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A espacialização da desigualdade The spatialization of inequality Patrick Zechin 1 , Universidade Estadual de Goiás, [email protected] Frederico de Holanda 2 , Universidade de Brasília, [email protected]. 1 Patrick Zechin Arquiteto. Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo. 2 Frederico de Holanda Arquiteto. Professor do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo FAU UnB

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Aespacializaçãodadesigualdade

Thespatializationofinequality

PatrickZechin1,UniversidadeEstadualdeGoiás,[email protected]

FredericodeHolanda2,UniversidadedeBrasília,[email protected].

1PatrickZechinArquiteto.ProfessordocursodeArquiteturaeUrbanismo.2FredericodeHolandaArquiteto.Professordoprogramadepós-graduaçãoemArquiteturaeUrbanismoFAUUnB

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SESSÃO TEMÁT ICA 8 : TÉCNICAS E MÉTODOS PARA ANÁLISE URBANAE REGIONAL

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

Nosúltimosanos,oBrasilconheceualgumprogressonoquediz respeitoàdiminuiçãodenossadesigualdade socioeconômica. Contudo, incorporar uma enorme população às engrenagens daprodução, circulação e consumo de bens é ainda um enorme desafio para o país, já que estaparcelapopulacionalseencontraalijadadoacessoabonsempregos,lazereculturaporcontadeum fenômeno intrinsecamente ligado à desigualdade que é a segregação urbana. Embora adesigualdade tenha recuado, a segregaçãoentreas classesmais altaseasmaisbaixasnoBrasilnão conheceumelhora e o ambiente urbano brasileiro continua sendo um lugar de exclusão emarginalização para um grande contingente populacional. Assim temos a necessidade deproduçãode informaçõesmaisprecisas,detalhadaseúteisparaatomadadedecisõesnaesferapolítica no aperfeiçoamento das políticas públicas referentes à desigualdade, de modo que osformuladores de políticas possam levar em conta a relação entre o espaço e a desigualdade. Apartirdetécnicasdegeoprocessamentoemétodosdeestatísticaespacial,esteartigotemcomoobjetivo analisar a relação entre duas áreas absolutamente distintas socioeconomicamente,aquelasqueapresentamosmaioresemenoresíndicesderendapercapita,tendocomounidadedeanáliseossetorescensitáriosdascincocidadesmaisdesiguaisdopaísapartirdasubstituiçãodo tradicional Índice de Dissimilaridade D por índices de segregação alternativos a partir deferramentas de análise e estatística espacial capazes de apresentarmatizesmais detalhadas dasegregaçãoqueescapamdaslimitaçõesdosíndicescomumenteutilizados.

PalavrasChave:Desigualdade;segregação;índicesespaciais

ABSTRACT

InrecentyearsBrasilhadmetsomedecreaseofinequalityindexes.Neverthelesstofixanumberofpeoplewithinthechainsofproduction,circulationandconsumptionstill isagreatdealtothecountry, since the poorest are separated of achieving good jobs, leisure, culture due to urbansegregation.Albeitinequalityhasdecreasedsegregationhasbeenasteadyconditionforthemanyinoursociety.Thusthereisthenecessityofproducingmoredetailed,usefulandaccurateddatafordecision-makingbypublicauthoritiesrelatedtotheinequalityinawaythatpolicymakerscantake into account the connection between space and inequality. As of using geoprocessingtechniquesandspatialstatisticsmethodsthispaperaimstoanalysetherelationshipbetweentwosocioeconomic distinguished áreas, those wich display the bigger and the smaller per capitaincome indexeswithin fivebraziliancitiesreputedastobeamongthemost inequalcities intheworld. Inorder toperformthat thapaper replacea traditional segregation indexbyalternativesegregation indexes as of spatial analysis tools capable of presenting detailed aspects ofsegregationthatmaynotbecapturedbynormalyusedindexes.

Keywords/PalabrasClave:Inequality;segregation;spatialindexes

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INTRODUÇÃO

Não é exagero afirmar que poucos assuntos no Brasil são tão urgentes de serem mais bemcompreendidosqueadesigualdade social particularmentepersistentee a segregaçãoespacial aelaatrelada.OreconhecimentodestacondiçãoemnossasociedadefazcomquegrandepartedaspolíticaspúblicasdesenvolvidaspeloEstadonos trêsníveis seja,dealguma forma,emmaioroumenorgrau,relacionadaaosproblemasdadesigualdadesocioeconômica.

O temadadesigualdade talvezpossa ser consideradoprimáriono sentidodequeeleébasedereferenciainicialparaconstruçãodeelaboraçõesteóricasdecompreensãodediversasdinâmicasmuitocomplexasemnossasociedade.Assim,poderíamossuporqueseriaumtemasobreoqualhaveriaumaliteraturajáconsolidada,reflexõesteóricasjáconsolidadasecomprovaçõesempíricasconsistentes.Nãoéexatamenteassim.Otemadadesigualdadeaindaéalvodecontrovérsiascomalgumasquestõesaindainconclusas.Nocasodesteestudo,nossapreocupaçãoécomarelaçãodadesigualdadesocioeconômicacomoespaçourbanoenquantomanifestaçãoprecisadasegregaçãoespacialmuitoespecíficadeumaclassesocial.

Adesigualdadesemanifestaconcretamentenascidadesnaformadeespaçosfragmentados,emrelaçãoaoacessodegrandepartedapopulaçãoàscorrentesdeprodução,circulaçãoeconsumodebenseserviços tipicamenteassociadoscomonossomododevidaurbanocontemporâneoesurgemcomosintomadasdivisõesnasociedade,quedistribuemasoportunidades,osespaçoseliberdadesdesigualmenteentreseushabitantes.

Nosúltimosanos,observamos,noBrasil,areduçãodonúmerodefamíliassituadasabaixodalinhadapobrezaealgumadiminuiçãodadesigualdadesocioeconômica.Entretanto,estanãoémedidapor uma linha arbitrária de rendimentos na qual estão situados os pobres, mas, antes, pelasdistâncias entre as posições relativas ocupadas pelos diversos segmentos da sociedade. Essasdistâncias continuamaltasnoBrasil e são frutodeumarranjoeconômicoe social desenvolvidoduranteséculosparafavorecerapequenaparceladosmaisricos,queéjustamenteaquelaqueseespecializa de modo a dispor dos sistemas de recursos urbanos (melhores empregos, saúde,cultura,educação,consumo)demaneiramaiseficiente.Aproduçãoereproduçãodadesigualdadeao longodenossahistória produzuma situaçãode apartamentode classes sociais situadasnospolosextremosdafaixaderendadetalmontaquetemosofenômenoaoqualpoderíamosdaronome de “urbano dividido”, ideia que exprime a segregação espacial entre aqueles que têm eaqueles que muito pouco ou nada têm, abrindo um abismo que não raras vezes produzinstabilidadesocial,semmencionarosaltoscustossociaiseeconômicosnãoapenasparaosmaispobres,masparatodaasociedade.

Nestetrabalhonosateremosàdimensãotangíveldasegregaçãoespacial,ouseja,nossoobjetodeinteresseprimeiroéaapartaçãofísicadosindivíduosnospolosderendadiametralmenteopostose nosso esforço na busca de avanços na compreensão do espaço urbano resultante destefenômeno social, historicamente construído, requer a interação de dois elementos básicos,segundoRamos(2002):(i)umconjuntodeconceitoseteoriasquecaracterizamosfenômenosqueatuamnoespaçourbano,seuspadrões,causaseimplicações;(ii)métodos,técnicasquantitativasde representação e análise do objeto de estudo em questão. Certamente, avançamos quandoconvergimososdoiselementos,oquepermiteorefinamentodeconceitosjáexistentes.

