vasquez - filosofia da praxis

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  • 5/12/2018 Vasquez - Filosofia Da Praxis

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    COLE9AO PENSAMENTO SOCIAL LATINO-AMERICANO

    CLACSO

    FILOSOFIA DAPRAxIS

    ADOLFO SANCHEZVAzQUEZ

    e)t.preSSaoPOPULAR

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    S a n c h e z V a z q u e z , A d o lf oF ilo s o fia d a p ra x is - 1 a e d . - B u e n o s A i r e s : C o n s e jo L a t in o a m e rlc an o

    d e C ie n c ia s S o c ia ie s - C L A C S O ; S a o P a u lo : E x p r e s s a o P o p u la r , B r a s i l ,2 0 0 7 .

    4 8 8 p , ; 2 3 x1 6 c m . ( P e n sa m e n to s o c ia lla tin o -a m e r ic a n o d ir ig id a p a rE m i r S a d e r )

    T r a d uc id o p o r: M a r fa E n c a rn a c io n M o y aIS B N 9 7 8 - 9 8 7 -1 1 8 3 -7 1 - 51 . F i lo s o f ia s P o l f t ic a s . 2 . M a r x is m o . 3 . E p is te m o io g ia . I . M o y a , M a r f a

    E n c a r na c io n , t ra d . I I . T I tu loC O O 3 2 0 .5 3 1

    O u t r a s p a la v r a s c h a v e s e le c io n a d a s p e la B ib lio te c a V i r t u a l d e C L A C S O :F i lo s o f ia P o i f t i c a / M a r x is m o I P r a x is / E p i s te m o lo g ia I L u d w i gW i lh e lm F r ie d r ic h H e g e l/K a rl M a r x / V la d im i r l l i c h U l ia n o v L e n in IA l ie n a G a o / C la s se s S o c ia is

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    A CONCEP~AO DA PRAxIS EM MARX

    COMMARX,0 problema da praxis como atividade humana trans for-madora da natureza e da sociedade passa para 0primeiro plano. Afilo-sofia se torna consciencia, fundamento te6rico e seu instrumento.

    Arelacao entre teoria e praxis e para Marx te6rica e pratica; pra-tica, na medida em que a teoria, como guia da acao, molda a atividadedo hornem, particularmente a atividade revolucionaria: teorica, na me-dida em que esta relacao e consciente.

    NECESSIDADE TEORICA E PRATICADE UMAFILOSOFIA DAPRA..xrsAfilosofiaanterior teve, em maior ou menor grau, consequencias pra-ticas, independentemente das intencoes dos fil6sofos; nesse sentido, arelacao entre teoria e pratica, mesmo possuindo urn carater pratico,nao e te6rica, ja que sua plasmacao efetiva e suas consequencias navida real nao s6 nao sao desejadas e reconhecidas, como sao, inclusive,repelidas. Dessa perspectiva, a pratica e vista com receio, pois s6 viriaa empanar a pureza da teoria (atitude dos gregos e, de modo geral, dafilosofia idealista pre-hegeliana). S6 uma teoria que veja seu proprioambito como urn Iirnite que deve ser transcendido mediante sua vincu-lacao consciente com a pratica pode estabelecer suas relacoes con1estaatendendo a uma dupla - e indissohrvel - exigencia te6rica e pratica,

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    FILOSOFIA DApRAxIs

    o mais alto grau de consciencia da praxis - antes de Marx - e en-contrado, como vimos, na filosofia idealista alema e, particularmente, emHegel. Como ja assinalamos,' 0 idealismo alemao e contemporaneo domovimento revolucionario frances que da a burguesia sua plena hegemo-nia no terreno politico e social. fjproprio Hegel reconheceria a existen-cia de uma vinculacao entre a filbsofia e a realidade revolucionaria de seutempo, mas foi Marx quem mostrou c1aramente a relacao entre a filosofiaidealista e a pratica revolucionaria de sua epoc~:com a particularidaderde que via essa relacao a luz das condicoes peculiares de urn pais como aAlemanha, que, por seu anacronismo hist6rico, nao estava em condicoesreais de dar urn passo semelhante ao que ja se dera na Franca. Mas, ob-serva Marx, 0 que os alernaes nao podem fazer, eles 0pensam; isto e , 0fazem no terreno do pensamento,? Hegel tarnbem dissera, e certo, que arevolucao desencadeada na realidade efetiva pelos franceses estava pre-sente entre os alemaes sob a forma de pensamento. Mas uma revolucaoque nao ultrapassa esse marco deixa intacta, necessariamente, a realida-de efetiva e, com isso, nao faz mais do que sanciona-la. Assim, portanto,ainda que Hegel formule 0 problema das relacoes entre filosofia e reali-dade, seu idealismo absoluto aspira a deixar 0mundo como ele e, pais, aseu ver, a missao da filosofia e dar razao do existente, e nao tracar cami-nhos para a transformacao do real. Ou, nas pr6prias palavras de Hegel; em suas Licoes sabre a historia da [ilosofia: "0 fim ultimo eo interesse da

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    A CONCEP

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    FILOSOFIADAPMxrS

    formacao da realidade que Hegel desejava deixar intacta. Essa funcaopratica da filosofia assume a forma de uma critica dos elementos ir-racionais cla realiclade, critica incessante e profunda das instituicoespetrificadas, irracionais - seja a religiao crista ou 0 Estaclo prussiano- que detem 0clesenvolvimento infinito do Espirito, quando este sotransitoriamente podia plasmar-se ou encarnar-se em uma realidadehistorica, concreta.

    Ao enfrentar 0 real e 0 racional, e ao desvendar os elementos irra-cionais da realiclade, por meio da critica, os jovens hegelianos pensamque 0movimento do Espirito esta salvo.

    A exigencia, portanto, de que a filosofia seja pratica, e entendidapar essa capaciclade atribuida a filosofia critic a de transformar por simesma, pelo poder das ideias, 0proprio mundo. Se se fala aqui de ati-vidade transformadora, trata-se, sem duvida, de uma atividade teorica,que por si mesma poderia mudar a realidade.E a propria realidacle politica - 0 Estado prussiano -:-que comseus atos reais, efetivos, explicita a inoperancia e a inatividade destapratica teorica.

    Justamente essa Iimitacao e essa impotencia da atividade teorica- tanto mais evidente quanta mais se confia em sua onipotencia - e queapresentam como urn problema a resolver a necessidade de passar deUlna atividade teorica, que na verclade nunca deixa de ser teoria e ja-mais e praxis verdadeira, a uma ativiclade pratica,

    E nesse horizonte problernatico da esquerda hegeliana que sedeve situar a evolucao do pensamento de Marx, que culminara na cria-c;ao de luna filosofia da praxis, entenclida esta nao como praxis teorica,mas sim, como ativiclacle real, transformaclora do mundo." Ja nao setrata da teoria que se ve a si mesma como praxis, enquanto crftica doreal que por si so transforma a real, nem como filosofia da acao, en-tendida como luna teoria que traca os fins que a pratica deve aplicar(filosofia da acao de Cieszkowski e Hess, que nao passava, na realidade,de uma nova forma de utopisrno).

    Assim, portanto, a passagern dessas falsas concepcoes da trans-formacao do mundo para uma vercladeira filosofia da praxis correspon-dia a uma necessidade pratica: transformar a realidade. Por outro lado,a concepcao de que 0mundo real so podia ser trans form ado pratica-mente so poderia surgir quando a atividade te6rica, elevacla ao plano doabsoluto pelos jovens hegelianos, mostrava sua limitacao e impotencia,Assim, pois, a elaboracao de uma verdadeira filosofia cla praxis era urn6 Sobre as relacoes de Marx com a esquerda, consultar a obra citada de A. Cornu. E tam-bern irnportante a esse respeito todo 0cap. 1 do livro II, da obra antes citada de M. Rossi,Marx et a dialettica hegeliana, Ver tambern 0estudo de Emile Bottigelli, "Karl Marx et agaucha hegelienne", Annali 1963, Instituto G. Feltrinelli, Milao, 1964, pp. 9-32.

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    FILOSOFIA DA PRAx:rS

    com a qual a praxis produtiva material revela sua plena dimensao histo-rico-social e se torna possfvel uma concepcao materialista da hist6ria;outros pesquisadores ressaltam, sobretudo, que 0marxismo inicia seucaminho pr6prio com as "Tesessabre Feuerbach", forrnuladas quase aomesmo tempo que A ideologia alemii, e nas quais se lanca 0 principioda transformacao do rnundo como tarefa fundamental para a filosofia.Nao faltam, enfim, as que descobrem a virada radical na formacao domarxismo no Manifesto do Partido Comunista, onde se traca clara e ex-pressamente a teoria da acao revolucionaria dos proletarios que devemlevar a cabo essa transformacao."

    Em nossa opiniao, nao se poderia descartar urn trabalho em re-lacao a outro, realizando-se urn corte radical entre eles, mas sim con-sidera-los como fases de urn processo, simultaneamente continuo edescontinuo, do qual fazem parte, e que, a nosso ver, ja amadurece noManifesto do Partido Comunista, obra em que se fundamenta 0 encon-tro do pensamento e da acao, S6 depois de ter chegado ao Manifesto eque se pode dizer que existe 0marxismo como filosofia da praxis; demodo algum como filosofia acabada, pais sendo a praxis Ipar essencia,infinita e incessante, jamais podera fechar-se 0processo de seu esclare-8 0 problema de determinar ern que obra ou periodo de seu pensamento Marx rompecorn a filosofia anterior pressup6e, antes de tudo, uma tomada de posicao com respeitoao ponto ou terreno em que se opera essa ruptura. Se se considera que rompe, fundamen-talmente, com a filosofia idealista hegeliana enquanto filosofia mistificadora que, com suamistificacao, escamoteia a realidade que ha de ser transform ada, 0 lugar da ruptura seraa filosofia do direito e do Estado, e, nesse sentido, a critic a a que Marx submete 0 idealis-rno hegeliano em 1843 em sua Critica da filosofia do direito, de Hegel, ganha 0 relevo queGalvano Della Volpe the deu (d. seu Rousseau y Marx, Buenos Aires, Platina, 1963). Marxretira ai os veus idealistas que ocultam a verdadeira realidade: as condicoes materiais deexistencia. Sua crftica coloca diante de nos a realidade, mas trata-se - como ele dira maistarde - e de transformar nao uma ideia falsa, mistificadora sobre a realidade, mas sim a re-alidade que engendra essa ideia. Aruptura de Marx com a filosofia anterior, portarrto, naoe ainda radical. Ainda nao dobra 0 cabo que Ihe permitira avistar a terra firme da filosofiacomo teoria e guia da acao, Sendo assim, se se pensa que Marx rompe com a ideologiapara elaborar a teoria cientifica do socialismo, sua ruptura significara a substituicao deurn pensamento ideologico - isto e , irreal, falso, ilusorio, em virtude de seu condiciona-mento de classe - par outro cientffico, e, entao, se considerara nao sem razao que as obrasanteriores a A ideologia alemii (1845) estao impregnadas de elementos ideologicos e queuma verdadeira concepcao cientifica da sociedade, baseada na descoberta da contradicaoentre forcas produtivas e relacoes de producao, s6 se dara a partir dessa obra na qual ja seassentarn os principios fundamentais da concepcao rnaterialista da historia. Tudo isso ecerto e, no entanto, 0 decisivo na formacao do marxismo nao e uma mudanca de conceitos,sem que isso exclua, de modo algum, sua necessidade: essa mudanca e necessaria paraque a teoria cumpra a funcao de instrumento da transformacao do real. Aruptura nao seopera, portanto, exclusivamente no nrvel da teoria, mas sim em relacao com uma praticaestreitamente vinculada a eia enquanto a gera e, ao mesmo tempo, encarna-a. A reducaodo marxismo a uma mudanca de conceitos, de teoria, embora esta rnudanca se veja na pas-sagem daideologia (ou da utopia) a ciencia, signifiea recair em uma concepcao cientfficaou neopositivista, ja que se esquece que 0 marxismo surgiu como teoria - cientffica, porcerto - da praxis revolucioriaria do proletariado.

