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Page 1: Jean Luc Nancy

Jean-Luc Nancy I Chantal Pontbriand uma conversa

Nesta entrevisto de Chantal Pontb nand com o filoacutesofo jean-Luc Nancy realizado por e-mail em junho de 2000 poro o ediccedilatildeo espeCial do revisto Parachutte sobre

o ideacuteio de comunidade satildeo explorados voacuterios aspectos do trabalho do filoacutesofo francecircs que comento seus conceitos de toque e comunidade assim como suas

relaccedilotildees com o linguagem com o corpo com o arte e por entre os artes Poro ele o toque tem o dimensatildeo de 00 mesmo tempo afastamento e proximidade

I Com unidade toque corpo arte contem por6nea

Chantal Pontbriand Gostaria que vocecirc explicasse seu conceito de comunidade e sobretudo co mo se pode passar de uma comunidade exclusiva (englobando da microcomunidade dosI amantes ateacute a comunidade universal do espiacuterito que perpassa o Cristianismo) agrave comunidade que estoacute surgindo e utrapassaroacute essa exclusividade

Jean-Luc Nancy Primeiro quero esc larecer que natildeo gosto de usar o termo comunidade isolado e sem grandes precauccedilotildees Esse termo ganhou fNte conotaccedilatildeo de comunidade exc lusiva como vocecirc mencionou e talvez tenha sempre denotado essa exclusividade

O que procuro trabalhar eacute direta e completamente contra essa visatildeo de comunidade e contra qualquer interioridade de comunidade Eacute por isso que prefiro falar em serestar-emshycomum ou serestar-com I Satildeo expressotildees pesadas eu sei Sua densidade evita a seduccedilatildeo da palavara comunidade Mostra tambeacutem que estaacute faltando uma palavra (como falta uma entre sujeito e singular por exemplo) Tento pensar natildeo no que eacute denominado uma comunidade mas no se restar-com enquanto constitutivo do proacuteprio ser (ou ser-em-si se preferir) na medida em que natildeo se pode conceber um sujeito um si mesmo que precedesse uma relaccedilatildeo com os outros Ser-com-os-outros estaacute originalmente presente em ser si mesmo Eu sou em primeiro lugar com (proacuteximo de) aqueles que precedem meu nascimento e aqueles que seguem minha morte Eis o essencia l a dimensatildeo do com eacute o que foi dado como natural num mundo de mitos Em nosso mundo temos que inventaacute-Ia

Nesse sentido natildeo haacute uma gradaccedilatildeo de comunidades (de amantes ateacute toda a humanidade como vocecirc disse) Haacute primeiro um serestar-com universal (que eacute tambeacutem um serestorshycom de vaacuterios reinos humano animal vegeta l mineral) Eacute claro que esse se restar-com natildeo eacute geral e indiferenciado mas divi dido em singularidades (grupos ordens meios indiviacuteduos histoacuterias) O que a comunidade cristatilde uni versal e a dos amantes tecircm em comum eacute o amor na medida em que natildeo nosmiddot eacute mais poss lvel conhecer um amor que natildeo seja de alguma maneira cristatildeo - e amor significa dividir o impossiacutevel Eacute a designaccedilatildeo expressa de um impossiacutevel (o amor como uma uacutenica vida de muitos) O impossiacutevel como gozo (e natildeo o gozo como impossiacutevel) ou entatildeo o corpo miacutestico como corpo se m cabeccedila (o Aceacutefalo) corpo sem fim e finalmente corpo sem corpo Toda comunidade deve partilhar o impossiacutevel sob pena de cair sob o jugo alucinatoacuterio de uma interioridade de uma identidade etc

CP Pode-se conceber uma comunidade diferenclOda ou seja mutieacutetnica multicultural multiconfessional7

JLN Nenhuma outra comunidade eacute concebiacutevel o multi eacute constitutivo do serestar-com [A palavra francesa] ave c quer dizer proacuteximo a do latim apud Em alematildeo mit significa

TRADUCcedilAtildeO J E A N bull L U C N A Ney I C H A N T A L P O N T B R I A N D 145

ae REVIS TA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRAD U ACcedilAtildeO EM AR TE S V I SUA IS EB A U F R J 2 oO

em meio a entre A proximidade imp li ca a pluralidade (e uma certa distacircncia) Nas representaccedilotildees do mu ndo moderno a multiplicidade tem sido absorvida pelas unidades denominadas indiviacuteduo naccedilatildeo e mesmo cu ltura liacutengua etc pOI-que essas unidades (e natildeo haacute duacutevida de que sejam unidades) tecircm sido entendidas como formadoras de identidades (propriedades inalienaacuteveis sem diferenccedilas internas e no extremo sem relaccedilotildees externas pen se no conce ito pol iacutetico de soberania) As unidades de povos de culturas e de liacutenguas poderiam ser vivenciadas de outra maneira em um mundo que natildeo fosse dominado pela estrutura representativa da auto-apropriaccedilatildeo Considere por exemplo que um impeacuterio - o egiacutepcio por exemplo - natildeo pretendesse tal unidade na interioridade (natildeo estou fazendo aqu i a apologia dos impeacuterios Estou colocando um t ermo diferencial) OI-a hoje chegamos agrave exaustatildeo da aut o-apropriaccedilatildeo ateacute a auto-apropriaccedilatildeo e o autocrescimento do capital (o desenvolvimento ou o crescimento como normas ao mesmo tempo absolutas e vazias) exibem lentamente seu vazio Eacute claro que ainda existem capita listas mas a figura dominante natildeo eacute mais aquela do indiviacuteduo capitalista eacute a do mel-cado e o mercado eacute a comunidade em t ota l intel-ioridade mas cujo interior eacute vazio (ou an6nimo) Falar em multiculturalismo eacute pressupor que haja cu lturas const ituiacutedas identitaacuterias fechadas e que sua coexistecircncia seja um problema a resolver Eacute como falar em intersubjetividade pressupotildeem-se sUJeitos e entatildeo pergunta-se como ir de um ao outro Mas uma cultura eacute um acircngulo de visatildeo ou um modo de apreensatildeo das coisas que soacute se abre em e por meio de uma co-abertu ra com outros Eacute como uma liacutengua uma uacutenica liacutengua eacute vaacuterias liacutenguas Isso significa que ao dizer apud ou mlt ou with ao dizer ensemble ou togeth er cada liacutengua interpreta de modo singular algo que natildeo pertence a liacutengua alguma algo que natildeo eacute da ordem da linguagem mas que natildeo existe em nenhum lugar exceto nas proacuteprias liacutenguas uma a uma e coexistentes (capazes e incapazes de se traduzirem entre si) Nesse caso o qualquer coisa eacute o conjunto o comum como t al Mas como tal nada signifi ca se natildeo o interpretarmos imediatamente (digo interpretar em um sentido teatral ou musical se vocecirc natildeo o desem penho natildeo o executo) em uma liacutengua ou outra e entatildeo em sua (in)tradutibi lidade muacutetua

CP O que acabou de dizer foz com que os diferentes liacutenguas pareccedilam indispensoacuteveis para se pensar o mundo em suo diversidade e complexidade Como eacute possiacutevel reconciliar o coexistecircncia de liacutenguas (e suo preservaccedilotildeo em um contexto de crescente uniformizaccedilotildeo) sem depender do identidade

JLN As liacutenguas natildeo desapareceratildeo mesmo que morram liacutenguas todos os dias Haveraacute uma liacutengua universal da comunicaccedilatildeo que jaacute estaacute se tornand o realidade mas haveraacute sempre liacutenguas diferentes nas quais o pensamento e a poesia se datildeo porque eles satildeo inseparaacuteveis da singularidade de uma liacutengua E essa singularidade natildeo eacute da ordem da identidade eacute um movimento um deslocamento incessante em si e em relaccedilatildeo aos outros

CP Como e ateacute que ponto pode o noccedilotildeo de comunidade substituir o de sociedade Hoacute tempos o conceito de comunidade tornou-se equivalente o uma visotildeo preacute-moderno indiferenciada de serestar-com enquanto o noccedilotildeo de sociedade permiti0 o superaccedilatildeo dessa visatildeo Qual eacute o contexto que torno necessoacuterio esse retorno - quase intempestivo - do ou para o noccedilatildeo de comunidade

JLN Sociedade poderia ser efetivamente a palavra o SOCIUS eacute o companheiro o aliado (Talvez ateacute mesmo em sua variaccedilatildeo mais dist ante o companhei ro de guerra portanto uma ligaccedilatildeo que se forja no combate contra os outros) E certamente natildeo nego que a sociedade se solid ifique apartando-se de outras ela deve distinguir-se de outras singularidades coletivas (De ixa rei de lado a questatildeo da guerra e outras relaccedilotildees desse tipo) Mas a palavra sociedade (outrora frequumlentemente usada como associaccedilatildeo como agrupamento que poderia ser ateacute iacutentimo pense em soc iedade secret a muito poder ia ser dito sobre o que essa expressatildeo sugere) foi progressivamente sendo determinada ao d istingui r-se da unidade interior (Estado ou comunidade) como unidade em exterioridade

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(relaccedilotildees de propriedade comeacutercio e direito e natildeo relaccedilotildees de intimidade amN identidade) A sociedade tornou-se o lugar de interaccedilotildees relativamente extriacutensecas de aacutetomos sociais (indiviacuteduos famOias grupos diversos) levantando o problema de ajuste de funcionamento onde estaacute o interesse comum) Por que e entatildeo como deve haver associaccedilatildeo

Ao mesmo tempo eacute vaacutelido lembrar que sociedade conserva um significado bastante forte em Marx como em outros na ideacuteia de produccedilatildeo social do homem a sociedade - ou o serestar-com - como o lugar e modo de humanizaccedilatildeo e mais ainda de homenizaccedilatildeo Por isso aliaacutes durante os uacuteltimos 150 anos uma grande oscilaccedilatildeo de e entre as palavras socialismo e comunismo tem atravessado totalmente suas histoacuterias O que em minha opiniatildeo projetou o comum - o cum o com - foi o fato de que a associaccedilatildeo jaacute apal-ecia como um elo posterior enquanto o comum evocava uma realidade pl-imeil-a uma partilha constitutiva do proacuteprio ser Mas a questatildeo que surgiu com essa palavra (e com comunismo) foi esta em que consiste essa partilha do ser realizada no serJaacute que elo natildeo se daacute mais em um mito em uma figuro em um ritual e numa identificaccedilatildeo do comum Em que ela consiste se justamente noacutes jaacute natildeo a podemos mais conceber pe la guerra jaacute que a proacutepria guerra eacute ligada a tal mito

CP Vocecirc acha que a arte - que tem sido considerada uma praacutetica individualista na arte ocidental - pode expressar ou melhor engendrar uma nova visatildeo de comunidade Ou o arte estaacute destinada a permanecer um tonto arcaica como vocecirc jaacute disse

JLN O que arcaico significa nesse contexto eacute o comeccedilo na sua potecircncia infinita de reshycomeccedilar De fato acho que a arte eacute tatildeo arcaica quanto o proacutepr io homem (o que natildeo eacute nada original de se dizer) e que nessa condiccedilatildeo arcaica a arte representa algo que nunca foi idecircntico agrave religiatildeo ou agrave poliacutetica Se a arte soacute pode permanecer arcaica eacute no sentido de que a cada eacutepoca cada configuraccedilatildeo cada modo de arte ela reexecuta incessantemente essa qualquer coisa de natildeo-religioso natildeo-poliacutetico e tamb eacutem natildeo-social e aliaacutes igualmente natildeoshypsicoloacutegico qualquer coisa que tem a ver com o sentido e a partilha do sentido entendo sentido aleacutem da significaccedilatildeo linguumliacutestica e numa partilhadivisatildeo que eacute tambeacutem aquela dos sentidos (audiccedilatildeo vi satildeo etc) na medida em que esses sentidos constroem o com da proximidade e da distacircncia Ouvir-se ver-se tocar-se deixar-se escutar ouvir ver tocar cheirar a arte enquanto intensificaccedilatildeo de um sentir-se como a teacutecnica - muacuteltip la - de permitir-se sentir-entre-noacutes-a-passagem-de-um-sentido-entl-e-noacutes-e-o-mundo se vocecirc me permite essa tentativa de conceituaccedilatildeo (estou brincando mas ao tentar responder a sua pergunta diretamente sem escrever um verdadeiro ensaio de fato natildeo posso fazer outra coisa senatildeo cair nessa extrema contradiccedilatildeo o que para mim tambeacutem sinaliza a dificuldade e incerteza do que eacute indicado pela palavra arte)

CP Vocecirc sente uma mudanccedila na arte contempor6nea ou um maior interesse pela questatildeo do comunidade como parece acontecer na filosofia

JLN Sim parece-me muito evidente os artistas hOJe estatildeo em geral muito pl-eocupados com seu papel na sociedade seu papel no comum ou como quiser chamar A ponto de frequumlentemente a dimensatildeo de uma colocaccedilatildeo em comum - no sentido de uma colocaccedilatildeo diante de todos de uma ex-posiccedilatildeo da qual a proacutepria obra espel-a sua eficaacutecia (em vez de haver primeiro a obra e depois sua exibiccedilatildeo) ser mais importante do que digamos a conformaccedilatildeo da obra Jaacute natildeo se diz aliaacutes a obra fala-se em trabalho de um(a) artista privilegia-se o momento da atividade da transiacuteormaccedilatildeo e dessa atividade faz parte intrinsecamente a publicaccedilatildeo se posso usar a palavra nesse sentido do trabalho Ou melhor um trabalho eacute uma entrada imediata na dimensatildeo puacuteblica (mesmo quando isso acontece durante muito tempo no isolamento do ateliecirc) Evidentemente no fundo isso natildeo eacute nada de novo l Lascaux eacute tambeacutem jaacute eacute e eacute essencialmente um lugar de publicaccedilatildeo nesse sentido mesmo natildeo sendo nem um museu nem um espaccedilo de intervenccedilatildeo e sem duacutevida nem mesmo um templo A arte eacute original e constitutivamente mostra exposiccedilatildeo

