um leve sotaque. Vienense, pensouFaulkner, com a impresso de que ela esvera escutando a conversa.

    Na verdade, eu ia justamente cham-la apressou-se a dizerDonat. O Inspetor Faulkner e o Sargento Preddie pertencem polciade Wiltshire e esto invesgando o assassinato de Felicity Carmichael.Senhores, esta a Dra. Amalie Angel.

    Como h doutores neste caso!, pensou Preddie. E nenhum capazde curar uma unha encravada (nisso, ele estava enganado, pois a Dra.Angel era formada tambm em medicina).

    Entrementes, ela estava dizendo a Faulkner: Mas isso terrvel! Sim, ela era minha paciente, mas nada posso

    falar a respeito de seu caso sem violar segredos prossionais.

    Uma vez que ela est morta, a senhora no acha que poderianos ajudar, informando-nos qual o problema dela? perguntou Faulk-ner, procurando imaginar at a que ponto uma psiquiatra apaixonada ob-servaria padres de ca prossional.

    Talvez o senhor tenha razo, mas preciso meditar mais sobre oassunto. Tenho realmente uma idia do ponto que o senhor deve explo-rar.

    J uma ajuda replicou Faulkner friamente. E o maridodela sabia dessas consultas?

    Sim, embora no as aprovasse.Considerando que no havia mais nada que qualquer dos dois dou-

    tores quisessem declarar, Faulkner solicitou que eles cassem disponveispara futuros interrogatrios e se rerou, acompanhado de Preddie.

    Essa voc ganhou, Hugh concedeu Faulkner, quando regressa-vam para Salisbury, escando com diculdade suas longas pernas no pe-

    queno automvel ingls. Carmichael esteve em Londres durante todaaquela tarde e regressou pelo primeiro trem de hoje de manh, conformedeclarou, mas ele bem poderia ter sado sorrateiramente de sua reunio,apanhado um automvel veloz e voltado a tempo de ser visto em seu clu-be mais tarde. No podemos considerar que ele tenha um libi.

    Desculpe ponderou Preddie mas se ele sabia que a esposaestava em tratamento com a Dra. Angel, por que pensou que nha idoencontrar-se com Donat?

    Temos somente as declaraes deles a esse respeito lembrouFaulkner. Se ela sofria realmente de um problema mental, gostariamuito de saber qual era ele.

    Pouco alm do Wheat Sheaf Inn, Faulkner disse a Preddie que no

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    tomasse a estrada que os levaria diretamente a Salisbury. Preciso dar mais uma olhada na cena do crime explicou.O inspetor nunca deixava de excitar-se com a aproximao das ve-

    lhas pedras. A parr do momento em que se entra na longa estrada reta,correndo a perder de vista sobre a monotonia da plancie sem a menorondulao, os primeiros pontos que surgem no horizonte so os peque-nos montes de pedras, que vo-se tornando cada vez maiores, at domi-narem completamente a paisagem.

    Os dois homens deixaram o carro no estacionamento, agora re-pleto, atravessaram a estrada e compraram duas entradas. Caminhandoatravs dos grupos de turistas espalhados pelo parque, falando alto erando fotograas, eles se dirigiram para a Pedra do Altar. Uma garota

    gorducha, dando risadinhas, estava posando no lugar onde, poucas horasantes, esvera um cadver; seu companheiro procurava um ngulo maisfavorvel para a foto.

    Por que aqui, Hugh? resmungou Faulkner. Ser que aquelapobre mulher sofria de uma espcie de desequilbrio que a tornava umavma a ser sacricada? Um relacionamento doeno com Donat ou comoutro homem? Vamos falar com Carmichael acrescentou, sacudindo osombros. Quero saber o que tem ele a declarar a respeito da necessida-de de sua mulher de consultar um psiquiatra.

    Certamente o senhor no est acreditando nisso, inspetor. Foio que disse ele, em tom condescendente, ao ser perguntado. Felicityme comunicou que resolvera consultar essa Dra. Angel, mas isso era ape-nas um pretexto para juscar suas idas a Londres to frequentemente.Posso assegurar-lhe que ela estava perfeitamente s e feliz. No tenho

    dvida de que todas as pessoas que nos conhecem, conrmaro o quedigo.

    Talvez conrmem, pensou Faulkner, mas no o casal que ele entre-vistara em Londres.

    Ela no... no pracava o oculsmo? arriscou Faulkner. Meu caro senhor replicou Carmichael asperamente eu al-

    gumas vezes sou levado ao exagero, pelo estudo da matemca dos an-gos. Isso quer dizer que sou um desequilibrado? No acrescentou,voltando sua atude anterior de abandono e tristeza. Estou certo deque ela o visitava. Tenho minhas razes. No era por nada que ela arran-jou uma peruca para disfarar sua aparncia.

    De sbito, o matemco cobriu a cabea com as mos.

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    Desculpem murmurou aps alguns momentos. No possofalar neste assunto sem descontrolar-me. Eu a amava demais. Queria queela voltasse, inspetor. Redobraria meu carinho, para faz-la esquecer atransgresso. Foi apenas uma fragilidade feminina de parte dela.

    Faulkner disse algumas palavras de consolo e rerou-se com Pred-die.

    Vamos para a delegacia, Hugh disse Faulkner, quando os doishomens voltaram para o carro. Tenho quase certeza, mas quero pensarmais um pouco. Ocorreu-me tambm uma idia a propsito do que a Dra.Angel me disse e preciso falar com ela.

    O senhor j solucionou o caso, inspetor? Vamos ver replicou ele, mas no nmo sabia que nha a solu-

    o. Os dados estavam todos ali, para ser redigida a resposta, e ele nal-mente conseguira perceb-la.

    O caso angiu seu ponto culminante naquela noite.O luar estava menos claro do que na vspera, porque nuvens pesa-

    das cruzavam o cu.Ela estava sentada na Pedra do Altar, esperando, as longas pernas

    bem torneadas balouando-se tranquilamente. Foi ento que ele chegou,inicialmente uma forma indecisa, deslizando em meio s sombras inter-mitentes produzidas pelos gigantescos monumentos.

    Voc veio! exclamou ele em tom baixo, ao chegar mais perto. Achei que voc precisava de minha ajuda respondeu ela, com

    seu doce sotaque. Voc disse que sabia tudo. Este um lugar muito apropriado

    para nosso encontro. Voc sabe o qu?

    Voc queria voltar cena do crime. Porque quero cometer outro corrigiu ele, sem elevar o tom de

    voz. A lua apareceu a tempo de iluminar a faca de cozinha que ele nhana mo. De repente, sacudiu a cabea.

    O que h? perguntou ela tranquilamente. Estas pedras... um absurdo, mas s vezes elas parecem... vivas.

    No sente isso? O senhor no est de todo errado, doutor. Largue essa faca!Faulkner falara energicamente, seu vulto confundido com sombras

    que de repente se movimentaram, medida que os policiais saam de trsdas pedras. O crculo foi-se fechando em torno da Pedra do Altar.

    O luar apareceu outra vez, batendo em cheio nos cabelos grisalhos

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    e desalinhados do homem que os policiais seguravam rmemente. Voc foi apanhado, Carmichael! exclamou Faulkner, jubilante. Amalie, sua idiota!Donat estava abraado analista to rmemente e, por certo, com

    muito mais ternura do que os policiais seguravam seu prisioneiro. Querida, voc foi maravilhosa. Estava apavorada replicou ela, aninhando-se nos braos de

    Donat. Seus desgraados! berrou Carmichael. Esto todos manco-

    munados para fazerem de mim um marido enganado, mas matarei todosvocs!

    Entretanto, a polcia j o havia desarmado e o arrastava do local.

    Inspetor disse Donat quando eu trabalhava em Stonehen-ge, hospedei-me em um encantador hotelzinho em Devizes, chamado OUrso. Poder reunir-se conosco l e esclarecer tudo?

    Com prazer respondeu Faulkner. Tenho uma dvida comesta corajosa senhora pelo risco que correu, pela maneira como faloucom ele, tendo concordado em vir aqui. Uma mulher voluntariosa, comopoucas que tenho conhecido.

    Amalie me disse que o senhor nha previsto tudo estava di-zendo Donat, muito admirado, a um complacente Faulkner, pouco tempodepois, todos sentados em torno de uma mesa do bar de O Urso.

    Uma poro de coisas no faziam sendo, at que Carmichael setraiu comeou Faulkner. Quando revi os acontecimentos sob novaluz, tudo se encaixou nos devidos lugares. Achei que a conscincia pros-sional da Dra. Angel no a impediria de colaborar na cena que eu j haviamontado. Especialmente acrescentou com um sorriso porque assim

    o senhor caria inocentado. Vi logo que ela no seria de todo indiferentea este detalhe.