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    A CONCEP9AO DA PnA..xIS EM MARx

    ciUleuto teorico. Par isso, seria rnais exato dizer que, com 0 Manifesto,o marxismo se constitui COU10ilosofia da praxis e se inicia urn processoque nao pode ter fim. No Manifesto se unem os fios dos elementos queforam dando urn perfil definido a essa filosofia da praxis. E a eles nosdedicaremos em nossa exposicao,Vejamos, portanto, como Marx formula, em suas primeirasobras, 0problema das relacoes entre teoria e pratica, e quando cornecaa esbocar-se como categoria filosofica a categoria de praxis.FILOSOFIA E A~AOMarx formula esse problema, antes de tudo, como problema das rela-coes entre a filosofia e a acao, isto e, justamente no marco problematicotracado pelos jovens hegelianos. Se a realidade deve ser mudada, a filo-sofia nao pode ser urn instrumento te6rico de conservacao au justifica-c;aoda realidade, mas sim, de sua transformacao. Tal e a conclusao a quehaviam chegado as jovens hegelianos: a filosofia deveria ser, par isso,sobretudo critica da realidade para garantir essa transforrnacao. Dessamaneira, se sua crftica nao conseguia transformar a realidade, era preci-so estabelecer outro tipo de vinculacao entre a filosofia e a realidade, oumelhor, entre 0 pensamento e a acao, que obrigaria, por sua vez, a lTIU-dar a missao e 0proprio conteudo da filosofia. Afilosofia por si mesma,como critica do real, nao muda a realidade. Para muda-la, a filosofia ternde realizar-se. Sendo assim, essa realizacao da filosofia e sua supressao.Tal eo ponto de vista de Marx nos anos 40, e sua formulacao mais preci-sa e encontrada no trabalhoque escreveu para os Anais Franco-alenuiescomo introducao a sua Critica da filosofia do direito, de Hegel.

    Mas como se cumpre essa realizacao da filosofia? Quem a reali-za? Em que sentido ela representa a unidade da teoria e da pratica? 0que e propriarnente essa praxis tao intimamente vinculada a filosofia?

    Marx fixa sua concepcaodas relacoes entre filosofia e realidademarcando, em primeiro lugar, sua oposicao a duas falsas concepcoesdessa relacao, vigentes em seu tempo, e que ele chama de partido poli-tico pratico e 0 partido politico teorico.? Trata-se de duas expressoeste6ricas do liberalismo alemao da epoca: primeiro corresponde aomovirnento romantico-liberal que procede da "Jovem Alemanha":" eo segundo e precisamente a esquerda hegeliana. Os representantes dopartido politico pratico , impelidos pelo desejo de transformar de urnmodo direto e imediato a realidade presente, negam a filosofia, com a9 C. Marx, En torno a fa critica de lafilosofia del derecho, de Hegel, Introduccion, em C.Marx e F. Engels, La Sagrada Familia, op. cit., pp 8-9.10 0 movimento da "Jovem Alernanha" representou entre 1831 e 1835 urn protesto, so-bretudo no plano literario, contra 0 rornantismo reacionario e 0 Estado prussiano, Suafigura mais destacada foi 0 grande poeta Heine.

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    FILOSOFIA DAPRAxIS

    que Marx esta de acordo; mas esquecem que a filosofia nao pode ser rie-gada, como mera filosofia, como filosofia especulativa, sem realizar-se.Isto e, dao tudo a pratica, e nada a teoria. Entendem a negacao da filo-sofia como uma subtracao absoluta da teoria em beneficio da praxis.

    A outra corrente, 0partido politico te6rico (ou seja, os jovenshegelianos) nega a pratica em nome da filosofia, ou mais exatamente,pensam que a teoria e praxis per se e desse modo, dao tudo a teoria,e nada a pratica. Acreditam que a teoria pode realizar-se, ser pratica,sem negar-se como mera filosofia, sem elimina-la. Enquanto a filosofiae mera especulacao e nao e negada como tal, a filosofia nao sai de simesma e, portanto, nao se realiza.

    Em ambos os casos, falta a relacao entre filosofia e mundo; noprimeiro, 0mundo muda sem filosofia; no segundo, a filosofiapretendemuda-lo, mas 0mundo perrnanece como esta, pois a filosofia nao secomunica com ele; falta esse laco entre a filosofia e a realidade que e apraxis. Por meio da praxis, a filosofia se realiza, se toma pratica, e senega, portanto, como filosofia pura, ao mesmo tempo em que a realida-de se torna te6rica no sentido de que se deixa impregnar pela filosofia.

    Portanto, a passagem da filosofia a realidade requer a mediacaoda praxis. Nas condicoes peculiares da Alemanha dos anos 40 do seculoXIX, a filosofia e particulannente politica, ou critica politica, critica dafilosofia especulativa do direito e do Estado, que alcanca, por sua vez, arealidade politica da Alemanha daquele tempo.

    Sendo assim, se, ao contrario do que pensam os jovens hegelia-nos, a criticaper se, sem a mediacao da pratica, deixa intacta a realida-de, quando a critica abandona esse plano puramente te6rico e a teoriase toma pratica, isto e, se converte em uma forca que abala arealidade?Esse problema e formulado por Marx pela primeira vez em 1843, e eisaqui sua resposta: "Aanna da critica nao pode substituir a critica dasarmas a teoria se converte em poder material tao logo se apodera dasmassas quando se toma radical". 11 Isto e, a teoria que por si s6 naotransforma 0mundo real torna-se pratica quando penetra na conscien-cia dos homens. Desse modo, sao apontados seus limites e a condicaonecessaria para que se tome pratica: par si 56 e inoperante e nao podesubstituir a acao, mas se toma uma forca efetiva - urn "poder material"- quando e aceita pelos homens.A REVOLU(::AO E A MISSAO HISTORICA DO PROLETARIADOApassagem da filosofia a realidade requer a mediacao dos homens, masate agora Marx s6 falou de suas consciencias. Aaceitacao pelos homens11 C. Marx, En torno ala critica de la filosof{a del derecho, de Hegel, Introduccion, ern C.Marx e F. Engels, La Sagrada familia, op. cit., pp. 9-10.

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    A CONCEPt;AO DA pRAxIs EMMARx

    de uma teoria e condicao essencial de uma praxis verdadeira, mas naoe ainda a propria atividade transforrnadora. E preciso determinar, ernprimeiro lugar, 0 tipo de teoria que lui de ser aceita e que ha de passarpara a propria realidade; e preciso, tambem, determinar 0 tipo de ho-mens concretos que, uma vez que fazem sua a crftica, a convertem ernacao, em praxis revolucionaria, Primeira determinacao: a critica ha deser radical. Segunda: os hom ens chamados a realizar a filosofia, comomediadores entre ela e a realidade, sao, em virtude de uma situacaopartlcular, os proletarios,

    Para que a critica vingue, tern de ser radical. "Ser radical - dizMarx - e atacar 0problema pela raiz. E a raiz para 0homem e 0pro-prio hornern". 12 Critica radical e critica que tern como centro, comoraiz, 0hornern; critic a que responde a uma necessidade radical. "Emurn povo, a teoria so se realiza na medida em que e a realizacao desuas necessidades". 13

    E 0 que e essa critica radical que tern 0 homem como eixo? Acritica radical cornecou com Feuerbach: gracas a ela, 0homem ganhouuma verdadeira consciencia de si mesmo. Mas a critica da religiao -"premissa de toda crftica", como reconhece Marx _14 e critica radical noplano teorico, A passagem da critica radical do plano teorico ao praticoe justamente a revolucao, Como critica radical, e "pratica ... a altura dosprincipios",'> a uma altura humana.

    A praxis e , portanto, a revolucao, ou critica radical que, con-es-pondendo a necessidades radicais, humanas, passa do plano te6ricoao pratico.

    Ao chegar a esse ponto, e antes de passar a determinacao do tipode homens que servem de mediadores entre a critica te6rica e pratica,devemos resumir 0 que Marx disse ate agora sobre as relacoes entre ateoria e a praxis: a) por si propria, a teoria e inoperante, au seja, naose realiza; b) sua eficacia e condicionada pela existencia de uma neces-sidade radical que se expressa como critica radical e que, por sua vez,toma possivel sua aceitacao.

    Assim, portanto, a necessidade radical fundamenta tanto a teoriaque e sua expressao teorica, quanta a necessidade da passagem da teo-ria a pratica, entendida esta como praxis a altura dos principios, isto e ,CDIllO Revolucao, ou emancipacao total do homem.

    Sendo assim, a passagem da teoria a pratica, ou da critica radicala praxis radical, e condicionada par uma situacao historica determi-12 C. Marx, En t01110 a la attica de fa filosofia del derecho, de Hegel, op. cit., p. 10.13 Ibid., p. II.14 Ibid., p. 315 tua., p. 9.

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    FILOSOFIA DA PR..AXrS

    nada: a que vive a Alemanha de seu tempo, isto e , urn pais que por seuanacronismo politico - por nao ter percorrido a fase de emancipacaopolitica ja percorrida por outros povos - encontra-se diante da neces-sidade hist6rica de superar nao apenas seus proprios limites, como osde outros povos, mediante uma revolucao radical." Dada essa situacaoanacr6nica - diz-nos Marx- 0ut6pico nao e essa revolucao radical, massim, a meramente pohtica.!? Ou, em outros termos mais adequados aoMarxposterior: a (mica revolucao possivel na Alemanha nao e a revolu-cao burguesa, mas a revolucao proletaria, socialista.

    Apassagem da teoria a praxis revolucionaria e determinada, porsua vez, pela existencia de uma classe social - 0proletariado - que s6pode libertar a si rnesmo libertando a humanidade inteira. Trata-se deuma missao historico-universal, mas nao fundada leapriori" ou pro-videncialmente C'os proletarios nao sao deuses", esclarecem Marx eEngels na Sagrada Familiar." e sim em funcao da situacao concretaque ocupa dentro da producao na sociedade burguesa. 0 proletariadoesta destinado historicamente a libertar-se por meio de uma revolucaoradical que implique a negacao e supressao de si mesmo como classeparticular e a afirmacao do universal humano.

    Situado 0 problema no marco especffico que agora nos interessa,o que Marx nos diz e que 0 proletariado nao pode emancipar-se sempassar da teoria a praxis. Nem a teoria por simesma pode emancipa-lo,nem sua existencia social garante por si so sua liberacao. E preciso queo proletariado adquira consciencia de sua situacao I de suas necessida-des radicais e da necessidade e condicoes de sua libertacao. Essa cons-ciencia e justamente a filosofia;mais exatamente, sua filosofia.Filosofiae proletariado se encontram em unidade indissoluvel, "Assim como afilosofia encontra no proletariado suas armas materials I 0 proletaria-do tern na filosofia suas arrnas espirituais ...".19 Sem 0proletariado, afilosofianao sai de si mesma e gracas a ele, realiza-se; ele e seu instru-mento, 0 rneio, a anna material que the permite vingar na realidade.o proletariado, por sua vez, nao poderia emancipar-se sem a filosofia;ela e 0 instrumento, a arma espiritual e te6rica de sua libertacao. Mas,nessa relacao, os dois termos se condicionam mutuamente; a realizacaode urn e a abolicao do outro. "Afilosofia - diz Marx - nao pode chegara realizar-se sem a abolicao do proletariado ,eo proletariado nolopodechegar a realizar-se sern a abolicao da filosofia".2016 C. Marx, En torno a la critica de la filosofla del derecho, de Hegel, Introducci6n, op. cit.;p. 11.17 Ibid.. p. 1218C. Marx e F. Engels, La Sagrada Familia, op. cit., pp. 101-102.19 C.Marx, En torno a fa critica de la filosofia del derecho , de Hegel, op. cit., p. 15.20 Ibid.