TRADUccedilAOmiddot JEANmiddot L U ( NAN(Y (HA TAL PONTB R I AN D 147

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRAD UACcedil AO E i~ ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ 2001

comunicaccedilatildeo envio endereccedilamento partilha (a dificuldade eacute que todas essas palavras satildeo fortemente carregadas e ateacute mesmo infectadas por uma ideologia comunicacional e comunitarista ) Natildeo haacute nada menos solipsista do que a arte (e isso natildeo contradiz em nada tudo que possa ser radicalmente so litaacuterio num artista)

CP Vocecirc se refere o Loscoux como outro modo de pensor o orte no mundo Poder-se-ia imoginar que o orte fododo otuolmente sob novos conjunturas posso reencontrar formos de efetivaccedilatildeo de orgonizoccedilatildeo ou de exibiccedilatildeo que lembroriom oquelos de outras civilizoccedilotildees ou eacutepocas (como o Idode Meacutedio) e oindo ossim evidentemente inventor formos ineacutedItas

JLN O que quis dizer eacute que Lascaux permanece irredutiacutevel a vaacuterias interpretaccedilotildees (magia religiatildeo caccedilai projeccedilatildeo jogoi) e portanto expotildee o que eacute sempre proacuteprio agrave arte Em certo sentido qualquer um que tenha acesso a uma obra de arte (criador eou espectador) entra a cada vez novamente na caverna Mas nunca eacute um retorno Natildeo haacute qualquer retorno Nem qualquer previsibilidade A arte eacute necessariamente o im-previsto

CP A questatildeo do corpo poderio estar fiacutegodo agrave do comunidode Como vocecirc explicano o presenccedilo do corpo no orte contemporeacutelneo uma presenccedilo crescente nos uacuteltimos quotro deacutecados do seacuteculo 20 e que continuo o se fozer sentir hoje Poder-se-io traccedilor um porolelo com o lugor do corpo no (llosofio suo representaccedilatildeo ou oteacute o moior presenccedilo do corpo no filoso(lo - do quol os seus proacuteprios escritos entre outros satildeo testemunhos

JLN Se me permite agruparei essas trecircs perguntas A questatildeo do corpo deve ser defin ida ou discernida com grande precisatildeo e precauccedilatildeo Natildeo eacute a questatildeo do sensiacutevel versus o inteligiacutevel ou de uma mateacuteria versus um espiacuterito ou uma alma porque enquanto recorrermos a esses pares de oposiccedilotildees cailemos em suas armad ilhas (e frequumlentemente o fazemos mesmo que implicitamente quando se fala do corpo numa espeacutecie de afirmaccedilatildeo selvagem antiespiritualista ou antiintelectualista bastante compreensiacutevel mas com riscos de permanecer sumaacuteria) De fato transformamos o corpo em espiacuter ito noacutes o fazemos portador de cargas significantes Se vocecirc o afasta dessas oposiccedilotildees o corpo na verdade designa duas co isas interligadas a primeira eacute a coexistecircncia a segunda eacute serestor-fora-de-si A coexistecircncia eacute a existecircncia contanto que natildeo comece por um sujeito (que entatildeo encontraria ou reconheceria outros) mas pela pluralidade de sujeitos plulalidade que pertence 00 ser-SUjeito (como gosto de dizer o singular eacute plural) A pluralidade implica o espaccedilo o espaccedilamento a distacircncia (distacircncia e toque a distacircncia do toque) A materialidade dos corpos natildeo eacute mateacuteria no sentido fiacutesico-fisioloacutegico do term o natildeo eacute o objeto material eacute o espaccedilamento o longe e o perto o contato e o afastamento a relaccedilatildeo e a natildeo-relaccedilatildeo Isso eacute o que corpos satildeo em primeiro lugar - e nisso eles de novo satildeo fundamentalmente natildeo

flsicos apesal de serem tambeacutem impenetraacuteveis (mas a isso teliacuteamos que voltar mais tarde) - natildeo satildeo fiacutesicos mas distantesshy

pertos alcanccedilaacuteveisshyinalcanccedilaacuteveis desejaacuteveisshytem iacuteveis eroacuteticos poderosos fracos fugitivos e confrontantes etc Por outro lado o serestar-fora-de-si sign ifica que um SUjeito soacute eacute sujeito quando exposto a e por outro dele mesmo e nele

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mesmo o corpo natildeo eacute o exterior de um interior que permanece autocircnomo separado (alma ou espiacuterito) e cujas re laccedilotildees com o exterior entatildeo seriam de difiacutecil compreensatildeo ao contraacuterio o corpo eacute o fato de que o suje ito estaacute em exterioridade consigo que sua mesmice acontece precisamente nesse fora-de-si

Mediante esse duplo motivo que forma um a conexatildeo uacutenica - ser-muitos-fora-de-si-mesmo - o corpo corresponde a um mundo no qual o sentido natildeo pode Jamais ser remetido a uma interioridade situada fora do mundo (em um ceacute u ou em um espiacuterito eacute a mesma coisa) O sentido estaacute no entanto na circulaccedilatildeo no afastamento e na aproximaccedilatildeo dos corpos ou o afastamento e aproximaccedilatildeo que satildeo os corpos Por isso eacute que o corpo interveacutem mais visivelmente na arte de hoje a ponto de tornar-se o proacuteprio lugar do trabalho na body art (o u a ponto de dar novo destaque agrave danccedila e agraves vaacuterias formas de performance) Entretanto penso que o corpo sempre esteve presente na arte e que haacute um certo tipo de paradoxo em se falar crescente presenccedila toda pintura toda muacutesica toda danccedila sempre foram do corpo (tomemos um uacutenico exemplo por que a import acircncia do nu na pi ntura) e gostaria de formular a razatildeo disto revertendo a pro posiccedilatildeo o corpo eacute sobret udo e de todo modo arte O corpo eacute a-arte-e-a-maneira como se diz de uma ex-po siccedilatildeo que eacute a cada vez singu lar O corpo eacute desde o comeccedilo danccedilar soar figurar eu d iri a ateacute traccedilar e desenhar O corpo eacute um traccedilado uma marca - uma centelha um eco um ritmo - do ser singu lar-plural que somos noacutes

Em certo sent ido quando a arte lida com o corpo ela lida consigo mesma consigo mesma e ass im com o serestar-com

CP Concordo que o impressionante no arte contemporoacutenea eacute o foto de o corpo ocupar-se de si mesmo mais do que o corpo como temo Eacute algo que o performance colocou enfaticamente em evidecircncia e que tem sido retomado em fotografia e em viacutedeo Isso no minha opiniatildeo seria o diferenccedila entre o que se foz agora e o relaccedilatildeo do corpo com a histoacuteria da arte que eacute essencialmente uma histoacuteria da representaccedilatildeo do corpo Essa transformaccedilatildeo do corpo em um instrumento (para gerar pensamento) eacute significativo paro vocecirc

JLN Natildeo natildeo eu natildeo diria corpo-instrumento Diria o oposto o in strum ento como corpo O pincel a cacircmera o trompete como corpo l1 as o que signi fi ca corpo lioacutes natildeo reso lve mos isso Corpo significa espaccedilamento salto intervalo proximidadeafastamento Corpo significa uma danccedila que tambeacutem eacute a danccedila de todas as artes Corpo eacute um pensamento sobre o afastamento o intervalo por meio do qual tocamos ou me lhor eacute o pensamento como intervalo que toca

CP Sua visatildeo de comunidade eacute muito ligado agrave noccedilatildeo de toque O livro que jacques Derrida escreveu recentemente sobre seu trabalho eacute muito expliacutecito sobre essa questatildeo Vocecirc acredita que a arte hoje participa dessa sua visatildeo de comunidade notildeo mais uma comunidade cUJo significado derivaria de uma grande narrativa mos uma comunidade do sentido que faz sentido uma comunidade portanto de ligaccedilotildees e toques elaborada de maneira mais pragmaacutetica do que dogmaacutetica

Essa abordagem significa que uma arte orientada para o visotildeo eacute chamada o se diversificar a lidar mais com todos os sentidos ou a trabalhar mais a partir de todos os sentidos - e eacute o que jaacute se estaacute produzindo acho com a instolaccedilotildeo e o performance por exemplo - ou para vocecirc o toque deve ser privilegiado

JLN Agruparei tambeacutem essas duas perguntas Acho que jaacute falei sobre toque Insistirei apenas no seguinte o toque imp lica tanto o afastamento quanto a proximidade O toque eacute acesso ao que permanece inacessiacutevel ou melhor inincorporaacutevel inassimilaacutevel O toque eacute respeit o (t ato diz Derrida) agrave exterioridade e agrave alteridade Mas natildeo pode ser um a questatildeo de privilegiar o toque porque o toque natildeo eacute tanto um sentido ao lado dos outros mas o

TRADUCcedilAtildeO JEAN-LUC igtJANCY CHANTAL PONT8RIAND 149

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ae RE V I S TA DO PROGR AM A DE P6 SmiddotGR ADUACcedilAO E M ARTES V I SUA I S EBA bull UFRJmiddot 200

proacuteprio sensiacutevel atraveacutes do afastamento dos sentidos Todos os sentidos tocam de um jeito ou de outro e cada sentido toca os outros aproximaccedilatildeo e distacircncia As artes fazem o mesmo uma arte intensifica uma sens ibilidade ou uma sensorial idade levando-a a um extremo em que precisamente ela toca as outras (e talvez toque a si mesma ao mesmo tempo na muacutesica o som toca a si mesmo se relaciona com e le proacuteprio por exemplo ressoa e esse eacute um paradigma para todas as artes) Assim as artes tocam umas as outras (entram em contato e se afastam mas sempre se atingem se esfregam mutuamente ressoam umas nas outras) E todas as artes tecircm a ver com um toqu e emocional afetivo ou passional e las satildeo o toque singu lar de um pensamento

CP Se (ar esse o coso esso maneiro de direcionor o praacutetico do toque estario ligado agrave proacuteprio materialidade do corpo que elo reclamo no contexto de um mundo que eacute cada vez mais invadido pelo teacutecnica e cada vez mais disposto o deixar o corpo poro traacutes ou desconsideraacute-lo Essa desconsideraccedilatildeo do corpo suo sublimaccedilatildeo por exemplo no esporte nos psicotroacutepricos e outros dispositivos do vido otual notildeo sinalizo um mal-estar no civilizaccedilotildeo Natildeo hoveria uma certa urgecircncia ateacute mesmo num sentido poliacutetico em ocupar-se do corpo e do vida de outro maneiro que notildeo o vigente As praacuteticas artiacutesticas dos uacuteltimos anos tatildeo orientados poro o corpo seriam um sinal disso Poderiacuteamos o esta altura introduzir suo distinccedilatildeo entre uma teacutecnIco sem (Im e o orte - que eacute sempre uma orte do (Im cli(endo ou disperso e poro citaacute-lo de algo diferente do (Im o in(lnito desde o iniacutecio presente com suo inquietude e seu elotilde com suo violecircncia e seu tumuto- e tentar conceber o arte como um modo de pensar o teacutecnica que nos permItisse sair do vazio em que o teacutecnico-teacutecnico o teacutecnica por si mesmo nos deixo imersos Uma maneira de gerar sentido com o teacutecnico pelo arte (ora dos mitos talvez

JLN Sem duacutevida A arte se rea liza na obra passa por ela (ateacute mesmo quando a obra se desfaz a obra mais minimal ainda eacute uma obra e o desfazer-se lhe eacute essecircncial) Mas acho sobretudo que o que eacute proacutep rio da arte eacute que ela natildeo termina com sua finalizaccedilatildeo Pelo contraacuterio o que a arte expotildee que brota co m sua obra com seu funci o namento eacute um fim infinito ou uma ausecircncia de fim A arte se liberta por priacutenci pio baacutesico da submissatildeo a um fim Eacute claro que devo empregar meios para pintar um suporte as cores e devo visar a um quadro (digamos assim para simp lificar) Mas o quadro natildeo visa a nada exceto seu proacuteprio ser-quadro isto eacute seu serestar exposto (publicado como disse antes) e por ele nele e enquanto e le ele visa a uma re laccedilatildeo com a ausecircncia de fim com uma ausecircn cia de fim que nem a religiatildeo nem a filosofia nem a eacutetica nem a poliacutetica satildeo capazes de sustentar ou de representar

Nesse sentido a arte natildeo deixa de ser a proacutepria teacutecnica (techneacute - ars - artes liberais mecacircnicasbelas-art es etc natildeo entrarei nessa histoacuteria toda que eacute bem conhecida) A arte eacute a teacutecnica desvenci lhada de toda aparecircncia de um fim fora dela mesma Mas essa t eacutecnica sem fim eacute tambeacutem a proacute pria teacutecnica num aspecto essencial a teacutecnica eacute aquilo que natildeo tendo uma natureza nem uma sobrenatureza preestabelecida de qualquer ordem abre para si indefinitivamente um acesso ao sem fim Pocircde -se crer que a teacutecnica tivesse metas comercia li zar dom inar medir curar e mais que sei eu) Mas cada uma dessas metas eacute ela proacutepria sem meta ou sem fim A teacutecnica eacute a desnaturaccedilatildeo infinita e eacute nela e por ela que noacutes somos ou nos tornamos homens (o que eacute tambeacute m sem fim) e que o mundo se torna um mundo (tambeacutem sem fim) Sem fim pode tambeacutem significar acabando em seu proacuteprio aniq uilame nto

A arte de certa forma conteacutem a tecnicidade pura Tatildeo logo haja uma ferramenta haacute tambeacutem arte Com a pedra lascada vem uma marca gravada na rocha a marca expotildee a essecircncia da ferramenta E a marca aliaacutes precisa da ferramenta Natildeo haacute arte sem artesanato sem oficina sem a invenccedilatildeo de meios para fins natildeo dados para fins natildeo finais