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Uma ampla variedade de medidas é utilizada para estimar a manifestação da desigualdadesocioeconômicaeasegregaçãoespacialdelaresultantenacidade,regiãooumesmopaís,sendoque asmais frequentementeusadas são ligadas às desigualdadesde rendae consumo. Emboratenhamosaconsciênciadascríticasrelativasaopesodadoaofatorrendanaabordagemdotemada desigualdade com, inclusive, o desenvolvimento de outros indicadores para este fim, autilização do relatório State of the world’ cities 2010/2011, produzido pela ONU-Habitat, comofontedosdadosqueapontamcincocidadesbrasileiras(Goiânia,Fortaleza,BeloHorizonte,BrasíliaeCuritiba,nestaordem)entreasmaisdesiguaisdomundoapartirdasdesigualdadesde rendafarácomquenosutilizemosestavariávelcomobalizaparaesteestudo.

Este trabalho se dedica especificamente a um dos elementos apontados anteriormente, maispropriamente,àconstruçãodemediçõesrelativasàsegregaçãourbana,demodoquepossamoscontribuircomorefinamentodosdadosque,porventura,alimentemeventuaispolíticaspúblicasqueprocurementendermelhorocomponenteespacialdadesigualdadesocioeconômica.

Otrabalhotambémpretendecontribuircomoesforçodeproduzirestudosquetrabalhemíndicesde segregaçãourbanapara alémda simples aplicaçãodo tradicional índicededissimilaridadeD(Duncan e Duncan 1955). O intuito é utilizar índices de segregação alternativos a partir deferramentas de análise e estatística espacial capazes de apresentarmatizesmais detalhadas dasegregação que escapam das limitações dos índices comumente utilizados. São utilizadas, paratanto,asbasesvetoriaisdisponibilizadaspeloIBGEeosdadosdosensode2010.

SEGREGAÇÃOURBANA

Asegregaçãourbanadas classes sociais localizadasnospolosdiametralmenteopostosde rendapodeserassumidacomoamais importantemanifestaçãoespacialdadesigualdadederenda,demodoqueentenderadesigualdadesocioeconômicaemnossascidadespassapelacompreensãodasegregaçãoespacialentrericosepobres,quedeacordocomVillaça(2012)deveseranalisadalevando-seemcontaasregiõesdacidadeenãoseusbairrosdeformaseparada.

Noquedizrespeitoàrelaçãodasegregaçãoresidencialcomasclassessociaisnoespaçourbano,podemosrecorreraCorrea(2013)paracompreendercomoosestudosemgeraltêmabordadoaquestão.Essaabordagemconsideraasegregação,deumlado,comoautossegregaçãoe,deoutro,comosegregaçãoimpostaesegregaçãoinduzida.Emcomumestáumapolíticadeclassequegeraestestiposdesegregação.

Aautossegregação,deacordoaindacomCorrea(2013)éumapolíticadeclasseassociadaàeliteeaos estratos superiores da classemédia, dotados de elevada rendamonetária, visando reforçardiferenciaisdeexistênciaedecondiçõesdereproduçãodessesgruposporintermédiodaescolhadasmelhoreslocalizaçõesnoespaçourbano,tornando-asexclusivasemrazãodoselevadospreçosdaterraurbana,porexemplo.

Segundooautor,étênueolimiteentreasegregaçãoimpostaeainduzida,comosegundogrupotendoà suadisposiçãoalgumaescolhapossível.Asdiferençasentreasespacialidadesdasáreassegregadasmanifestam-sepormeiodaconcentração,emcadauma,deumgruposocialdotadoderelativa homogeneidade, a qual viabiliza sua existência e reprodução. As áreas segregadasestariam dispostas de acordo com uma lógica espacial variável, que as inscrevem no espaçourbano,gerandopadrõesespaciaisdesegregaçãoresidencial.

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Umestudoclássico,noquedizrespeitoaoespaçourbanodascidadesbrasileiras,éopropostoporVillaça (2007). A tese sustentada pelo autor é de que os processos que envolvem as cidadesenquanto partícipes da estruturação da rede urbana (processo regional, nacional ou planetário)não segue a mesma lógica e não passa pelas mesmas mediações dos processos que regem aestruturação interna dos espaços urbanos. Para o autor, tais mediações passam,fundamentalmente, pelos “traços nacionais definidores da estrutura e dos conflitos de classe e,ainda, pela dominação política e econômica através do espaço intraurbano”3. Estes traços semanifestamna estrutura espacial urbanapormeio da segregação, quepassa a ser, na visãodoautor,oprocessocentraldefinidordessaestrutura.Adistinçãomaisimportanteentreumtipodeespaçoeoutro,segundoVillaça(2007)derivadostransportesedacomunicação.

Apartirdessadistinção,Villaça(2007)elaboraaseguintehipótese:paraseestudaraestruturaçãourbana,éprecisoseconcentrarnacirculaçãodaspessoasenquantoconsumidoresou,nomáximo,enquantovendedoresdacapacidadedetrabalhoenãonacirculaçãodocapitalemqualquerumade suas formas. Para Villaça, os transportes intraurbanos são os maiores responsáveis pelavalorizaçãodaquiloquechamade“ponto”.Oautordiscuteaimplantaçãodeumaviaregionaltemoefeitoprimáriodemelhorarasuaacessibilidadee,consequentemente,valorização.

NaconstruçãoteóricaoperadaporVillaça,aquestãododomíniodostemposdedeslocamentoévital.Umpontocentralemseuestudoéairreprodutibilidadedalocalidade,ouseja,oresultadodaproduçãodoespaçourbanoéalocalização,queéúnica,eéelaqueespecificaumadeterminadapartedacidadeecomoelaserelacionacomosistemacomoumtodoenãooconjuntodeobjetosurbanoscomopraçasouruasetc.

Estudos conduzidos por Ribeiro Lago (apud Villaça, 2007) apontam na promoção imobiliária oelementodeligaçãoentreasgrandestransformaçõesmacroeconômicasearestruturaçãourbana.Assim, esta última é provocada pelos lucros das atividades incorporadoras derivadas detransformações o uso do solo e, nesse sentido, chegam a considerar a moderna atividade deincorporação a causadora da segregação espacial. Conclui a autora que em todas as capitaisbrasileiras produziu-se o mesmomodelo de espaço urbano segregado, ou seja, a produção deespaçosresidenciaisparaaclassemédianocentroeconsequentementeaexpulsãodascamadaspopularesparalongínquasperiferias.

EntendemosqueemboraasconclusõesdeVillaçaeRibeiroLagosejamacertadas,asanálisesquefaremosnesteestudomostrarãoqueaáreaperiféricanãopodeserentendidacomoumespaçouniformeresultadodedinâmicasestruturantesimpermeáveisàscondiçõeslocaisespecíficasequese desenvolvam ao redor das áreas centrais, inclusive no que diz respeito à espacialização dosdiversos grupos contidos na denominação classe social mais baixa. Os mais pobres dentre ospobres, por exemplo, se espacializam em regiões muito específicas das periferias das grandescidadesenãoemoutras.Emborafujadoescopodesteestudo, intuímosqueistosedêmaisporconta de fenômenos inerentes ao desenvolvimentomicroeconômico específico local e evoluçãourbanaparticulardecadacidadedoqueaelementosmaisgeraiseestruturantesmelhorcaptadosporferramentasdaeconomiapolíticacomoapropostaporVillaça(2007),porexemplo.

EstetrabalhotemporinteresseprecípuoainvestigaçãodeumíndicerelativoàsegregaçãourbanacapazderefinaracapacidadetípicadoíndicetradicionaldedissimilaridadeDdedemonstrarquãosegregadas são nossas cidades e apontar as peculiaridades da espacialização das duas classessociaisantípodas.

3Villaça(2007)

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Com o intuito de estudar o quadro exposto aqui, propomos o estudo comparativo entre cincocidadesbrasileiraselencadassegundoorelatórioStateoftheWorld’sCities2010/2011daONU-Habitat comoasmaisdesiguaisdoBrasil apartirdemediçãoapartirdo coeficientedeGini.AscidadessãoGoiânia,Fortaleza,BeloHorizonte,BrasíliaeCuritibanestaordem.Analisarascidadesindividualmente, mas sem perder de vista suas relações, nos ajuda ir além das limitações daproduçãoeanálisededadosurbanospormeiodemétodos tradicionais,porvezes incapazesdeprecisarasdesigualdadesinterpartesdasdiferentesclassessociais.

MEDIÇÕESDOESPAÇO

Recorrerarepresentaçõesabstratasdascidadesparamelhorpensa-lasnãoénovidadenahistória.Se pensarmos nos esquemas da cidade de Mileto ou as cidades ideais do Renascimento, porexemplo, perceberemosque esse tipode ação racional sempre foi umanecessidadequando sepensanaorganizaçãodoespaçourbano.

Anecessidadeémaisevidentequandonosdeparamoscomumnúmerocadavezmaiordecidadescom elevado ritmo de crescimento populacional. A partir de meados do século XX, com apopularizaçãoesofisticaçãodosrecursosde informática,a tarefadeabstraira realidadeurbanapassaaganharcadavezmaisdestaque.Osmodeloscomputacionais,comotempo,seocuparamdequestõescadavezmaiscomplexascomooplanejamentoderedesdetransporte,mapeamentodeatividadesurbanasoualocaçãodeusosdosolo.

Apartirdofinaldadécadade1980,acomputaçãográficapassaaofereceravançosquetornampossível o uso de Sistemas de Informação Geográficas (SIG). Almeida (2009) observa que,recentemente, tais sistemas têm sido cada vez mais usados para abordar questões sobreexclusão/inclusão social e segregação urbana a partir de medidas obtidas por métodos deestatística e análise espacial, que revelam tendências e padrões de configuração espacial nãoexplícitos nos dados de entrada ou alguns métodos tradicionais de análise dos dados. Para aautora,“oestudodoambienteurbanoemmeiodigitalrepresentaumaextrapolaçãonoprocessodeaquisiçãodeconhecimento,que,deoutromodo,nãoseriapossível”(Almeida,2009).

Aomedirmosoespaçourbanoparaconhece-lomelhornãodevemosnosesquecerdequeelesetratadeumarealidadeconcretaconstruídohistoricamentesendo,assim,umprodutosocialque,nocasobrasileiro,apresentacaracterísticasespaciaisprópriaseumatributosocialmuitomarcada:sua desigualdade socioeconômica perene, que semanifesta demaneiramuito própria em cadacidadeapesardosatributosmaisgeraisqueacaracteriza.

Nos utilizaremos de dados disponibilizados pelo Censo 2010 do IBGE. Estes dados serãosistematizados quantitativamente a partir de sua abrangência, lembrando que os dadosdesagregadosestãoagrupadospor setores censitários.Noentanto,paraefeitodesteestudo,ossetorescensitáriosreferentesà rendaserãoentendidoscomoagrupamento levandoemcontaaclassificaçãoemclassessociaisdopróprioIBGE.

O IBGE trabalha com um ranqueamento de classes sociais baseado na quantidade de saláriosmínimos:classeA (rendaacimade20saláriosmínimos); classeB (rendavariandoentre10e20salários mínimos); classe C (renda variando entre 4 a 10 salários mínimos); classe D (rendavariandoentre2a4saláriosmínimos)eclasseE(rendadeaté2saláriosmínimos).

O sistema de classificação do IBGE se torna problemático se utilizado nas análises espaciaispertinenteaessetrabalho,poisosistemanãoencontraumacorrespondênciaautomáticacomas

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faixasderendaespecializadasdeacordocomosdadosdisponibilizadospeloCenso2010.Hámuitadiscrepância entre o número de salários mínimos compondo o extrato dos mais ricos entremunicípioscomoBeloHorizonteeCuritiba,porexemplo.Dessamaneira,optamospordividirosdadosemtantasfaixasderendaquantasforemnecessáriasparaqueaomenosumdosextratosextremos(osmaispobreseosmaisricos)conhecessemvaloresparecidos.

Para os fins deste trabalho, nos concentraremos particularmente em dois extratos de rendaantípodas.Oprimeiro está inclusonoqueo IBGE chamade classe E,masmesmodentrodessaclasse existem diferentes perfis de renda e o extrato que nos interessa é o com domicíliosparticularescomrendimentonominalmensaldomiciliarpercapitadentrodafaixaquevaidemaisde1/8até1/4salariomínimo4,queéafaixaqueconcentraindivíduosdentrodafaixaquevaidolimitedapobrezaextremaaolimitedapobrezaparaoIBGEequetambéméafaixaderendaalvodoprogramadogoverno federalBolsaFamília;o segundomiraogrupocompostopordomicílioparticularescomrendimentonominalmensaldomiciliarpercapitademaisde10saláriosmínimos.

ÍNDICEDEDISSIMILARIDADEESEUSLIMITES

Como já dito anteriormente, nosso objetivo é medir aspectos espaciais daquilo que o estudoconduzidopelaONU-Habitatnomeoucomo“urbanodividido”.Paratanto,nosconcentraremosnaespacializaçãodedoisgruposderendaespecíficos.

Os dados relativos ao rendimento das famílias comporão os chamados índices desimilaridade/dissimilaridade a partir de dois grandes grupos: o primeiro é composto de famíliaspertencentes às faixas de renda A e B agrupadas no que a tabela 2 chama de Área deMaiorRendimento (AMR). O segundo grupo é composto pelos extratos de menor renda da cidadescompostode famíliaspertencentes à faixade rendaEquea tabela2 chamadeÁreadeMenorRendimento(AMenR).Oíndiceécalculadolevandoemcontaocontingentepopulacionaldecadaumdosgruposeaáreaemqueestãolocalizados.

SabatinieSierralta(2004)consideramograudeconcentração/dispersãoterritorialdecadagrupourbanoeahomogeneidade/heterogeneidadesocialdecadaáreaasduasdimensões“objetivas”da segregação e que são estudadas principalmente por meio de índices que se referem àcomposição por grupos da população da cidade. As duas dimensões são apreendidasestatisticamente através dos índices de dissimilaridade, relativo à concentração/dispersão e deisolamento,relativoàhomogeneidade/heterogeneidade.