    Se houvesse um romance prosseguiu o inspetor o movono seria problema. Porm, se o senhor e a Dra. Angel esvessem fa-lando a verdade, a princpio no consegui anar por que razo o senhorou Carmichael desejariam mat-la, a menos que o problema mental delaimplicasse consequncias desconhecidas. Todavia, a parr do momentoem que ele me deu razes de que estava inclinado a assassin-la, percebique havia outra alternava, isto , que ela no estava mentalmente en-ferma, mas ele sim, dominado por um cime que se tornara irracional,necessitando de auxlio para ser enfrentado. Eu precisava da conrmaoda Dra. Angel. Assim, ele pensaria que realmente era um marido trado. A

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    propsito, o senhor sabia dessa convico e ngiu ignor-la. Pareceu-me prudente desculpou-se Donat. Carmichael enviou esposa um telegrama marcando o encontro

    em Stonehenge connuou Faulkner. Confessou-me mais tarde o queeu j imaginara: que no nha assinado o telegrama para que ela pensas-se que fora o senhor quem o mandara. O fato dela comparecer constuiua prova nal de que necessitava sua mente doena.

    Ele nunca me pareceu que esvesse com a cabea desregulada comentou Preddie.

    essa a verdadeira parania explicou a Dra. Angel. Lgicano quadro da deluso e inteiramente normal fora dele. O esquizofrnicoparanico acha que o mundo todo conspira contra ele, porque Napo-

    leo ou um prncipe destronado, mas o verdadeiro paranico tende maisa pensar que sua esposa inel e inventa uma srie de provas a m deconrmar sua deluso.

    Como o cabeleireiro acrescentou subitamente Preddie. Elarealmente nha uma hora marcada.

    Esta foi a revelao para ns prosseguiu Faulkner. Ela com-prou a peruca ontem, depois de ter ido a Londres, e no a estava usan-do, quando Carmichael a idencou; entretanto, ele comentou que suamulher lhe parecera muito diferente de peruca. A concluso foi que elecertamente a vira assim, ao mat-la.

    Mas por que Stonehenge? perguntou a Dra. Angel. A lou-cura dele no era do po de acreditar em sacricios.

    Questo de facilidade explicou Faulkner. Seu libi exigiaque ela fosse encontrada a tempo de ser estabelecida a hora de sua mor-te; tambm era necessrio um lugar apropriado para executar o crime. Se

    fosse em casa, arriscava-se a ser visto pelos vizinhos, quando, segundoseu libi, deveria estar em Londres. Stonehenge era o lugar ideal, pblicodurante o dia e fechado, mas acessvel noite. Ademais, era outro indciocontra Donat. Carmichael queria puni-lo tambm.

    Tenho uma pergunta para a senhora, Dra. Angel acrescentouo inspetor. A senhora acreditava em sua paciente, no mesmo? Nose inclua no campo das possibilidades o fato de que fosse ela a doente,inventando uma falsa histria?

    No neste caso, inspetor respondeu a bela analista, sorrindo. Eu sabia que Gary no estava tendo qualquer romance com ela, mes-mo porque eu no lhe dava tempo. O senhor est convidado para nossocasamento, que no vai demorar.

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    E j tendo bebido durante todo o tempo de explicao do caso, elesbeberam ainda sade dos noivos.

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    PODE CHAMAR-ME DE NICK

    Jonathan Craig

    Ele o receber dentro de poucos minutos, Sr. Wilson disse aespetacularmente bonita secretria, ao colocar o fone no gancho, sorrin-

    do para ele do outro lado da grande sala de espera. Obrigado replicou Harry, tentando inulmente no car

    olhando para ela. A moa no usava roupa. Ningum ali usava, natural-mente, mas nem todos nham as curvas harmoniosas daquela estrela decinema que morrera havia to pouco tempo. Ele esfregou os olhos.

    Seria conveniente se o senhor lhe dissesse alguma coisa sobreseus chifres aconselhou a secretria.

    Sobre o qu? Seus chifres. Ele um amor, mas um pouco vaidoso a respeitodos chifres. Estou certa de que caria muito sasfeito se o senhor zessea eles uma referncia elogiosa.

    Com muito prazer prometeu Harry, ainda sem xito nas suastentavas de desviar os olhos daquele espetculo maravilhoso. E obri-gado pela sugesto.

    A secretria sorriu novamente e voltou sua mquina de escrever.

    Senhorita? Pois no? Ele costuma entrevistar todos os recm-chegados como eu? Oh no! respondeu a secretria, com aquela voz doce e ten-

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    tadora que ele no esquecera, gravada em sua memria por mais de umadzia de lmes. Ele no teria tempo. Chegam milhares todos os dias,entende? Por vezes, dezenas de milhares.

    Ento imagino que meu caso deva ser muito especial. Eu no me preocuparia, se fosse o senhor. Estou certa de que

    tudo acabar muito bem. Espero que sim replicou Harry. J estou aqui h quatro

    horas, mas... Bem... Foram as mais felizes e maravilhosas de toda a minhavida.

    A secretria deu uma risada. No propriamente de sua vida corrigiu ela. Mas entendo

    o que o senhor quer dizer, Sr. Wilson. Todos os recm-chegados tm a

    mesma impresso.A cigarra do interfone soou suavemente. A secretria apanhou o

    fone, escutou durante um momento, depois virou-se para Harry: O senhor pode entrar, Sr. Wilson.Harry levantou-se, dirigiu-se para a porta pintada de preto com um

    S dourado no centro e torceu a maaneta. No se esquea recomendou ainda uma vez a secretria.

    Diga alguma coisa elogiosa a respeito dos chifres. Fique descansada respondeu Harry, entrando no gabinete.A criatura sentada atrs de uma larga escrivaninha sorriu delicada-

    mente, levantou-se e estendeu-lhe a mo. Foi muito amvel de sua parte ter vindo, Harry, e tenho imenso

    prazer em conhec-lo.A voz era grave e melodiosa, autoritria mas controlada, como con-

    trolada era a fora da mo que apertara a de Harry.

    Obrigado, senhor. Pode chamar-me de Nick disse a criatura, indicando uma ca-

    deira ao lado de sua escrivaninha. No temos muita formalidade aqui,Harry. Sente-se e vamos conversar um pouco.

    Depois que ambos se sentaram, Nick se recostou em sua poltrona,cruzou as mos sobre a nuca e olhou afetuosamente para Harry.

    Aquela cordialidade era genuna, sem dvida, pensava Harry, massena que, a despeito dos modos aparentemente despreocupados deNick, havia alguma coisa que o perturbava, como se vesse uma nociadesagradvel para transmir e no encontrasse jeito de faz-lo.

    Bem, Harry, agora que voc j viu uma parte de meus domnios,qual a sua impresso?

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    tudo to maravilhoso que nem posso acreditar! Muito diferente do que lhe diziam, no ? Essa uma maneira generosa de comentar. Para dizer-lhe a ver-

    dade, senhor... Nick. Sim. Para ser honesto, Nick, jamais me passou pela cabea que

    houvesse um lugar assim.Nick deu uma boa risada. E a respeito daquele outro lugar, Harry? Voc tambm no acre-

    ditava no que diziam dele, no mesmo? Realmente, no. Na verdade, nunca pude chegar a uma conclu-

    so a respeito dos dois.

    Bem, o outro est l em cima disse Nick. Voc est aqui jh mais de quatro horas, segundo me parece.

    Sim. E que horas maravilhosas. Nunca me diver tanto, duranteos 30 anos em que esve vivo, como nas poucas horas depois que morri.

    Voc gostou de nossas garotas, no foi, Harry? E quem no gostaria? A beleza das garotas que vocs tm aqui...

    e sem roupas! Ah, verdade. E os sales de jogo? Nunca vi nada semelhante, nem mesmo no cinema. E os diversos... como direi?... espetculos? Oh, fabulosos! Absolutamente fabulosos repeu Harry, lem-

    brando-se ento do que a secretria lhe recomendara. Espero quevoc no pense que estou abusando de sua informalidade, Nick, mas noposso deixar de me surpreender com o maravilhoso par de chifres quevoc tem.

    Ora, quanta genleza, Harry. Fico-lhe muito grato replicouNick, visivelmente envaidecido. Na verdade, porm, o efeito se devea um creme especial para chifres, que estou usando. Indicou com umgesto de cabea um pequeno pote que servia como peso de papis eacrescentou: uma frmula que venho aperfeioando pessoalmente,atravs dos lmos milnios, tantos que at j perdi a conta.

    muito eciente, por certo. Entretanto disse Nick com um sorriso por mais agradvel

    que sejam nossos domnios aqui embaixo, h alguns srios inconvenien-tes.

    No sou capaz de imaginar quais possam ser. Pelo que vi atagora, todo mundo est muito feliz.

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    Sim, verdade, mas voc no acha um pouco quente? No muito. Mal d para se notar. a atmosfera, entende? Anal de contas, temos certa tradio

    a ser manda. O cheiro do enxofre, por exemplo... Voc no acha desa-gradvel?

    Nem um pouco. verdade que os vapores a princpio me irrita-ram os olhos. Mas estou certo de que me habituarei logo com isso. At jnha-me esquecido.

    Fico contente em ouvir isso.Nick cou em silncio por uns instantes, depois disse: Harry... Pois no, senhor... quero dizer, Nick.