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CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 2: Jean Luc Nancy

ae REVIS TA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRAD U ACcedilAtildeO EM AR TE S V I SUA IS EB A U F R J 2 oO

em meio a entre A proximidade imp li ca a pluralidade (e uma certa distacircncia) Nas representaccedilotildees do mu ndo moderno a multiplicidade tem sido absorvida pelas unidades denominadas indiviacuteduo naccedilatildeo e mesmo cu ltura liacutengua etc pOI-que essas unidades (e natildeo haacute duacutevida de que sejam unidades) tecircm sido entendidas como formadoras de identidades (propriedades inalienaacuteveis sem diferenccedilas internas e no extremo sem relaccedilotildees externas pen se no conce ito pol iacutetico de soberania) As unidades de povos de culturas e de liacutenguas poderiam ser vivenciadas de outra maneira em um mundo que natildeo fosse dominado pela estrutura representativa da auto-apropriaccedilatildeo Considere por exemplo que um impeacuterio - o egiacutepcio por exemplo - natildeo pretendesse tal unidade na interioridade (natildeo estou fazendo aqu i a apologia dos impeacuterios Estou colocando um t ermo diferencial) OI-a hoje chegamos agrave exaustatildeo da aut o-apropriaccedilatildeo ateacute a auto-apropriaccedilatildeo e o autocrescimento do capital (o desenvolvimento ou o crescimento como normas ao mesmo tempo absolutas e vazias) exibem lentamente seu vazio Eacute claro que ainda existem capita listas mas a figura dominante natildeo eacute mais aquela do indiviacuteduo capitalista eacute a do mel-cado e o mercado eacute a comunidade em t ota l intel-ioridade mas cujo interior eacute vazio (ou an6nimo) Falar em multiculturalismo eacute pressupor que haja cu lturas const ituiacutedas identitaacuterias fechadas e que sua coexistecircncia seja um problema a resolver Eacute como falar em intersubjetividade pressupotildeem-se sUJeitos e entatildeo pergunta-se como ir de um ao outro Mas uma cultura eacute um acircngulo de visatildeo ou um modo de apreensatildeo das coisas que soacute se abre em e por meio de uma co-abertu ra com outros Eacute como uma liacutengua uma uacutenica liacutengua eacute vaacuterias liacutenguas Isso significa que ao dizer apud ou mlt ou with ao dizer ensemble ou togeth er cada liacutengua interpreta de modo singular algo que natildeo pertence a liacutengua alguma algo que natildeo eacute da ordem da linguagem mas que natildeo existe em nenhum lugar exceto nas proacuteprias liacutenguas uma a uma e coexistentes (capazes e incapazes de se traduzirem entre si) Nesse caso o qualquer coisa eacute o conjunto o comum como t al Mas como tal nada signifi ca se natildeo o interpretarmos imediatamente (digo interpretar em um sentido teatral ou musical se vocecirc natildeo o desem penho natildeo o executo) em uma liacutengua ou outra e entatildeo em sua (in)tradutibi lidade muacutetua

CP O que acabou de dizer foz com que os diferentes liacutenguas pareccedilam indispensoacuteveis para se pensar o mundo em suo diversidade e complexidade Como eacute possiacutevel reconciliar o coexistecircncia de liacutenguas (e suo preservaccedilotildeo em um contexto de crescente uniformizaccedilotildeo) sem depender do identidade

JLN As liacutenguas natildeo desapareceratildeo mesmo que morram liacutenguas todos os dias Haveraacute uma liacutengua universal da comunicaccedilatildeo que jaacute estaacute se tornand o realidade mas haveraacute sempre liacutenguas diferentes nas quais o pensamento e a poesia se datildeo porque eles satildeo inseparaacuteveis da singularidade de uma liacutengua E essa singularidade natildeo eacute da ordem da identidade eacute um movimento um deslocamento incessante em si e em relaccedilatildeo aos outros

CP Como e ateacute que ponto pode o noccedilotildeo de comunidade substituir o de sociedade Hoacute tempos o conceito de comunidade tornou-se equivalente o uma visotildeo preacute-moderno indiferenciada de serestar-com enquanto o noccedilotildeo de sociedade permiti0 o superaccedilatildeo dessa visatildeo Qual eacute o contexto que torno necessoacuterio esse retorno - quase intempestivo - do ou para o noccedilatildeo de comunidade

JLN Sociedade poderia ser efetivamente a palavra o SOCIUS eacute o companheiro o aliado (Talvez ateacute mesmo em sua variaccedilatildeo mais dist ante o companhei ro de guerra portanto uma ligaccedilatildeo que se forja no combate contra os outros) E certamente natildeo nego que a sociedade se solid ifique apartando-se de outras ela deve distinguir-se de outras singularidades coletivas (De ixa rei de lado a questatildeo da guerra e outras relaccedilotildees desse tipo) Mas a palavra sociedade (outrora frequumlentemente usada como associaccedilatildeo como agrupamento que poderia ser ateacute iacutentimo pense em soc iedade secret a muito poder ia ser dito sobre o que essa expressatildeo sugere) foi progressivamente sendo determinada ao d istingui r-se da unidade interior (Estado ou comunidade) como unidade em exterioridade

t

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(relaccedilotildees de propriedade comeacutercio e direito e natildeo relaccedilotildees de intimidade amN identidade) A sociedade tornou-se o lugar de interaccedilotildees relativamente extriacutensecas de aacutetomos sociais (indiviacuteduos famOias grupos diversos) levantando o problema de ajuste de funcionamento onde estaacute o interesse comum) Por que e entatildeo como deve haver associaccedilatildeo

Ao mesmo tempo eacute vaacutelido lembrar que sociedade conserva um significado bastante forte em Marx como em outros na ideacuteia de produccedilatildeo social do homem a sociedade - ou o serestar-com - como o lugar e modo de humanizaccedilatildeo e mais ainda de homenizaccedilatildeo Por isso aliaacutes durante os uacuteltimos 150 anos uma grande oscilaccedilatildeo de e entre as palavras socialismo e comunismo tem atravessado totalmente suas histoacuterias O que em minha opiniatildeo projetou o comum - o cum o com - foi o fato de que a associaccedilatildeo jaacute apal-ecia como um elo posterior enquanto o comum evocava uma realidade pl-imeil-a uma partilha constitutiva do proacuteprio ser Mas a questatildeo que surgiu com essa palavra (e com comunismo) foi esta em que consiste essa partilha do ser realizada no serJaacute que elo natildeo se daacute mais em um mito em uma figuro em um ritual e numa identificaccedilatildeo do comum Em que ela consiste se justamente noacutes jaacute natildeo a podemos mais conceber pe la guerra jaacute que a proacutepria guerra eacute ligada a tal mito

CP Vocecirc acha que a arte - que tem sido considerada uma praacutetica individualista na arte ocidental - pode expressar ou melhor engendrar uma nova visatildeo de comunidade Ou o arte estaacute destinada a permanecer um tonto arcaica como vocecirc jaacute disse

JLN O que arcaico significa nesse contexto eacute o comeccedilo na sua potecircncia infinita de reshycomeccedilar De fato acho que a arte eacute tatildeo arcaica quanto o proacutepr io homem (o que natildeo eacute nada original de se dizer) e que nessa condiccedilatildeo arcaica a arte representa algo que nunca foi idecircntico agrave religiatildeo ou agrave poliacutetica Se a arte soacute pode permanecer arcaica eacute no sentido de que a cada eacutepoca cada configuraccedilatildeo cada modo de arte ela reexecuta incessantemente essa qualquer coisa de natildeo-religioso natildeo-poliacutetico e tamb eacutem natildeo-social e aliaacutes igualmente natildeoshypsicoloacutegico qualquer coisa que tem a ver com o sentido e a partilha do sentido entendo sentido aleacutem da significaccedilatildeo linguumliacutestica e numa partilhadivisatildeo que eacute tambeacutem aquela dos sentidos (audiccedilatildeo vi satildeo etc) na medida em que esses sentidos constroem o com da proximidade e da distacircncia Ouvir-se ver-se tocar-se deixar-se escutar ouvir ver tocar cheirar a arte enquanto intensificaccedilatildeo de um sentir-se como a teacutecnica - muacuteltip la - de permitir-se sentir-entre-noacutes-a-passagem-de-um-sentido-entl-e-noacutes-e-o-mundo se vocecirc me permite essa tentativa de conceituaccedilatildeo (estou brincando mas ao tentar responder a sua pergunta diretamente sem escrever um verdadeiro ensaio de fato natildeo posso fazer outra coisa senatildeo cair nessa extrema contradiccedilatildeo o que para mim tambeacutem sinaliza a dificuldade e incerteza do que eacute indicado pela palavra arte)

CP Vocecirc sente uma mudanccedila na arte contempor6nea ou um maior interesse pela questatildeo do comunidade como parece acontecer na filosofia

JLN Sim parece-me muito evidente os artistas hOJe estatildeo em geral muito pl-eocupados com seu papel na sociedade seu papel no comum ou como quiser chamar A ponto de frequumlentemente a dimensatildeo de uma colocaccedilatildeo em comum - no sentido de uma colocaccedilatildeo diante de todos de uma ex-posiccedilatildeo da qual a proacutepria obra espel-a sua eficaacutecia (em vez de haver primeiro a obra e depois sua exibiccedilatildeo) ser mais importante do que digamos a conformaccedilatildeo da obra Jaacute natildeo se diz aliaacutes a obra fala-se em trabalho de um(a) artista privilegia-se o momento da atividade da transiacuteormaccedilatildeo e dessa atividade faz parte intrinsecamente a publicaccedilatildeo se posso usar a palavra nesse sentido do trabalho Ou melhor um trabalho eacute uma entrada imediata na dimensatildeo puacuteblica (mesmo quando isso acontece durante muito tempo no isolamento do ateliecirc) Evidentemente no fundo isso natildeo eacute nada de novo l Lascaux eacute tambeacutem jaacute eacute e eacute essencialmente um lugar de publicaccedilatildeo nesse sentido mesmo natildeo sendo nem um museu nem um espaccedilo de intervenccedilatildeo e sem duacutevida nem mesmo um templo A arte eacute original e constitutivamente mostra exposiccedilatildeo

TRADUccedilAOmiddot JEANmiddot L U ( NAN(Y (HA TAL PONTB R I AN D 147

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRAD UACcedil AO E i~ ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ 2001

comunicaccedilatildeo envio endereccedilamento partilha (a dificuldade eacute que todas essas palavras satildeo fortemente carregadas e ateacute mesmo infectadas por uma ideologia comunicacional e comunitarista ) Natildeo haacute nada menos solipsista do que a arte (e isso natildeo contradiz em nada tudo que possa ser radicalmente so litaacuterio num artista)

CP Vocecirc se refere o Loscoux como outro modo de pensor o orte no mundo Poder-se-ia imoginar que o orte fododo otuolmente sob novos conjunturas posso reencontrar formos de efetivaccedilatildeo de orgonizoccedilatildeo ou de exibiccedilatildeo que lembroriom oquelos de outras civilizoccedilotildees ou eacutepocas (como o Idode Meacutedio) e oindo ossim evidentemente inventor formos ineacutedItas

JLN O que quis dizer eacute que Lascaux permanece irredutiacutevel a vaacuterias interpretaccedilotildees (magia religiatildeo caccedilai projeccedilatildeo jogoi) e portanto expotildee o que eacute sempre proacuteprio agrave arte Em certo sentido qualquer um que tenha acesso a uma obra de arte (criador eou espectador) entra a cada vez novamente na caverna Mas nunca eacute um retorno Natildeo haacute qualquer retorno Nem qualquer previsibilidade A arte eacute necessariamente o im-previsto

CP A questatildeo do corpo poderio estar fiacutegodo agrave do comunidode Como vocecirc explicano o presenccedilo do corpo no orte contemporeacutelneo uma presenccedilo crescente nos uacuteltimos quotro deacutecados do seacuteculo 20 e que continuo o se fozer sentir hoje Poder-se-io traccedilor um porolelo com o lugor do corpo no (llosofio suo representaccedilatildeo ou oteacute o moior presenccedilo do corpo no filoso(lo - do quol os seus proacuteprios escritos entre outros satildeo testemunhos

JLN Se me permite agruparei essas trecircs perguntas A questatildeo do corpo deve ser defin ida ou discernida com grande precisatildeo e precauccedilatildeo Natildeo eacute a questatildeo do sensiacutevel versus o inteligiacutevel ou de uma mateacuteria versus um espiacuterito ou uma alma porque enquanto recorrermos a esses pares de oposiccedilotildees cailemos em suas armad ilhas (e frequumlentemente o fazemos mesmo que implicitamente quando se fala do corpo numa espeacutecie de afirmaccedilatildeo selvagem antiespiritualista ou antiintelectualista bastante compreensiacutevel mas com riscos de permanecer sumaacuteria) De fato transformamos o corpo em espiacuter ito noacutes o fazemos portador de cargas significantes Se vocecirc o afasta dessas oposiccedilotildees o corpo na verdade designa duas co isas interligadas a primeira eacute a coexistecircncia a segunda eacute serestor-fora-de-si A coexistecircncia eacute a existecircncia contanto que natildeo comece por um sujeito (que entatildeo encontraria ou reconheceria outros) mas pela pluralidade de sujeitos plulalidade que pertence 00 ser-SUjeito (como gosto de dizer o singular eacute plural) A pluralidade implica o espaccedilo o espaccedilamento a distacircncia (distacircncia e toque a distacircncia do toque) A materialidade dos corpos natildeo eacute mateacuteria no sentido fiacutesico-fisioloacutegico do term o natildeo eacute o objeto material eacute o espaccedilamento o longe e o perto o contato e o afastamento a relaccedilatildeo e a natildeo-relaccedilatildeo Isso eacute o que corpos satildeo em primeiro lugar - e nisso eles de novo satildeo fundamentalmente natildeo

flsicos apesal de serem tambeacutem impenetraacuteveis (mas a isso teliacuteamos que voltar mais tarde) - natildeo satildeo fiacutesicos mas distantesshy

pertos alcanccedilaacuteveisshyinalcanccedilaacuteveis desejaacuteveisshytem iacuteveis eroacuteticos poderosos fracos fugitivos e confrontantes etc Por outro lado o serestar-fora-de-si sign ifica que um SUjeito soacute eacute sujeito quando exposto a e por outro dele mesmo e nele

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mesmo o corpo natildeo eacute o exterior de um interior que permanece autocircnomo separado (alma ou espiacuterito) e cujas re laccedilotildees com o exterior entatildeo seriam de difiacutecil compreensatildeo ao contraacuterio o corpo eacute o fato de que o suje ito estaacute em exterioridade consigo que sua mesmice acontece precisamente nesse fora-de-si