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    A CONCEPC;AO DA PRAXIS EM MARX

    Marx ainda nao esta ern condicoes (em 1843) de ir mais alem nafundarnerrtacao cla missao do proletariado, pois para isso sera precisoque penetre mais a fundo na estrutura ecoriomica e social da sociedadeburguesa e que evidencie quais sao as verdadeiras condicoes e forcasrnotrizes do desenvolvimento hist6rico. Sob a forma da unidade da fi-losofia e do proletariado, consiclerados em sua vinculacao e realizacaomutuas, Marx formulou pela prirneira vez a unidade da teoria (comofilosofia) e da pratica (como ativiclade revolucionaria do proletariado).Mas sao evidentes as limitacoes dessa concepcao da praxis. Seus con-ceitos-chave - emancipacao ou "recuperacao total do hornem" ,21 neces-sidade radical e revolucao radical- nao se libertaram por complete decerto antropologismo feuerbachiano. 0proletario aparece sobretudocomo a negacao do humano, e nao ern relacao corn certo desenvolvi-merito OUnivel da sociedade. Falta elaborar um verdadeiro conceitocientifico do proletariado, que s6 podera ser construido a partir da ana-lise das relacoes de producao capitalistas. Para Marx, nesse periodo, amissao hist6rico-universal do proletariado nao deriva tanto de sua posi-cao economica e social no seio da sociedade burguesa, Inas de Ulna COl1-cepcao filos6fica (proletario = negacao e encarnacao do universalisrnohumano) e da situacao especifica - anacr6nica - da Alemanha de suaepoca. Fazendo da necessidade virtude, sustenta que e precisarnente 0atraso alemao que cria as condicoes favoraveis para que ele cumpra amissao que nao cumpre nos paises altamente desenvolvidos do pontode vista econ6mico e social. Em suma, Marx justifica a missao do prole-tariado filosoficamente, assim COInode urn ponto de vista hist6rico es-treito, e nao de unla posicao hist6rico-cientifica, objetiva, ja que aindadesconhece a lei que rege a producao material capitalista, as relacoes declasse na sociedade burguesa, a natureza e funcao verdadeiras do Esta-do burgues. Falta-lhe, particularmente, Ulna concepcao cia hist6ria quelhe permita fundamentar a necessidade da revolucao do proletariado.

    Contudo, ainda que corn uma fundamentacao insuficiente e corna irnprecisao conceitual e terminol6gica dela proveniente, Marx ja con-cebe a praxis COlll0Ulna atividade humana real, efetiva e transformado-ra que, em sua forma radical, e justamente a revolucao, Ve essa praxisna relacao indissoluvel COIna teoria, entendida esta mais como :filosofiaou expressao te6rica de unla necessidade radical do que corno conheci-mento de Ulna realidade, eve tambern 0papel da Iorca social que comsua consciencia e sua acao estabelece a unidade da teoria e da pratica.Desse modo I para que 0 conteudo da praxis social revolucionaria seenriqueca e, COInisso, 0conceito do proletariado como seu sujeito, serapreciso que Marx chegue a descoberta de Ulna praxis original e aindamais radical, uma praxis que enriqueca 0 conceito do proletario. Essa21 Ibid. , p. 14.

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    FILOSOFIA DAPRAxIS

    praxis original e justamente a producao material, 0 trabalho humano.Essa descoberta e capital para uma filosofia da praxis porque a luz delese esclarece nao so a praxis social, assim como outras forrnas de pro-ducao nao material, mas tambern 0 que e ainda mais importante, ahistoria como producao do homem por si mesmo.

    Apraxis revolucionaria, como transformacao consciente e radi-cal da sociedade burguesa pelo proletariado, ha de passar necessaria-mente pela consciencia dessa praxis material produtiva.o LUGAR DA pRAxIs NOS MANUSCRITOS DE 1844Marx nao teria conseguido avancar muito em sua concepcao da praxisse nao the tivesse dado 0 novoe rico conteudo corn que aparece nosManuscritos economico-fiiosoficos de 1844. E, como veremos, nao s6lhe irnprime urn novo conteudo - considerada como praxis produtivaou trabalho hurnano - como tambem a luz desse novo enfoque se enri-quece igualmente 0conteudo da praxis social.

    A praxis revolucionaria, na analise imediatamente anterior aosManuscritos de 1844, mostra-se em estreita alianca com a filosofia etendo por sujeito 0proletariado como a classe destinada a revolucio-nar a sociedade existente. Vemos ai 0 proletariado como a expressaoconcentrada dos sofrimentos que sao infligidos ao homern, e impelidoa libertar-se, em uma libertacao que irnplica, enquanto tal, sua abolicaoe a libertacao da humanidade inteira. Mas Marx nao consegue, ain-da, Iundamentar as condicoes e possibilidades para essa Iibertacao, Enao 0consegue porque 0proletario nao e visto ainda em sua existenciapropriamente proletaria, isto e, como produtor que participa de rela-coes economicas e sociais determinadas. 0 proletario nos e apresen-tado, ate agora, como ser que sofre, destinado a libertar-se e, portanto,como sujeito de uma praxis revolucionaria. Trata-se do conceito urntanto especulativo e antropologico do proletario como ser que encarnao sofrimento humano e nao do conceito cientifico a que chegara Marxposteriormente, sobretudo ern 0 capital, como membro de uma classesocial que carece de todo meio de producao e que, forcado a vendercomo mercadoria sua forca de trabalho, produz mais-valia,

    Marx ve ate agora 0proletario como urn revolucionario que lutaern virtude do carater universal humane de seu sofrimento. Mas 0pro-Ietario, objetiva e originariamente, e antes de desenvolver uma ativida-de revolucionaria, e, como Marx vera os Manuscritos de 1844, urn serativo que produz objetos e que, como tal, contrai certas relacoes comoutros homens, no ambito das quais seu trabalho nao deixa de ter con-sequencias vitais para sua existencia.

    Ate agora 0proletario se apresentara a Marx como a negacao daessencia humana, e nao como agente da producao, Marx vianessa nega-

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    c;aoa necessidade e a possibilidade de sua emancipacao. Mas ejustarnen-te a necessidade de fundamentar mais firmemente essa ernancipacao,assim como as condicoes da praxis revolucionaria correspondente, que 0leva a analisar as condicoes do proletario enquanto operario, pois a exis-tencia do proletariado se define, acima de tudo, como existencia no tra-balho, na producao, que e , como poderia ter dito 0 jovemMarx em 1843,o lugar do seu sofrimento humano. Essa e a razao pela qual, depois demostrar 0proletario COlnosujeito da praxis revolucionaria, Marx passaa analisar sua situacao como sujeito da praxis produtiva. Nas condicoespeculiares e concretas em que situa sua analise, ha uma profunda e in-tima conexao entre uma praxis e outra. Sao as condicoes especificas emque se da a opressao do trabalhador em uma Alemanha atrasada, comurn baixo desenvolvimento da producao, as que deterrninam que Marxveja 0 operario antes como revolucionario do que como produtor. Noentanto, e justamente a necessidade de esclarecer e fundamental' a praxisrevolucionaria que levaMarx a examinar a atividade pratica, material, dooperario no processo de producao como trabalho alienado.A pRAxIs PRODUTIVA COMO TRABALHO ALIENADODoseconomistas ingleses do seculoXVIII,Marx aprendeu que 0trabalhohumano e a fonte de todo valor, de toda riqueza. Essa fonte e , portanto,subjetiva e, por isso, Engels, que epropriamente quem 0 introduz no ter-reno da economia politica, tern razao - eMarx 0reconhece - quando afir-rna que Adam Smith e 0Lutero da economia." ja que passou da consi-deracao da riqueza em sua forma objetiva, exterior ao hornem, a riquezasubjetiva, como produto do trabalho humano. Cabe, entao, perguntar (ee essa a pergunta radical que Marx se faz, nos Manuscritos de 1844) porque, se 0 trabalho e a fonte de toda riqueza, 0 sujeito dessa atividade - 0operario=- se encontra em uma situacao tao desigual e desvantajosacomrespeito ao capitalista. A pergunta carece de sentido para a econorniaburguesa, pois 0operario apenas the interessa enquanto trabalhador, en-quanta rneio ou instrumento produtivo, ou fonte de riqueza, e nao pro-priamente como ser humano. Sendo assim, a pergunta de Marx apontajustamente para a essencia humana do operario, negada ou mutilada naproducao, Dessemodo, 0 principio de que 0 trabalho humano e fonte detodo valor e riqueza, que, aparenternente, implica urn reconhecimentodo homem, deixa-o, ao operario como ser humano, fora do processo deproducao. Por isso, Marx pode dizer: u.. Sob a aparencia de urn reco-nhecimento do homern, a Economia politica que tern como principio 0trabalho, e precisamente apenas a aplicacao consequente da negacao do22 F. Engels, Esboro de critica de la economia politica, em C. Marx e E Engels, Escritoseconomicos varies, op. cit., p. 7; C. Marx, Manuscritos economico-filosoticos de 1844, ibid.,pp. 77-78 (Aseguir citaremos da seguinte forma: Manuscritos de 1844.)

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    hornern...".23 A economia politica reconhece, com uma franqueza queraia 0cinismo - como sublinha Marx -, que essa desumanidade existe,mas 0 trabalho humane s6 the interessa como producao de bens comvistas ao lucro. As consequencias negativas que 0 trabalho tern para 0homern the aparecem como algo natural que nao requer explicacao e,portanto, as condicoes de existencia humana - ou mais exatamente de-sumana - do operario na producao, justificam-se como condicoes insu-peraveis. 0 trabalho, para a economia politica burguesa, e uma categoriameramente econ6rnica: trabalhar e produzir mercadorias, riquezas. Po-rem, se0trabalho afeta negativarnente 0homern - ese, por outro lado, 0afeta vitalmente - isso quer dizer que tern urna dimensao mais profundaque a meramente econ6mica (a producao de riquezas). Posto que afetaradicalrnente 0operario em sua condicao humana, nao e uma categoriaeconornica pura e simples.Marxexamina, por isso, essa atividade huma-na que sebaseia na producao de urn tipo peculiar de objetos dos quais seapropria 0niio-operdrio , isto e , 0 capitalista.o trabalho humano, ou seja, a atividade pratica material pelaqual 0operario transforma a natureza e faz ernergir um mundo de pro-dutos, mostra-se para Marx como urna atividade alienada, com os tra-cos que ja vimos ao caracterizar a alienacao em Feuerbach: criacao deurn objeto no qual 0 sujeito nao se reconhece, e que se the apresentacomo algo alheio e independente e, ao mesmo tempo, como algo dota-do de certo poder - de urn poder que nao tern por si proprio - que sevolta contra ele." E claro que aqui nao se trata, diferentemente de Feu-erbach, da alienacao como processo que se opera apenas na esfera daconsciencia, entre ela e seus produtos, mas sirn de uma alienacao real,efetiva, que tern lugar no processo real, efetivo, da producao material,Aalienacao do trabalhador em seu produto, por sua vez, e consideradapor Marx em outras forrnas (no ato da producao e com respeito a na-tureza, a sua vida generica e a outros homens);" Finalmente, Marx falatambern de uma forma peculiar de alienacao que tern como sujeito naornais 0 operario, mas sirn 0 nao-operario, isto e, 0 hornem que sern par-ticipar diretarnente no processo de producao se apropria do produto dooperario. Na medida em que 0nao-operario ve0operario, sua atividadeou trabalho e seu produto a rnargern do processo de objetivacao de for-cas essenciais humanas, sua relacao com cada urn desses elementos daproducao e puramente exterior. Dessemodo, tanto a relacao ativa comoa passiva com os objetos, tanto a relacao te6rica como a pratica com aproducao, determinam uma alienacao do hornern.23 Manuscritos de 1844, p. 78.24 Cf. em os ManUSC1'1tos de 1844 0 manuscrito que leva como titulo "EI trabajo enajena-do", pp. 62-72 da edicao espanhola citada.25 Manuscritos de 1844, pp. 65-66.