    Harry, receio que tenha ms nocias para voc.Harry engoliu em seco. Ms nocias? Sim, Harry, muito ms. que houve um engano. No sei bem

    como, mas houve. No faz muito tempo que instalamos um computadorna Seo de Pessoal e pode ser que tenha ocorrido uma falha, por falta deprca. Ou talvez o erro tenha sido na Seo de Seleo. Como natural,o Comit de Seleo no infalvel. Em qualquer caso, Harry, houve umengano muito desagradvel, que raramente acontece aqui acrescentouNick, visivelmente constrangido.

    Engano? Sim respondeu Nick com um suspiro. No adianta tentar

    adoar-lhe a plula. A dura verdade que voc no est qualicado parapermanecer aqui.

    Harry quase caiu da cadeira.

    O qu? No estou qualicado? Lamento muito, Harry, mas por direito voc deveria ter ido para

    outro lugar. Mas j estou aqui e me sinto muito bem. No posso entender. O caso simplesmente que voc no tem as devidas credenciais,

    Harry explicou Nick, folheando uma pasta que estava sobre a escriva-ninha. Esta a sua cha. Voc nem sequer foi uma criana malcriada.Em toda a sua vida, at o momento em que morreu, algumas horas atrs,nunca cometeu um pecado grave, nunca fez algo de condenvel, Harry,nem ao menos um pensamento maldoso. dicil encontrar-se no arquivouma vida to sem manchas como a sua, nos lmos cem anos.

    Escute... quis Harry ponderar, mas comprimiu os lbios e cou

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    olhando para o cho. Era verdade. Ele jamais pracara um ato desonestoem toda a sua vida.

    Espero que compreenda a minha posio disse Nick. Since-ramente, no tenho alternava.

    Quer dizer que vai me mandar l para cima?Nick balanou a cabea tristemente. Vou, por mais que isso me doa. Voc no merece estar aqui, Har-

    ry. No sasfaz as condies. No imagina o quanto lamento, mas tenhode mand-lo l para cima.

    Os ombros de Harry se curvaram desanimadamente. E como so as coisas l em cima? perguntou, amargurado. Oh, voc acabar gostando respondeu Nick, tentando impri-

    mir um tom alegre na voz. muito... repousante, vamos dizer. Repousante? Sim, qualquer coisa nesse sendo. Mas antes que me esque-

    a, Harry, voc tem bom ouvido para msica? Um instrumento adorvel,como a harpa, por exemplo...

    Sou incapaz at mesmo de cantar no banheiro. Ademais, tenhoos dedos duros. Eles realmente tocam... tocam harpa l em cima?

    verdade. Tocam. E o que mais fazem?Nick sacudiu os ombros, como quem se desculpa. No muita coisa mais, acho eu, Harry. Voc, naturalmente ter

    asas, de modo que poder voar quando lhe aprouver. Entendo murmurou Harry. Tocar harpa, voar... Reconheo que o lugar no l muito convidavo. Escute disse Harry de repente. Certa vez ganhei 20 dlares

    numa rifa l no escritrio e no inclu na minha declarao de renda!O sorriso de Nick foi de compaixo. Lamento, Harry, mas no basta. tudo to irnico. Edna sonha em ir l para cima. Est certa de

    que vai. Ela ... Quem Edna? Minha mulher. Ah, sim! disse Nick, consultando outra vez a cha de Harry.

    Acho que tenho uma memria muito fraca para nomes. A verdade que ela deseja muito ir para l. Vive dizendo que mal

    pode esperar. E eu... sou eu que acabo indo, quando tudo o que quero car por aqui.

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    Hum... resmungou Nick, estudando a cha. Sua mulherparece no ser de brincadeiras, Harry.

    Ah, ela um bocado durona, Nick. No quero entrar em assuntos nmos mas, a julgar pela cha,

    parece que ela nunca lhe deu uma folga, Harry. Bem... ela sempre foi muito voluntariosa admiu Harry. Parece que sim. Ela nem deixava voc fumar seu cachimbo den-

    tro de casa? No. Nem beber um gole? Uma cervejinha nos dias de aniversrio? No. Nem fazer um joguinho de boliche com os amigos, de quando

    em vez? No. E exigia que voc lhe entregasse o cheque do salrio da semana? Sim. E lhe dava uma diria de dlar e meio para o almoo e o nibus? Sim. E o que acontecia com o restante do salrio? Ela era muito gastadeira. Imagino. E verdade que ela fazia voc dormir num catre na

    cozinha? . Entretanto, aqui na sua cha consta que vocs moravam num

    apartamento de dois quartos. Havia uma ligao telefnica entre o quarto onde ela dormia

    e a cozinha. Assim, ela podia me chamar, se precisasse de alguma coisa

    durante a noite... um copo dgua, por exemplo.Nick fechou a pasta e sentou-se, tamborilando suavemente sobre o

    tampo da escrivaninha, com as unhas bem manicuradas de suas garras, oolhar perdido em profunda meditao.

    Neste momento disse por m so trs e quarenta e cincoda madrugada l no seu pas. Voc morreu durante o sono cerca de qua-tro horas atrs.

    Foi. Sua mulher ainda estar dormindo, no mesmo? Com certeza. E ningum sabe l embaixo que voc morreu? Ningum, mas...

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    Harry, voc nunca pracou um ato condenvel em toda a suavida. Se eu deixar voc voltar para l durante alguns minutos, acha queseria capaz de fazer alguma coisa diablica?

    Eu... eu poderia tentar. Tentar s no basta insisu Nick. Voc ou no capaz de

    cometer um grande pecado, Harry? Responda francamente: sim ou no? Acho que... A resposta sim, Nick. Sou capaz. mo replicou Nick, sorrindo. Uma vez que voc capaz,

    posso deixar que que aqui. mesmo? disse Harry, todo eufrico. Puxa, Nick, isso

    formidvel. Pobre Harry. S sabe dizer puxa. Nunca aprendeu um palavro?

    Mas no faz mal acrescentou com uma risada. Acho que voc jadivinhou o que ter de fazer.

    Bem... eu... Sendo voc quem , nunca poderia adivinhar, mas tudo ser

    muito rpido e muito simples. E depois que ver terminado, voc podervoltar para c, na qualidade de residente para toda a eternidade.

    Terei sasfeito as condies? Inteiramente. E o que devo fazer? Voc se levanta da cama... ou melhor, do catre, l na cozinha,

    bem vivo. No ter diculdade em achar uma boa faca, Harry. Agarre essafaca e... Harry comeou a respirar com diculdade. Voc disse quesua mulher quer ir para aquele lugar l em cima, no disse?

    Sim, mas... Ento voc vai tornar realidade o sonho dela. Estar pracando

    um ato louvvel, Harry. Em certo sendo, acho que sim, entretanto... Nada de entretantos, Harry. Alm de um favor sua mulher, voc

    estar cometendo um crime... o que um ato diablico... desse modoqualicando-se para ser admido aqui, onde voc tanto deseja car.

    Harry senu que a excitao tomava conta dele. Isso mesmo, Nick! Voc tem toda a razo. Edna e eu... ns dois

    vamos ter exatamente o que desejamos. E eu tambm vou ter o que desejo disse Nick. Simpazei

    com voc, Harry, e gostaria muissimo de t-lo conosco. Nem encontro palavras para agradecer-lhe.Nick deu um muxoxo.

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    Por favor, no pense nisso. Podemos ento embarc-lo para ocumprimento de sua pequena tarefa?

    Sim, claro replicou Harry, levantando-se de um salto, cheiode entusiasmo. Quanto mais cedo, melhor.

    Apenas mais uma coisa, Harry disse Nick, apanhando o fone. Uma vez mandado de volta, voc dispor somente de cinco minutos.As normas relavas a procedimentos especiais, como o caso, so bas-tante inexveis. Cinco minutos, Harry. Nem um segundo mais.

    Isso tempo mais do que suciente para o que tenho de fazer. Claro que . Falei apenas para que voc casse informado.

    Apertou um boto no interfone e disse secretria: Faa o favor deprovidenciar o imediato retorno do Sr. Wilson a seu corpo. E avise Seo

    de Recepo que ele dever ser readmido aqui. Sim, senhor disse a voz melua da secretria. Puxa! exclamou Harry. bom demais para se acreditar!Nick levantou-se, apertou a mo de Harry, bateu-lhe amavelmente

    nas costas e o acompanhou at a porta. Boa sorte, meu velho. Voc estar de volta num abrir e fechar de

    olhos. No se preocupe.Quando Harry recobrou a conscincia, os ponteiros luminosos do

    relgio da cozinha marcavam exatamente cinco minutos para as quatro.Havia neve acumulada no peitoril da janela e um luar moro se inltravapela janela, gelado e triste.

    Harry levantou-se silenciosamente de seu catre, apanhou o facoda cozinha, guardado junto pia, e caminhou nas pontas dos ps at oquarto da esposa.

    Ao chegar junto ao leito, parou durante quase um minuto, at que

    seus olhos se acostumassem com a escurido. Sua mulher dormia pro-fundamente, ressonando, e nada mais era do que uma massa informeembaixo do cobertor eltrico.