Mediante esse duplo motivo que forma um a conexatildeo uacutenica - ser-muitos-fora-de-si-mesmo - o corpo corresponde a um mundo no qual o sentido natildeo pode Jamais ser remetido a uma interioridade situada fora do mundo (em um ceacute u ou em um espiacuterito eacute a mesma coisa) O sentido estaacute no entanto na circulaccedilatildeo no afastamento e na aproximaccedilatildeo dos corpos ou o afastamento e aproximaccedilatildeo que satildeo os corpos Por isso eacute que o corpo interveacutem mais visivelmente na arte de hoje a ponto de tornar-se o proacuteprio lugar do trabalho na body art (o u a ponto de dar novo destaque agrave danccedila e agraves vaacuterias formas de performance) Entretanto penso que o corpo sempre esteve presente na arte e que haacute um certo tipo de paradoxo em se falar crescente presenccedila toda pintura toda muacutesica toda danccedila sempre foram do corpo (tomemos um uacutenico exemplo por que a import acircncia do nu na pi ntura) e gostaria de formular a razatildeo disto revertendo a pro posiccedilatildeo o corpo eacute sobret udo e de todo modo arte O corpo eacute a-arte-e-a-maneira como se diz de uma ex-po siccedilatildeo que eacute a cada vez singu lar O corpo eacute desde o comeccedilo danccedilar soar figurar eu d iri a ateacute traccedilar e desenhar O corpo eacute um traccedilado uma marca - uma centelha um eco um ritmo - do ser singu lar-plural que somos noacutes

Em certo sent ido quando a arte lida com o corpo ela lida consigo mesma consigo mesma e ass im com o serestar-com

CP Concordo que o impressionante no arte contemporoacutenea eacute o foto de o corpo ocupar-se de si mesmo mais do que o corpo como temo Eacute algo que o performance colocou enfaticamente em evidecircncia e que tem sido retomado em fotografia e em viacutedeo Isso no minha opiniatildeo seria o diferenccedila entre o que se foz agora e o relaccedilatildeo do corpo com a histoacuteria da arte que eacute essencialmente uma histoacuteria da representaccedilatildeo do corpo Essa transformaccedilatildeo do corpo em um instrumento (para gerar pensamento) eacute significativo paro vocecirc

JLN Natildeo natildeo eu natildeo diria corpo-instrumento Diria o oposto o in strum ento como corpo O pincel a cacircmera o trompete como corpo l1 as o que signi fi ca corpo lioacutes natildeo reso lve mos isso Corpo significa espaccedilamento salto intervalo proximidadeafastamento Corpo significa uma danccedila que tambeacutem eacute a danccedila de todas as artes Corpo eacute um pensamento sobre o afastamento o intervalo por meio do qual tocamos ou me lhor eacute o pensamento como intervalo que toca

CP Sua visatildeo de comunidade eacute muito ligado agrave noccedilatildeo de toque O livro que jacques Derrida escreveu recentemente sobre seu trabalho eacute muito expliacutecito sobre essa questatildeo Vocecirc acredita que a arte hoje participa dessa sua visatildeo de comunidade notildeo mais uma comunidade cUJo significado derivaria de uma grande narrativa mos uma comunidade do sentido que faz sentido uma comunidade portanto de ligaccedilotildees e toques elaborada de maneira mais pragmaacutetica do que dogmaacutetica

Essa abordagem significa que uma arte orientada para o visotildeo eacute chamada o se diversificar a lidar mais com todos os sentidos ou a trabalhar mais a partir de todos os sentidos - e eacute o que jaacute se estaacute produzindo acho com a instolaccedilotildeo e o performance por exemplo - ou para vocecirc o toque deve ser privilegiado

JLN Agruparei tambeacutem essas duas perguntas Acho que jaacute falei sobre toque Insistirei apenas no seguinte o toque imp lica tanto o afastamento quanto a proximidade O toque eacute acesso ao que permanece inacessiacutevel ou melhor inincorporaacutevel inassimilaacutevel O toque eacute respeit o (t ato diz Derrida) agrave exterioridade e agrave alteridade Mas natildeo pode ser um a questatildeo de privilegiar o toque porque o toque natildeo eacute tanto um sentido ao lado dos outros mas o

TRADUCcedilAtildeO JEAN-LUC igtJANCY CHANTAL PONT8RIAND 149

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ae RE V I S TA DO PROGR AM A DE P6 SmiddotGR ADUACcedilAO E M ARTES V I SUA I S EBA bull UFRJmiddot 200

proacuteprio sensiacutevel atraveacutes do afastamento dos sentidos Todos os sentidos tocam de um jeito ou de outro e cada sentido toca os outros aproximaccedilatildeo e distacircncia As artes fazem o mesmo uma arte intensifica uma sens ibilidade ou uma sensorial idade levando-a a um extremo em que precisamente ela toca as outras (e talvez toque a si mesma ao mesmo tempo na muacutesica o som toca a si mesmo se relaciona com e le proacuteprio por exemplo ressoa e esse eacute um paradigma para todas as artes) Assim as artes tocam umas as outras (entram em contato e se afastam mas sempre se atingem se esfregam mutuamente ressoam umas nas outras) E todas as artes tecircm a ver com um toqu e emocional afetivo ou passional e las satildeo o toque singu lar de um pensamento

CP Se (ar esse o coso esso maneiro de direcionor o praacutetico do toque estario ligado agrave proacuteprio materialidade do corpo que elo reclamo no contexto de um mundo que eacute cada vez mais invadido pelo teacutecnica e cada vez mais disposto o deixar o corpo poro traacutes ou desconsideraacute-lo Essa desconsideraccedilatildeo do corpo suo sublimaccedilatildeo por exemplo no esporte nos psicotroacutepricos e outros dispositivos do vido otual notildeo sinalizo um mal-estar no civilizaccedilotildeo Natildeo hoveria uma certa urgecircncia ateacute mesmo num sentido poliacutetico em ocupar-se do corpo e do vida de outro maneiro que notildeo o vigente As praacuteticas artiacutesticas dos uacuteltimos anos tatildeo orientados poro o corpo seriam um sinal disso Poderiacuteamos o esta altura introduzir suo distinccedilatildeo entre uma teacutecnIco sem (Im e o orte - que eacute sempre uma orte do (Im cli(endo ou disperso e poro citaacute-lo de algo diferente do (Im o in(lnito desde o iniacutecio presente com suo inquietude e seu elotilde com suo violecircncia e seu tumuto- e tentar conceber o arte como um modo de pensar o teacutecnica que nos permItisse sair do vazio em que o teacutecnico-teacutecnico o teacutecnica por si mesmo nos deixo imersos Uma maneira de gerar sentido com o teacutecnico pelo arte (ora dos mitos talvez

JLN Sem duacutevida A arte se rea liza na obra passa por ela (ateacute mesmo quando a obra se desfaz a obra mais minimal ainda eacute uma obra e o desfazer-se lhe eacute essecircncial) Mas acho sobretudo que o que eacute proacutep rio da arte eacute que ela natildeo termina com sua finalizaccedilatildeo Pelo contraacuterio o que a arte expotildee que brota co m sua obra com seu funci o namento eacute um fim infinito ou uma ausecircncia de fim A arte se liberta por priacutenci pio baacutesico da submissatildeo a um fim Eacute claro que devo empregar meios para pintar um suporte as cores e devo visar a um quadro (digamos assim para simp lificar) Mas o quadro natildeo visa a nada exceto seu proacuteprio ser-quadro isto eacute seu serestar exposto (publicado como disse antes) e por ele nele e enquanto e le ele visa a uma re laccedilatildeo com a ausecircncia de fim com uma ausecircn cia de fim que nem a religiatildeo nem a filosofia nem a eacutetica nem a poliacutetica satildeo capazes de sustentar ou de representar

Nesse sentido a arte natildeo deixa de ser a proacutepria teacutecnica (techneacute - ars - artes liberais mecacircnicasbelas-art es etc natildeo entrarei nessa histoacuteria toda que eacute bem conhecida) A arte eacute a teacutecnica desvenci lhada de toda aparecircncia de um fim fora dela mesma Mas essa t eacutecnica sem fim eacute tambeacutem a proacute pria teacutecnica num aspecto essencial a teacutecnica eacute aquilo que natildeo tendo uma natureza nem uma sobrenatureza preestabelecida de qualquer ordem abre para si indefinitivamente um acesso ao sem fim Pocircde -se crer que a teacutecnica tivesse metas comercia li zar dom inar medir curar e mais que sei eu) Mas cada uma dessas metas eacute ela proacutepria sem meta ou sem fim A teacutecnica eacute a desnaturaccedilatildeo infinita e eacute nela e por ela que noacutes somos ou nos tornamos homens (o que eacute tambeacute m sem fim) e que o mundo se torna um mundo (tambeacutem sem fim) Sem fim pode tambeacutem significar acabando em seu proacuteprio aniq uilame nto

A arte de certa forma conteacutem a tecnicidade pura Tatildeo logo haja uma ferramenta haacute tambeacutem arte Com a pedra lascada vem uma marca gravada na rocha a marca expotildee a essecircncia da ferramenta E a marca aliaacutes precisa da ferramenta Natildeo haacute arte sem artesanato sem oficina sem a invenccedilatildeo de meios para fins natildeo dados para fins natildeo finais

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CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 3: Jean Luc Nancy

(relaccedilotildees de propriedade comeacutercio e direito e natildeo relaccedilotildees de intimidade amN identidade) A sociedade tornou-se o lugar de interaccedilotildees relativamente extriacutensecas de aacutetomos sociais (indiviacuteduos famOias grupos diversos) levantando o problema de ajuste de funcionamento onde estaacute o interesse comum) Por que e entatildeo como deve haver associaccedilatildeo

Ao mesmo tempo eacute vaacutelido lembrar que sociedade conserva um significado bastante forte em Marx como em outros na ideacuteia de produccedilatildeo social do homem a sociedade - ou o serestar-com - como o lugar e modo de humanizaccedilatildeo e mais ainda de homenizaccedilatildeo Por isso aliaacutes durante os uacuteltimos 150 anos uma grande oscilaccedilatildeo de e entre as palavras socialismo e comunismo tem atravessado totalmente suas histoacuterias O que em minha opiniatildeo projetou o comum - o cum o com - foi o fato de que a associaccedilatildeo jaacute apal-ecia como um elo posterior enquanto o comum evocava uma realidade pl-imeil-a uma partilha constitutiva do proacuteprio ser Mas a questatildeo que surgiu com essa palavra (e com comunismo) foi esta em que consiste essa partilha do ser realizada no serJaacute que elo natildeo se daacute mais em um mito em uma figuro em um ritual e numa identificaccedilatildeo do comum Em que ela consiste se justamente noacutes jaacute natildeo a podemos mais conceber pe la guerra jaacute que a proacutepria guerra eacute ligada a tal mito

CP Vocecirc acha que a arte - que tem sido considerada uma praacutetica individualista na arte ocidental - pode expressar ou melhor engendrar uma nova visatildeo de comunidade Ou o arte estaacute destinada a permanecer um tonto arcaica como vocecirc jaacute disse

JLN O que arcaico significa nesse contexto eacute o comeccedilo na sua potecircncia infinita de reshycomeccedilar De fato acho que a arte eacute tatildeo arcaica quanto o proacutepr io homem (o que natildeo eacute nada original de se dizer) e que nessa condiccedilatildeo arcaica a arte representa algo que nunca foi idecircntico agrave religiatildeo ou agrave poliacutetica Se a arte soacute pode permanecer arcaica eacute no sentido de que a cada eacutepoca cada configuraccedilatildeo cada modo de arte ela reexecuta incessantemente essa qualquer coisa de natildeo-religioso natildeo-poliacutetico e tamb eacutem natildeo-social e aliaacutes igualmente natildeoshypsicoloacutegico qualquer coisa que tem a ver com o sentido e a partilha do sentido entendo sentido aleacutem da significaccedilatildeo linguumliacutestica e numa partilhadivisatildeo que eacute tambeacutem aquela dos sentidos (audiccedilatildeo vi satildeo etc) na medida em que esses sentidos constroem o com da proximidade e da distacircncia Ouvir-se ver-se tocar-se deixar-se escutar ouvir ver tocar cheirar a arte enquanto intensificaccedilatildeo de um sentir-se como a teacutecnica - muacuteltip la - de permitir-se sentir-entre-noacutes-a-passagem-de-um-sentido-entl-e-noacutes-e-o-mundo se vocecirc me permite essa tentativa de conceituaccedilatildeo (estou brincando mas ao tentar responder a sua pergunta diretamente sem escrever um verdadeiro ensaio de fato natildeo posso fazer outra coisa senatildeo cair nessa extrema contradiccedilatildeo o que para mim tambeacutem sinaliza a dificuldade e incerteza do que eacute indicado pela palavra arte)

CP Vocecirc sente uma mudanccedila na arte contempor6nea ou um maior interesse pela questatildeo do comunidade como parece acontecer na filosofia

JLN Sim parece-me muito evidente os artistas hOJe estatildeo em geral muito pl-eocupados com seu papel na sociedade seu papel no comum ou como quiser chamar A ponto de frequumlentemente a dimensatildeo de uma colocaccedilatildeo em comum - no sentido de uma colocaccedilatildeo diante de todos de uma ex-posiccedilatildeo da qual a proacutepria obra espel-a sua eficaacutecia (em vez de haver primeiro a obra e depois sua exibiccedilatildeo) ser mais importante do que digamos a conformaccedilatildeo da obra Jaacute natildeo se diz aliaacutes a obra fala-se em trabalho de um(a) artista privilegia-se o momento da atividade da transiacuteormaccedilatildeo e dessa atividade faz parte intrinsecamente a publicaccedilatildeo se posso usar a palavra nesse sentido do trabalho Ou melhor um trabalho eacute uma entrada imediata na dimensatildeo puacuteblica (mesmo quando isso acontece durante muito tempo no isolamento do ateliecirc) Evidentemente no fundo isso natildeo eacute nada de novo l Lascaux eacute tambeacutem jaacute eacute e eacute essencialmente um lugar de publicaccedilatildeo nesse sentido mesmo natildeo sendo nem um museu nem um espaccedilo de intervenccedilatildeo e sem duacutevida nem mesmo um templo A arte eacute original e constitutivamente mostra exposiccedilatildeo

