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8/18/2019 Bianchi - Gramsci Alem de Maquiavel http://slidepdf.com/reader/full/bianchi-gramsci-alem-de-maquiavel 1/22  Utopía y Praxis Latinoamericana ISSN: 1315-5216 [email protected] Universidad del Zulia Venezuela Bianchi, Alvaro Gramsci além de Maquiavel e Croce: Estado e sociedade civil nos "Quaderni del carcere" Utopía y Praxis Latinoamericana, vol. 12, núm. 36, enero-marzo, 2007, pp. 35-55 Universidad del Zulia Maracaibo, Venezuela Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27903603  Como citar este artigo  Número completo  Mais artigos  Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Utopía y Praxis Latinoamericana

ISSN: 1315-5216

[email protected]

Universidad del Zulia

Venezuela

Bianchi, Alvaro

Gramsci além de Maquiavel e Croce: Estado e sociedade civil nos "Quaderni del carcere"

Utopía y Praxis Latinoamericana, vol. 12, núm. 36, enero-marzo, 2007, pp. 35-55

Universidad del Zulia

Maracaibo, Venezuela

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27903603

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  ARTÍCULOS 

Utopía y Pra xis Latinoamericana / Año 12. Nº 36 (Enero-Marzo, 2007) Pp. 35 - 55Re vista Internacional deFilosofía Iberoamericana y Teoría Social / ISSN 1315-5216

CESA – FACES – Uni versidad del Zulia. Maracaibo-Vene zuela

Gramsci além de Ma quiavel e Croce: Estado e sociedade

civil nos "Quaderni del carcere"

Gramsci beyond Maquavelo y Croce: State and Civil Society in"Prison Notes"

Álvaro BIANCHI De partamento de Ciência Política da Univer sidade Estadual de Cam pinas (Unicamp),

Centro de Estudos Mar xistas da Unicamp, Brasil 

 RESUMEN 

Este artículo pretende investigar la cons-trucción gramsciana de los conceptos de Estado ysociedad civil en los Quaderni del carcere. Por 

intermedio de una lectura genético-diacrónica,que valoriza el carácter fragmentario de la obra,las fuentes a las cuales recurre su autor y el tiem-

 po de su producción, se bus ca revalorizar el ca-rácter unitario y orgánico del pensamiento deGramsci. Es po sible, de ese modo, encontrar unacom prensión de la sociedade civil y la sociedad

 política (Estado strictu sen su) en la cual esos di-ferentes términos no se encuentran en una rela-ción de antagonismo, como podría afirmarse deuna lectura hegemónica de esa obra, y si en unarelación de unidad-distinción.Palabras-clave: Estado, sociedad civil, Grams-ci, Machiavelli, Croce.

 AB STRACT 

This pa per aims at investigating theGramscian construction of the concepts of Sta teand civil society within the Quaderni del carce-

re. By means of a genetic-diachronic reading,which emphasizes the fragmentary character of this work, the sources to which re sorts its author and the time period of its pro duction, it is soughtthe revaluation of the uni tary and organic cha rac-ter of Gramsci’s thought. Therefore, it is possibleto found an un derstanding of the civil society andthe political society (the State strictu sen su/) inwhich these distinct terms do not have an an tago-nistic relationship, as stated by a hegemonic rea-ding of this work and rat her a re lationship of unity-distinction.Key words: State; civil society, Gramsci, Ma-chiavelli, Croce.

Recibido: 15-10-2006     Aceptado: 11-12-2006

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“Buscar a real identidade na aparente di ferença e contradição, e procurar a sub stancial diver sidade sob a aparente identidade é amais delicada, incom preendida e contudo es sencial virtude do críti-co das idéias e do historiador do de senvolvimento histórico”(Gramsci: Q 24, § 3, p. 2268).

 Não há como negar a existência de uma leitura he gemônica da obra de Gramsci. Nela, o marxista sardoseafirmaria comoum teórico das su perestruturas, umprofeta da so-ciedade civil “organizada” e umdefensor da “conquista de es paços” na democracia. O epi-centro dessa leitura pode ser encontrado em uma apro priação reducionista do conceitogramsciano de Estado em seu sentido “orgânico e mais amplo” para a qual a in terpretaçãodeNor berto Bob bio tornou-separadigmática. Nessaapro priação,aunidadeentreestruturae su perestrutura, sociedade política e sociedade civil, ditadura e hegemonia era cindida euma relação de antagonismo era constituída entre cada um desses termos.