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    A CONCEPyAO DAPRAxIs EM MARx

    Aanalise da situacao do trabalhador como sujeito da praxis pro-dutiva, material, que Marx realiza nos Manuscritos de 1844, leva-o aconclusao de que 0 trabalho e a negacao do humano. 0 ponto de par-tida e aqui a essencia humana, a qual se op6e e nega a existencia real,efetiva do trabalhador. Assim, pois, a atividade produtiva e uma praxisque, por urn lado, cria UlTI mundo de objetos humanos ou humaniza-dos, mas, ao mesmo tempo, produz um mundo de objetos nos quais 0homem nao se reconhece e que, inclusive, se voltam contra ele. Nessesentido e alienante. Dessa maneira, para Marx, essa praxis nao 56 impli-ca uma relacao peculiar entre 0operario e os produtos de seu trabalhoe uma relacao do operario consigo mesmo (alienacao com respeito asua atividade, na medida em que nao se reconhece nela), mas tambemUlna peculiar relacao entre os homens (alienacao em relacao a outroshomens), em virtude da qual 0 operario e 0 nao-operario (0 capitalista)se encontram em uma relacao oposta, mas inseparavel, no processo deproducao." Isto e, a alienacao nao s6 se da como relacao entre sujeitoe objeto, mas tarnbem como relacao entre ooperario e os outros ho-mens. au seja, s6 ha alienacao entre seres humanos. 0 trabalho nao s6produz objetos nos quais 0 hornem nao se reconhece, como tambernurn tipo peculiar de relacoes entre os homens, em que estes se situamhostilmente em virtu de de sua oposicao no processo de producao. "Me-diante 0 trabalho alienado - diz Marx - 0 homem nao s6 engendra suarelacao com respeito ao objeto e ao ato de producao como potenciasalheias e hostis a ele, como engendra, alem disso, a relacao em que ou-tros homens se mantem com respeito a sua producao e a seu produto, ea que ele mesrno mantem com respeito a outros homens"." Esse tipo derelacoes, entendidas como relacoes sociais - nao intersubjetivas - saoas que Marx denominara rnais tarde relacoes de producao. A producao.nao s6 cria objetos como cria relacoes hurnanas, sociais. A producaomaterial de objetos se revela, assim, como producao social.

    A analise da praxis COlTIO atividade humana produtiva deixa urnsaldo negativo, ja que implica urna alienacao do hornem em relacaoaos produtos de seu trabalho, a sua atividade produtiva e ern relacaoaos outros homens. Em surna, trata-se de uma relacao alienada entresujeito e objeto, assirn como entre os homens. 0conceito de alienacao,sendo de origem feuerbachiano, mostra aqui sua fecundidade no pro-cesso de formacao do pensamento de Marx, ja que abre caminho a umaconcepcao posterior mais importante sobre 0 papel da producao e dasrelacoes contraidas entre os homens no processo de producao (relacoesde producao).26 Ibid., p. 68.27 Ibid., p. 70.

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    FILOSOFIA DAPRAxrS

    Em grande parte dos Manuscritos de 1844, Marx insiste nessaoposicao entre trabalho alienado e 0hornern, entre 0 trabalhador e suaessencia humana. 0 trabalho hurnano - afirma - e a negacao do ho-rnem; faz essa afirmacao sobretudo com relacao a producao materialcapitalista, mas nao acreditamos ser infieis ao espirito do pensamentode Marx se dissermos que ele estende esse carater da praxis material,enquanto atividade alienada, a toda a historia. Nesse sentido, poderi-amos afirmar - por nossa conta, mas com a pretensao de interpretarMarx fielmente - que, ate a comunismo, a historia humana nao passada historia da alienacao do ser hurnano no trabalho. Essa alienacao naosoe0 fato fundamental da existencia humana na sociedade capitalista,como tambern historicamente. 0 homem vive e viveu constantementealienado, 0que equivalea dizer: em constante negacao de si mesmo, desua essencia, E, como essa negacao surge originariamente como traba-lhoalienado, isso significaria considerar 0 trabalho por seu lado negati-vo, mas com uma negatividade universal, considerada historicamente,e,portanto, absoluta.A TRANSFORMA

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    A CONCEP

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    pr6prio ser, de suas forcas essenciais. Como ja assinalava Hegel, na Fe-nomenologia, 0homern, pelo trabalho, humaniza a natureza e humani-za-se a si mesmo, na medida em que se eleva como ser consciente sobresua pr6pria natureza.?" Nesse sentido a objetivacao material - isto e, aproducao - e essencial para 0homem.

    Apartir dos Manuscritos de 1844, a producao comeca a ganharuma dimensao essencial para Marx. Mas essa dirnensao e determinadanao s6 por seu conteudo meramente econ6mico - producao de objetosuteis que satisfazern necessidades humanas - mas fundamentalmentepor seu conteudo filos6fico, na medida em que a producao e, para Marx,autoproducao do homem. 0 papel da producao, que nos Manuscritoscomeca a esbocar-se sob 0 conceito economico-filosofico de trabalhoalienado, se revelara ja claramente como premissa fundamental de todaa historia humana e, desse modo, osManuscritos constituem uma con-tribuicao decisiva a formacao do pensamento de Marx. Essa contribui-cao s6 pode ser observada se 0 processo fonnativo desse pensamentoe visto como urn processo no qual a descontinuidade entre 0Marx dosManuscritos e 0Marx posterior nao e concebida como uma desconti-nuidade radical, absoluta, e sim como uma descontinuidade que impli-ca necessariamente certa continuidade 01. .1 unidade. Adescontinuidaderadical s6 pode ocorrer se eliminarmos do Marx dos Manuscritos oselementos que podern assegurar essa unidade e se reduzinnos sua pro-blematica a luna problematic a antropol6gica feuerbachiana, venclo-senessa obra juvenil uma simples extensao da teoria da "natureza hu-mana" de Feuerbach a economia politica, problernatica corn que Marxsomente romperia definitiva e conscientemente emA ideologia alemii? 1Destroem-se, assim, as pontes entre as duas obras, sem que! por outrolado, se diga como foi possivel passar (01..1, mais exatamente, saltar) daproblematic a feuerbachiana, especulativa ou ideologica dos Manuscri-tos a problematica nova, cientifica do texto de 1845.Adescontinuidaderadical entre 0Marx de 1844 e 0de 1845 s6 pode ser estabelecida sesubestimarmos 01. .1 ignorarmos a contribuicao dos Manuscritos para 0conceito capital de producao. No entanto, ja nessa obra de juventu-de, Marx se aproxima de Sllaposterior fundamentacao materialista dahistoria, que pressup5e necessariamente sua concepcao imediatamenteanterior do homem corna ser pratico que, inclusive ern sua alienacao,se faz a si mesmo com seu proprio trabalho, isto e, se autocria e117 epelaproducao, Cornu afirmou claramente a continuidade do pensamento deMarx ao explicitar 0 papel da teoria da alienacao na formacao do con-

    30 Cf. Fenoinenologia del espiritu, op. cit., pp. 113-121.31 L. Althusser, Pour Marx, op. cit., pp. 38-43.

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    A CONCEP9AO DA PRAxIs EM J : v 1 A R x

    ceito de praxis e ulteriormente de urna nova concepcao da historia." Atese fundamental dos Manuscritos - a transformacao do homem e dol11.undopelo trabalho - mostra-se fundamental para 0desenvolvimentoulterior do pensarnento de Marx a partir de A ideologia alenui, isto e,para a formacao de sua concepcao da historia hurnana como obra dodesenvolvilnento dialetico das forcas produtivas e das relacoes sociaisque os hornens contraem na producao.

    A producao relaciona-se, em prirneiro lugar, com as necessida-des. 0 hornem tern necessidacles e, justarnente por isso, produz parasatisfaze-Ias. Tambern 0 animal tern necessidaeles e, de certo modo,rambern produz. Mas 0modo de se relacionar a necessidade e a produ-cao modifica os tenTIOSdessa relacao. No animal- con1.Oenfatiza Marx,- e db-eta, imediata e unilateral; alern disso, 0prirneiro termo determi-na 0 segundo, pois 0 animal s6 produz sob 0 imperio da necessidade.No homem, essa relacao e mediata , ja que s6 satisfaz a necessidade namedida em que esta perdeu seu carater fisico, irnediato. Para que 0ho-mem satisfaca propriamente suas necessidades, tem de libertar-se delassuperando-as, isto e , fazendo com que percam seu carater meramentenatural, instintivo, e se tornem especificamente humanas." Isso querdizer que a necessidade propriamente humana tern de ser inventada oucriada. 0 homem, portanto, nao tern apenas necessidades, mas e 0 serque inventa ou cria suas pr6prias necessidades.

    Aproducao e criacao de urn mundo objetivo, mas s6 0 homempode dar a si mesrno 0estimulo da producao, na forma de necessidadesque sevan criando em urn processo SelTIun. E na medida em que 0ho-32 Ver, tarnbem, a apreciacao de Cornu dos resultados gerais dos Manuscritos de acor-do corn a genese do materialismo historico em A ideologia alenui: nos Manuscritos - diz- "Marx superava 0 pensamento burgues mais avancado representado pela filosofia deFeuerbach e estabelecia os prindpios do rnaterialismo hist6rico, fundamento do pensa-mento revolucionario proletario" (A. Cornu, "Le materialisme historique dans 'L'ideologieallemande'", Annali 1963, Milan, Feltrinelli, 1964, p. 58). Diante da tendencia a abrir umabismo insondavel entre 0Marx dos Manuscritos e0Marx posterior, sobre a base da ads-cricao dos prirneiros a um periodo ideologico, reage tambem Mario Rossi, que, sem dei-xar de reconhecer neles elementos tradicionais de ideologia, ve tambern a superacao doslimites desta. "Apenas uma leitura nao atenta e superficial pode interpretar os Manuscritoscomo 0 documento de um perduravel ideologismo do jovem Marx" (M. Rossi, Marx e ladialettica hegeliana, t. 2, Roma, Riuniti, 1963, p. 587). Rejeitando tambern a descontinui-dade radical entre os Manuscritos de 1844 e suas obras imediatamente posteriores, T. 1.Oizerman aprecia, assirn, esta obra juvenil dentro da evolucao do pensarnento de Marx::"Os Manuscritos econamico-filosoticos, apesar da influencia do antropologismo de Feu-erbach, caracteristica deles, e apesar dos velhos elementos de concepcoes que superaraposteriorrnente, assim como a uma terrninologia que nao corresponde a seu conteudo,constituem, no fundamental, a forrnulacao de teses basicas do materialismo dialetico ehist6rico. (T. 1. Oizerman, Fornurovanie fiiosofii marksisma [A formacao da filosofia dornarxismo], Moscu, 1962, p. 304.)33 Manuscritos economico-filosoiicos de 1844, op. cit., pp. 67-68.