    Harry puxou a ponta do cobertor, deixando a descoberto o corpode Edna, at a cintura. Depois, levantou o faco acima da cabea, tomouposio a uma distncia conveniente, apertou com fora o cabo da arma,curvou-se para trs a m de tornar o golpe mais forte, respirou fundo e...cou imvel. No momento exato, faltou-lhe coragem para o impulso nal.A seguir, muito lentamente, baixou o faco.

    O suor lhe umedecera as palmas das mos, apesar do frio que rei-nava no quarto, e ele as enxugou na aba do casaco de seu pijama. O peitolhe doia e ele se deu conta de que ainda estava com a respirao presa.

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    Encheu os pulmes de ar e moveu os ps, tentando deter o tremor quelhe sacudia os joelhos.

    Tenho de conseguir, dizia ele para si mesmo. Tenho de pracar umato diablico.

    Levantou o faco novamente e se concentrou de corpo e alma paradesferir o golpe que o qualicaria para a admisso no lugar onde to de-sesperadamente desejava car. Novamente aconteceu como da primeiravez. Permaneceu como paralisado, o faco suspenso no alto, enquanto ossegundos se escoavam e o tremor dos joelhos lhe subia pelo corpo todo.

    Na rua, l embaixo, um automvel passou, ouvindo-se um elo que-brado das correntes contra a neve bater no pra-lama. De um ponto lon-gnquo, no outro lado da cidade, a sirene de um carro da polcia uivou

    lugubremente; depois, o silncio voltou.No posso fazer isso, pensou Harry. Simplesmente no posso. claro que voc pode, dizia uma voz em outra parte de sua mente.

    E deve. Eternidade um longo tempo, Harry. Voc quer passar todo eleem um lugar onde somente poder tocar harpa e voar de um lado paraoutro?

    No!, decidiu Harry. No! No suportaria tal situao, sobretudodepois de ter visto como era o outro lugar. Simplesmente no seria capaz.

    Ento, mate-a, dizia a voz. Olhe o relgio na mesinha-de-cabeceira.Seu tempo est se esgotando, Harry. Voc no quer voltar para l, para

    junto de Nick? Ficar com todas aquelas garotas sem roupa, rever os espe-tculos fabulosos e as demais coisas maravilhosas que l existem?

    Sim! Oh, sim!Ento, mate-a, repeu a voz. Se quiser passar a eternidade l,

    preciso qualicar-se. Restam-lhe apenas alguns poucos segundos, Harry.

    Basta levantar o faco outra vez... assim... est bem... e...Harry fez o gesto e o repeu vrias vezes.Consegui!, pensava ele, exultante, ao arrancar o faco do corpo de

    sua mulher. Estou qualicado! Posso ir para o inferno!

    Meus cumprimentos, Sr. Wilson disse a harmoniosa secre-tria com um sorriso, quando Harry entrou na ante-sala do gabinete deNick. Viu como foi possvel? O senhor teve xito, apesar de no ser deseu feio.

    Cheguei a pensar que no poderia faz-lo replicou Harry. No sei o que se apossou de mim.

    A secretria riu.

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    Eu sei. Ele se apossou do senhor, Sr. Wilson. De fato, ele costumaapossar-se de uma poro de gente.

    mesmo? Ah, sim. Ele est esperando pelo senhor. Pode entrar. Obrigado disse Harry, abrindo a porta do gabinete.Nick estava sentado atrs de sua escrivaninha, sorrindo aberta-

    mente. Bom trabalho, Harry. Seja bem-vindo de volta. formidvel estar de volta, posso garanr-lhe replicou Harry

    alegremente. Mas houve um momento em que pensei que no pode-ria cumprir a misso.

    Voc foi soberbo, Harry. Magnicente. Uma atuao verdadeira-

    mente esplndida em todos os sendos. tudo to maravilhoso! Nunca me sen to feliz. Agora j posso

    ir e me diverr um pouco l fora? Ainda no. Todos esses alegres pecadores que voc viu andando

    por a esto apenas aguardando a concluso de seus processos. Dentroem pouco eles iro para o respecvo inferno, conforme for designado.

    O qu? perguntou Harry. Iro para onde? L para baixo. E no caso de voc espantar-se com a minha enor-

    me capacidade de ao, que sabendo que ela se deve inteiramente aosNicks auxiliares, por assim dizer, criaturas muito semelhantes a mim. Anica exceo a minha belssima secretria, que conservo nessas fun-es por movos to fortes quanto bvios.

    No estou compreendendo disse Harry.Nick apertou um boto em sua escrivaninha. Olhe para trs.

    No momento em que Harry se voltou, uma grande parte do soalhosubitamente deslizou para um lado, deixando a descoberto uma enormefornalha a seus ps. Harry tossiu, recuou um passo e cou com o olhargrudado em uma cena de to indescrivel horror que suas pernas come-aram a tremer.

    L embaixo, at onde alcanavam seus olhos, estavam aos milharesas almas torturadas, nuas e presas em grilhes, debatendo-se num marrevolto de chamas e rochas incandescentes. Gritos de agonia e gemidosde desespero enchiam o ar enfumaado e o cheiro do enxofre se mistura-va com o de carne queimada.

    Harry virou-se, senndo que Nick estava atrs dele. Com os chifresreluzindo, ele ria tanto que chegava a haver lgrimas em seus olhos.

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    Voc me enganou! conseguiu Harry dizer, a voz trmula depavor. Voc estava apenas abusando de mim!

    Claro que estava admiu Nick. Mas por qu? Por qu? repeu Nick, seus olhinhos amarelos brilhando ale-

    gremente. Ora, apenas por puro prazer, Harry. Anal, precisamos teralgum divermento por aqui. Voc no gostaria de dar umas risadas devez em quando?

    Que coisa diablica! exclamou Harry. diablica mesmo disse Nick e, com uma gargalhada, empur-

    rou Harry de costas para dentro da fornalha.

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    UMA NOITE DE NOVEMBRO

    Douglas Farr

    Lyle Beckwith era um homem metdico, que acreditava que sepode organizar o futuro to bem quanto o presente; o futuro, simples-

    mente fazendo previses e preparando-se para quaisquer eventualidades at mesmo a de ser assaltado e roubado em plena rua.

    Tal violncia se tornara uma possibilidade na vida de Lyle Beckwith,porque uma vez por semana ele nha que sair noite, geralmente ssegundas-feiras. Ao invs de voltar para casa, hora do jantar, ele guia-va seu carro at pracamente o outro lado da cidade, para fazer a con-tabilidade do Mercado Garman. O Sr. Garman pagava a Lyle 15 dlares

    semanalmente por esse servio uma boa remunerao, achava Lyle,em troca de umas trs horas de trabalho. E esses 15 dlares lhe eramespecialmente importantes, porque pagavam as lies de msica de suaslhas Sandra e Sheila, alm de algumas comprinhas extraordinrias tudo sem violar o oramento bsico de Beckwith.

    Para ganhar esse reforo semanal, Lyle pesara os perigos. O Mer-cado Garman distava um quarteiro da Majesc Avenue, que era bemiluminada e nha sempre muito trnsito. Lyle precisava pensar tambm

    na segurana de seu automvel, de modo que achou melhor estacion-lona praa, de preferncia junto a um poste de iluminao. Normalmente,ele chegava ao mercado pelas sete horas e regressava entre dez e dez emeia. Assim, teoricamente, seu nico risco era no trecho representado

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    pelo quarteiro entre o mercado e a Majesc, s dez horas da noite. Naverdade, era um risco pequeno.

    Apesar disso, ele elaborara um plano de ao, prevendo possveleventualidade. O plano inclua sua pasta uma surrada maleta de courofechada por um zper que vivia emperrado. Lyle levava sempre a pastaconsigo, para dar a impresso de que seu servio no escritrio era toimportante que se tornava necessrio trazer parte do trabalho para casa noite, a m de melhor estud-lo. A pasta era uma camuagem, pois serviaapenas para levar o almoo e, nas segundas-feiras, tambm o jantar. Aeconomia resultante desta prca foi para pagar a arrumao dos dentesde Sandra. Entretanto, como ele era um empregado de colarinho e grava-ta, Lyle achava que carregar uma marmita era um tanto degradante. Ade-

    mais, sendo baixinho e franzino, a pasta lhe conferia certo ar de disno.Mas o mais importante era que a pasta representava a chave de

    seu plano de defesa. Ele nha um verdadeiro pavor a qualquer po deviolncia sica. Se por acaso fosse atacado por um assaltante, certamenteno desejava ser como uma daquelas vmas que apareciam no nociriodos jornais sem falar no prejuzo que teria, se os bandidos quebrassemseus culos, por exemplo.