Ograudeconcentraçãoespacialdeumgrupoouadimensãodesuasimilaridade/dissimilaridadeéumamaneiradeseestudardeformaobjetiva,pormeiode índices,acomposiçãoporgruposdapopulação dentro do espaço urbano. O principal método estatístico disponível para medir aconcentraçãoespacialépormeiodoÍndicedeDissimilaridade5,que,segundoSabatinieSierralta(2006),correspondeàproporçãodefamíliasdeumdeterminadogruposocialquedeveriamudarolocal da residência para que sua presença relativa em cada uma das subáreas da cidade fosseuniforme, isto é, para que tivesse peso proporcional na população inteira da cidade. Assim, deumaformageral,oÍndicedeDissimilaridadeseprestaacaptar,nocasoespecíficodainvestigaçãoqueseconduznestetrabalho,umasubstancialconcentraçãodeumaparticularfaixaderendaem

4Osaláriomínimobrasileirodesde1/01/2016édeR$880,00devendochegaraR$945,80em2017.

5 Índice que varia de 0 (máxima similaridade) a 1 (máxima dissimilaridade)

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relaçãoaoutrafaixaderendaemdeterminadaspartesdacidade,comaconsequentesubstancialdesconcentraçãoemoutraspartesdacidade.

OÍndicedeDissimilaridadeD,propostoporDuncaneDuncan(1955),éamedidaestatísticamaisutilizadaparamedirsegregaçãoresidencial.Suafórmulaédadapor:

OndeDéigualàporcentagemdepessoasdedeterminadogrupoquedevemsemudarparaqueaconteçaamesmadistribuiçãodosgruposemtodasasáreasj;xjéigualaonúmerodepessoasdogrupominoritário emcada área j; X é igual aonúmero total do grupominoritário; yj é igual aonúmero de pessoas no grupo majoritário e Y é igual ao número total de pessoas no grupomajoritário.ParaumaregiãocomJzonas(j=1,2,...,J)podemosnosreferiraumsetorcensitárioouaumbairro,porexemplo.

Quando formulamos essa relação, as decisõesmais importantes, de acordo comGreene e Pick(2012)sãoaquelasrelacionadasaqualgruposedeveselecionarcomoogrupominoritárioequalogruponãominoritárioseráescolhidoparasefazeracomparação.Ocenário,nestecaso,éaquelefornecido pela base de dados do censo 2010, com osmunicípios em questão decompostos emsetores censitários. Como grupos minoritários, escolhemos dois, que serão medidosseparadamente,comoosmaisrepresentativosparaasituaçãoquesequermedir:(i)oconjuntodedomicíliosparticularescomrendimentonominalmensaldomiciliarpercapitademaisde1/8a1/4salariomínimoe(ii)oconjuntodedomicílioscomrendimentonominalmensaldomiciliarpercapitademaisde10saláriosmínimos.

O ÍndicedeDissimilaridadeésempreconstruído levando-seemcontadoisgrupose,nestecaso,compararemos,primeiramente,ogrupodedomicíliosdemenorrendapercapitacomonúmerototaldedomicíliosdecadamunicípioe,posteriormente,onúmerodedomicíliosdemaiorrendapercapitacomonúmerototaldedomicíliosdomunicípio.Oresultadoédadopelatabela1.

Podemos compreender o Índice de Dissimilaridade de forma bastante simples fazendo umapergunta no seguinte formato: que número de domicílios de baixa renda - ou de alta renda -teriam que ser redistribuídos entre os setores censitários dos municípios analisados para quehouvesseigualdadeentreeles?

Ii =yi − y( ) wij yj − y( )

j∑

yi − y( )2

i∑

n

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Municípios Númerodedomicíliocombaixarenda

Númerodedomicílioscomaltarenda

Númerototaldedomicíliosmunicípio

ÍndicedeDissimilaridade-maispobres

ÍndicedeDissimilaridade-maisricos.

Goiânia 8.359 13.694 422.172 0,41(40,77%) 0,64(64,12%)

Fortaleza 55.324 13.694 710.066 0,31(31,14%) 0,75(74,70%)

BeloHorizonte

17.289 35.829 762.075 0,45(45,30%) 0,62(62,54%)

Brasília 23.781 58.827 774.021 0,44(43,71%) 0,65(65,00%)

Curitiba 6.268 23.287 575.899 0,47(47,01%) 0,59(59,01%)

Tabela1–ÍndicesdeDissimilaridadeDdacadacategoriaemreferenciaaototal.

Percebemosqueosvaloresencontradosparaos ÍndicesdeDissimilaridadeDdosdoisgruposderendanãodiferemsubstancialmenteunsdosoutrosdentrodamesmacoluna.Osvalorestotaisdedomicíliosdebaixarendapercapitaedomicílioscomaltarendapercapitavariambastanteentresi dentro de uma mesma coluna. Uma vez que os valores mais próximos de 1 – máximadissimilaridade – encontram-se na coluna do grupamento de domicílios com maior renda percapita de cada um dos municípios estudados, isso significa que este grupo é o que está piordistribuídonascidades,justamenteporqueesteéoquevivemaisconfinadoaumaáreaespecíficana cidade. Os habitantes de maior renda normalmente orbitam em volta dos locais que maisoferecemmaiores chancesde sepotencializar asoportunidades caracterizadorasdaexperiênciaurbanacomolazer,trabalho,educação,consumoetc.

Podemosinterpretaratabelaeresponderaperguntafeitaacimadaseguinteforma:emGoiânia,por exemplo, 64,12%das residências commaior rendaper capita precisariam ser redistribuídasportodososoutrossetorescensitáriosquecompõemacidadeparaqueseatingisseaigualdade.Emboraosgruposmaisricospossamseconectarmelhoraorestantedacidade,eles,assimcomoosgruposmaispobres,formamgruposbastanteconcentrados.

AdefiniçãopropostaporSabatinieSierralta (2004) correspondeàproporçãode famíliasdeumdeterminadogruposocialquedeveriamudarolocaldaresidênciaparaquesuapresençarelativaemcadaumadassubáreasdacidadefosseuniforme,istoé,paraquetivessepesoproporcionalnapopulaçãointeiradacidade.

Osautoresargumentamqueocálculodeíndicespurosrelativosàdissimilaridadeeaoisolamentosão construções típicas das investigações conduzidas dentro da realidade social estadunidense.Afirmam, também, que índices padronizados levam a perder de vista o sentido sociológico daestrutura social e a esguelhar a experiência da dissimilaridade e do isolamento. Os autoresargumentamqueépreciso,então,adicionarocomponentecríticoparaqueoconstituintesocialdo estudo apareça, mas esse argumento pode levar a uma concepção errônea a propósito dealgumtipodehierarquizaçãoentreasvariáveis.Aosepararasvariáveisemdoisgrupos:variáveisobjetivasecríticas,podemosargumentarqueasvariáveis“críticas”sãotratadaspelosautores,dealguma forma, superiores às variáveis obtidas por meio de medições de diversos tipos. Essa

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atitudecontribuiparaobstaculizaropoderexplicativodaanáliseespacialjáquepartedoprincípioque índicessãofalhosemtrazerconsigoumconteúdosocial.Maisprovávelque issosedevaaopesquisadorqueobtémosíndices.

Amedidadedissimilaridadetemsemostradoumadasmaispopularesferramentasparamediçãodasegregaçãoresidencial,mas,ultimamente,temsidoalvodecríticaspornãopoderanalisarmaisdo que dois grupos simultaneamente. Não obstante, uma série de estudos têm se dedicado arevelar as inadequações do índice de dissimilaridade de um ponto de vista espacial e outrosíndicestêmsidopropostosaolongodesseperíodo.