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    mem cria suas pr6prias necessidades se cria ou produz a simesmo. Masessaproducao do homem passou pelo tipo particular de producao que ea producao alienada; isto e, a objetivacao revestiu-se historicamente daforma de uma objetivacao alienada, sem que por isso 0homem, comoser social, tenha deixado de afirmar-se, de produzir-se a simesmo."

    o trabalho - a producao - e 0que eleva0homem sabre a nature-za exterior e sobre sua pr6pria natureza, e e nessa superacao de seu sernatural que consiste propriamente sua autoproducao. Mas, historica-mente - e isso e 0que faz com que a objetivacao acarrete, por sua vez,a negatividade pr6pria do trabalho alienado - 0hornem s6 pode objeti-var-se, dorninar a natureza, caindo em uma dependencia com respeitoaos outros. Nesse sentido, podemos dizer que, para Marx, a alienacaoaparece como uma fase necessaria do processo de objetivacao, masuma fase que 0 homem ha de superar, quando se derem as condicoesnecessarias, a fimde que possa desdobrar sua verdadeira essencia."Assim, pois, a praxis material produtiva exige que se ponham emrelacao e, por sua vez, que se distingam, objetivacao e alienacao.o homem s6 existe como tal e se autoproduz como ser que se ob-jetiva e produz urnmundo humano. Mas essa objetivacao reveste-se ne-cessaria, mas nao essencialmente, de urn carater alienado. Precisamen-te por isso, a alienacao pode ser superada; 0mesrno nao ocorre com aobjetivacao que e , podemos dizer, constitutiva, essencial para 0homem.Por isso, diziamos anteriormente, a producao e essencial e fundamentalna vida social. Apraxis material, entendida sobretudo como atividadeprodutiva, ja desde os Manuscritos , passa a ocupar 0 lugar central nopensarnento de Marx. 0 problema das relacoes entre sujeito e objeto,nao s6 em urn sentido ontol6gico como tambern gnoseol6gico, tern deser examinada a luz dela.o HOMEM E A NATUREZA.CARATER ANTROPOL6GICO DAS CIENCIAS NATURAlS

    o problema sujeito-objeto e formulado nos Manuscritos ao serem es-tudadas as relacoes entre 0 hornem e a natureza. Nas "Teses sobreFeuerbach", e abordado propriamente como problema das relacoes su-jeito-objeto. Tanto em urn como noutro plano, Marx chega a mesmaconclusao: 0 segundo termo da relacao - natureza, nos Manuscritos;objeto, nas "Teses sobre Feuerbach" - nao the interessa a margem desua atividade pratica e, portanto, tern para ele urn carater antropol6-gico. Esse carater antropol6gico da natureza e do objeto - carater querecebem em. epela pratica - determina, por sua vez,0carater antropol6-34 Ibid., p. 88.35 Ibid., pp. 82-83.

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    gico do conhecimento. Vejamos, portanto, qual e0estatuto da naturezaexterior e do objeto, respectivamente, de acorclo COIn0Iugar central dapraxis nos textos anteriormente citaclos de Marx, que cornplementare-mos. tambern, com algumas referencias a A ideologia alenui:

    Dissemos anterionnente que 0 homem, de acordo COIn 0 pens a-rnento de Marx, e por essencia urn ser que necessita objetivar-se de umrnodo pratico, material, produzindo, assim, urn mundo humano, Produ-zir e, por urn lado, objetivar-se no mundo closobjetos produziclos por seutrabalho; produzir e, do mesrno modo, integrar a natureza no mundo dohornem, fazer com que a natureza perca seu estado de pura natureza,em si, para converter-se em natureza humanizada, ou natureza para 0hornem. Como a natureza per se nao tern um carater antropo16gico, 0 ho-rnem tem de ajusta-la a seu mundo hU111anO,mediante a transformacaoa que a submete COInseu trabalho. irAindustria e a relacao hist6rica realentre a natureza e, portanto, as ciencias naturais e 0 homem" .36 Atravesda industria, a producao ou 0 trabalho, a natureza se adapta ao homern,pois "nem a natureza - objetivamente - nem a natureza subjetivamente,existem de urn modo imediatamente adequado ao ser humano"," Anatu-reza em si, exterior ao homem, se converte em natureza humanizada e,nesse sentido, Marx diz tambem que Itaindustria eo livro aberto das for-cas essenciais do homem". Livro escrito, poderfamos dizer; COIn carac-teres humanos. E 0 desenvolvimento da producao, da praxis produtiva,nao passa de uma crescente humanizacao da natureza.o que e, entao, a natureza a margem do homern, fora de suarelacao com ele?

    "Anatureza, considerada abstratamente, ern si, separada do ho-111em,e nada para este" .38 Con10 interpretar essa passagem de Marx?Trata-se de uma nova versao idealista do "nao ha objeto sem sujeito"?Estaremos diante de urna nova forma de idealisrno: 0 "idealismo dapraxis"?o homem 56 existe na relacao pratica corn a natureza. Na medidaem que esta - e nao pode deixar de estar - nessa relacao ativa, produtiva,com ela, a natureza the e oferecida como objeto ou materia de sua ativi-dade, ou como resultado desta, isto e, como natureza humanizada.

    Dado que a natureza apenas se apresenta em unidade indisso-hivel COIn sua atividade, corisidera-la por si n1eS111a, rnargem do ho-rnem, e considera-la abstratarnente. Anatureza e , entao, a natureza sem.sua marca: au seja, e 0vazio do humano, ou a presenca de urnmundonao humanizado. S6 se da essa natureza em si porque falta a hurnano.36 Manuscritos de 1844, p. 88.37 Ibid., p. 117.38 Ibid., p. 123.

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    FILa SOFIA DA pRAxIs

    Mas isso s6 pode se dar ern Ulna relacao exterior, abstrata, ja que 0ho-mem, como ser ativo, pratico, s6 existe para ele no mornento em quedeixa de ser pura natureza, na medida em que a transforma ehurnanizacorn seu trabalho. Fora dessa relacao, a natureza e nada para ele. Nada,posto que, para 0 homem enquanto tal, so existe como objeto de suaacao au como produto de sua atividade. A margem de toda relacao como homem, a natureza 60 irnediato, 0rnediado pelo hornem, a realidadenao integrada em seu mundo mediante sua atividade. Com esse caraterde imediaticidade, Marx admite sua existencia, e inclusive sua priori-dade." Mas, para ele, a natureza real 6a que 6objeto au produto de suaatividade, de seu trabalho. "A natureza tal como se forma na hist6riahumana - certidao de nascimento da sociedade humana - e a naturezareal do homern: daf que a natureza, ao ser formada pela industria, aindaque seja na forma alienada, 6 a verdadeira natureza antropologica="Anatureza nao formada, nao tocada pelo homem, 6para ele nada. Masesse nada que 6 a natureza pura original s6 6 tal enquanto 0 homemnao a integrar em seu mundo. 0 que ontern era nada para ele (nadapara a homern) acaba por adquirir urn sentido humano. Apartir dessesentido humano, revela-se sua prioridade ontol6gica, mas a naturezaque 0hornern conhece nao 6 mais uma natureza em si, pura, original,mas sim, integrada em seu mundo atraves da pratica, como natureza jahumanizada, isto 6, como produto de seu trabalho ou em vias de huma-nizacao, COlTIO objeto de sua acao. 0 conhecimento que 0 homem terndessa natureza 6, portanto, urn conhecimento antropologico."Para Marx, as ciencias da natureza nao passam, definitivamente,de ciencias humanas. Como entender essa tese de Marx nos Manuscri-los de 1844?E preciso partir, primeiro, do fundamento antropol6gico da in-dustria, da praxis produtiva. Enfatiza, por isso, que li... a hist6ria daindustria e a existencia objetiva da industria, ja feita realidade, 60 livroaberto das [orcas essenciais hurnanas ..."_ 4 2 Acrescenta que a industrias6 foi considerada par sua utili dade exterior e nao pelo que ha nelade realidade dessas Iorcas essenciais. Buscou-se essa realidade fora daindustria: na politica, na literatura ou na arte. Mas, inclusive sob aforma da alienacao, 0 homem se desenvolve nesse mundo de objetos39 Aprioridade onto16gica da natureza, do objeto cia atividade pratica do homem comrespeito a sua atividade criadora, e enfatizada em mais de lima ocasiao por Marx. Cf. aesse respeito: "0 trabalhador nao pode eriar nada sern a natureza, sern 0mundo exteriorsensivel. Esta e a materia sabre a qual se realiza seu trabalho, sabre a qual este atua, nabase e par meio da qual 0 trabalhador produz", (Mmmscritos de 1844, p. 64.)40 lbid., p. 88.41 Ibid.. pp. 88-89.42 Ibid., p. 87.

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    uteis. Aindustria, portanto, tern de ser posta em relacao com 0homern.Sendo assim, em que relacao com ele esta 0conhecimento cientificoda natureza? Em Ulna relacao tambem historica, real, na medida emque estao a seu service justamente por meio da industria. Nao ha urnfundmnento para a industria - diz Marx - e outro para a ciencia. Naose trata de dois mundos: urn pratico e outro meramente contemplativo.As ciencias naturais influern praticamente na vida humana por meioda industria e, como no caso da praxis material produtiva, apresentamUlna dupla face: humanizam-no (emancipam-no) e desurnanizam-no(verncomplernentar sua alienacao). Tal e 0 sentido da seguinte passa-gemde Marx: "Tantomais praiicamente as ciencias naturais, por meioda industria, infhnram na vida humana e a transformaram, preparan-do assim a emancipacao do homem, ainda que isso, diretarnente, vies-se forcosamente completar a desumanizacao" .43Portanto, as ciencias da natureza, pOI' estarern a service do ho-rnern, por sua influencia pratica na vida humana e sua contribuicaoa emancipacao humana, passam a ter urn carater antropol6gico. 0hornem conhece para transformar a natureza de acordo com necessi-dades humanas. Mas Marx nao se limita a assinalar 0 carater antro-pologico das ciencias naturais peia funcao pratica que curnprem, mastambern por seu objeto.:" Anatureza e , certamente, 0objeto das cien-cias naturais, n1asnao a natureza em si que existe com urna priorida-de ontologica COInrespeito ao hornern, e sirn a natureza integrada ouernvias de integrar-se no mundo hurnario. Ha unidade do hornern e danatureza: a) na rnedida em que a natureza e hornern (natureza hurna-nizada) e b) na rnedida em que, como ser natural humano, e tambernnatureza. Nesse sentido, Marx diz que 0 homem e 0 objeto imediatodas ciencias naturais enquanto que a natureza e 0objeto irnediato dohomem. Se a ciencia da natureza e ciencia do homem, esta, pOI' suavez, e ciencia natural. Nern a natureza e separavel do hornem, e porisso, Marx fala da "realidade social da natureza", nern as ciencias na-turais podem ser separadas da ciencia do hornem. Ambas tenderao afundir-se, por seu carater antropoI6gico comum, mas isso so ocorrerano futuro. "Asciencias naturais se converterao COIU0 tempo na den-cia do homem, domesrno modo que a ciericia do homem englobara asciencias naturais e somente havera, entao, urna ciencia" .45o que se quer dizer com isso e que 0processo pelo qual 0hornernadquire sua natureza real, elevando-se sobre a natureza exterior e inte-43 Ibid., p. 8844 Esta tese do carater antropologico das ciencias naturais por seu objeto sera abandoria-da posteriorrnente par Marx quando elaborar, a partir de A ideologia alemii, sua doutrinada superestrutura ideologica, dentro da qual nao inclui as ciencias da natureza.45Manuscritos de 1844, p. 89.