    Lyle achava que tudo isso poderia ser evitado, apenas com o sa-cricio de sua velha pasta. Quando o bandido se aproximasse e Lylenha certeza de que reconhecia se se tratava mesmo de um assalto elesimplesmente araria a pasta no cho e exclamaria: Est a. Pode carcom tudo. Depois, sairia correndo. As implicaes daquela frase, com opode car com tudo, seriam bvias. A pasta deveria conter algo de mui-to valor, mas seu dono preferia entregar esses bens, em lugar de tentarresisr. Qual o bandido que perseguiria o homem, ao invs de parar para

    ver o que connha a pasta? Lyle nha lido a histria de um homem que,assaltado, espalhara alguns dlares pelo cho e, enquanto os assaltantesperdiam tempo em apanh-los, ele conseguiu fugir. Lyle achava que a iscarepresentada pela pasta era sucientemente tentadora. Ademais, comaquele zper emperrado, seria necessrio bastante tempo para descobriro que havia dentro, desse modo permindo que ele fugisse. Alm disso,a pasta valia menos do que uns culos novos e talvez o Sr. Garman lhedesse uma nova, de presente.

    Um plano formidvel, podendo at oferecer uma vantagem. Tudoo que uma pessoa tem a fazer, raciocinava Lyle, era preparar-se para qual-quer eventualidade.

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    Naquela fria e ventosa noite de novembro, Lyle Beckwith deixou oMercado Garman tranquilamente. Estava usando um surrado sobretudocinza e um chapu de feltro da mesma cor, e carregava, como de costume,a velha pasta. Caminhando apressadamente, com ar de quem tem coisasimportantes a fazer, ele se dirigiu para a Majesc Avenue.

    Como sempre acontecia naquelas noites de segunda-feira. Lyleestava alerta e desconado. Olhava com ateno os demais pedestres,procurando evitar que algum casse muito perto dele, capaz de impedirque ele executasse o plano, arando a pasta.

    A noite promea correr sem incidentes. Lyle parecia estar sozinhona calada. Todavia, ao chegar esquina da Majesc, parou por um mo-mento e olhou em todas as direes, para cercar-se de que no corria

    perigo. Seu carro estava estacionado meio quarteiro adiante e naqueletrecho da avenida no havia ningum. Lyle dobrou a esquina com preci-so militar e marchou em frente.

    Mal nha dado uma dezena de passos, todo o quadro se alterou.Cinco metros sua frente surgiram dois homens que se encontravamocultos pela la de carros estacionados. Lyle parou instantaneamente eos dois homens zeram o mesmo.

    Graas s lentes de seus culos, a viso de Lyle era excelente e oque ele viu nos dois homens despertou seus primivos insntos de temore autopreservao. Os homens eram de altura diferente um muito bai-xo, outro muito alto mas ambos estavam vesdos igualmente. Cadaum usava o chapu com aba cada sobre os olhos, os capotes eram seme-lhantes e ambos conservavam as mos nos bolsos. Assim permaneceram,imveis como esttuas, esperando que Lyle se aproximasse.

    No fora bem assim que Lyle imaginara a cena. Os homens no

    deveriam estar vesdos como policiais paisana ou correspondentes es-trangeiros; ao invs de carem parados, teriam de aproximar-se furva-mente e perguntar se ele nha um fsforo ou qualquer coisa desse gne-ro. Lyle, porm, no hesitou. Seu plano de batalha se ajustaria facilmente mudana de estratgia adotada pelo inimigo.

    Durante um longo minuto, os antagonistas se olharam mutuamen-te. Os fracos msculos de Lyle caram tensos, aguardando o que ele sabiamuito bem que iria acontecer. Se ele no connuasse a caminhar na di-reo dos dois homens, estes certamente viriam ao seu encontro. Assim,ele estava preparado quando os adversrios deram os primeiros passos.

    Est a. Podem car com tudo! exclamou ele, arando a pastano cho.

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    No esperou para ver onde a velha pasta cara, nem qual fora a re-ao dos homens ante aquela surpreendente manobra. Enquanto a pastavoava e baa na calada, Lyle j zera meia-volta e corria pela Majesc.

    Por um ou dois segundos, apenas o rudo de seus prprios passosquebrava o silncio da noite. No havia dvida de que ele pegara os as-saltantes completamente de surpresa. Na imaginao, ele via o par, pri-meiro olhando espantado para a pasta, to facilmente obda; depois, aover que sua vma corria rua abaixo, parando para examinar o tesouro emurmurando: Deixemos o infeliz ir embora. E havia ainda o zper, aquelebendito zper emperrado, obrigando os bandidos a perderem mais tem-po, at que o assaltado conseguisse escapar.

    Lyle nunca chegou a saber exatamente se os homens observaram

    este procedimento. No momento em que chegou esquina, comeou atemer que seu plano vesse ido por gua abaixo.

    que o rudo dos passos dos homens correndo atrs dele soavaameaadoramente em seus ouvidos.

    A certeza de que estava sendo perseguido no servia para aumen-tar sua velocidade, pois ele j corria como no zera nos lmos 20 anos.Atravessou a rua e enveredou pelo quarteiro seguinte. Ainda no se deraconta de como estava a situao, quando uma srie de acontecimentoscomeou a desenrolar-se em rpida sucesso.

    Pare ou vamos arar!Lyle no parou.Trs ros soaram e ele senu como se voassem abelhas junto a

    seus ouvidos.Lyle ento senu que seu plano, por mais que o vesse confortado

    durante os lmos seis meses, nha alguma falha gritante. Da por diante,

    ento, ele procedeu sem observar qualquer plano, usando apenas seuinsnto e um pouco daquela anga astcia que jaz adormecida na mentee no corpo de qualquer contador do sculo XX.

    O eco do terceiro ro ainda no se apagara, quando Lyle abando-nou a calada e procurou abrigo na escurido entre dois carros estaciona-dos. Agachou-se ali por alguns segundos, ofegante, todos os seus sendosalerta.

    A Majesc Avenue estava mergulhada em profundo silncio. Elesabia que os homens no haviam abandonado a caada, mas achava queos havia anal ludibriado. Provavelmente no iriam encontr-lo.

    Levantou-se um pouco, de maneira a poder espiar atravs das jane-las dos carros, procurando localizar seus perseguidores.

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    Descobriu-os logo. Estavam parados na calada, uns cinco ou seiscarros adiante do vo em que ele se encontrava. Um deles carregava apasta. Ambos estavam armados, Lyle era capaz de jurar, embora no pu-desse enxergar os revlveres. que o jeito como cada um mannha suamo direita junto cintura no dava margem a dvidas.

    Por quanto tempo eles ainda o perseguiriam?, perguntou a si mes-mo. Por que estavam to ansiosos para peg-lo? Como no era especia-lista em raciocnios de crebros criminosos, no podia imaginar suas mo-vaes. Eles estavam de posse da pasta um dos homens a carregava.O que mais poderiam querer? Peg-lo, naturalmente. Ser que estavamfuriosos pela maneira como foram ludibriados? Ou quem sabe perten-ciam e este pensamento gelou o sangue em suas veias ao po do

    criminoso sdico que tem mais prazer com o sofrimento de sua vma doque em proveitos materiais?

    No lhe sobrou mais tempo para especular sobre to terrveis pos-sibilidades. Um dos homens o que no estava com a pasta come-ou a procurar cuidadosamente nos intervalos entre cada dois carros ese aproximava pelo lado da rua onde os veculos estavam estacionados. Amanobra de pinas. Estavam tentando cerc-lo.

    Lyle reagiu instantaneamente, sem premeditao. Se deixasse o es-conderijo e comeasse a correr por qualquer dos lados da rua, tornar-se-ia um alvo fcil. Assim, s lhe restava uma coisa a fazer. Deitou-se no cho,depois arrastou-se para frente, ulizando os cotovelos e os joelhos, comuma habilidade que faria o encanto de um sargento instrutor de fuzileirosnavais e se escondeu embaixo de um dos automveis.

    Lyle no ignorava o que aconteceria com ele, se fosse descobertonaquela posio, mas tentou no pensar no assunto. Permaneceu imvel,

    prendendo a respirao, o raciocnio parado, mas os msculos do corpoprontos a moviment-lo em qualquer direo.

    Tinha-se escondido no momento exato. Os rudos dos passos seaproximavam, de duas direes. Era evidente o que estava acontecendo.Um dos homens vinha pela calada, o outro pela rua. Ambos se moviamcom a mesma cautela, como aqueles soldados que aparecem nos lmes,avanando para o interior de uma aldeia aparentemente abandonada.De repente, os dois pararam, sempre sincronizados, um em cada lado doautomvel sob o qual ele se ocultara. Durante um longo minuto houvecompleto silncio. Anal, um deles falou:

    Onde ser que ele se meteu, Mike? Voc no o viu?

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    No. Quem sabe no entrou num desses carros? Teramos ouvido o barulho da porta.Lyle tremia, esperando o inevitvel. Tudo o que os malfeitores -

    nham a fazer era trocar de preposio. Ao invs de num desses carros,procurar sob. Foi uma mudana de assunto, por parte de um dos homens,que o salvou.

    Charley, d uma olhada nessa pasta; pode haver alguma coisaimportante.

    No consigo fazer com que este zper funcione.Bendito zper emperrado! Se Charley olhasse dentro da pasta e vis-

    se apenas uma marmita e uma garrafa trmica, caria furioso.

    Bem, connue tentando. No vou desisr. Ele no pode estar escondido alm do quarteiro, aproveitando

    a la dos carros. Vamos connuar procurando.A conversa cessou e o rudo dos passos se fez ouvir novamente.