SabatinieSierralta(2006)apontamalgunsproblemasmetodológicos6apresentadospeloÍndicedeDissimilaridadeD,queobedecem,emgrandeparte,aumaquestãoconceitual:apequenaatençãodada ao fato de que a segregação tem escalas distintas em uma mesma cidade. Em umadeterminadacidade,segundoosautores,umgrupopoderiaestarsegregadanoqueserefereaomicrolocal, mas não com relação às grandes áreas ou ao conjunto de áreas urbanas. Os doismaiores problemas, segundo Sabatini e Sierralta (2006) são aqueles relacionados com “osproblemas do tabuleiro de xadrez” e da “grade”, que os autores sintetizam no problema daunidadedeáreamodificável7.

Convémaindaatentarpara fatodeque,mesmoquerendochamaraatençãoparaaquiloqueosdoisautoresconsideramumafragilidadenautilizaçãodeíndicespadronizados,SabatinieSierraltaincorrememumacategorizaçãoperigosaquandodividemasvariáveisemdoisgruposdistintos:asvariáveis objetivas e as variáveis críticas. As primeiras são aquelas mensuráveis a partir deobservações, cálculos estatísticos e medições e as segundas que não pode ser medida, masacrescentaumaespéciededimensãoteóricaqueadiferedasoutrasvariáveis.AcompanhandoopensamentodeHolanda,inferimosqueessadiferenciaçãopodeacabarpassandoaideiaerrôneadequea segundavariávelémelhoroumaisprofundadoqueaprimeira,oquenãoéverdade.Todavariávelpodeserutilizadademaneiracríticaadependerdousoqueopesquisadorfazdela.

Onosso interesseaoestudarmososdados referentesàespacializaçãodediferentes gruposnascidadesésaberquãoconcentradooudispersoespacialmentesãoosatributosdepobrezaouderiquezaemumadadaáreaurbana,para,emseguida,averiguarmosessasáreasurbanassobumalente morfológica. Contudo, essa informação não pode ser plenamente extraída do índice dedissimilaridadeporcontadaslimitaçõesinerentesdessamedidaestatística.

Aqui, indicaremos outros métodos que, acreditamos, podem indicar uma solução para aslimitações metodológicas apontadas por Sabatini e Sierralta (2006) no tradicional Índice deDissimilaridade D proposto por Duncan e Duncan (1955). Como já mencionado, buscamos aespacialização das duas classes antípodas, o que abre caminho para um conhecimento maisrefinadodascausasdesuasrespectivaslocalizaçõesnotecidourbano

INDICADORESTERRITORIAISDESEGREGAÇÃOESPACIAL

Nos últimos anos, medidas espaciais vêm sendo desenvolvidas e cada vez mais utilizadas emanálises espaciais dentro de aplicativos SIG. É cada vez mais constante e mais importante a

6Para uma melhor compreensão acerca dos problemas metodológicos do Índice de Dissimilaridade, ver SABATINI eSERRALTA(2006).7Paradetalhessobreosproblemasmetodológicosacercadoíndicededissimilaridade,verSABATINIeSIERRALTA(2004).

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presençadeanálisesespaciais ancoradasem técnicasdegeoinformação coma incorporaçãodenovas funcionalidades para a análise de aspectos espaciais relevantes – por exemplo a relaçãoentre vizinhanças e as características geométricas das unidades de análise (como os setorescensitários).

A análise de dados espaciais pode ser empreendida sempre que as informações estiveremespacialmente localizadasequando forpreciso levaremcontaexplicitamente,a importânciadoarranjoespacialdosfenômenosnaanáliseounainterpretaçãoderesultadosdesejados.SegundoBaileyeGattrel (1995),oobjetivodaanáliseespacialéaprofundaracompreensãodoprocesso,avaliarevidênciasdehipótesesaelerelacionadas,ouaindatentarprevervaloresemáreasondeasobservaçõesnãoestãodisponíveis.

Tais técnicas são conhecidas comoAnálise Exploratória deDados Espaciais (AEDE) e podem serclassificadas em univariadas oumultivariadas, dependendo do número de variáveis envolvidas.Nestapesquisa,apartirdasinformaçõescolhidaspeloCenso2010,nosutilizaremosdeduasparabuscar refinarosdadoseavançarnaespacializaçãodasclasses sociaisquenosocupamosnestetrabalho:(i)aAutocorrelaçãoEspaciale(ii)oMétodoCentrográfico.

AUTOCORRELAÇÃOESPACIAL

Éacorrelaçãoousimilaridadedevaloresgeralmentepróximosemumconjuntodedados.Nocasode dados espaciais, a autocorrelação é esperada quando valoresmedidos de formapróximanoespaço sãomais similares que valoresmedidos distantes um do outro. Uma das técnicasmaisutilizadasnoestudodefenômenosespaciaiséaanálisedeautocorrelaçãoespacial,quepermiteidentificaraestruturadecorrelaçãoespacialquemelhorrepresenteopadrãodedistribuiçãodosdadosanalisados.Aideiaquesubjazaanáliseédeestimaramagnitudedaautocorrelaçãoespacialentre as áreas, evidenciando como os valores estão correlacionados no espaço. Neste caso, astécnicassãoutilizadasparaestimarquantodovalorobservadodeumatributoemumaregiãoédependente dos valores dessa mesma variável, nas localizações vizinhas. Enquadra-se nestacategoriaoÍndiceGlobaldeMorandoqualnosutilizaremosnestetrabalho.Aautocorrelaçãoéomesmo que dependência espacial, ou seja, é a covariação de propriedades dentro do espaçogeográfico,cujascaracterísticaspodemestarrelacionadaspositivamenteounegativamente.

Nestetrabalho,nos interessaespecificamente identificaraformaçãodeclustersespaciais.Comojádito,a correlaçãoespacialquandopositiva indicaalgumtipodedependênciaespacial.Comointuito de se localizar possíveis clusters de renda e de desigualdade, devemos utilizarmétodosglobais–quesumarizampadrõesparatodaaáreadeestudo–emétodoslocais–quecalculamaestatísticaparacadasetorcensitáriobaseadanassimilaridadesdecadalocalidade.

Deacordo comCancianet al (2013),naautocorrelaçãoespacial globalosdadosdisponíveis sãoexplorados de forma generalizada, caracterizando a associação espacial de uma região inteiraatravésdeumaúnicamedida, ou seja, um indicador global, que viabiliza amediçãodograudeinterdependência espacial entre as variáveis, além de determinar a natureza e a força de talrelação. Para Mitchell (2009), um dos métodos mais utilizados para a identificação de valoressimilareséochamadoIdeMoran,quepodeserutilizadoparacalcularoindicadortantoemumnívellocalquantoemnívelglobal.

Aanáliseestatística IdeMoranpermiteverificar seosdadosquesepretendeanalisarestãoounão correlacionados espacialmente, indicando, de acordo com Cancian et al (2013), o nível deassociação linear entre os vetores observados no tempo t e a média ponderada dos valores

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vizinhos. A autocorrelação positiva evidencia a presença de semelhanças entre as variáveis dacaracterística estudada e a sua localização espacial. No caso de autocorrelação contrária, aevidênciaédeheterogeneidadeentreasvariáveisestudadaseasualocalizaçãoespacial.