TRADUccedilAOmiddot JEANmiddot L U ( NAN(Y (HA TAL PONTB R I AN D 147

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRAD UACcedil AO E i~ ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ 2001

comunicaccedilatildeo envio endereccedilamento partilha (a dificuldade eacute que todas essas palavras satildeo fortemente carregadas e ateacute mesmo infectadas por uma ideologia comunicacional e comunitarista ) Natildeo haacute nada menos solipsista do que a arte (e isso natildeo contradiz em nada tudo que possa ser radicalmente so litaacuterio num artista)

CP Vocecirc se refere o Loscoux como outro modo de pensor o orte no mundo Poder-se-ia imoginar que o orte fododo otuolmente sob novos conjunturas posso reencontrar formos de efetivaccedilatildeo de orgonizoccedilatildeo ou de exibiccedilatildeo que lembroriom oquelos de outras civilizoccedilotildees ou eacutepocas (como o Idode Meacutedio) e oindo ossim evidentemente inventor formos ineacutedItas

JLN O que quis dizer eacute que Lascaux permanece irredutiacutevel a vaacuterias interpretaccedilotildees (magia religiatildeo caccedilai projeccedilatildeo jogoi) e portanto expotildee o que eacute sempre proacuteprio agrave arte Em certo sentido qualquer um que tenha acesso a uma obra de arte (criador eou espectador) entra a cada vez novamente na caverna Mas nunca eacute um retorno Natildeo haacute qualquer retorno Nem qualquer previsibilidade A arte eacute necessariamente o im-previsto

CP A questatildeo do corpo poderio estar fiacutegodo agrave do comunidode Como vocecirc explicano o presenccedilo do corpo no orte contemporeacutelneo uma presenccedilo crescente nos uacuteltimos quotro deacutecados do seacuteculo 20 e que continuo o se fozer sentir hoje Poder-se-io traccedilor um porolelo com o lugor do corpo no (llosofio suo representaccedilatildeo ou oteacute o moior presenccedilo do corpo no filoso(lo - do quol os seus proacuteprios escritos entre outros satildeo testemunhos

JLN Se me permite agruparei essas trecircs perguntas A questatildeo do corpo deve ser defin ida ou discernida com grande precisatildeo e precauccedilatildeo Natildeo eacute a questatildeo do sensiacutevel versus o inteligiacutevel ou de uma mateacuteria versus um espiacuterito ou uma alma porque enquanto recorrermos a esses pares de oposiccedilotildees cailemos em suas armad ilhas (e frequumlentemente o fazemos mesmo que implicitamente quando se fala do corpo numa espeacutecie de afirmaccedilatildeo selvagem antiespiritualista ou antiintelectualista bastante compreensiacutevel mas com riscos de permanecer sumaacuteria) De fato transformamos o corpo em espiacuter ito noacutes o fazemos portador de cargas significantes Se vocecirc o afasta dessas oposiccedilotildees o corpo na verdade designa duas co isas interligadas a primeira eacute a coexistecircncia a segunda eacute serestor-fora-de-si A coexistecircncia eacute a existecircncia contanto que natildeo comece por um sujeito (que entatildeo encontraria ou reconheceria outros) mas pela pluralidade de sujeitos plulalidade que pertence 00 ser-SUjeito (como gosto de dizer o singular eacute plural) A pluralidade implica o espaccedilo o espaccedilamento a distacircncia (distacircncia e toque a distacircncia do toque) A materialidade dos corpos natildeo eacute mateacuteria no sentido fiacutesico-fisioloacutegico do term o natildeo eacute o objeto material eacute o espaccedilamento o longe e o perto o contato e o afastamento a relaccedilatildeo e a natildeo-relaccedilatildeo Isso eacute o que corpos satildeo em primeiro lugar - e nisso eles de novo satildeo fundamentalmente natildeo

flsicos apesal de serem tambeacutem impenetraacuteveis (mas a isso teliacuteamos que voltar mais tarde) - natildeo satildeo fiacutesicos mas distantesshy

pertos alcanccedilaacuteveisshyinalcanccedilaacuteveis desejaacuteveisshytem iacuteveis eroacuteticos poderosos fracos fugitivos e confrontantes etc Por outro lado o serestar-fora-de-si sign ifica que um SUjeito soacute eacute sujeito quando exposto a e por outro dele mesmo e nele

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mesmo o corpo natildeo eacute o exterior de um interior que permanece autocircnomo separado (alma ou espiacuterito) e cujas re laccedilotildees com o exterior entatildeo seriam de difiacutecil compreensatildeo ao contraacuterio o corpo eacute o fato de que o suje ito estaacute em exterioridade consigo que sua mesmice acontece precisamente nesse fora-de-si

Mediante esse duplo motivo que forma um a conexatildeo uacutenica - ser-muitos-fora-de-si-mesmo - o corpo corresponde a um mundo no qual o sentido natildeo pode Jamais ser remetido a uma interioridade situada fora do mundo (em um ceacute u ou em um espiacuterito eacute a mesma coisa) O sentido estaacute no entanto na circulaccedilatildeo no afastamento e na aproximaccedilatildeo dos corpos ou o afastamento e aproximaccedilatildeo que satildeo os corpos Por isso eacute que o corpo interveacutem mais visivelmente na arte de hoje a ponto de tornar-se o proacuteprio lugar do trabalho na body art (o u a ponto de dar novo destaque agrave danccedila e agraves vaacuterias formas de performance) Entretanto penso que o corpo sempre esteve presente na arte e que haacute um certo tipo de paradoxo em se falar crescente presenccedila toda pintura toda muacutesica toda danccedila sempre foram do corpo (tomemos um uacutenico exemplo por que a import acircncia do nu na pi ntura) e gostaria de formular a razatildeo disto revertendo a pro posiccedilatildeo o corpo eacute sobret udo e de todo modo arte O corpo eacute a-arte-e-a-maneira como se diz de uma ex-po siccedilatildeo que eacute a cada vez singu lar O corpo eacute desde o comeccedilo danccedilar soar figurar eu d iri a ateacute traccedilar e desenhar O corpo eacute um traccedilado uma marca - uma centelha um eco um ritmo - do ser singu lar-plural que somos noacutes

Em certo sent ido quando a arte lida com o corpo ela lida consigo mesma consigo mesma e ass im com o serestar-com

CP Concordo que o impressionante no arte contemporoacutenea eacute o foto de o corpo ocupar-se de si mesmo mais do que o corpo como temo Eacute algo que o performance colocou enfaticamente em evidecircncia e que tem sido retomado em fotografia e em viacutedeo Isso no minha opiniatildeo seria o diferenccedila entre o que se foz agora e o relaccedilatildeo do corpo com a histoacuteria da arte que eacute essencialmente uma histoacuteria da representaccedilatildeo do corpo Essa transformaccedilatildeo do corpo em um instrumento (para gerar pensamento) eacute significativo paro vocecirc

JLN Natildeo natildeo eu natildeo diria corpo-instrumento Diria o oposto o in strum ento como corpo O pincel a cacircmera o trompete como corpo l1 as o que signi fi ca corpo lioacutes natildeo reso lve mos isso Corpo significa espaccedilamento salto intervalo proximidadeafastamento Corpo significa uma danccedila que tambeacutem eacute a danccedila de todas as artes Corpo eacute um pensamento sobre o afastamento o intervalo por meio do qual tocamos ou me lhor eacute o pensamento como intervalo que toca

CP Sua visatildeo de comunidade eacute muito ligado agrave noccedilatildeo de toque O livro que jacques Derrida escreveu recentemente sobre seu trabalho eacute muito expliacutecito sobre essa questatildeo Vocecirc acredita que a arte hoje participa dessa sua visatildeo de comunidade notildeo mais uma comunidade cUJo significado derivaria de uma grande narrativa mos uma comunidade do sentido que faz sentido uma comunidade portanto de ligaccedilotildees e toques elaborada de maneira mais pragmaacutetica do que dogmaacutetica

Essa abordagem significa que uma arte orientada para o visotildeo eacute chamada o se diversificar a lidar mais com todos os sentidos ou a trabalhar mais a partir de todos os sentidos - e eacute o que jaacute se estaacute produzindo acho com a instolaccedilotildeo e o performance por exemplo - ou para vocecirc o toque deve ser privilegiado

JLN Agruparei tambeacutem essas duas perguntas Acho que jaacute falei sobre toque Insistirei apenas no seguinte o toque imp lica tanto o afastamento quanto a proximidade O toque eacute acesso ao que permanece inacessiacutevel ou melhor inincorporaacutevel inassimilaacutevel O toque eacute respeit o (t ato diz Derrida) agrave exterioridade e agrave alteridade Mas natildeo pode ser um a questatildeo de privilegiar o toque porque o toque natildeo eacute tanto um sentido ao lado dos outros mas o

TRADUCcedilAtildeO JEAN-LUC igtJANCY CHANTAL PONT8RIAND 149

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ae RE V I S TA DO PROGR AM A DE P6 SmiddotGR ADUACcedilAO E M ARTES V I SUA I S EBA bull UFRJmiddot 200

proacuteprio sensiacutevel atraveacutes do afastamento dos sentidos Todos os sentidos tocam de um jeito ou de outro e cada sentido toca os outros aproximaccedilatildeo e distacircncia As artes fazem o mesmo uma arte intensifica uma sens ibilidade ou uma sensorial idade levando-a a um extremo em que precisamente ela toca as outras (e talvez toque a si mesma ao mesmo tempo na muacutesica o som toca a si mesmo se relaciona com e le proacuteprio por exemplo ressoa e esse eacute um paradigma para todas as artes) Assim as artes tocam umas as outras (entram em contato e se afastam mas sempre se atingem se esfregam mutuamente ressoam umas nas outras) E todas as artes tecircm a ver com um toqu e emocional afetivo ou passional e las satildeo o toque singu lar de um pensamento

CP Se (ar esse o coso esso maneiro de direcionor o praacutetico do toque estario ligado agrave proacuteprio materialidade do corpo que elo reclamo no contexto de um mundo que eacute cada vez mais invadido pelo teacutecnica e cada vez mais disposto o deixar o corpo poro traacutes ou desconsideraacute-lo Essa desconsideraccedilatildeo do corpo suo sublimaccedilatildeo por exemplo no esporte nos psicotroacutepricos e outros dispositivos do vido otual notildeo sinalizo um mal-estar no civilizaccedilotildeo Natildeo hoveria uma certa urgecircncia ateacute mesmo num sentido poliacutetico em ocupar-se do corpo e do vida de outro maneiro que notildeo o vigente As praacuteticas artiacutesticas dos uacuteltimos anos tatildeo orientados poro o corpo seriam um sinal disso Poderiacuteamos o esta altura introduzir suo distinccedilatildeo entre uma teacutecnIco sem (Im e o orte - que eacute sempre uma orte do (Im cli(endo ou disperso e poro citaacute-lo de algo diferente do (Im o in(lnito desde o iniacutecio presente com suo inquietude e seu elotilde com suo violecircncia e seu tumuto- e tentar conceber o arte como um modo de pensar o teacutecnica que nos permItisse sair do vazio em que o teacutecnico-teacutecnico o teacutecnica por si mesmo nos deixo imersos Uma maneira de gerar sentido com o teacutecnico pelo arte (ora dos mitos talvez

JLN Sem duacutevida A arte se rea liza na obra passa por ela (ateacute mesmo quando a obra se desfaz a obra mais minimal ainda eacute uma obra e o desfazer-se lhe eacute essecircncial) Mas acho sobretudo que o que eacute proacutep rio da arte eacute que ela natildeo termina com sua finalizaccedilatildeo Pelo contraacuterio o que a arte expotildee que brota co m sua obra com seu funci o namento eacute um fim infinito ou uma ausecircncia de fim A arte se liberta por priacutenci pio baacutesico da submissatildeo a um fim Eacute claro que devo empregar meios para pintar um suporte as cores e devo visar a um quadro (digamos assim para simp lificar) Mas o quadro natildeo visa a nada exceto seu proacuteprio ser-quadro isto eacute seu serestar exposto (publicado como disse antes) e por ele nele e enquanto e le ele visa a uma re laccedilatildeo com a ausecircncia de fim com uma ausecircn cia de fim que nem a religiatildeo nem a filosofia nem a eacutetica nem a poliacutetica satildeo capazes de sustentar ou de representar

Nesse sentido a arte natildeo deixa de ser a proacutepria teacutecnica (techneacute - ars - artes liberais mecacircnicasbelas-art es etc natildeo entrarei nessa histoacuteria toda que eacute bem conhecida) A arte eacute a teacutecnica desvenci lhada de toda aparecircncia de um fim fora dela mesma Mas essa t eacutecnica sem fim eacute tambeacutem a proacute pria teacutecnica num aspecto essencial a teacutecnica eacute aquilo que natildeo tendo uma natureza nem uma sobrenatureza preestabelecida de qualquer ordem abre para si indefinitivamente um acesso ao sem fim Pocircde -se crer que a teacutecnica tivesse metas comercia li zar dom inar medir curar e mais que sei eu) Mas cada uma dessas metas eacute ela proacutepria sem meta ou sem fim A teacutecnica eacute a desnaturaccedilatildeo infinita e eacute nela e por ela que noacutes somos ou nos tornamos homens (o que eacute tambeacute m sem fim) e que o mundo se torna um mundo (tambeacutem sem fim) Sem fim pode tambeacutem significar acabando em seu proacuteprio aniq uilame nto

A arte de certa forma conteacutem a tecnicidade pura Tatildeo logo haja uma ferramenta haacute tambeacutem arte Com a pedra lascada vem uma marca gravada na rocha a marca expotildee a essecircncia da ferramenta E a marca aliaacutes precisa da ferramenta Natildeo haacute arte sem artesanato sem oficina sem a invenccedilatildeo de meios para fins natildeo dados para fins natildeo finais

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CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 4: Jean Luc Nancy

ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRAD UACcedil AO E i~ ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ 2001

comunicaccedilatildeo envio endereccedilamento partilha (a dificuldade eacute que todas essas palavras satildeo fortemente carregadas e ateacute mesmo infectadas por uma ideologia comunicacional e comunitarista ) Natildeo haacute nada menos solipsista do que a arte (e isso natildeo contradiz em nada tudo que possa ser radicalmente so litaacuterio num artista)