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    rior e, ao mesmo tempo, 0 processo pelo qual a natureza original ad-quire urn carater antropol6gico, e urn processo hist6rico que se realizagracas a praxis material, produtiva; do mesmo modo, a processo peloqual as ciencias naturais se convertem em ciencias humanas tambemse realiza no tempo, justamente na medida em que 0homem adquireconsciencia de que a natureza, que era objeto das ciencias, nao e senaouma natureza humanizada. Enquanto a industria nao fizesse da nature-za em si uma natureza antropol6gica, nao se poderia por em evidencia,tanto por sua funcao como por seu objeto, 0carater antropol6gico dasciencias naturais. Com 0 tempo, a crescente humanizacao da naturezafara com que se apague a linha divis6ria entre as ciencias naturais e aciencia do homem.

    No entanto, caberia acrescentar que, inclusive nos tempos mo-demos, quando ja 0progresso da industria e da tecnica humanizou emalto grau a natureza, a divisao entre ciencias naturais e antropol6gicasse mantern, apesar de seu carater antropol6gico comum. Marx assina-la essa divisao que contradiz esse can'iter comum, mas nao esclareceexplicitamente suas raizes, No entanto, podemos encontrar implicita-mente a explicacao emMarx, levando em conta que 0trabalho alienadotambern se apresenta para ele sob a forma de uma relacao alienada doser humane com respeito a natureza, em virtude da qual, longe de serela urnmeio de afirmacao eobjetivacao de suas forcas essenciais, e parao homem - como para 0 animal - urn simples meio de subsistencia,algo estranho au alheio. Quando a natureza nao tern para ele urn cara-ter antropol6gico, seu conhecimento necessariamente tambem nao 0tern. 0 homern, ausente na natureza, deixa de estar presente na ciencianatural. Adivisao ou cisao entre 0homern e a natureza, na relacao alie-nada do primeiro com respeito a segunda, determina a divisao ou cisaoentre as ciencias naturais e hurnanas. S6 quando a relacao pratica entreo hornem e a natureza assumir urn carater verdadeiramente humane- como praxis produtiva criadora, nao alienada - surgirao as condicoespara unir as ciencias naturais e aciencia do homem sobre uma basecomum antropol6gica.

    Apraxis aparece nos Manuscritos de 1844 como atividade produ-tiva, concretamente como trabalho alienado, ou como transforrnacaohurnana da natureza inclusive na relacao alienada do hornem e da na-tureza. Mas, antecipando uma concepcao mais profunda da praxis quecomecara a se esbocar tanto ern suas "Teses sabre Feuerbach" comoem A ideologia alemii, ja nos Manuscritos encontramos referencias aatividade pratica revolucionaria como atividade necessaria para trans-formar nao mais urna ideia, mas sim a realidade. "Para superar a ideiada propriedade privada, e plenamente suficiente a ideia do comunisrno.Mas, para superar a propriedade privada real, falta a acao real do co-132

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    U1unismo."46Marx tambern se refere ao papel decisive da pratica na so-das problemas te6ricos: "Vemos como a rnesma solucao das con-

    tradiyoes teoricas s6 e possivel de urn modo pratico, atraves da energiapnitica do homem, razao pela qual sua solucao nao pode ser apenas, den10doalgum, urn problema de conhecimento, mas Ulna tarefa real, devida, que a [ilosofia nao poderia resolver, precisamente porque sornentea enfocava como uma tarefa te6rica."47A ELABORA

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    Nos tres casos a praxis e negada: 1) ao se reduzir a pratica a teo-ria, a "crftica"; 2) ao se desconhecer 0papel do sujeito verdadeiramenteativo: a rnassa, 0 povo; e 3) aoseparar a "crftica" da atividade real dasmassas, ou seja, ao cindir a teoria da pratica e, portanto, ao negar esta.

    Em sua luta contra 0 idealismo especulativo ("crfticas da criticacrftica"), Feuerbach oferece ainda uma ajuda que Marx e Engels apro-veitam fecundamente. Com efeito, ao denunciar a mistificacao neohe-geliana, aplicam 0 metodo de Feuerbach emA essencia do cristianismo(restabelecimento das verdadeiras relacoes entre sujeito e predicado) e,COIn essemotivo, sublinham que a "critica" e convertida por seus filoso-fos de predicado do homem em sujeito autonomo." Embora a filosofiafeuerbachiana combata a abstracao hegeliana (0Espfrito) em nome doHomern (outra abstracao), ela e proveitosa para Marx eEngels na tare-fa a qual se propuseram: dissipar a ilusao especulativa de que 0 homeme sua atividade sao predicados do Espirito. 0 alvo en"}que mira, sobre-tudo A Sagrada Familia, e a filosofia baueriana da "Autoconsciencia",Na querela de Bruno corn Strauss que, definitivamente, era uma que-rela de familia entre duas variantes do idealismo especulativo, Baueracabou sobrepondo-se a seu oponente. Ao enfatizar frente a Strauss 0ponto de vista da Autoconsciencia e fazer dela 0unico sujeito, a unicarealidade, Bauer mostra-se como um hegeliano mais consequente, mas,ao converter a substancia emAutoconsciencia, faz de uma propriedadehumana - a Crftica - 0 sujeito absolute."

    Dessa maneira, nao escapa a Marx 0 fato de que Hegel oferecede forma especulativa, abstrata, uma descricao de relacoes humanas,reais, enquanto que em Bauer perde-se essa riqueza humana efetiva e,dessemodo, em sua filosofia da Autoconsciencia se transfonna emumacaricatura sern conteudo.

    Sea Fenomenologia deHegel,apesar de seu pecadooriginalespecu-lativo,ofereceemmuitos pontos oselementos deuma caracterfsticareal clasrelacoes humanas, 0 senhor Bruno e consortes apenas nosentregam, inversamente, uma caricatura que se contenta emarran-car de urn produto espiritual ou, inclusive, das relacoese dosmovi-mentos reais urna deterrninabilidade, convertendo logodepois essadeterminabilidade ern uma determinabilidade do pensamento, emuma categoria, e fazendo esta categoriapassar pelopon:to de vista doproduto, clarelacao edomovimentoe, a seguir,comavelhae sisuclasabedoria do ponto devista da abstracao, da categoria geral,da au-

    48 c.Marx e F. Engels, La Sagrada Familia, traducao DeW.Races, Mexico, Grijalbo, 1958,p, 86. [Ha uma traducao posterior; de Pedro Scaron, em OME 6: La Sagrada Familia. Lasituaciori de la clase obrera en Inglaterra, Barcelona Critica, 1978.J49 Ibid., p. 257.

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    toconsciencia geral, poder olhar triunfalmente par cirna do ornbroessa determinabilidade.t"

    Ao absolutizar assirn a Autoconsciencia, esta, isto e , "0 esp iri to " , e 0todo. Fora dele "nao hi nada": 0mundo exterior e s6 aparencia, Marx eEngels explicitam a inconsistencia desse idealisrno subjetivo ao afirmarque sequer passa pela cabeca do "critico critico" que exista "urn rnundoque continua ern pe do rnesrno modo que antes ainda que eu supri-rna sirnplesmente sua existencia intelectiva ...".51 Mas nao se limitam acritical' essa reducao do mundo exterior "a minha propria conscienciasubjetiva" J como tambem assinalam a lado conservador dessa operacaoespeculativa que leva a declarar nulas tanto as instituicoes, como 0Es-tado e a propriedade privada.

    Quando Bauer faz da autoconsciencia 0 sujeito absoluto, 0 obje-tivo - como se sublinha ern A Sagrada Familia - torna-se pura aparen-cia. Sendo assim, com esta relacao do subjetivo e do objetivo se corre-lacionam, por sua vez, necessariarnente, 0modo de entender da relacaoteoria-pratica, Ali, onde desaparece a distincao de consciencia e ser,tambern nao ha lugar para distincao de teoria e pratica,

    Por isso, a especulativa identidade rnistica de ser e pensamento serepete, na Crrtica, COTI10 amesrna identidade mistica da prdtica e dateoria, Dai seu enfurecimento contra a pratica que pretende ser algodistinto da teoria e contra a teoria que aspira a ser algo distinto dadissolucao deuma determinada categoria na "ilirnitada generalidadeda Autoconsciencia" .51

    Na verdade, Marx e Engels estao, aqui, enfatizando a distincao de teo-ria e pratica e nao sua unidade real, que apenas sera destacada maistarde. Mas a distincao se torna necessaria para escapar do idealismosubjetivo baueriano que, ao reduzir 0 ser ao pensamento, reduz comisso a pratica a teoria. Quarito a funcao social, conservadora, desse idea-lismo ao explicar a nulidade do existente por sua oposicao a Autocons-ciencia, Marx e Engels prop6em que "0 que e preciso demonstrar, pelocontrario, e como 0Estado, a propriedade privada, etc., convertern oshomens em abstracoes ou os tornam produtos do hornern abstrato J emvez de ser a realidade do hornem individual e concreto" .53 Assim, pois,a teoria na qual se dissolve a pratica como uma aparencia limita-se aexplicar 0 existente, ou seja, 0que e preciso transformar efetivarnente,como urna nulidade.50 Ibid., p. 258.51 Ibid.52 La Sagrada Familia, op. cit., p. 258.53 Ibid.

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    Eliminado, portanto, 0 mundo objetivo (Estado, propriedadeprivada, etc.) em favor da subjetividade, e reduzida a pratica a teoria,apenas fica para a Critica 0plano do pensamento, como aquele no qualhao de se operar as verdadeiras transformacoes. Marx e Engels enfren-tam abertamente as consequencias dessa dupla reducao, em virtude daqual a Critica lise apoderou de toda realidade sob a forma de categoriase dissolveu toda a atividade humana na dialetica especulativa" .54

    No que diz respeito aos trabalhadores, trata-se de suprimir e su-perar objetos reais nao s6 no pensamento como na vida real. Adistin-cao anterior se toma vital.

    Sabem [os trabalhadores] que a propriedade, 0 capital, 0 dinheiro,o trabalho assalariado, etc. nao sao precisamente quimeras ideaisde seus cerebros,mas criacoesmuito praticas e rnuitomateriais desua auto-alienacao, que apenaspoderao ser superadas deurn modopratico ematerial, para que 0 homemseconvertaemhomemnao s6nopensamento, na consciencia, mas no ser real, na vida.55

    Ao eliminar a pratica, ressalta 0 conservadorismo desse idealismo es-peculativo, ja que deixa intacta a existencia real ao modifica-la apenasno pensamento.