O ob jetivo deste artigo é proceder a uma reconstrução do conceito gramsciano deEstado, com vistasasu perarofalso antagonismoinstituído entreessesconceitoserevalori-zar o caráter unitário e orgânico do pensamento de Gramsci. Tal reconstrução exige umaleitura genético-diacrônica, que valorize o caráter fragmentário da obra do marxista sardo,as fontes às quais ele recorre e o tempo de sua produção.

 ESTADO EN SEU SENTIDO “ORGÂNICO” E MAIS AMPLOO ponto de partida para a análise do conceito de Estado pode ser uma nota, presente

 já no Primo Quaderno, intitulada La conce zione dello Stato secondo la produttività [fun- zione]delle clas si sociale. Nes sa nota, afirmava Gramsci: “Para as classes produtivas (bur-guesiaca pitalistaeproletariado moderno) o Estado nãoé conce bível mais que comoformaconcreta deum determinado mundo econômico,deumdeterminado sistemadeprodução”1

OEstado é a ex pressão, no terreno dassu perestruturas, de umadeterminadaformadeorga-nização social da produção. Assim, a conquista do poder e a afirmação de um novo mundoeconômico e produtivo são indissociáveis e é dessa condição unitária que decorre a própriaunidade da classe que é, ao mesmo tempo, política e economicamente dominante.

Esta definição é, entretanto, apenas um ponto de partida. Perguntas pertinentes nãoencontram nes te marco preliminar, res pos tas satisfatórias. Gramsci está ciente destas difi-culdades. Ainda nesse parágrafo coloca a necessidade de conce ber essa relação entre eco-nomia e política sem descurar as com plexas relações existentes entre desenvolvimentoeconômico e político local (nacional) e internacional. Bem como o processo de racionali-

 Álvaro BIANCHI 36 Gramsci além de Maquiavel e Croce

1 GRAMSCI, A (1977):Quadernidelcarcere.Edizione critica dell’Istituto Gramsci. A cura diValentinoGe-rratana. Tu rim: Giu lio Ei naudi, Q 1, § 150, p. 132. Para fa cilitar a leitura e a comparação en tre diferentesedições, citamosos Quadernidel carcere sempre a partir de sua edição crítica, adotando a seguinte nomen-clatura: Q xx, § yy, p. Zz (onde Q indica a edição crítica, xx o número do caderno, yy o parágrafo e zz a pági-na).Aediçãocríticapermite identificarosparágrafos quesãotextosA,redigidos noscadernos chamados demiscelâneos e rees critos, com ou sem modificações, nos cadernos especiais como textos C; e textos B, de re -dação única, presentes na maioria das vezes nos cadernos miscelâneos.

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zação por meio do qual os intelectuais fazem com que a função histórica do Estado apareçacomo determinação do absoluto.

Asegundaversãodessanota,inscritanointerior do Quaderno 10, revela que Grams-ci considerava necessário aumentar as salvaguardas que im pedissem aconstituição deumaconcepção reducionista do Estado. Essa nova versão denotaumesforço crescentedoautor ao longo dos Quaderni com vistasàde purar o materialismo histórico detodo resíduo eco-nomicista. Esse em penho torna-se cada vez mais evidente à medida que a redação avança

no tem po e que as notas anteriores são retomadas nos cadernos es peciais2

. Na segundaversão do texto que está aqui sendo analisado, o marxista italiano reproduz uma importante passagem da versão original, más acrescenta alguns cuidados:

Se bem que seja certo que para as classes produtivas fundamentais (burguesia ca- pitalistaeproletariado moderno) o Estado nãosejaconce bívelmaisquecomofor-ma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistemade produção, não é dito que a re lação en tre meios e fins seja fa cilmente determina-da e assuma o as pecto de um esquema simples e óbvio a primeira vista3.