Quando o I de Moran resultar em um valor aproximado de 1 concluímos pela presença deautocorrelação positiva (clustering), revelando, assim, similaridade entre os dados dacaracterísticaestudada.JánocasodovalordoIseaproximarde-1temosautocorrelaçãonegativa(situaçãoespacialcontrariadocluster),constatandoadissimilaridadeentreosvaloresestudadosea localização espacial do atributo. Porém, se o valor do I de Moran for igual a 0, não existiráautocorrelação espacial entre os dados. Segundo Almeida (2004), em estudos de análisesestatísticas sobre a pobreza, estes resultados implicam, em geral, que as regiões consideradaspobresestãopropensasaseremrodeadasporregiõesvizinhas igualmentepobresparavalores Ide Moran tendendo a 1. O contrário é verdadeiro: regiões consideradas não pobres estãopropensas a serem rodeadas por regiões vizinhas igualmente não pobres para valores de I deMorantendendoa1.

Deformaanáloga,asregiõespobresestarãopróximasàregiõesnãopobresparaocasodovalordoIdeMorantendera-1.Ocontráriotambéméverdadeiro:regiõesnãopobresestarãopróximasaregiõespobresparaocasodoIdeMorantendera-1.Almeida(2004)ressaltaqueaestatísticaIdeMoranéumamedidaglobalequenãosedeveconfiarapenasnasestatísticasglobaisporqueelas, por si, podem ocultar os padrões locais de associação espacial linear como no caso, porexemplo,deumIdeMoraninsignificantequepodelevaràconclusãodeautocorrelaçãoespacialcomamesmacaracterística.

Para a avaliação se dar de forma completa, conforme observa Almeida (2004), é necessáriaviabilizaçãodo estudodos padrões locais de associação espacial linear, que pode ser alcançadacom a medida de autocorrelação espacial local. A verificação de possíveis associações locais(análisedaexistênciadeclusterslocais)eadeterminaçãodasregiõesdosistemaurbanoquemaiscolaboram para a autocorrelação espacial é viável pela utilização dos indicadores locaisjuntamentecomodiagramadedispersãodeMoran.

Genovez(2002)destacaqueoIndicadorLocaldeAssociaçãoEspacial8executaadecomposiçãodoindicadorglobaldeautocorrelaçãonacontribuiçãolocaldecadaobservaçãoemquatrocategorias,cadaumaindividualmentecorrespondendoaumquadrantededispersãodeMoran.

DeacordocomAlmeida(2004),umadasformasdeinterpretaçãodaestatísticadeIdeMoransedá pormeio da utilização do diagrama de dispersão deMoran. Ao longo da representação docoeficiente de regressão temos a possibilidade de visualizar a correlação linear no gráfico queconsidera duas variáveis. O autor mostra que o diagrama de Moran se apresenta dividido emquatro quadrantes, que correspondem a quatro padrões de associação local espacial entre asregiõeseseusrespectivosvizinhos.

No caso particular deste trabalho, amontagemdo diagrama de dispersão será substituída pelamontagemdemapasilustrandoomesmoresultadododiagramaporcontadapossibilidadequeoArcGisoferecedeagregarosdados referentesaos setorescensitáriona formademapas,oquepermitealeituradosresultadosdeformamaisintuitiva.

8LocalIndicatorsofSpatialAssociation–LISA.

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No quadrante superior direito, estão incluídas as regiões que apresentam altos valores para avariável em análise – neste caso, o valor do rendimento nominal médio mensal das pessoasresponsáveispordomicíliosparticularespermanentes (com rendimento)– rodeadaspor regiõesque, igualmente,apresentamaltosvaloresparaamesmavariável.EssequadranteéclassificadocomoHigh-High(HH);oquadrantesuperioresquerdoexibeasregiõescombaixosvaloresparaavariáveldeinteresse,cercadasporvizinhosqueapresentamvaloresaltos,sendoclassificadocomoLow-High(LH)eseencontra localizadonosetorsuperioresquerdo; jánosetor inferioresquerdoencontra-seoterceiroquadrante,denominadoLow-Low(LL),porserconstituídoporregiõescujosvalores para a variável em análise são baixos e estão circundadas por regiões que igualmenteapresentam baixos valores e o último quadrante, localizado no setor inferior direito, chamadoHigh-Low (HL) é composto por regiões com altos valores para a variável de interesse, que seapresenta circundada por regiões de baixos valores. Assim, apresentam autocorrelação espacialpositiva– istoé, formamclustersdevaloressimilares–asregiõesqueseencontramlocalizadasnos quadrantes HH e LL. No entanto, as regiões localizadas nos quadrantes LH e HL exibemautocorrelaçãoespacialnegativa,formandoclusterscomvaloresdissimilares.

Ocálculodo IdeMoranesperado,equivalenteaovalorquesealcançarianocasodenãohaverpadrãoespacialnosdados,podeserobservadonatabela2.Estesresultadossãocomparadoscomoscoeficientes IdeMorancalculados,determinando,assim,a tendênciageraldeagrupamentosexistentesentreasváriasfaixasderendaparaosmunicípiosestudados.DeacordocomMitchell(2009),depossedoscoeficientesIdeMoranéprecisomedirsecadavalordoIéestatisticamentesignificanteaumdadoníveldecerteza.

Oquemedimoséaprobabilidadedeasimilaridadeentreumdeterminadosetoresuavizinhançanão ser devido ao acaso através do cálculo do Z-score9(o escore padronizado), que fornece aprobabilidadedeseestarerradoaorejeitarahipótesedenulidade.UmZ-scorepositivoaltoindicaqueosvaloresdossetoresnoentorno(baixosoualtos)sãosimilares,destemodo,umgrupodesetoresadjacentescomaltoZ-scoreindicaumclusterdevaloressimilarmentealtosoubaixos.Umvalornegativoaltoparaumgrupodesetoresadjacentesindicaqueosetorécercadoporvaloresdissimilares–umvaloraltocercadoporbaixosvaloresouviceeversa.A figura1mostrao IdeMoranlocalparaoscincomunicípiosestudados.

Município IdeMoran ÍndiceEsperado Z-score

Goiânia 0,169087 -0,000614 157,13504

Fortaleza 0,528401 -0,000331 327,428139

BeloHorizonte 0,500704 -0,000258 294,480154

Brasília 0,388922 -0,000231 639,440930

Curitiba 0,760274 -0,000421 236,195787

Tabela2–CoeficientesdeautocorrelaçãoespacialdoIdeMoranglobal,ÍndiceEsperadoeZ-score.

9Oz-scoreajudaaentenderondeumdeterminadoescoreseencontraemrelaçãoaosdemaisnumadistribuição.Indicaoquantoacimaouabaixodamédiaumescoreestáemtermosdeunidadespadronizadasdedesvio,sendocalculadousandoamédiaeodesviopadrão.

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Figura1–IdeMoranparaascincocidadesestudadas.

Apartirdatabela2,percebemosque,deformaglobal,osmunicípiosestudadostendemaformarclusters referentes aos dados apresentados pela tabela sobre o valor do rendimento nominalmédio mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes (comrendimento), ou seja, há formação de clusters espaciais para o percentual de pessoas muitopobres e muito ricas em todos os municípios estudados. Podemos inferir que esses clustersindicamregiõesdascidadesqueapresentam,segundooIdeMoran,relaçãodiretaentreoespaçoeavariávelestudada–nocasorenda,existindo,então,aglomeraçãonoespaço.

ComocomplementoàanálisedoIdeMoranglobal,queindicaatendênciageraldeagrupamentodosdados,éimportanteobservarosvaloreslocaisapresentadospelosdiagramasdedispersãodeMoran – aqui, convertidos em mapas – que revelam padrões locais de associação espacial,

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alocando os dados de acordo com os quadrantes apresentados anteriormente, conforme adistribuiçãodopercentualdepessoasmuitopobresemuitoricas.