    Lyle esperou at que o silncio voltasse. Havia tomado uma deciso. Nodemoraria para que eles comeassem a espiar sob os carros e Lyle noqueria estar ali, quando essa inspeo vesse incio. Recorrendo ao mes-mo po rastejante de locomoo, ele saiu de baixo do carro pelo ladoda rua. Seus perseguidores j estavam uns oito ou nove carros frente.Restava-lhe pois fugir na direo oposta. Respirou fundo e iniciou sua re-rada recorrendo melhor combinao possvel de silncio e velocidade,de que era capaz.

    Ao chegar novamente esquina, teve de escolher se connuavadescendo a Majesc, na direo de seu carro, ou se virava direita, diri-

    gindo-se ao Mercado Garman, com a esperana de que o Sr. Garman ain-da esvesse l e lhe desse guarida. Sem qualquer razo especial, apenasado em sua boa estrela, escolheu esta lma linha de ao.

    Aumentou as passadas e logo passou a correr. Faltava ainda umquarteiro... Quem sabe algum ouvira os ros e j chamara a polcia...Havia apenas pequenas lojas naquela zona, todas fechadas quela hora...O Sr. Garman ainda estaria no mercado?

    Todavia, o que logo a seguir aconteceu tornou a pergunta inl,Lyle j se encontrava na metade do quarteiro, a toda velocidade, quan-do viu os dois homens aparecerem embaixo do poste de iluminao daesquina sua frente. Conseguiu parar, encostando-se parede de umedicio, onde cou, vigiando seus perseguidores.

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    Estes no eram Charley e Mike, que naquele momento se encon-travam procurando por ele entre os carros estacionados na Majesc Ave-nue. Entretanto, a semelhana era impressionante os mesmos sobre-tudos e os mesmos chapus desabados. Alm disso, a maneira como elesmannham a mo direita na cintura dava idia de que estavam de armaem punho.

    Lyle, desesperado, concluiu que nha agora pela frente outro parde malfeitores, certamente membros da mesma quadrilha. Isso, porm,j no fazia diferena. O caso que aqueles dois tambm estavam pro-cura dele, restando a esperana de que ainda no o vessem visto. Infe-lizmente, no havia agora a pasta para retardar a ao dos malfeitores.

    Lyle hesitou at que se convenceu de que eles o haviam visto e que

    corriam em sua direo. Voltou-se e correu tambm. Seu sobretudo erade cor sucientemente clara para que os homens no o perdessem devista. Eles gritaram qualquer coisa, que Lyle no pede ouvir, por causa dorudo de seus prprios passos. Ouviram-se dois ros. Mais abelhas no ar,zunindo junto a seus ouvidos.

    Estava novamente na Majesc. sua esquerda, no m do quartei-ro, ele pensou divisar uns vultos. Eram presumivelmente Charley e Mike.Lyle enveredou pela direita.

    Ao faz-lo, topou com os faris de um automvel que descia a ruatransversal, no do lado do Mercado Garman e do segundo par de seusperseguidores, mas do lado contrrio. Vinha em alta velocidade e ia do-brar na Majesc.

    Lyle tomou uma resoluo rpida. Aquele era o nico automvelque aparecera na Majesc, desde que comeara a caada, e bem poderiaser o lmo que ele veria. Antes que o veculo completasse a curva, Lyle

    correu na direo dele, agitando os braos como se esvesse se afogando.O motorista por certo o viu, pois os freios rangeram. Mesmo assim,

    a velocidade era tal que o carro deslizou ainda uns 10 ou 15 metros, antesde parar.

    Lyle connuou correndo ao seu encontro, mas, depois de poucospassos mais, deteve-se novamente. As portas dos dois lados do carro seabriram e desceu um terceiro par de homens, com os mesmos sobretu-dos e chapus desabados. Como seria de esperar, as mos estavam nacintura, certamente de revlver em punho.

    O desespero agora se apossou de Lyle. Era como um pesadelo. Ha-via um par de pistoleiros em cada direo para onde ele se virasse. Tinhade reconhecer que se tratava da dura realidade. E deveria logo acontecer

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    com ele, que no passava de um pobre contador, baixinho e sem foras,sem possibilidade de enfrentar aqueles rues. Por que no desisa?

    Mas estava decidido a resisr. O quanto lhe era dado saber, novera ancestrais combatendo nas Termpilas nem nas lutas pela inde-pendncia dos Estados Unidos. Havia nele apenas a inabalvel obsnaoque faz com que todo o ser humano, de qualquer tamanho ou espcie,deseje connuar vivendo.

    Voltou-se para a esquerda, escolhendo um rumo que o deixava ameio caminho entre o segundo e o terceiro par de pistoleiros, os do carroe os que vinham do lado do Mercado Garman. Mais longe, esquerda,Charlie e Mike tambm se aproximavam.

    Lyle correu para a outra calada da Majesc, meio cercado, mas

    ainda com chances. sua frente, na sarjeta, havia um jolo. Lyle no oulizou como arma para defender-se, mas como um martelo contra a vi-trine de uma pequena loja. Trs golpes contra o vidro, segundo uma linhavercal, depois um empurro com o ombro protegido pelo sobretudo eestava aberta uma passagem, sem um arranho.

    Dentro da loja, Lyle agiu com a astcia insnva de uma raposa emum galinheiro, no momento em que aparece o dono das galinhas. Ele sa-bia que, se seus perseguidores no hesitariam em alvej-lo, tambm nohesitariam em segui-lo dentro da loja. Sabia, ademais, que no poderiafugir indenidamente de uma quadrilha de seis homens armados.

    Ignorava completamente que espcie de loja era aquela. Apenasreparou que havia derrubado vrias prateleiras de mercadorias, ao jogar-se atravs da vitrine. Um retngulo menos escuro que o restante dasparedes da loja indicou-lhe que se tratava da porta dos fundos.

    Ao chegar mais perto, descobriu, para sua surpresa, que a porta es-

    tava entreaberta. Lyle a escancarou mas, ao invs de sair por ela, arou-seao solo, rolou sobre si mesmo e depois cou imvel.

    A manobra foi feita bem na hora. De onde estava, Lyle viu dois ho-mens chegarem em frente loja, hesitarem por um momento, depoispassarem com diculdade pelo buraco feito na vitrine.

    Olhe disse uma voz a porta dos fundos est aberta. Eledeve ter sado por ali.

    Os dois homens atravessaram a loja correndo, tropeando nas coi-sas que Lyle havia derrubado e praguejando. Chegaram a passar a menosde um metro do local onde ele se encontrava deitado e, na porta, nemsequer discuram se a pessoa que estavam perseguindo havia realmentesado por ali. Simplesmente correram pela alia dos fundos e logo desa-

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    pareceram.Tudo cou em silncio. Lyle se deixou car onde estava, descansan-

    do. Em algum ponto, na rua, os seis estariam reunidos e imaginando ondeo perseguido deles se teria medo; talvez voltassem a procurar na loja.

    Assim, ele no poderia connuar ali por muito tempo. Depois de al-guns minutos, levantou-se e caminhou na direo da porta da frente. Semanar por que, connuava com o jolo na mo, embora j esvesse comos dedos dodos e o brao pesado. Em todo caso, talvez viesse a precisardele outra vez.

    Antes de passar novamente pela vitrine quebrada, cercou-se deque a Majesc estava vazia; nada de pistoleiros, de carros rodando, dequalquer ameaa sua segurana. Entretanto, aquele silncio no seria

    uma emboscada? O pequeno contador j sofrera muitas surpresas desa-gradveis naquela noite. Era melhor esperar mais um pouco.

    Foi durante esse tempo, enquanto ele espiava pelo buraco da vitri-ne quebrada, que seus insntos aguados avisaram que havia um perigoameaando-o dentro da prpria loja. Imvel apertando nervosamente ojolo na mo, Lyle no estava mais cansado, mas tenso e preparado.

    Contendo a respirao, teve a certeza de que ouvira algum ofe-gante. Julgou que fora ainda uma vez enganado por seus perseguidores.Teria jurado que vira apenas dois membros da quadrilha entrarem pelavitrine quebrada e que esses mesmos dois haviam sado pela porta dosfundos. Entretanto, eles nham arranjado uma maneira de engan-lo.Um deles cara ali, emboscado.

    O rudo da respirao vinha da esquerda. Lyle virou a cabea len-tamente, os olhos j acostumados com a escurido, e procurou descobriro que havia. Por um momento chegou a pensar que talvez esvesse en-

    ganado, que no havia ningum, pois at o rudo da respirao cessara.Teria sido apenas imaginao? No. Seus insntos no o nham

    iludido. Algum estava na loja. Como no podia ver melhor, resolveu es-perar. Aps alguns instantes, a respirao recomeou, com um evidentesinal de que esvera conda. Lyle teve vontade de rir. O sujeito no pode-ria conter a respirao indenidamente. No era um super-homem.

    Ao chegar a essa concluso, apareceu a oportunidade. Um dos ra-ros automveis que trafegavam pela Majesc projetou seus faris contraas vitrines e permiu que Lyle visse seu novo antagonista.