As precauções tomadas pelo marxista italiano são plenamente justificadas. Afinal,como ex plicar, por exemplo, o caso de seu pró prio país no século XIX sem tomar esses cui-dadoseevitar umaconcepção instrumentalista?Anecessidadederenovação do Estado ita-liano não foi definida por uma profunda transformação na estrutura social. Se bem que estatransformação estivesse seprocessando, ela ainda não havia gerado forças sociais progres -

sivas vigorosas o suficiente para dirigir amudança social. As forças sociais emergentes re- presentavam, mais do que a força do presente, as possi bilidades do futuro. As mudançasque se processavam no Estado não refletiam uma organização econômica previamenteexistente. A renovação do Estado italiano precedia, assim, a modernização da economia.

Mas para além dessa realidade que se apresentava so bre o terreno nacional italiano,havia uma situação internacional favorável à ex pansão e à vitória dessas forças. E foi acom binação entre as forças progressivasescassas einsuficientes e essa situação internacio -nal o que permitiu a renovação do Estado italiano e determinou os limites sob os quais ela sedeu4. O caso italiano mos tra que as relações en tre Estado ca pitalista e o mundo econômico(relações entre su perestruturaeestrutura)nãopodemserdeterminadas de maneira fácil soba forma de um simples esquema. Para entendê-las é preciso ter em mente que es ses doiscon juntos formam uma totalidade que possui, em seu interior, diversas tem poralidades.Este desencontro dos tem pos das su perestruturas e das estruturas constitui a maior dificul-dade enfrentada pelas teorias instrumentalistas do Estado que, definindo-o como mero re-flexo do mundo econômico,nãoconseguemex plicar astransições aoca pitalismonasquaisa transformação do Estado se anteci pa à plena transformação do mundo econômico5.

Utopía y Praxis Latinoamericana. Año 12, No. 36 (2007), pp. 35 - 55 37  

2 Cf. COSPITO, G (2000): “Struttura e sovrastruttura nei “Quaderni” di Gramsci”, Critica Mar xista (nuovaserie), Roma, nº. 3-4, mag.-ago, p. 101.

3 Q 10/II , § 61, p. 1360.

4 Q 10/II , § 61, p. 1360.

5 Cf. SAES, D (1994): Estado e democracia: en saios teóricos. Campinas, IFCH/Unicamp, 1994, p. 20.

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O desenvolvimento da economia e da política encontra-se intimamente vinculado emarcado por influências, ações e reações recí procas, pelas lutas que protagonizam as clas-sesempresença eas formassu perestruturaisdestas no terrenonacional einternacional.Re-conhecer essesvínculos não im plica em admitir que transformações no mundo econômico provoquem uma reação imediata a modificar as formas su perestruturais, ou vice-versa.Certodescom passo entreasmudançasocorridas nessescon juntosé,atémesmo,previsível,muito em bora exista uma tendência à ade quação de um a ou tro. Esta tendência não é, senão,a busca de uma otimização das condições de produção e re produção das relações sociaiscapitalistas através da unidade econômica e política da classe dominante, unidade que se processa no Estado.

Desta maneira, o “Estado é conce bido como organismo pró prio de um gru po, desti-nado acriar as condições favoráveis à máximaex pansão dopró prio gru po”6. Mas atenção,essa ex pansão para ser eficazmente levada a cabo, não pode apa recer como a realização dosinteresses exclusivos dos gru pos diretamente beneficiados. Ela deve apresentar-se comoumaex pansão universal – ex pressão de todaa sociedade–, através da incor poração à vidaestatal das reivindicações e interesses dos gru pos subalternos, subtraindo-os de sua lógica pró pria e enquadrando-os na ordemvigente. Incor poração essaqueé o resultado contradi-tório de lutas permanentes e da formação de equilíbrios instáveis e de arranjos de força en-tre as classes. Processo li mitado pelas ne cessidades de reprodução da própria ordem e quese restringe, portanto, ao nível das reivindicações econômico-corporativas.

Chegamos ao ponto da ex posição no qual se faz necessário precisar os contornos doEstado. Os elementos gerais foram, em grande medida apresentados e o leitor mais atento e

familiarizado com o tema não terá muitas di ficuldades em prever aonde se quer chegar. OEstado é, aqui, entendido em seu sentido orgânico e mais amplo como o con junto formado pela sociedade política e sociedade civil. É no Quaderno 6, redigido entre novem bro de1930 e janeiro de 1932 e composto em sua maioria de textos B que essa definição é apre-sentada de modo explícito por Gramsci, sob o conceito de “Estado integral”.