OsmapasresultantesdosdiagramasdedispersãodeMorandemonstramadispersãodapobrezaeda riqueza nos cincomunicípios estudados com base no censo 2010, indicando a existência deautocorrelaçãoespacialpositiva.Umapartedosdados–osmaisricos–encontra-senoquadranteHH,oque indicaas regiõesqueapresentamaltosvaloresparaavariávelestudada, rodeadaporregiõesqueigualmenteapresentamaltosvaloresparaamesmavariáveleoutrapartedosdadosequecorrespondeaAMR–osmaispobres–noquadranteLL,oqueindicaasregiõescujosvaloresparaavariávelemanálisesãobaixoseestãocircundadasporregiõesqueigualmenteapresentambaixosvaloresequecorrespondeaAMenR.

Percebemos, assim, a formação de clusters de valores similares, ratificando os resultadosfornecidospeloIdeMoranglobal.Háumatendênciadeagrupamentodosdadosemlocalidadesmuito semelhantes aos de concentração dos dois polos extremos de renda – AMR e AMenR –encontradosnosmapasderendadaAMRedaAMenR.Adiferençaéqueaanáliseexploratóriadedados espaciais nos permite afirmar a existência de autocorrelação espacial positiva entre ossetorescensitários,ouseja, constatamosqueos setorescensitárioscommaiorníveldepobrezasão vizinhos de setores commaior nível de pobreza, o que ocorre demaneira análoga para ossetorescensitárioscommaiornívelderiqueza.

O cluster do grupomuito rico toma forma de uma espécie de casulo a envolver tanto o pontoadotadocomocentral,quantoocentromédiodaAMR,enquantooclusterdogrupomuitopobrenãorepeteessecomportamentoespacial,apresentando-se,algumasvezes,deformanãocontínuanotecidourbanocomocentromédiodaAMenRforadamanchaindicativadoclusteremtodasasamostras. Esse comportamento espacial do primeiro cluster se deve a uma ligação estreita dogrupomaisricocomoespaçourbanoprivilegiadodaAMR.

MÉTODOCENTROGRÁFICO

GreeneePick(2012)apresentamométodocentrográfico10comoumapossibilidadeestatísticanasuperaçãodofatodeoÍndicedeDissimilaridadenãoconseguirmedirdeterminadosaspectosdadistribuição espacial dos segmentos estudados da população. O método mede a segregaçãotomando um grupo como referência, bem como a área em torno e determina a extensão daconcentração ou dispersão em tono do ponto central. Segundo os autores, esse método poderespondercomumamaiorprecisãoaquestõessobrequalgrupoderenda11estámaisoumenosdispersoemumacidade.

Ométodocentrográficoébaseadoemcálculosdecentromédioe raiopadrãoparaasáreasdeconcentração. O primeiro localiza o núcleo para o atributo de pobreza ou riqueza, sendoespecificadoporumacoordenadalocalizadora(x,y)eosegundomedeovalordedispersão12doatributomedido através de uma área dada, sendo a distânciamédia do centro para umdesviopadrãoouparacercade2/3deumadadapopulação.Oraioformaumcírculoemvoltadocentromédio, mostrando quão concentrado ou disperso espacialmente é uma determinada

10Centrographicmethod,eminglês.11Na verdade, ométodo centrográfico, assim como o índice de dissimilaridade,mede a igualdade ou uniformidade dequaisquergruposmutualmenteexcludentes:pobresericos,negrosebrancosetc.12Estadispersãoémaiscomumenteumdesviopadrão.

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característica. A ponderação é proporcional à concentração do atributo medida em umacoordenadaparticular.

Asfórmulasparaascoordenadasxeydocentromédioponderadosão:

xw =xw∑w∑ ,

yw =yw∑w∑

Ondexeysãoascoordenadasgeográficas;wéaconcentraçãoponderadaparaumatributoderenda, racial, étnico etc. emparticular; xwe yw são as coordenadas x e y para o centromédioponderado.

Afórmulaparaoraiopadrãoé:

Ondexeysãocoordenadasgeográficasenéonúmerototaldepontos.

Greene e Pick (2012, p. 209) oferecem um exemplo simples, mas bastante cristalino sobre ofuncionamentodestemétodo implementadono conjuntode ferramentasdisponíveis emalgunsambientesGIS:laresjaponesesemumadeterminadacidadeestadunidensetêmseucentromédiolocalizado a 19km ao norte e 6km oeste do CCS, ou seja, essa é a sua coordenada x,y. Aponderação representa o número médio de indivíduos por residência para uma pequena áreamedida; o raio padrão é calculado como sendo de 8km, significando que por volta de 2/3 dosindivíduos japoneses estão localizados dentro do raio de 8kmdo centromédio. Assim, um raiopadrão extenso indica ampla dispersão, considerando que um raio padrão pequeno implica emconcentraçãodogrupoemumaporçãodaáreaconsiderada.

Se os círculos de desvio padrão forem calculados para, por exemplo, duas faixas de renda ostamanhosdosrespectivoscírculosrepresentam,emlinhasgerais,quãoconcentradosessesgrupossãodentrodosistemaurbanoconsiderado.Seocírculodeumdosgruposémaiordoqueodooutro,issosignificaqueoprimeirogrupoémaisdispersoportodoosistemaurbanoconsiderado.

Greene e Pick (2012) observam que análises mais avançadas utilizando a técnica centrográficacomputamodesviopadrãocomoumaelipseenãocomoumcírculo.Paratanto,paracadaelipse,ométodofornececálculosdaponderaçãodocentromédio–aorientaçãodirecionaldaelipse–edasdispersõesaolongodeseueixomaioremenor.

Com base nos dados disponibilizados pelo censo 2010 e da aplicação dométodo centrográficoparaasvariáveiscensitárias(i)domicíliosparticularescomrendimentonominalmensaldomiciliarpercapitademaisde1/8a1/4desaláriomínimoe(ii)osdomicíliosparticularescomrendimentonominal mensal domiciliar per capita de mais de 10 salários mínimos, (em uma sequência demapasapresentadanasfiguras7à11),especializamos,conformepodemosvernafigura2,osdoisgrupos de renda com o intuito de promover uma sintonia mais fina dos dados aplicandoferramentasdeestatísticaespacial.

r =x∑n

− xw2

⎝⎜⎜

⎠⎟⎟ +

y2∑n

− yw2

⎝⎜⎜

⎠⎟⎟

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Figura 2 Mapa do método centrográfico para as variáveis V006 e V013 do Censo 2010 da tabeladomicílio/renda.

Apartirdosresultadosdométodocentrográfico,percebemos,deinício,que,corroborandoVillaça(2012),aanáliseporregiãorevelamuitomaisdoqueaanálisecentradanaescaladaresidênciaoudobairro.AdistribuiçãodaselipsesrelativasaosgruposdasÁreasdeMenorRendimento(AMenR)sãobastantediferentesumasdasoutras,oque indicaqueosatributosespaciaisdedispersãoeconcentraçãodecadagrupoprovavelmentesão influenciadosporcondições locais tantoquantocondiçõesestruturaismaisgerais.Ficamuitoclaroqueosindivíduospertencentesàsclassesmaisaltasoptaminvariavelmentepelaproximidadedocentrohistórico,dispersando-semuitopoucoe,destaforma,paraascincocidadestemoselipsesparecidasemproporçãoeforma.ÉinteressantetambémnotaraposiçãodocentromédiodaelipsedaAMenRemrelaçãoaimportantespeçasdeinfraestruturaviáriaexpressaedecargasemseustrechosurbanos:BR060eGO060(Goiânia),CE060 e CE 065 (Fortaleza), Anel Rodoviário (Belo Horizonte), Epia (Brasília) e Régis Bittencourt(Curitiba).NocasodeBrasíliaaviaEpiaéquaseumeixodeespelhamentoentreosdoiscentrosmédios.