    A Critica critica tenta faze-los crer que podem chegar a eliminar 0capital real comtao-somentedominar a categoria decapital nopen-sarnenio I que se transformarao realmertte I para se converter emho-mens reais, ao transforrnar na consciencia seu lieuabstrato" e afas-tar comouma operacaoisenta de critica toda transformacao real desua existenciareal, das condicoes reais de sua existenciae tambern,portanto, de seu eu realI"

    Em estreita relacao com tudo isso esta 0 problema do elemento ativoda hist6ria. Os fil6sofos "criticos" contrap5em Espirito e massa; 0Es-pirito, a Critica, e 0 elemento ativo; a massa, carente de espirito, e 0elemento passivo. Ahist6ria, por conseguinte, e feita pelos individuoseleitos, portadores do Espirito, enquanto que a massa, afanada comseus interesses materiais, encontra-se condenada a passividade. Novascontraposicoes: Espirito-massa, ideia-interesse, criacao-passividadesao acrescentadas, assim, as ja assinaladas.o exame da contraposicao neohegeliana de ideia e interesse per-mite a Marx e Engels adiantar uma tese fundamental do materialismohist6rico: 0 condicionamento material das ideias e seu verdadeiro pa-54 Ibid., p. 119.55 Ibid., p. 118.56 Ibid.

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    pel no desenvolvimento hist6rico. Os jovens hegelianos acreditam queas ideias sao a forca motriz da hist6ria e que cumprem esse papel nan1edida em que se desprendem dos interesses materiais da massa. Aoabordar essa questao, tanto as filosofos "crfticos"quanta Marx eEngelsem sua replica referern-se a Revolucao francesa: os primeiros criticamsuas ideias porque "nao levaram alem do estado de coisas que essa re-volw;;:aoqueria destruir pela violencia'T" os segundos, em sua respos-ta, antecipam uma tese fundamental do materialismo historico: que asideias apenas podem levar para alem das ideias de urn velho estadouniversal de coisas.

    Quanto ao papel das ideias na hist6ria, consequentes COIn suadistin

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    Noloporque a massa se "entusiasmasse" e se "interessasse" pela re-volucao, mas porque a parte mais numerosa deIa, aquela distinta daburguesia, nolapossuia no principia da revolucao seu interesse real,seu proprio e peculiar principia revolucionario, mas apenas uma"ideia", isto e , apenas urn objeto de momentaneo entusiasmo e umaexaltaciio meramente aparente.?'

    Enquanto os jovens hegelianos veern na participacao da mass a a causado fracasso das grandes acoes hist6ricas, Marx e Engels consideram queo volume da acao da massa aumenta "corn a profundidade da acao histo-rica" .62 0 que quer dizer, por sua vez, que a aceleracao e profundidade dodesenvolvirnento hist6rico estao vinculadas ao papel crescente das mas-sas populares, ja que constituem a principal forca motriz da historia,

    Ao assinalar 0papel ativo das massas populares, Marx e Engelstambem apontam - ainda que de forma muito ernbrionaria - a influen-cia dos fatores objetivos na acao hist6rica. Ja sua tese da ideia como ex-pressao de urn interesse real situa este no terreno objetivo, visto que talinteresse e inseparavel de deterrninado nivel de desenvolvimento hist6-rico-social, A emancipacao da burguesia ou da massa popular requercondicoes reais distintas. "As condicoes reais de emancipacao [da mas-sa] se diferenciam essencialmente das condicoes nas quais a burguesiapodia emancipar-se e emancipar a sociedade" .63 Urn fator objetivo etambern a producao material, a industria, 0 trabalho, sem os quais naose poderia explicar a acao historic a, como dizem, aos filosofos "criti-cos", Marx e Engels:

    Ou por acaso a Critica critica acredita ter chegado ao comeco darealidade hist6rica nem sequer ao comeco , enquanto elimina domovimento hist6rico 0comportamento te6rico e pratico do homemdiante da natureza, da ciencia e da industria? Ou acredita ja ter co-nhecido, na realidade, qualquer periodo sem conhecer, por exemplo,a industria desse periodo, 0modo de producao da propria vida?64

    Temos, portanto, aqui in nuce a tese fundamental do materialismohist6rico, a saber: que a producao material em urn periodo determi-nado permite explicar a acao hist6rica na qual as mass as popularesdesempenham 0 papel principal. 0 papel desses fatores objetivos seacentua quando se fala do proletariado. Marx e Engels se referem a ele,em primeiro lugar, escapando da apreciacao negativa que os filosofos"criticos" fazem de sua situacao e missao. Haja vista que, para eles,61 Ibid., p. 148.62 Ibid.63 Ibid., p. 147.64 Ibid., p. 216.

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    jetiva que 0engendra como classe e provoca sua luta - 0proletariado.Mas isso nao quer dizer que as massas, os proletarios, facam a hist6riade urn modo automatico, mas sim, tomando consciencia de sua pr6priasituacao como antitese da propriedade privada.

    E certo que apropriedade privada promove por simesma, em seu mo-vimento economico, a sua pr6pria dissolucao, mas apenas por meiode urn desenvolvimento independente dela, inconsciente, contrarioa sua vontade, condicionado pela propria natureza da coisa; apenasenquanto engendra 0proletariado como proletariado consciente desua miseria espiritual e fisica, consciente de sua desurnanizacao e,portanto, como desumanizacao que se supera a si mesma."

    Do ponto de vista da elaboracao do conceito de praxis, em A Sagrada Fa-milia se da urn passo importante ao assinalar-se 0 papel do fator objetivoque determina a natureza do sujeito claacao real: 0proletariado. Mas, aomesmo tempo, enfatiza-se 0papel do fator subjetivo, ja que essa nature-za e missao e, portanto, sua acao real, tern de tornar-se conscientes paraeles; na verdade, em A Sagrada Familia se diz que "grande parte do prole-tariado ingles e frances e ja consciente de sua missao hist6rica e trabalhaconstantemente para elevar essa consciencia a completa claridade". 68

    Assim, ja ha no conceito de praxis uma correlacao bastante acu-sada do objetivo e do subjetivo na medida em que 0 que e 0 proletariadotern um fundamento objetivo e requer ser consciente de sua situacao emissao historica para poder atuar "conforrne esse ser seu". Desse modo,para que se enriqueca 0conceito marxista de praxis, sera preciso, ain-da, que 0objetivo e 0subjetivo se correlacionem nao s6 nessa forma- ou seja, como unidade da necessidade historica objetiva e da acaoreal consciente dos homens -, mas tambern como unidade no interiormesrno da acao real, da propria praxis; isto e, como atividade objetiva esubjetiva ao mesmo tempo. Mas Marx apenas chegara a isso posterior-mente, a partir de suas "Teses sobre Feuerbach".

    o PAPEL DECISIVO DA PRAxIS NAS TESES SOBRE FEUERBACHo problema das relacoes entre a hornem e a natureza permite a Marxavancar, a despeito de certo antropologismo, em direcao a uma concep-cao que situe a atividade pratica humana no centro de sua concepcao, eque faca de sua filosofia uma verdadeira "filosofia da praxis". Os tracesessenciais dessa filosofia ja aparecem com grande nitidez em suas Tesessabre Feuerbach, obra imediatamente posterior aos Manuscritos e quaseconternporanea de A ideologia alemii. Desenvolvendo urn conteudo ja67 Ibid., p. 101.68 iua., p. 102.140

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    implicito nos Manuscritos (a pratica como Iundarnento da unidade en-tre 0 homem e a natureza, e da unidade sujeito-objeto), Marx formulaem suas Teses sabre Feuerbacli uma concepcao da objetividade, fundadana praxis, e define sua filosofia como a filosofia da transformacao domundo. Ambos os momentos, como verernos, aparecem estreitamentevinculados entre si, pois se a praxis e elevada a condicao de fundamen-to de toda relacao humana, isto e , se a relacao pratica sujeito-objeto ehasica e original, a relacao sujeito-objeto no plano do conhecimentotern de inscrever-se no pr6prio horizonte da pratica. 0 problema daobjetividade, da existencia ou tipo de existencia dos objetos, s6 podeser formulado no pr6prio marco da praxis. Isto e, ao colocar no centrode toda relacao humana a atividade pratica, transformadora do mun-do, isso nao pode deixar de ter consequencias profundas no terreno doconhecimento. A praxis aparecera como fundamento (tese I), criteriode verdade (tese II) e fim do conhecimento. A oposicao entre idealismoe materialismo metaffsico, ou entre idealismo .e realismo, adquire urnnovo vies. A intervencao da praxis no processo de conhecimento leva asuperacao da antitese entre idealismo ematerialisrno, entre a concepcaodo conhecimento como conhecimento de objetos produzidos ou cria-dos pela consciencia, e a concepcao que ve nele uma mera reproducaoideal de objetos em si. Isto e, ao converter-se a pratica no fundamento,criterio de sua verdade e fim do conhecimento, as duas posicoes tern deser transcendidas; e da mesma maneira que nao e possivel permanecer,uma vez admitido a papel decisivo da praxis, ern uma teoria idealista doconhecimento, tampouco e possivel continuar se atendo a uma teoriarealista como a do materialismo tradicional, que nao e nada mais doque urn desenvalvimento do ponto de vista do realismo ingenue.

    Devemos observar, no entanto, que 0 exame das consequenciasacarretadas pela introducao da praxis na relacao de conhecimento naoleva, nos interpretes de Marx, as mesmas conclus5es. Para uns, 0 fatode a praxis ser urn fator em nosso conhecimento nao significa que naoconhecarnos coisas em si; para outros, a aceitacao desse papel deci-sivo da praxis significa que nao conhecemos que as coisas sao em simesmas, a mal-gem de sua relacao com 0homem, e sim coisas hurna-nizadas pela praxis e integradas, gracas a ela, ern urn mundo hurnano(ponto de vista de Gramsci): par ultimo, se sustenta corretamente quesem a praxis como criacao da realidade hurnana-social nao e possivel 0conhecimento da propria realidade (posicao de K. Kosik).

    Todas essas posicoes pretendem apoiar-se nas Teses sabre Feu-erbach, Dai a necessidade de voltar ao proprio texto de Marx e tentarestabelecer seu verdadeiro sentido, que, a julgar pelas irrterpretacoescliversas e inclusive opostas a que da lugar, apresenta-se, a principio,com urn carater problematico. Passernos, pois, ao exame de algumasdas Teses sabre Feuerbach,

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    A pRAxIs COMO FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO (TESE I)Tese I.

    A falha fundamental de todo 0 materialismo precedente (incluindoode Feuerbach) reside em que somente capta 0objeto iGegenstandi,a realidade, 0 sensrvel, sob a forma de objeto (Objelct) au de C011-templaciio (Anschaung), nao como atividade humana sensorial, comopratica: nao de urn modo subjetivo. Dai que 0 lado ativo fosse desen-volvido de urn modo abstrato, em contraposicao ao materialismo,pelo idealismo, 0qual, naturalmente, nao conhece a atividade real,sensorial, como tal. Feuerbach aspira a objetos sensiveis, realmentediferentes dos objetos conceituais, mas nao concebe a pr6pria ati-vidade humana como uma atividade objetiva tgegenstandliche). Porisso, em A essencia do cristianismo , s6 se considera como autentica-mente humano 0comportamento te6rico, e, inversamente, a praticas6 e captada e plasmada sob a sua suja formajudia de manifestacao.Dai que Feuerbach nao compreenda a importancia da atividade "re-volucionaria", da atividade "crftico-pratica."