CP Vocecirc se refere o Loscoux como outro modo de pensor o orte no mundo Poder-se-ia imoginar que o orte fododo otuolmente sob novos conjunturas posso reencontrar formos de efetivaccedilatildeo de orgonizoccedilatildeo ou de exibiccedilatildeo que lembroriom oquelos de outras civilizoccedilotildees ou eacutepocas (como o Idode Meacutedio) e oindo ossim evidentemente inventor formos ineacutedItas

JLN O que quis dizer eacute que Lascaux permanece irredutiacutevel a vaacuterias interpretaccedilotildees (magia religiatildeo caccedilai projeccedilatildeo jogoi) e portanto expotildee o que eacute sempre proacuteprio agrave arte Em certo sentido qualquer um que tenha acesso a uma obra de arte (criador eou espectador) entra a cada vez novamente na caverna Mas nunca eacute um retorno Natildeo haacute qualquer retorno Nem qualquer previsibilidade A arte eacute necessariamente o im-previsto

CP A questatildeo do corpo poderio estar fiacutegodo agrave do comunidode Como vocecirc explicano o presenccedilo do corpo no orte contemporeacutelneo uma presenccedilo crescente nos uacuteltimos quotro deacutecados do seacuteculo 20 e que continuo o se fozer sentir hoje Poder-se-io traccedilor um porolelo com o lugor do corpo no (llosofio suo representaccedilatildeo ou oteacute o moior presenccedilo do corpo no filoso(lo - do quol os seus proacuteprios escritos entre outros satildeo testemunhos

JLN Se me permite agruparei essas trecircs perguntas A questatildeo do corpo deve ser defin ida ou discernida com grande precisatildeo e precauccedilatildeo Natildeo eacute a questatildeo do sensiacutevel versus o inteligiacutevel ou de uma mateacuteria versus um espiacuterito ou uma alma porque enquanto recorrermos a esses pares de oposiccedilotildees cailemos em suas armad ilhas (e frequumlentemente o fazemos mesmo que implicitamente quando se fala do corpo numa espeacutecie de afirmaccedilatildeo selvagem antiespiritualista ou antiintelectualista bastante compreensiacutevel mas com riscos de permanecer sumaacuteria) De fato transformamos o corpo em espiacuter ito noacutes o fazemos portador de cargas significantes Se vocecirc o afasta dessas oposiccedilotildees o corpo na verdade designa duas co isas interligadas a primeira eacute a coexistecircncia a segunda eacute serestor-fora-de-si A coexistecircncia eacute a existecircncia contanto que natildeo comece por um sujeito (que entatildeo encontraria ou reconheceria outros) mas pela pluralidade de sujeitos plulalidade que pertence 00 ser-SUjeito (como gosto de dizer o singular eacute plural) A pluralidade implica o espaccedilo o espaccedilamento a distacircncia (distacircncia e toque a distacircncia do toque) A materialidade dos corpos natildeo eacute mateacuteria no sentido fiacutesico-fisioloacutegico do term o natildeo eacute o objeto material eacute o espaccedilamento o longe e o perto o contato e o afastamento a relaccedilatildeo e a natildeo-relaccedilatildeo Isso eacute o que corpos satildeo em primeiro lugar - e nisso eles de novo satildeo fundamentalmente natildeo

flsicos apesal de serem tambeacutem impenetraacuteveis (mas a isso teliacuteamos que voltar mais tarde) - natildeo satildeo fiacutesicos mas distantesshy

pertos alcanccedilaacuteveisshyinalcanccedilaacuteveis desejaacuteveisshytem iacuteveis eroacuteticos poderosos fracos fugitivos e confrontantes etc Por outro lado o serestar-fora-de-si sign ifica que um SUjeito soacute eacute sujeito quando exposto a e por outro dele mesmo e nele

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mesmo o corpo natildeo eacute o exterior de um interior que permanece autocircnomo separado (alma ou espiacuterito) e cujas re laccedilotildees com o exterior entatildeo seriam de difiacutecil compreensatildeo ao contraacuterio o corpo eacute o fato de que o suje ito estaacute em exterioridade consigo que sua mesmice acontece precisamente nesse fora-de-si

Mediante esse duplo motivo que forma um a conexatildeo uacutenica - ser-muitos-fora-de-si-mesmo - o corpo corresponde a um mundo no qual o sentido natildeo pode Jamais ser remetido a uma interioridade situada fora do mundo (em um ceacute u ou em um espiacuterito eacute a mesma coisa) O sentido estaacute no entanto na circulaccedilatildeo no afastamento e na aproximaccedilatildeo dos corpos ou o afastamento e aproximaccedilatildeo que satildeo os corpos Por isso eacute que o corpo interveacutem mais visivelmente na arte de hoje a ponto de tornar-se o proacuteprio lugar do trabalho na body art (o u a ponto de dar novo destaque agrave danccedila e agraves vaacuterias formas de performance) Entretanto penso que o corpo sempre esteve presente na arte e que haacute um certo tipo de paradoxo em se falar crescente presenccedila toda pintura toda muacutesica toda danccedila sempre foram do corpo (tomemos um uacutenico exemplo por que a import acircncia do nu na pi ntura) e gostaria de formular a razatildeo disto revertendo a pro posiccedilatildeo o corpo eacute sobret udo e de todo modo arte O corpo eacute a-arte-e-a-maneira como se diz de uma ex-po siccedilatildeo que eacute a cada vez singu lar O corpo eacute desde o comeccedilo danccedilar soar figurar eu d iri a ateacute traccedilar e desenhar O corpo eacute um traccedilado uma marca - uma centelha um eco um ritmo - do ser singu lar-plural que somos noacutes

Em certo sent ido quando a arte lida com o corpo ela lida consigo mesma consigo mesma e ass im com o serestar-com

CP Concordo que o impressionante no arte contemporoacutenea eacute o foto de o corpo ocupar-se de si mesmo mais do que o corpo como temo Eacute algo que o performance colocou enfaticamente em evidecircncia e que tem sido retomado em fotografia e em viacutedeo Isso no minha opiniatildeo seria o diferenccedila entre o que se foz agora e o relaccedilatildeo do corpo com a histoacuteria da arte que eacute essencialmente uma histoacuteria da representaccedilatildeo do corpo Essa transformaccedilatildeo do corpo em um instrumento (para gerar pensamento) eacute significativo paro vocecirc

JLN Natildeo natildeo eu natildeo diria corpo-instrumento Diria o oposto o in strum ento como corpo O pincel a cacircmera o trompete como corpo l1 as o que signi fi ca corpo lioacutes natildeo reso lve mos isso Corpo significa espaccedilamento salto intervalo proximidadeafastamento Corpo significa uma danccedila que tambeacutem eacute a danccedila de todas as artes Corpo eacute um pensamento sobre o afastamento o intervalo por meio do qual tocamos ou me lhor eacute o pensamento como intervalo que toca

CP Sua visatildeo de comunidade eacute muito ligado agrave noccedilatildeo de toque O livro que jacques Derrida escreveu recentemente sobre seu trabalho eacute muito expliacutecito sobre essa questatildeo Vocecirc acredita que a arte hoje participa dessa sua visatildeo de comunidade notildeo mais uma comunidade cUJo significado derivaria de uma grande narrativa mos uma comunidade do sentido que faz sentido uma comunidade portanto de ligaccedilotildees e toques elaborada de maneira mais pragmaacutetica do que dogmaacutetica

Essa abordagem significa que uma arte orientada para o visotildeo eacute chamada o se diversificar a lidar mais com todos os sentidos ou a trabalhar mais a partir de todos os sentidos - e eacute o que jaacute se estaacute produzindo acho com a instolaccedilotildeo e o performance por exemplo - ou para vocecirc o toque deve ser privilegiado

JLN Agruparei tambeacutem essas duas perguntas Acho que jaacute falei sobre toque Insistirei apenas no seguinte o toque imp lica tanto o afastamento quanto a proximidade O toque eacute acesso ao que permanece inacessiacutevel ou melhor inincorporaacutevel inassimilaacutevel O toque eacute respeit o (t ato diz Derrida) agrave exterioridade e agrave alteridade Mas natildeo pode ser um a questatildeo de privilegiar o toque porque o toque natildeo eacute tanto um sentido ao lado dos outros mas o

TRADUCcedilAtildeO JEAN-LUC igtJANCY CHANTAL PONT8RIAND 149

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ae RE V I S TA DO PROGR AM A DE P6 SmiddotGR ADUACcedilAO E M ARTES V I SUA I S EBA bull UFRJmiddot 200

proacuteprio sensiacutevel atraveacutes do afastamento dos sentidos Todos os sentidos tocam de um jeito ou de outro e cada sentido toca os outros aproximaccedilatildeo e distacircncia As artes fazem o mesmo uma arte intensifica uma sens ibilidade ou uma sensorial idade levando-a a um extremo em que precisamente ela toca as outras (e talvez toque a si mesma ao mesmo tempo na muacutesica o som toca a si mesmo se relaciona com e le proacuteprio por exemplo ressoa e esse eacute um paradigma para todas as artes) Assim as artes tocam umas as outras (entram em contato e se afastam mas sempre se atingem se esfregam mutuamente ressoam umas nas outras) E todas as artes tecircm a ver com um toqu e emocional afetivo ou passional e las satildeo o toque singu lar de um pensamento

CP Se (ar esse o coso esso maneiro de direcionor o praacutetico do toque estario ligado agrave proacuteprio materialidade do corpo que elo reclamo no contexto de um mundo que eacute cada vez mais invadido pelo teacutecnica e cada vez mais disposto o deixar o corpo poro traacutes ou desconsideraacute-lo Essa desconsideraccedilatildeo do corpo suo sublimaccedilatildeo por exemplo no esporte nos psicotroacutepricos e outros dispositivos do vido otual notildeo sinalizo um mal-estar no civilizaccedilotildeo Natildeo hoveria uma certa urgecircncia ateacute mesmo num sentido poliacutetico em ocupar-se do corpo e do vida de outro maneiro que notildeo o vigente As praacuteticas artiacutesticas dos uacuteltimos anos tatildeo orientados poro o corpo seriam um sinal disso Poderiacuteamos o esta altura introduzir suo distinccedilatildeo entre uma teacutecnIco sem (Im e o orte - que eacute sempre uma orte do (Im cli(endo ou disperso e poro citaacute-lo de algo diferente do (Im o in(lnito desde o iniacutecio presente com suo inquietude e seu elotilde com suo violecircncia e seu tumuto- e tentar conceber o arte como um modo de pensar o teacutecnica que nos permItisse sair do vazio em que o teacutecnico-teacutecnico o teacutecnica por si mesmo nos deixo imersos Uma maneira de gerar sentido com o teacutecnico pelo arte (ora dos mitos talvez

JLN Sem duacutevida A arte se rea liza na obra passa por ela (ateacute mesmo quando a obra se desfaz a obra mais minimal ainda eacute uma obra e o desfazer-se lhe eacute essecircncial) Mas acho sobretudo que o que eacute proacutep rio da arte eacute que ela natildeo termina com sua finalizaccedilatildeo Pelo contraacuterio o que a arte expotildee que brota co m sua obra com seu funci o namento eacute um fim infinito ou uma ausecircncia de fim A arte se liberta por priacutenci pio baacutesico da submissatildeo a um fim Eacute claro que devo empregar meios para pintar um suporte as cores e devo visar a um quadro (digamos assim para simp lificar) Mas o quadro natildeo visa a nada exceto seu proacuteprio ser-quadro isto eacute seu serestar exposto (publicado como disse antes) e por ele nele e enquanto e le ele visa a uma re laccedilatildeo com a ausecircncia de fim com uma ausecircn cia de fim que nem a religiatildeo nem a filosofia nem a eacutetica nem a poliacutetica satildeo capazes de sustentar ou de representar

Nesse sentido a arte natildeo deixa de ser a proacutepria teacutecnica (techneacute - ars - artes liberais mecacircnicasbelas-art es etc natildeo entrarei nessa histoacuteria toda que eacute bem conhecida) A arte eacute a teacutecnica desvenci lhada de toda aparecircncia de um fim fora dela mesma Mas essa t eacutecnica sem fim eacute tambeacutem a proacute pria teacutecnica num aspecto essencial a teacutecnica eacute aquilo que natildeo tendo uma natureza nem uma sobrenatureza preestabelecida de qualquer ordem abre para si indefinitivamente um acesso ao sem fim Pocircde -se crer que a teacutecnica tivesse metas comercia li zar dom inar medir curar e mais que sei eu) Mas cada uma dessas metas eacute ela proacutepria sem meta ou sem fim A teacutecnica eacute a desnaturaccedilatildeo infinita e eacute nela e por ela que noacutes somos ou nos tornamos homens (o que eacute tambeacute m sem fim) e que o mundo se torna um mundo (tambeacutem sem fim) Sem fim pode tambeacutem significar acabando em seu proacuteprio aniq uilame nto

A arte de certa forma conteacutem a tecnicidade pura Tatildeo logo haja uma ferramenta haacute tambeacutem arte Com a pedra lascada vem uma marca gravada na rocha a marca expotildee a essecircncia da ferramenta E a marca aliaacutes precisa da ferramenta Natildeo haacute arte sem artesanato sem oficina sem a invenccedilatildeo de meios para fins natildeo dados para fins natildeo finais

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CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 5: Jean Luc Nancy

mesmo o corpo natildeo eacute o exterior de um interior que permanece autocircnomo separado (alma ou espiacuterito) e cujas re laccedilotildees com o exterior entatildeo seriam de difiacutecil compreensatildeo ao contraacuterio o corpo eacute o fato de que o suje ito estaacute em exterioridade consigo que sua mesmice acontece precisamente nesse fora-de-si