    Estava em p, encostado a uma parede. Usava chapu, sobretudo enha um revlver na mo. Lyle no hesitou. Esvera na defensiva durantetoda a noite e agora chegara a sua vez de atacar. Arou o jolo com toda

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    a fora que lhe restava.Felizmente, talvez pois Lyle Beckwith no era do po sadista

    os faris passaram justamente quando o jolo iniciava seu trajeto em di-reo ao alvo. Assim, Lyle no pde ver o dano que causara. Apenas ouviuo baque surdo, o grito de dor e logo a seguir outro baque o de umcorpo caindo no cho.

    Depois disso, ele no perdeu mais tempo. Esgueirou-se pelo bura-co na vitrine e encontrou a rua ainda vazia. Recomeou a correr, desta vezna direo de seu carro. No viu mais nenhum dos seus perseguidores.Entrou no carro, ligou o motor e foi para casa.

    No havia qualquer nocia nos jornais da manh, mas a edio da

    tarde trazia a manchete: POLICIA PRENDE ASSALTANTE.A polcia de nossa cidade, dizia a nocia, agiu rpida e eciente-

    mente na localizao e captura de um assaltante. O bandido um ho-mem baixo, com um sobretudo cinza apareceu na Farmcia Majesc,

    na Majesc Avenue, 5.021, pouco antes da hora do fechamento, s 10 da

    noite. Apontou um revlver para o empregado, transferiu para uma pastao dinheiro que havia na caixa registradora e fugiu a p. O empregado,Richard Handy, comunicou pelo telefone uma descrio do assaltante e,

    em menos de cinco minutos, policiais paisana, pertencentes Segunda

    Delegacia, convergiram para a rea da Majesc. Depois de uma persegui-o por vrios quarteires, durante a qual foram disparados cinco ros,

    o assaltante foi encurralado na Camisaria Milo, situada na Majesc, n05.235. Ele entrara na loja quebrando a vitrine, mas se feriu nos vidros. Os

    policiais completaram a captura dentro da camisaria. O assaltante que

    se idencou como sendo Roger Smith est no Hospital Marlborough,

    com um ferimento na cabea. A pasta, contendo mais de 600 dlares emdinheiro, foi recuperada intacta...

    Lyle pde facilmente reconstuir o que acontecera. O assaltanteestava calmamente indo embora com o produto do roubo, quando ou-viu ros. Ento procurou um lugar onde esconder-se, at que acabasseaquela confuso. Entrementes, o pobre e inocente Lyle Beckwith serviacomo alvo para os defensores da lei. Reendo a esse respeito, Lyle nose arrependeu do dano que causara com o jolo.

    Mas e a sua pasta? A polcia estava de posse de duas, porm nomencionou o fato. E por qu? Simplesmente porque no sabia como ex-plic-lo. Lyle deveria ir Segunda Delegacia e reclamar a pasta que eradele? No teria a menor diculdade em idencar a marmita e a garrafa

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    trmica.Depois de muito reer, decidiu no ir. O assaltante certamente

    entrara na camisaria forando a porta dos fundos o que explicava o fatode Lyle a ter encontrado entreaberta. Essa mesma porta que, quandoos policiais chegaram, estava escancarada foi outro pequeno mistrioque tambm no foi mencionado. Talvez fosse justo que o proprietrio daCamisaria Milo exigisse uma indenizao de Lyle pela vitrine quebrada.Isto lhe custaria um pouco mais do que sua pasta de 10 dlares. A mentecontabilista de Lyle fez os clculos rapidamente e decidiu: debitar os 10dlares por conta do item experincia.

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    RBITRO DE DESAVENAS

    Edward D. Hoch

    Arthur Urah era um homem alto e esguio, com uma bela cabeleirabranca e a pose de um dignitrio. Usava camisas de seda com o monogra-

    ma AU bordado sobre o bolso esquerdo e foi isso que levou um colega deprosso a apelid-lo de rbitro de Desavenas. Era um bom apelido eassentava nele com perfeio.

    Urah nunca esvera no Brenton Hotel, situado na parte velha da ci-dade. Era realmente um hotel ango, datando de uns 50 anos na histriada cidade. Nenhuma pessoa importante se hospedava mais no Brentone por isso mesmo era um pouco estranho que um homem da posio de

    Arthur Urah entrasse no saguo do hotel, naquela tarde de domingo. Tenho um encontro aqui com uns amigos disse ele ao encar-regado da recepo, um homenzinho de rosto chupado, que masgavaum palito. Meu nome Arthur Urah.

    Ah, sim! Quarto 735. Esto esperando pelo senhor. Obrigado disse ele, dirigindo-se para o ango elevador, a m

    de subir at o smo andar.Os corredores do hotel precisavam de pintura e uma mangueira

    empoeirada estava enroscada numa caixa na parede. Arthur Urah viu comdesgosto aqueles sinais de decadncia, enquanto procurava o quarto 735e baa levemente na porta.

    Imediatamente ela foi aberta por um jovem esguio, com uma cabe-

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    leira negra e lbios carnudos. Arthur Urah aprendera, durante toda a suavida, a conhecer esse po de gente. O quarto em si era to mal-arrumadoquanto o restante do hotel. As camas haviam sido empurradas para juntoda parede, para que sobrasse mais espao, e esse deslocamento revelouainda mais sujeira acumulada.

    Arthur! Que prazer em v-lo novamente!O homem que avanou para ser o primeiro a cumprimentar Urah

    era Tommy Same, uma gura muito conhecida na cidade.Arthur Urah sempre simpazara com Tommy, embora tais sen-

    mentos de ordem pessoal jamais inussem em suas decises. Como vai voc, Tommy? E a famlia? Tudo muito bem! Estou contente por termos voc aqui, decidin-

    do esta questo, Arthur. Sabe que no tenho alhados, Tommy replicou Urah, sorrin-

    do. Costumo ouvir os dois lados.O outro lado tambm estava l. Fritz Rimer era um homem baixo,

    calvo, e com uns grandes olhos assustados. Percebia-se de imediato queele no fazia parte da liga.

    Prazer em conhec-lo, Sr. Urah murmurou ele. Lamentotermos incomodado o senhor num domingo.

    o trabalho dele explicou Tommy. Voc e eu vemos umadesavena e Arthur veio aqui para resolv-la. Ele um rbitro, como seusa nos sindicatos e nos negcios.

    Arthur Urah fez um gesto com o polegar na direo da porta. No estou habituado a resolver casos com um revlver nas mi-

    nhas costas. Mande esse rapazinho embora.Tommy Same abriu as mos num gesto de inocncia.

    Voc conhece Benny. O pai dele foi meu motorista. Benny no um pistoleiro.

    Urah olhou para o jovem com manifesta m vontade. Mande-o embora repeu. Diga-lhe para esperar no corre-

    dor.Tommy fez um sinal e Benny saiu imediatamente. Sasfeito?Urah sacudiu a cabea, correndo os dedos pela cabeleira branca. Quem mais est aqui? Somente Sal. Ela no vai nos incomodar.Urah foi at porta lateral e a abriu. Sally Voigt estava sentada

    numa cadeira, lendo o jornal.

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    Al, Arthur disse ela. Estou passando os olhos pelo noci-rio.

    Est bem concordou Urah, fechando a porta. Ela pode car,mas no quero ningum mais. Avise portaria que ningum pode subir,enquanto no vermos terminado.

    Eu j havia feito isso replicou Tommy.Arthur Urah abriu sua pasta e rou um bloco de notas. Vamos sentar-nos nesta mesa. Uma vez que Fritz a parte ofen-

    dida, tem o direito de falar primeiro.A mesa era apenas uma dessas do po desmontvel, prpria para

    jogo de cartas, que o hotel providenciara. Os trs, cada um sentado emsua cadeira, davam a impresso de relutantes jogadores de pquer der-

    rotados.Fritz Rimer pigarreou e nervosamente bateu com o lpis na mesa: Bem, todos sabem qual o problema comeou, detendo-se a

    seguir, como se de repente se desse conta de como a mesa era pequena. Mesmo assim, melhor que voc nos d um resumo insisu

    Urah amavelmente. H nesta cidade 36 bancas de apostas, onde qualquer pessoa

    pode comprar sua pule. H 20 anos, quando entrei no negcio, ramos36 proprietrios dessas bancas. Cada um conhecia os outros e nos aju-dvamos mutuamente. Quando os ras ocasionalmente fechavam umadas bancas, os restantes de ns corramos em socorro do colega punido.ramos uma grande famlia, entende?

    Tommy Same se mexeu, inquieto, em sua cadeira. Estou acompanhando sua tristeza, Fritz. Vamos ao ponto que

    interessa.

    Bem. H cerca de um ano, Tommy Same e alguns de seus amigosdo sindicato se movimentaram e comearam a tomar conta de todas asoperaes de apostas em corridas de cavalos que se faziam na cidade.Algumas bancas foram obrigadas a suspender suas avidades e depois ascompraram por um preo baixo. Outras veram seus negcios reduzidos,sempre com algum vigiando-as para afugentar a clientela. O resultado que hoje o sindicato scio em 35 das 36 bancas de pules da cidade, isto, todas menos a minha.