    Toda essa primeira tese tende a contrapor 0materialismo tradicional eo idealismo no que se refere ao modo de conceber 0objeto e, portanto,a relacao cognoscitiva do sujeito com ele. Tanto uma como outra posi-cao sao negadas, mas com sua negacao indicam-se, por sua vez, a ne-cessidade de sua superacao e 0plano em que essa superacao pode ocor-rer (a concepcao da atividade humana como atividade sensorial, real,objetiva, isto e , como pratica). A critica do materialismo tradicional efeita com referencia a seu modo de captar 0objeto. Epreciso observarque Marx utiliza em alemao dois termos para designar objeto: a primei-ra vez diz Gegenstand; a segunda, Objekt. Com essa diversa designacao,Marx quer distinguir 0 objeto como objetivacao nao s6 te6rica comopratica, e 0 objeto em si que e 0 que entra na relacao cognoscitiva deacordo com 0materialismo. Objekt e 0objeto em si, exterior ao horneme a sua atividade; 0 objeto e aqui 0 que se opoe ao sujeito: algo dado,existente em si e por si, nao urn produto humano. A relacao que cor-responde diante desse objeto exterior e subsistente por si e uma atitudepassiva por parte do sujeito, uma visao ou contemplacao, 0 sujeito selimita a receber ou refletir uma realidade; 0conhecimento nao passa deurn resultado da acao dos objetos do mundo exterior sobre as orgaosdos sentidos. 0 objeto e captado objetivamente, isto e , nao como pro-duto da atividade pratica, nao de urn modo subjetivo . A subjetividade- entendida aqui como atividade humana sensivel, como pratica - e69 C. Marx, Tesis sobre Feuerbach, em C. Marx e F. Engels, La ideologia alemana, traducaode W.Roces, Montevideo, EPU, 1969, p. 633.

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    contraposta a objetividade, a existencia do objeto como objeto ern si,dado na conternplacao.

    A teoria que Marx atribui - e critica - ao materialismo tradicio-rial e a teo ria do conhecimento COll10visao 01.1 contemplacao segundo aqual a imagem sensivel do objeto que se imprime em nossa corisciericiatraduz, se111a alteracao do sujeito cognoscente, 0 que e 0 objeto em si.Esse papel passivo, inativo, do sujeito, caracterrstico do materialismotradicional, e 0 que Marx tern presente ao mostrar a necessidade desubstituir seu objetivismo par uma concepcao da realidade, do objeto,conlO atividade humana, como pratica, isto e , subjetivamente. 0 obje-to do conhecimento e produto da atividade humana, e como tal - naocomo mero objeto da contemplacao - e conhecido pelo homern.

    A crftica de Marx ao materialismo tradicional, incluindo deFeuerbach, baseia-se, portanto, em que, a seu juizo, ve no real, no obje-to, 0 "outro" do sujeito, algo oposto a e1e, em vez de considera-lo subje-tivamente, como 0produto de sua atividade.?"o conhecimento e 0 conhecimento de urn mundo criado pelohomem, isto e , inexistente fora da historia, da sociedade e da industria.Isso e justamente 0que - segundo Marx - 0materialisrno tradicionalignora, incluindo Feuerbach.

    Em contraposicao a isso, 0 idealisrno viu e desenvo1veu 0 "ladoativo", a atividade subjetiva no processo de conhecimento. 0 sujeitonao capta objetos dados, em si, mas produtos de sua atividade. Marxtern presente a concepcao idealista do conhecimento que Kant inaugu-ra, e de acordo com a qual 0sujeito conhece urn objeto que ele mesmoproduz, Marx reconhece 0 rnerito do idealismo por ter assinalado essepapel ativo do sujeito na relacao sujeito-objeto. Mas essa atividade e- na filosofia idealista - a do sujeito enquanto sujeito consciente, pen-sante; dai ser considerada abstratarnente, ja que nao inclui a atividadepratica, sensivel, real.

    Essa homenagem que Marx rende ao idealismo, ao mesrno tem-po em que aponta suas limitacoes, prova que a solucao para ele esta nasuperacao da posicao idealista e, de modo algum, em urna volta a ati-tude contemp1ativa, realista, ingenua, que justamente 0idealismo vierademolir. Como este, Marx formula uma concepcao do objeto como pro-

    700que Marx nos diz tao explicitamente em suas Teses, expressa sem rodeios nesta pas-sagem de A ideologia alernii que data da mesma epoca: "Nao ve [Feuerbach] que 0mundosensivel que 0rodeia nao e algo diretamente dado desde toda uma eternidade e constante-mente igual a S1mesmo, mas sim0produto da industria e0estado social, no sentido de quee um produto hist6rico, 0 resultado da atividade de toda urna serie de geracoes, cada umadas quais se ergue sobre os hornens da anterior, continua desenvolvendo sua industria e seuintercambio emodifica sua organizacao social com relacao a novas necessidades. Ateos ob-jetos da 'certeza sensorial' mais simples lhe sao dados somente pelo desenvolvimento social,a industria e a troca comercial". (c.Marx e F. Engels, La ideologia alemana, op. cit., p. 45.)

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    FILOSOFIA DA PRA.XIS

    duto da atividade subjetiva, mas entendida nao mais abstratamente, esim como atividade real, objetiva,material. Tambemcomo 0 idealismo,Marx concebe 0 conhecimento em relacao a essa atividade, como co-nhecimento de objetos produzidos por uma atividade pratica, da quala atividade pensante, da consciencia - unica que 0 idealismo tinha pre-sente - nao podia ser separada.

    Asuperacao do idealismo e do materialismo tradicional havia deconsistir,portanto, na negacao da atitude contemplativa do segundo, as-sim como na negacao da atividade emsentido idealista, especulativo. Averdadeira atividade e revolucionaria, critico-pratica; isto e, transforma-dora e, portanto, revolucionaria, mas critica epratica aomesmo tempo,ou seja, teorico-pratica: teorica, sem ser mera contemplacao, ja que e ateoria que guia a acao, epratica, ou acao guiada pela teoria. Acritica - ateoria, ou a verdade que contem - nao existe a margem da praxis.

    Resumamos a contribuicao da tese 1 . Marx colocou a praticacomo fundamento do conhecimento ao rejeitar a possibilidade de co-nhecer a margem da atividade pratica do homem (posicao do mate-rialismo tradicional) e ao negar tambem a possibilidade de urn verda-deiro conhecimento se 0 objeto e considerado como mero produto daconsciencia (posicao do idealismo). Conhecer e conhecer objetos que seintegram na relacao entre 0 homem e 0mundo, ou entre 0 homem e anatureza, que se estabelece gracas a atividade pratica humana.

    Apratica e fundamento e limite do conhecer e do objetohumani-zado que, como produto da acao, e objeto do conhecimento. Fora des-se fundamento ou para alern desse limite esta a natureza exterior queainda nao e objeto da atividade pratica e que, enquanto pennanecer emsua existencia imediata, vern a ser uma coisa em si exterior ao homem,destinada a converter-se em objeto da praxis humana e, portanto, emobjeto de conhecimento.

    Marxnao nega a existencia de uma natureza a margem dapraxisou anterior a historia, mas a natureza que existe efetivamente para elese da apenas em. e pela pratica. Dessemodo, Marx aceita a prioridadeonto16gicade uma natureza a margem da praxis que reduz cada vezmais seu ambito para se transformar em natureza humanizada. Em Aideologia alenui, Marx e bastante explicito ao sustentar que a praxis eofundamento do mundo em que hoje nos desenvolvemos, sem que issoimplique a negacao de uma natureza anterior a praxis." E justamente71 u que seria da ciencia natural, a nao ser pela industria e pelo comercio? Inclusive estaciencia natural 'pura' apenas adquire tanto seu fim como seu material somente gracas aocornercio e a industria, gracas a atividade sensivel dos harnens ..."E acrescenta-se: "... e estaatividade, este continuo laborar e criar sensiveis, esta producao, a base de todo 0 mundosensfvel...". Enquanto a natureza exterior, em si, a margern da atividade pratica do homem,sediz urn pouco rnais adiante: liE certo que permanece de pe, nisso, a prioridade da naturezaexterior ... De resto, esta natureza anterior a hist6ria humana nao e a natureza em que viveFeuerbach, mas sirn urna natureza que, fora talvez de urnas tantas ilhas de coral australianas

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    A CONCEPC;AO DA pRAxIs EM MARx

    por ser fundarnento do mundo real que hoje existe, a praxis proporcio-na a ciencia, ao conhecimento, nao s6 seu lim como seu objeto. Tudo[sso reafirma 0 que Marx dissera antes nos Manuscritos de 1844, aofalar das relacoes entre 0homem e a natureza.

    Assirn, portanto, ao conceber 0objeto como atividade subjetiva,como produto de sua acao, nao nega por principio a existencia de umarealidade absolutamente independente do homem, exterior a ele, isto e,uma realidade em si. 0 que nega e que 0conhecimento seja mera con-templa~ao, a margem da pratica. 0 conhecimento s6 existe na pratica,e e 0conhecimento de objetos nela integrados, de uma realidade que japerdeu, ou esta em vias de perder, sua existencia imediata, para ser umarealidade mediada pelo homem.

    Tal e, a nosso juizo, 0 verdadeiro sentido da tese I ao concebero objeto como produto da atividade humana, e entender esta atividadereal, objetiva, sensivel, isto e , como pratica,A pRAxIs COMO CRITERIO DE VERDADE (TESE II)Vejamos agora a tese II, cuja importancia e capital, ja que nos faz vero papel da pratica no conhecimento ern uma nova dimensao: nao s6proporciona 0 objeto do conhecimento como tambem 0 criterio desua verdade.

    o problema da possibilidade de atribuir-se ao pensamento humanouma verdade objetiva nao e urn problema te6rieo, mas sim urn pro-blernaprdtico. E na pratica onde 0 hornern deve demonstrar a verda-de, isto e, a realidade e 0poder, a terrenalidade de seu pensamento.A disputa em torno da realidade au irrealidade do pensamento - iso-lade da pratica - e urn problema puramente escoldstico P

    Infere-se essa tese daanterior. Se a praxis e fundamento do conheci-mento, isto e , se 0homem apenas conhece urn mundo na medida emque e objeto au produto de sua atividade, ese, alern disso, apenas 0conhece porque atua, praticamente, e gracas a sua atividade real, trans-formadora, isso significa que 0 problema da verdade objetiva, ou seja,se nosso pensamento concorda com as coisas que preexistem a ele, naoe urn problema que possa ser resolvido teoricamente, em urn mero con-fronto te6rico de nosso conceito com 0 objeto, au de meu pensamentocom outros pensamentos. Isto e, nao se pode fundar a verdade de UITIpensamento se nao se sai da propria esfera do pensamento. Para mos-trar sua verdade ha que sair de si mesmo, plasmar-se, ganhar corpo nade recente formacao, ja nao existe hoje em parte alguma, nem existe tampouco, portanto,para Feuerbach", (C. Marx e E. Engels, La ideologia alernana, op. cit., pp. 46-47.)72 C. Marx, Teses sabre Feuerbach, op. cit., p. 634.

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    FILa SOFIADApru\.xrs

    pr6pria realidade, sob a forma de atividade pratica, S6 entao, pondo-oem relacao com a praxis, na medida em que esta se encontra impreg-nada par ele, e 0pensamento, por sua vez, na praxis, urn pensamentoplasmado, realizado, podemos falar de sua verdade ou falsidade. E napratica que se prova e se demonstra a verdade, "0carater terreno", dopensamento. Fora dela, nao e verdadeiro nem falso, pois a verdade naoexiste em si, no puro reino do pensamento, mas sirn, na pratica. Nestesentido, Marx diz que a disputa em torno da verdade ou falsidade (re-alidade ou irrealidade) do pensamento, a margem da pratica, e umaquestao puramente escolastica, Isto e , ao julgar averdade ou a falsidadede uma teoria nao podemos isola-la da pratica,

    Mas como posso