Mediante esse duplo motivo que forma um a conexatildeo uacutenica - ser-muitos-fora-de-si-mesmo - o corpo corresponde a um mundo no qual o sentido natildeo pode Jamais ser remetido a uma interioridade situada fora do mundo (em um ceacute u ou em um espiacuterito eacute a mesma coisa) O sentido estaacute no entanto na circulaccedilatildeo no afastamento e na aproximaccedilatildeo dos corpos ou o afastamento e aproximaccedilatildeo que satildeo os corpos Por isso eacute que o corpo interveacutem mais visivelmente na arte de hoje a ponto de tornar-se o proacuteprio lugar do trabalho na body art (o u a ponto de dar novo destaque agrave danccedila e agraves vaacuterias formas de performance) Entretanto penso que o corpo sempre esteve presente na arte e que haacute um certo tipo de paradoxo em se falar crescente presenccedila toda pintura toda muacutesica toda danccedila sempre foram do corpo (tomemos um uacutenico exemplo por que a import acircncia do nu na pi ntura) e gostaria de formular a razatildeo disto revertendo a pro posiccedilatildeo o corpo eacute sobret udo e de todo modo arte O corpo eacute a-arte-e-a-maneira como se diz de uma ex-po siccedilatildeo que eacute a cada vez singu lar O corpo eacute desde o comeccedilo danccedilar soar figurar eu d iri a ateacute traccedilar e desenhar O corpo eacute um traccedilado uma marca - uma centelha um eco um ritmo - do ser singu lar-plural que somos noacutes

Em certo sent ido quando a arte lida com o corpo ela lida consigo mesma consigo mesma e ass im com o serestar-com

CP Concordo que o impressionante no arte contemporoacutenea eacute o foto de o corpo ocupar-se de si mesmo mais do que o corpo como temo Eacute algo que o performance colocou enfaticamente em evidecircncia e que tem sido retomado em fotografia e em viacutedeo Isso no minha opiniatildeo seria o diferenccedila entre o que se foz agora e o relaccedilatildeo do corpo com a histoacuteria da arte que eacute essencialmente uma histoacuteria da representaccedilatildeo do corpo Essa transformaccedilatildeo do corpo em um instrumento (para gerar pensamento) eacute significativo paro vocecirc

JLN Natildeo natildeo eu natildeo diria corpo-instrumento Diria o oposto o in strum ento como corpo O pincel a cacircmera o trompete como corpo l1 as o que signi fi ca corpo lioacutes natildeo reso lve mos isso Corpo significa espaccedilamento salto intervalo proximidadeafastamento Corpo significa uma danccedila que tambeacutem eacute a danccedila de todas as artes Corpo eacute um pensamento sobre o afastamento o intervalo por meio do qual tocamos ou me lhor eacute o pensamento como intervalo que toca

CP Sua visatildeo de comunidade eacute muito ligado agrave noccedilatildeo de toque O livro que jacques Derrida escreveu recentemente sobre seu trabalho eacute muito expliacutecito sobre essa questatildeo Vocecirc acredita que a arte hoje participa dessa sua visatildeo de comunidade notildeo mais uma comunidade cUJo significado derivaria de uma grande narrativa mos uma comunidade do sentido que faz sentido uma comunidade portanto de ligaccedilotildees e toques elaborada de maneira mais pragmaacutetica do que dogmaacutetica

Essa abordagem significa que uma arte orientada para o visotildeo eacute chamada o se diversificar a lidar mais com todos os sentidos ou a trabalhar mais a partir de todos os sentidos - e eacute o que jaacute se estaacute produzindo acho com a instolaccedilotildeo e o performance por exemplo - ou para vocecirc o toque deve ser privilegiado

JLN Agruparei tambeacutem essas duas perguntas Acho que jaacute falei sobre toque Insistirei apenas no seguinte o toque imp lica tanto o afastamento quanto a proximidade O toque eacute acesso ao que permanece inacessiacutevel ou melhor inincorporaacutevel inassimilaacutevel O toque eacute respeit o (t ato diz Derrida) agrave exterioridade e agrave alteridade Mas natildeo pode ser um a questatildeo de privilegiar o toque porque o toque natildeo eacute tanto um sentido ao lado dos outros mas o

TRADUCcedilAtildeO JEAN-LUC igtJANCY CHANTAL PONT8RIAND 149

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ae RE V I S TA DO PROGR AM A DE P6 SmiddotGR ADUACcedilAO E M ARTES V I SUA I S EBA bull UFRJmiddot 200

proacuteprio sensiacutevel atraveacutes do afastamento dos sentidos Todos os sentidos tocam de um jeito ou de outro e cada sentido toca os outros aproximaccedilatildeo e distacircncia As artes fazem o mesmo uma arte intensifica uma sens ibilidade ou uma sensorial idade levando-a a um extremo em que precisamente ela toca as outras (e talvez toque a si mesma ao mesmo tempo na muacutesica o som toca a si mesmo se relaciona com e le proacuteprio por exemplo ressoa e esse eacute um paradigma para todas as artes) Assim as artes tocam umas as outras (entram em contato e se afastam mas sempre se atingem se esfregam mutuamente ressoam umas nas outras) E todas as artes tecircm a ver com um toqu e emocional afetivo ou passional e las satildeo o toque singu lar de um pensamento

CP Se (ar esse o coso esso maneiro de direcionor o praacutetico do toque estario ligado agrave proacuteprio materialidade do corpo que elo reclamo no contexto de um mundo que eacute cada vez mais invadido pelo teacutecnica e cada vez mais disposto o deixar o corpo poro traacutes ou desconsideraacute-lo Essa desconsideraccedilatildeo do corpo suo sublimaccedilatildeo por exemplo no esporte nos psicotroacutepricos e outros dispositivos do vido otual notildeo sinalizo um mal-estar no civilizaccedilotildeo Natildeo hoveria uma certa urgecircncia ateacute mesmo num sentido poliacutetico em ocupar-se do corpo e do vida de outro maneiro que notildeo o vigente As praacuteticas artiacutesticas dos uacuteltimos anos tatildeo orientados poro o corpo seriam um sinal disso Poderiacuteamos o esta altura introduzir suo distinccedilatildeo entre uma teacutecnIco sem (Im e o orte - que eacute sempre uma orte do (Im cli(endo ou disperso e poro citaacute-lo de algo diferente do (Im o in(lnito desde o iniacutecio presente com suo inquietude e seu elotilde com suo violecircncia e seu tumuto- e tentar conceber o arte como um modo de pensar o teacutecnica que nos permItisse sair do vazio em que o teacutecnico-teacutecnico o teacutecnica por si mesmo nos deixo imersos Uma maneira de gerar sentido com o teacutecnico pelo arte (ora dos mitos talvez

JLN Sem duacutevida A arte se rea liza na obra passa por ela (ateacute mesmo quando a obra se desfaz a obra mais minimal ainda eacute uma obra e o desfazer-se lhe eacute essecircncial) Mas acho sobretudo que o que eacute proacutep rio da arte eacute que ela natildeo termina com sua finalizaccedilatildeo Pelo contraacuterio o que a arte expotildee que brota co m sua obra com seu funci o namento eacute um fim infinito ou uma ausecircncia de fim A arte se liberta por priacutenci pio baacutesico da submissatildeo a um fim Eacute claro que devo empregar meios para pintar um suporte as cores e devo visar a um quadro (digamos assim para simp lificar) Mas o quadro natildeo visa a nada exceto seu proacuteprio ser-quadro isto eacute seu serestar exposto (publicado como disse antes) e por ele nele e enquanto e le ele visa a uma re laccedilatildeo com a ausecircncia de fim com uma ausecircn cia de fim que nem a religiatildeo nem a filosofia nem a eacutetica nem a poliacutetica satildeo capazes de sustentar ou de representar

Nesse sentido a arte natildeo deixa de ser a proacutepria teacutecnica (techneacute - ars - artes liberais mecacircnicasbelas-art es etc natildeo entrarei nessa histoacuteria toda que eacute bem conhecida) A arte eacute a teacutecnica desvenci lhada de toda aparecircncia de um fim fora dela mesma Mas essa t eacutecnica sem fim eacute tambeacutem a proacute pria teacutecnica num aspecto essencial a teacutecnica eacute aquilo que natildeo tendo uma natureza nem uma sobrenatureza preestabelecida de qualquer ordem abre para si indefinitivamente um acesso ao sem fim Pocircde -se crer que a teacutecnica tivesse metas comercia li zar dom inar medir curar e mais que sei eu) Mas cada uma dessas metas eacute ela proacutepria sem meta ou sem fim A teacutecnica eacute a desnaturaccedilatildeo infinita e eacute nela e por ela que noacutes somos ou nos tornamos homens (o que eacute tambeacute m sem fim) e que o mundo se torna um mundo (tambeacutem sem fim) Sem fim pode tambeacutem significar acabando em seu proacuteprio aniq uilame nto

A arte de certa forma conteacutem a tecnicidade pura Tatildeo logo haja uma ferramenta haacute tambeacutem arte Com a pedra lascada vem uma marca gravada na rocha a marca expotildee a essecircncia da ferramenta E a marca aliaacutes precisa da ferramenta Natildeo haacute arte sem artesanato sem oficina sem a invenccedilatildeo de meios para fins natildeo dados para fins natildeo finais

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CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 6: Jean Luc Nancy

ae RE V I S TA DO PROGR AM A DE P6 SmiddotGR ADUACcedilAO E M ARTES V I SUA I S EBA bull UFRJmiddot 200

proacuteprio sensiacutevel atraveacutes do afastamento dos sentidos Todos os sentidos tocam de um jeito ou de outro e cada sentido toca os outros aproximaccedilatildeo e distacircncia As artes fazem o mesmo uma arte intensifica uma sens ibilidade ou uma sensorial idade levando-a a um extremo em que precisamente ela toca as outras (e talvez toque a si mesma ao mesmo tempo na muacutesica o som toca a si mesmo se relaciona com e le proacuteprio por exemplo ressoa e esse eacute um paradigma para todas as artes) Assim as artes tocam umas as outras (entram em contato e se afastam mas sempre se atingem se esfregam mutuamente ressoam umas nas outras) E todas as artes tecircm a ver com um toqu e emocional afetivo ou passional e las satildeo o toque singu lar de um pensamento

CP Se (ar esse o coso esso maneiro de direcionor o praacutetico do toque estario ligado agrave proacuteprio materialidade do corpo que elo reclamo no contexto de um mundo que eacute cada vez mais invadido pelo teacutecnica e cada vez mais disposto o deixar o corpo poro traacutes ou desconsideraacute-lo Essa desconsideraccedilatildeo do corpo suo sublimaccedilatildeo por exemplo no esporte nos psicotroacutepricos e outros dispositivos do vido otual notildeo sinalizo um mal-estar no civilizaccedilotildeo Natildeo hoveria uma certa urgecircncia ateacute mesmo num sentido poliacutetico em ocupar-se do corpo e do vida de outro maneiro que notildeo o vigente As praacuteticas artiacutesticas dos uacuteltimos anos tatildeo orientados poro o corpo seriam um sinal disso Poderiacuteamos o esta altura introduzir suo distinccedilatildeo entre uma teacutecnIco sem (Im e o orte - que eacute sempre uma orte do (Im cli(endo ou disperso e poro citaacute-lo de algo diferente do (Im o in(lnito desde o iniacutecio presente com suo inquietude e seu elotilde com suo violecircncia e seu tumuto- e tentar conceber o arte como um modo de pensar o teacutecnica que nos permItisse sair do vazio em que o teacutecnico-teacutecnico o teacutecnica por si mesmo nos deixo imersos Uma maneira de gerar sentido com o teacutecnico pelo arte (ora dos mitos talvez

JLN Sem duacutevida A arte se rea liza na obra passa por ela (ateacute mesmo quando a obra se desfaz a obra mais minimal ainda eacute uma obra e o desfazer-se lhe eacute essecircncial) Mas acho sobretudo que o que eacute proacutep rio da arte eacute que ela natildeo termina com sua finalizaccedilatildeo Pelo contraacuterio o que a arte expotildee que brota co m sua obra com seu funci o namento eacute um fim infinito ou uma ausecircncia de fim A arte se liberta por priacutenci pio baacutesico da submissatildeo a um fim Eacute claro que devo empregar meios para pintar um suporte as cores e devo visar a um quadro (digamos assim para simp lificar) Mas o quadro natildeo visa a nada exceto seu proacuteprio ser-quadro isto eacute seu serestar exposto (publicado como disse antes) e por ele nele e enquanto e le ele visa a uma re laccedilatildeo com a ausecircncia de fim com uma ausecircn cia de fim que nem a religiatildeo nem a filosofia nem a eacutetica nem a poliacutetica satildeo capazes de sustentar ou de representar

Nesse sentido a arte natildeo deixa de ser a proacutepria teacutecnica (techneacute - ars - artes liberais mecacircnicasbelas-art es etc natildeo entrarei nessa histoacuteria toda que eacute bem conhecida) A arte eacute a teacutecnica desvenci lhada de toda aparecircncia de um fim fora dela mesma Mas essa t eacutecnica sem fim eacute tambeacutem a proacute pria teacutecnica num aspecto essencial a teacutecnica eacute aquilo que natildeo tendo uma natureza nem uma sobrenatureza preestabelecida de qualquer ordem abre para si indefinitivamente um acesso ao sem fim Pocircde -se crer que a teacutecnica tivesse metas comercia li zar dom inar medir curar e mais que sei eu) Mas cada uma dessas metas eacute ela proacutepria sem meta ou sem fim A teacutecnica eacute a desnaturaccedilatildeo infinita e eacute nela e por ela que noacutes somos ou nos tornamos homens (o que eacute tambeacute m sem fim) e que o mundo se torna um mundo (tambeacutem sem fim) Sem fim pode tambeacutem significar acabando em seu proacuteprio aniq uilame nto

A arte de certa forma conteacutem a tecnicidade pura Tatildeo logo haja uma ferramenta haacute tambeacutem arte Com a pedra lascada vem uma marca gravada na rocha a marca expotildee a essecircncia da ferramenta E a marca aliaacutes precisa da ferramenta Natildeo haacute arte sem artesanato sem oficina sem a invenccedilatildeo de meios para fins natildeo dados para fins natildeo finais

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CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 7: Jean Luc Nancy

CP Seraacute que o que chamamos de novas tecnologias criam uma diferenccedila para o devtr da arte no sentIdo de que elas natildeo satildeo mais manuais mas coda vez mais virtuais Walter Benjamin por exemplo considerava que a reproduccedilatildeo mecocircnica (fotogra fia filme) engendraria importantes mudanccedilas em nosso modo de conceber arte (e o mundo)