    E agora ele quer tambm a sua, isso? perguntou ArthurUrah.

    Exatamente. Ele mandou esse sujeinho, Benny, fazer-me umavisita na semana passada, a m de ameaar-me, mas eu lhe disse que

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    agora no era mais como angamente. No me assusto. Se ele quer mematar, at que pode, mas isso ser o m de Tommy Same.

    Enquanto falava, certa coragem parecia irradiar-se daquele homen-zinho calvo. Agora, suas faces estavam vermelhas e havia uma fora evi-dente em suas palavras. Os outros no ousaram enfrentar Tommy, masFritz Rimer o fazia, embora isso lhe custasse a prpria vida.

    Tommy Same limpou a garganta e perguntou: Quando vou ter oportunidade de falar? Vamos ouvir este sujeito

    a tarde inteira? Voc pode falar agora, Tommy replicou Urah suavemente.

    Fritz no est dizendo a verdade? Voc pretende mesmo tomar conta detodo o negcio?

    Tommy recostou-se em sua cadeira, franzindo as sobrancelhas: como nos sindicatos, Arthur. Todos temos de car unidos, a

    m de proteger-nos contra a lei, contra os parasitas e os ocasionais tra-paceiros. Se todas as 36 bancas de aposta da cidade esverem ligadas,formando uma espcie de sindicato, ser melhor para todos.

    E esse o seu objevo? Apenas esse. No estou forando ningum a abandonar o neg-

    cio. Quero somente oferecer valiosa cooperao e, como lgico, receberem troca uma parte dos lucros.

    E fez alguma ameaa a Fritz? Olhe, j no estamos mais nos velhos tempos. Se eu quisesse

    amea-lo, voc acha que concordaria em submeter o caso sua arbi-tragem? Al Capone ou qualquer outro dos angos chefes alguma vezprocederam assim?

    Voc no Al Capone ponderou Arthur Urah, em tom suave.

    No, mas sei bem a importncia de nos mantermos unidos. SeRimer se isola, em breve outros seguiro seu exemplo e o que ser dens? Voltaremos aos velhos tempos, quando a polcia estourava nossasbancas, uma por uma.

    A discusso connuou assim por mais uma hora, cada um defen-dendo seu ponto de vista. Arthur Urah j ouvira tudo aquilo uma porode vezes e sempre o dilogo assumia um tom desagradvel que o abor-recia. Vulgares transgressores da lei, escria da sociedade, roubando seutempo em um srdido quarto de hotel, obrigando-o a ouvir seus sujos ar-gumentos! Um ano antes ele agira como mediador em uma disputa sobrelimites de ao de alguns dos maiores nomes do submundo do Brookline fora a pacca soluo daquela potencialmente perigosa desavena que

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    lhe granjeara a reputao de um rbitro entre quadrilhas rivais. Era umareputao que ele nunca pretendera nem aceitara integralmente; apesardisso, ela se manteve e at aumentou com o decorrer do tempo, atravsde meia dzia de outras disputas. Ele passou a ser Arthur Urah, o rbitrode Desavenas, aquele que chamado quando h uma carnicina queprecisa ser evitada.

    o bastante por hoje disse ele nalmente, afastando sua ca-deira da mesa. Acho que j disponho das informaes sucientes paratomar uma deciso.

    Quando? perguntou-lhe Rimer. Deixem-me sozinho por uns minutos, para poder pensar melhor.Os dois rivais se reraram do quarto, Rimer para o corredor e

    Tommy Same para a saleta ao lado, onde a garota o esperava. Urah levan-tou-se e escou as pernas, senndo o peso de seus 53 anos. Caminhouat a janela e olhou para a rua, sete andares abaixo, totalmente desertanaquela tarde de domingo.

    De sbito, enquanto permanecia junto janela, ouviu o rudo depassos no tapete atrs dele. Era Tommy Same, que voltava para algumaspalavras em parcular. Colocou o brao sobre o ombro de Arthur Urah ecomeou a falar em tom de inmidade:

    Voc e eu sabemos como resolver esses problemas, no mes-mo, Arthur? Uns ps-de-chinelo, como esse Rimer, tm de pensar s ve-zes que valem alguma coisa. Imagine s, ns nos sentarmos a uma mesapara discur com um joo-ningum, quando seria mais fcil arrancar-lheos dentes a soco!

    Os tempos esto mudando, Tommy. certo que esto. Por isso mesmo estou tomando conta de to-

    das as bancas de apostas da cidade. Os tempos dos operadores indepen-dentes j se foram para sempre.

    Fritz Rimer no pensa assim.Tommy rerou o brao. Era bem mais baixo que Arthur e em p, as-

    sim to perto, lembrava a Urah o lho desobediente que ele nunca vera. Escute uma coisa, Arthur. Seja caridoso com Rimer. Diga-lhe que

    est perdido e salve a vida do pobre-diabo. Voc est me dizendo uma coisa, Tommy, que no bem o que

    estou acostumado a ouvir. Estou-lhe contando os fatos da vida nesta cidade. Procuro fazer

    com que todos se sintam felizes e paream respeitveis, de modo que es-tou aceitando essa histria de arbitragem. Entretanto, no posso aceitar

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    uma deciso desfavorvel. Os outros 35 cairo fora, se Rimer ganhar estaparada. No levar uma semana.

    mesmo? De modo que, se voc decidir contra mim, tenho de descontar

    Rimer. Estou contra a parede. No me resta outro caminho. Voc seria louco se tentasse isso. Arthur... j avisei Benny. Ele est esperando no saguo. Se voc

    decidir que Rimer connua no negcio, ele no sair vivo deste hotel.Urah debruou-se na janela, vendo passar l embaixo um ou outro

    carro. As sombras j se alongavam na tarde que morria, anunciando aproximidade da noite.

    Saia disse ele a Tommy. Vou fazer de conta que no ouvi

    essas suas palavras. Como queira, Arthur.Depois que ele saiu, o quarto voltou a car silencioso. Urah sen-

    tou-se novamente mesa e comeou a fazer umas anotaes. J estavamergulhado nessa tarefa durante uns 10 minutos, quando outro visitanteentrou pela porta lateral.

    Urah levantou os olhos e sorriu. Al, Sal.Sal Voigt era uma bonita loura, esforando-se para no chegar aos

    30. Na maior parte das vezes bem que o conseguia, graas a seu cabelei-reiro.

    O que voc anda fazendo ulmamente, Arthur? Quebrando galhos, acertando desavenas. No estou falando a respeito disso. Voc costumava aparecer

    seguidamente l no clube.

    Isso j faz muito tempo. Agora andamos em crculos diferentes. Arthur... O que ? Ele me mandou falar com voc. Acha que andou se expressando

    mal. E andou mesmo.Ela trocou o p de apoio e cou olhando para o tapete surrado. Ele est numa situao dicil, Arthur. Se perder o controle des-

    sas bancas de apostas, no ser mais nada na organizao. No ter umanova oportunidade.

    Arthur Urah sacudiu os ombros. Talvez o ponham na rua e contratem Fritz Rimer em seu lugar.

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    No brinque, Arthur. No estou brincando. Ele vai mesmo matar Rimer? Claro que no. Ento por que trouxe Benny? Apenas para assustar as pessoas?Ela acendeu um cigarro e deu uma longa tragada. Benny uma reminiscncia dos velhos tempos. Tommy o her-

    dou, juntamente com uma poro de outras coisas da organizao. No todas. Ora, Arthur! Voc no est numa daquelas grandes reunies no

    Brooklin, cercado de chefes. Ningum se importa com o que aconteceaqui. Deixe Tommy tomar conta da banca de Rimer e todos viveremos empaz.

    Voc disse, no comeo, que os chefes de Tommy esto de olhono que ocorre por aqui. Isso, pelo menos, faz com que o assunto seja im-portante para ele.

    Quanto voc quer para decidir em favor de Tommy, Arthur?Urah esfregou os olhos com as duas mos. Primeiro, Tommy; agora, voc. O prximo ser Benny, com seu

    revlver?Ela no respondeu pergunta e mudou de tca. Imagino que voc dar sua deciso ainda esta tarde. No h movos para retard-la. Na verdade, acho que voc pode

    avis-los para que venham agora.Enquanto esperava que Rimer e Tommy Same aparecessem, Arthur

    viu o empregado da portaria meter a cabea pela fresta da porta. H uns homens esperando l no saguo. Eles querem saber se

    isto aqui vai demorar muito.

    No muito replicou Urah, aborrecido com a intromisso. Apresena de pistoleiros no saguo queria dizer que algum o julgava inca-paz de resolver a situao.

    Fritz Rimer entrou sozinho, arrastando os ps sobre o tapete, semjeito para encarar Urah.

    Vai ser contra mim, no vai? No seja to pessimista. Mesmo que eu ganhe, estou perdido. Ele vai me matar. Sei bem

    disso. Ento por que o est enfrentando? No seria mais fcil cair fora? Aquela banca a minha vida. No me conformo em v-la des-

    moronar sem antes tentar resisr.