A formulação aparece pela primeira vez quando o marxista sardo analisa o processode constituição de uma ordem social após a Revolução Francesa de 1789 na qual a burgue-sia “pode apre sentar-se como ‘Estado’ integral, com todas as forças intelectuais e moraisneces sárias e su ficientes para organizar uma sociedade com pleta perfeita”7. A construçãodo texto gramsciano põem-se em nexo evidente com o prefácio de 1859. Tendo reunido ascondições necessárias e suficientes para a su peração daantiga ordempôdeaburguesia pro-ceder à com pleta reorganização da sociedade. No mesmo sentido, fazendo referência aodesenvolvimento político da Revolução Francesa após 1793, Gramsci referia-se àiniciativa jacobina de

(...) unificar ditatorialmente os elementos constitutivos do Estado em senso org-ânico e mais amplo (Estado pro priamente dito e sociedade civil) em uma buscadesesperada de apertar no punho toda a vida po pular e nacional, mas aparece tam- bém como a primeira raiz do Estado laico moderno, independente da Igre ja, que

 Álvaro BIANCHI 38 Gramsci além de Maquiavel e Croce

6 Q 13, § 17, p. 1584. Na redação original Gramsci refere-se ao conceito de “Estado-governo” (Q 4, §38, p.458).

7 Q 6, § 10, p. 691.

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 procura e encontra em si pró prio, em sua vida complexa, todos os elementos desua personalidade histórica8.

Fica claro que a de finição de Esta do até aqui es boçada procura evitar uma concepçãoqueoreduz aoaparelho coercitivo. A construção doconsenso tam bém encontra lugarnes-se Estado. De modo resumido, mas nem por isso menos significativo, Gramsci apresentasua concepção de maneira já clássica, “Estado= sociedade política + sociedade civil, ouseja, hegemonia encouraçada decoerção”9, ou como dirá mais adiante, no mesmo Quader-no, “Estado (no sentido integral: ditadura + hegemonia)”10. É esta de finição que ChristineBuci-Gluksmann sintetiza com a fórmula de “Estado am pliado”11. Embora forte, essa fór-mula pode gerar, e tem ge rado, simplificações excessivas e algumas confusões, por essarazão são prudentes as observações de Liguori a respeito:

Que sentido pode ter a definição desta categoria de Estado am pliado? Ela meaprece indicar ao mesmo tempo dois fatos: por um lado, acolhe o nexo dialético,de unidade/distinção, do Estado e da sociedade civil sem ‘su primir’ nenhum dosdois termos; por outro indique tam bém, contextualmente, que esta unidade ad-vém, se a ex pressão me é permitida, sob a he gemonia do Estado12.

 No mesmo sentido, Presti pino afirmaqueoesquema rudimentar Estado = coerção esociedadecivil = hegemonia é contrárioàcom plexa análise gramsciana, na qual nãoexisteuma rígida di visão de tarefas entre as duas esferas e, pelo contrário, tem em vista dar conta

das novas tarefas hegemônicas pró prias do Estado13

.Deixarei de lado, por ora, o termo hegemonia, não sem antes enunciar que ele, aqui, éusado como sinônimode con sen so,distinto de coerção, ou de direção de uma classe ou umgrupo social so bre as classes e gru pos aliados, distinta de dominação.Tomemos estesdoistermos chaves: sociedade política e sociedade civil. O conceito de sociedade política estáclaro no texto gramsciano. Trata-se do Estado no sentido restrito, ou seja, o aparelho gover-namental encarregadoda administração direta e do exercício legal da coerção so bre aque-les que não consentem nem ativa nem passivamente, tam bém chamado nos Quaderni de“Estado político” ou“Estado-governo”.Gramscinãoperde,emmomento nenhum,estadi-mensão do Estado, ou seja, não perde de vista sua dimensão coercitiva, muito embora nãoreduza o Estado a essa dimensão. Retenhamos esta idéia para voltarmos a ela posteriormente.

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8 Q 6, § 87, p. 763.

9 Q 6, § 88, pp. 763-764.

10 Q 6, § 155, pp. 810-811.

11 BUCI-GLUCKSMANN, Ch (1980): Gramsci e o Esta do: por uma teoria materialistada filo so fia. Rio deJaneiro: Paz e Terra, pp. 126-148.