JLN Natildeo sei ao certo o que significa virtual Usa-se essa palavra como um fetiche para designar uma irrealidade Mas a imagem virtual soacute eacute chamada assim porque seu suporte parece impalpaacutevel Na verdade a tela do monitor eacute tambeacutem subjetiacutevel [subjectile] como a tela de pintura o papel ou o gesso Ela tambeacutem eacute real Naturalme nte a siacutentese digital da imagem engendra pr-oced imentos e posturas diferentes Mas o que me parece interessante eacute pensar sobre o seguinte a questatildeo natildeo eacute a reprodutibilidade e transmissibilidade da obra de arte mas muito mais uma questatildeo de reproduccedilatildeo e transmissatildeo como trabalho de arte Eis na minha opiniatildeo uma verdadeira questatildeo A arte torn a-se tambeacutem teacutecnica de multiplicar de multiplicar-se e difundir-se isto eacute de se re lacionar consigo mesma como e por um a d istacircncia uma diferen ccedila um retorno de si para si em que o si mesmo se afasta e se reuacutene em si mesmo Eacute por isso que me parece muitas das obras atuais trazem o t ema de sua proacutepria reproduccedilatildeo em sua estrutura e no processo de sua feitura desdobramento eco retorno rejei ccedilatildeo retomada E por isso haacute sempre uma maneira de se tocarem ao se afasta rem de si

CP Nesse sentido poder-se-ia imaginar um tipo de esteacutetico do pele que poderio tomar voacuterias formos se inco rporar de diversos maneiras e entatildeo libertar-nos mais efetivamente dos coacutedigos e gecircneros herdados do histoacuteria do arte ocidental Coacutedigos e gecircneros incrustados em categorias e disciplinas distintos (muacutesico danccedilo artes visuais ateacute culinaacuterio ) freq uumlentemente de acordo com seu uso do corpo um uso repartido de maneiro que cada disciplina habitualmente se refere a um uacutenico sentido a um uacutenico oacutergatildeo

JLN Sim a pele como ex-peausition2 (como um dia me permiti escrever) Realmente acredito nisso Acho que hoje toda ar-te volta-se para a pele propriamente a pintura tem feito isso desde como dizer) desde Ceacutezanne mas assim que digo isso penso que desde Giotto isso eacute verdade desde Lascaux Acho que a pintura faz pele e pinta sobre a pele (quero dizer com isso que a superfiacuteci e pintada se torna pele pele de pintura l Perdoe-me esse outro jogo de palavras mas eacute inevitaacutevel) Em muacutesica eacute o timbre Na danccedila eacute a proacutepria pele sem malhas nem tutu No cinema o u no viacutedeo eacute a tela (a cada vez uma mudanccedila de pele [perlage] diferente uma reflexatildeo singular um gratildeo um tato) - Quanto ao fato de a arte se remeter a um sentido eacute evidentemente muito mais complicado para comeccedilar que sentido A muacutesi ca cria imagens tatos a pintura murmura sons E uma arte natildeo corresponde a um sentido e la intensifica exacerba uma regiatildeo uma partilha sensiacutevel Desse modo traz o sentido a seu limite quando a cor grita por exemplo Enfim cada arte toca constantemente as outras toca e retrai-se Por isso uma fusatildeo das artes eacute sempre um a confusatildeo perdem-se a intens idade e a tensa problemaacutetica do contato entre zonas Daiacute os problemas da oacutepe ra de Wagner e frequumlentemente do happening ou da performance Mas natildeo condeno nenhum gecircnero De jeito nenh umli O importante eacute saber o que se quer um ideal fusional ou um co ntato corporal de intensidades (E isso tambeacutem eacute vaacute lido e interessante para as relaccedilotildees entre as artes ocidentais e as demais)

CP Vocecirc poderia elaborar suo concepccedilatildeo de comunidade em relaccedilatildeo a sua familiaridade com as praacuteticos artiacutesticas atuais como cinema ou danccedilo por exemplo (Estou pensando no cineasta Abbas Kiarostami ou no coreoacutegrafo Mathilde vi onnier que particularmente o interessam)

JLN O que estaacute me pedindo eacute mu ito difTcil a uacutenica resposta verdadeira estaacute no trabalho em curso neste momento desses do is artistas (ou recentemente de outros Franccediloi s Martin com quem fiZ Le Soleil se couche moi aussi [CEAAC Estrasburgo 1999] o u Susanna Fritscher com quem fiz Mmm mmmm [Au Figureacute Paris 2000]) Em todos eles (mas com tamanhas dife renccedilas Isso eacute o que importai ) descubro um modo de ser sendoestando-com - diri a isso

TR ADUCcedil Atilde O JEANmiddotLUC NANCY I CHA NTAL PONTBRIAND 151

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

~-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

152

JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 8: Jean Luc Nancy

ae R E V 1ST A DO P R o G R A rv A D E POacuteS - G R A D U A ccedil A o E M A R T E S V I 5 U A I S E B A bull U F R J 2 o o 1

em vez da pesada palavra comunidade - por meio de um gesto de (se) atirar para frente (se) lanccedilar A tela de projeccedilatildeo (para Kiarostami) ou o corpo (para Mathilde Monnier) tornam-se algo inteiramente diferente de um espaccedilo ou um suporte de representaccedilatildeo eacute o acesso o o entrado para e o interior de um exterior para onde se emigro

CP Vocecirc natildeo se opotildee agrave grande mediatizaccedilatildeo do vida contemporeacuteJnea que vocecirc conecto o suo concepccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e agrave comunidade (entendido fora de qualquer finalidade) Poderio repassar os ligaccedilotildees que vocecirc considero entre esses conceitos

JLN Natildeo me oponho como vocecirc disse na medida em que o que teria que ser chamado de posiccedilatildeo de oposiccedilatildeo mostra hoje seus limites estaacute completamente desgastado E por quecirc) Porque pressupotildee sempre um fundamento de autenticidade de verdade de originalidade e de originaridade [originariteacute] pe lo qual todo o resto seraacute medido (simulacro espetaacuteculo etc) Mas natildeo digo de jeito nenhum que mediatizaccedilatildeo eacute comunicaccedilatildeol Ao contraacuterio se a comunicaccedilatildeo realmente comunica alguma coisa satildeo intensidades forccedilas afetos - dificilmente conceitos Um afeto natildeo eacute comunicado como uma quantidade de informaccedilatildeo mas como uma quantidade de energia (Na realidade a questatildeo mais profunda seria existe informaccedilatildeo sem energia E por aiacute teriacuteamos que atentar para o conceito filosoacutefico de energeia forccedila e operatividade atualizaccedilatildeo da forccedila) Mas a comunicaccedilatildeo de uma energia supotildee interrupccedilatildeo como num impacto em que haacute a transmissatildeo de energia (aprende-se isso nas leis do impacto) Na medida em que a mediatizaccedilatildeo eacute suave lisa contiacutenua evitando qualquer impacto ou choque ela nada comunica O que estaacute por ser comunicado eacute sempre de certa maneira o incomunicaacutevel e para isso tem de haver interrupccedilatildeo na (ou melhor da) comunicaccedilatildeo Da mesma forma o que a comunidade manteacutem em comum - a morte

CP Vocecirc veria no arte contemporeacuteJnea - que lido constantemente com o mediatizaccedilatildeo o que parece mesmo ter-se tornado suo principal questatildeo tonto no formo quanto no propoacutesito - um modo ou tolvez vaacuterios modos de abordar questotildees do comunidade e do corpo que lhe interessam

JLN Natildeo acho que a arte contemporacircnea esteja dominada pela obsessatildeo com a mediatizaccedilatildeo estaacute mais preocupada com a questatildeo do meio em geral E essa q uestatildeo certamente tem a ver com a ideacuteia de mediatizaccedilatildeo mas num niacutevel ainda insuspeitaacutevel O que quero dizer eacute que ateacute o final do seacuteculo 19 o medium era ignorado subordinado (pelo menos na aparecircncia porque um artista sempre soube que seu problema era um tipo de tela uma qualidade de pigmento uma fatura de tubo) A frase de McLuhan - o meio eacute a mensagem - natildeo eacute em certo sentido novidade alguma para arte a mensagem da arte eacute sempre seu meio uma pincelada e um matiz e uma espessura de pintura Na verdade a arte ignora qualquer meio eacute sempre uma i-mediaccedilatildeo [im-meacutediation] do meio I-mediaccedilatildeo natildeo eacute imediaticidade eacute negaccedilatildeo da mediaccedilatildeo no acircmago de seu proacuteprio exerciacutecio

CP Vocecirc escreveu sobre o paralelismo entre filosofia e comunidade Pode-se pensar o arte desse mesmo modo como um pensamento mais pragmaacutetico mais relacionante [reliantj3 do que antes

JLN Por que mais do que antes A arte sempre foi e natildeo pode jamais deixar de ser relacionante Ela natildeo tem absolutamente mais nada a fazer Talvez todo o resto tenha algo mais a fazer Mas a arte apenas relaciona Coloco a Septuor de Beethoven para vocecirc escutar o que exatamente estou fazendo) Provoco uma passagem ou uma partilha se preferir entre vocecirc e eu entre noacutes e os muacutesicos e um compositor e os engenheiros de som e os produtores de discos etc Mas a Septuor natildeo foi escrita para nada aleacutem disso mesmo que natildeo traga marcas desse fato

CP Poderio uma abordagem mais performaacutetico do que performante inscrito no mesclo com o real aproximar mais o arte do ideacuteio de comunidade por privilegiar elementos do real em detrimento de um ideal de beleza

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JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3

Page 9: Jean Luc Nancy

JLN A questatildeo principal se ria saber se beleza designa uma ideal idade situada aleacutem do comum ou se eacute uma realidade em funcionamento no comum Na verdade beleza natildeo eacute nem um nem outro Eacute um movimento - e sempre um movimento pelo qual eacute possiacutevel serestar com N atildeo haacute com sem beleza Nem o inverso A menos que seja mais justo dizer sublime o que abriria uma outra discussatildeo

CP Finalmente como ligar o comunidade inoperante que vocecirc descreve em seu livro

com esse mesmo nome3 00 conceito de obra tal como eacute entendido em arte Seroacute que poderiacuteamos eventualmente chegar o pensar o arte fora do noccedilotildeo de obro assim como vocecirc penso o comunidade de outro Jeito e notildeo enquanto obra

JLN Em arte a obra nunca eacute o produto Frequumlentemente os dois satildeo confundidos O prod uto eacute feito eacute finalizad o responde a uma expectativa eou a normas (e certamente prec isamos de produtosl Natildeo me opon ho a eles de maneira alguma diria ateacute que gosto de produtos que me revelem finalidades que ignol-ava) Mas a obra eacute sempre intr insicamente o que os ingleses chamam de um work in progress Digamos there is no work without progress - e the progress is the work - e the progress goes into the work itself os wel os out the work 4

A inoperacircncia natildeo eacute o negat ivo da obra eacute o que na obra ou sendo mais preciso no operar excede a cada momento e infinitamente o produto a satisfaccedilatildeo a realizaccedilatildeo Por que a obra de arte sempre oferece um traccedilo de algo natildeo completo de irrealizaccedilatildeo de suspense de indecisatildeo) Por quecirc A questatildeo natildeo eacute boa porque exatamente ela natildeo tem um fim num produto Decirc mais uma olhada e mais uma e mais uma na infeliz lv1onalisa por que ela eacute infel iz) Porque carrega a cruz da imagem da Arte com A maiuacutesculo E por que esse destino) Natildeo seraacute porque esse eacute um quadro in comp leto inacabado por excelecircncia A ponto de ser o quadro do incomplet o da indecisatildeo (o fundo aliaacutes contrasta um viadut o ret o e projetado agrave direita e um caminho tortu oso e iacutengreme agrave esquerda) Isso para natildeo falar no son-iso e no sexo no que faz aqu i sorrir o sexo rir-se de si mesmo e ser apenas sorrir

Jean-Luc Naney e fdocircso fo e prOfessor da Umversldadc de Estrasburgo nd rr-dnccedila Seus livros Incluem le porwge des voix 1982 Lo comnwn otl teacute descfuvrecirce r986 Lotbli de la phlrC)sofi~ 1 986~ Une pfr1seacutee fre 990 Le pOlds deme pensee 199 1 Corpus 1992 Les muses 1994 Uacute re srnulI pwl e 1996 Leuro (egord c1v pOfUOIl 2000 e Lmt(J~ 2000 Rec entemente Jacques Dernda escreveu um a mon ozra fijJ sobre seu trabalho intitulada l e TOucher Jean -Lue Ncm~) ~cdl tions Gahleacutee) em Gle comenta seu conce ito de toque sua marca regstrada e ilfirma na apresentaccedilatildeo N unca senti a u i ponto 1 enigmaacutetICa e desconfortaacutevel necessidade do idlomuuml como em expressotildees do tipo tocar ao coraccedilAo tocar ti c raccedilatildeo lallto por seus valores liacutelerag quanto ligurativos agraves vezes um agraves vezes outro sem que haja QUJI uer posslbllrdade de ~cfsatildeo

Traduccedilatildeo Glse le Ribe iro e Gloacuter ia Ferreira

Notas da traduccedilatildeo

I Os verbos ser e estar em francecircs assim como em ingies e outras liacutenguas se unem em um uacutenico verbo ecircrre As expressotildees ecirc~re-ovec e ecircere-soi usadas por Nilncy fi c--=1fn ass- dif(ceis de ser traduzidas por permitir- tanto um estado perman ente como no sentido de ser quanto um estado provisoacuterio como no sentido de estar Gri fo da tladuccedilatildeo

logo com as palavras pele e exposiccedilatildeo No originai em francecircs Oui lo peau en [ont quex-peousition

J La communauteacute desoeuvreacutee 1986 Ediccedilatildeo em Inglecircs Th e Inopera tiVe Communlty 1991

Todas as frases em inglecircs fazem parte do texto origina i

T RA O UCcedilAtildeO J EANmiddot LU C N A NCY I CHANTAL PONTBR I AND 15 3