NocasodeGoiânia,percebemosqueocentromédiodaAMenRestásituadopróximoaofundodevaledoribeirãoAnicuns,quemarcaumclarolimiteentreotecidourbanomaiscontínuoeaqueleque contém os setores censitários com os domicílios com renda per capitamais baixa e que émenos contínuo.O centromédiodaAMenRestá situado tambémentreduas grandespeçasde

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infraestruturaviáriadetráfegoexpresso(BR-060eGO-060),sendoqueestaúltimadivideaomeioaregiãocomosbairrosmaispobresdacidade.

Para Fortaleza, o centromédio da AMenR encontra-se próximo ao aeroporto internacional e àAvenidadosExpedicionáriosemumaáreamarcadaporgrande fragmentaçãodo tecidourbano.Margeando a área do aeroporto temos uma grande via expressa da cidade (a BR-116), queatravessagrandepartedeseusistemaeébastanteintegradafazendopartedoNIdosistema.Estaviamarcaclaramenteadivisãoentrearegiãoà lestedaviacomamaiorquantidadedefamíliaspertencentesàAMRearegiãoàoestedaviacomamaiorquantidadedefamíliaspertencentesàcamada mais pobre. A posição e abrangência da elipse referente a distribuição direcional daAMenR(sentidonoroeste/sudeste)marcaacontinuidadedaocupaçãodemaisbaixarendanestearcoespacial.

Outracaracterísticaquepodemosapontaréqueopontocentralestáforadeambasaselipses,oquepodesedeverpelalocalizaçãodopontonasimediaçõesdaantigaestaçãoferroviáriaeofatodeque,aolongodotempo,tantoapopulaçãomaispobrefoiseinstalounamargemesquerdadalinha férrea e a população mais rica se afastou da centralidade inicial rumo à região leste dacidade.

JánocasodeBeloHorizonteocentromédiodaAMenRencontra-sepróximoaocampusdaUFMGvizinhoaoAnelRodoviário.Aposiçãoeaabrangênciadaelipsereferenteadistribuiçãodirecionalda AMenRmostra a ligação entre duas regiões opostas que concentram grande quantidade defamíliaspertencentesa camadamaispobre:a regiãonordesteea região sudoestedacidade.AprimeiraestálocalizadaemumaáreafragmentadadotecidoprincipalentreoParqueEcológicoeCultural Jardim das Nascentes e o Anel Rodoviário; a segunda émarcada pelo Anel Rodoviáriofuncionandocomoelementoseparadorentreduasregiõescomrendaspercapitadiametralmenteopostas. Há ainda um bolsão importante de domicílios de baixa renda per capita na regiãonoroestecercadapelaLagoadaPampulha,peloaeroportoepelaMG-424.

Em Brasília, percebemos uma profusão de vazios urbanos demodo que o fragmento de tecidourbanomais continuo e que contémo CCS é bastante reduzido e não faz parte doNI. ONI seencontraao longodaviaEPIA,queestápraticamente inteiradentrodaelipse representantedadireçãodaAMenR.Adireçãodaelipseé influenciadapelapresençadegrandes loteamentosdoladooestedaEPIA(Guará,ÁguasClaras,Taguatinga,Ceilândiaetc.).AAMRdeBrasíliaseencontraclaramenteconfinadanoespaçodelimitadoporduasgrandesvias:aEPIAeEPCT,sendoqueestaémarcadaporgrandesvazios, comoporexemplooexistenteentreaPenínsulaNorteeaviaquemarcaosarredoresdoJardimBotânico.

A posição da elipse de representação direcional da AMenR está orientada na direçãosudoeste/nordeste. A primeira engloba uma parcela delimitada pela BR-070, EPIA e EPCT; asegundaapontaparaadireçãodePlanaltinaàsmargensdaBR-020.ExistetambémumbolsãodedomicíliosdebaixarendaentreoParqueNacionaldeBrasíliaeaBR-080,próximaaolimitecomGoiás.

NoquedizrespeitoaCuritiba,ocentromédiodaAMenRestálocalizadopróximoàrodoviaRégisBittencourt. Esta viamarca uma divisão bastante clara na cidade,marcando tambémum limiteentreumaregiãocomalgumaconcentraçãoderesidênciascombaixarendapercapita,demodoque a direção da diagonal maior da elipse de distribuição direcional da AMenR acompanha ainclinaçãodarodovia.Contudo,amaiorconcentraçãodasresidênciasmaispobressedáentreas

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franjas do município e as vias Contorno Sul e Contorno Leste, que também marcam regiõesfragmentadasdosistemaurbano.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

A utilização de ferramentas alternativas a índices como o de Dissimilaridade D de Duncan eDuncan (1955) se mostra muito importante para a compreensão mais refinada de padrões etendênciasdasegregaçãourbana,aindamaisemumpaísprofundamentedesigualeurbanocomoo Brasil. Contudo, muitos trabalhos sobre segregação e seus atributos permanecem a essesrecursos que ressaltam a importância da dimensão espacial da desigualdade socioeconômica,limitando-seaaplicaçãodeíndicesmaissimples,incapazesdecapturarcommaiorpropriedadeofenômenodarelaçãoentredesigualdadeeespaçocommaiorpropriedade.

EsteestudoapresentaferramentasdiversasaoÍndicedeDissimilaridadeD,quebuscammitigaraslimitações deste, por exemplo. Para tanto, construíram-se índices globais e locais deautocorrelaçãoespacial ededispersãoe concentraçãoque incorporam informaçõesgeográficasemsuasformulações,apartirdaextrapolaçãodoÍndicedeDissimilaridade.

Oestudopropõemduasferramentasfornecedorasdeíndicesnaformademapas,oquepermiteduasatitudesdegrandeimportância:(i)avisualizaçãodaintensidadedasegregaçãoemdistintoslocaisdacidadeemumasintoniamais finae (ii)aapreensãomais fácile imediataporpartedeatoresquenãonecessariamentedominema ferramentaouo significadodos índices. Estesdoisaspectosnosparecemextremamenterelevantesporcriaremapossibilidadedeestudoscomoesseseremutilizadoscomo fontede informaçãoparagestorespúblicos,porexemplo,na formulaçãoou aperfeiçoamento de alguma política pública voltada para o combate à desigualdadesocioeconômicanasuaformadesegregaçãourbana.

Alentepropostaparaaconstruçãodestasferramentasespaciaispermitemaadoçãodediferentesconceitos de investigação da inteiração entre classes sociais, assim como análises em escalasdistintas. Cabe notar que as ferramentas aqui apresentadas não podem ser consideradas comosubstitutasdeatributosinvestigativosdeorigemqualitativa,mas,antes,devemserconsideradasum ferramental amais principalmente no que tange aspectosmais refinadas de aspectosmaislocaisnãocaptadosporabordagensmaispreocupadascomatributosestruturais.

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