12 LIGUORI, G (2004): “Stato-società civile”, In: FROSINI, F e LIGUORI, G. Le parole di Gramsci: per unles sico dei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, p. 208.

13 PRESTIPINO, G (2004): “Dialettica”, In: FROSINI, F e LIGUORI, G. Le parole di Gramsci: per un lessicodei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, pP. 70-71.

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Mais complexa é a definição do conceito de sociedade civil. Seja porque no textogramsciano o conceito tem contornos bastante im precisos; seja, porque não existe apenasumadefiniçãoparaotermo;sejaporque na linguagempolítica contem porâneaotermo“so-ciedade civil” foi incor porado fazendo, muitas vezes, referências ao pró prio Gramsci, em- bora com um sentido diferente; seja por tudo isso, a confusão é grande14.

 A LEITURA DE BOBBIO E SEUS HERDEIROS 

Res ponsável por parte considerável dessa confusão é a influente inter pretação de Nor berto Bob bio15 do conceitode sociedade civil em Gramsci. Identificando uma dicoto-miaentresociedadecivileEstado no pensamento gramsciano, Bob bio afirmouqueGrams-ci afastou-se da acepção marxiana do primeiro termo. Enquanto para Marx o momento dasociedadecivil coincidiria coma base material da sociedade,aestrutura,poroposição àsu- perestrutura, parao marxista italiano, asociedadecivil “não pertenceriaaomomento daes-trutura, mas aqueledasu perestrutura”16 Segundo Bob bio, Gramsci,partilharia, comMarx,entretanto a idéia deque a sociedadecivildeterminariaocon junto dodesenvolvimento his-tórico: “tanto em Marx como em Gramsci a sociedade civil, e não o Estado como em Hegel,re presenta o momento ativo e positivo do desenvolvimento histórico. Mas em Marx essemomento ativo e positivo é estrutural enquanto para Gramsci é su perestrutural”17. Parasustentar sua tese, Bobbio toma como ponto de partida uma nota de Gramsci sobre osintelectuais:

É possível, por enquanto, esta belecer dois grandes ‘planos’ su perestruturais, o

que se pode chamar de ‘sociedade civil’, ou seja, do con junto de organismos vul-garmentechamados ‘privados’ e o da‘sociedadepolítica ou Estado’ e que corres- pondem à função de ‘hegemonia’ que o gru po dominante exerce em toda a socie-dade e a de ‘domínio direto’ ou de mando que se ex pressa no Estado e no governo‘jurídico’18.

Tal é, sem dúvida, a acepç ão mais freqüente que o termo sociedade civil encontranosCadernos do cárcere. Nessa acepção, a sociedade civil , é entendida como o “con junto deorganismos vulgarmente chamados ‘privados’”. So bre esses “organismos” é im portantedestacar seu caráter material, como faz Gramsci no já citado Quaderno 6 , utilizando demodo preciso as ex pressões “aparelho hegemônico deum gru po social”19 e “aparelho ‘pri-

 Álvaro BIANCHI 40 Gramsci além de Maquiavel e Croce

14 Váriossãoosautoresqueidentificaramousovariado emuitasvezesindiscriminado doconceito desocieda-

de civil. Des tacamos a res peito COSTA, S (1997): “Categoria analítica ou passe-partout político-normati-vo: notas bi bliográficas so bre o conceito de sociedade civil”, BIB –  Revista Bra sileira de Informação Bi-blio grá fica em Ciências Sociais, São Paulo, nº. 43, pp. 3-25.

15 BOBBIO, N (1975): “Gramsci e la concezione della società civile”, In: ROSSI, P (1975): Gramsci e la cul -tura contem poranea. Atti del Convegno internazionale distudi grasmcianitenuto aCagliariil 23-27 aprile1967. Roma: Riuniti/Istituto Gramsci, v. 1, pp. 75-100.

16  Idem, p. 85.

17  Idem, p. 86.

18 Q 12, § 1, p. 1518 e BOBBIO, N (1975): Op. cit., p. 85).

19 Q, 6, § 136, p. 800.

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vado’ dehegemonia”20.Amaterialidade dos processos de conformaçãodeumahegemoniaganha, assim, destaque21. A luta de hegemonias não é apenas luta entre “con cepções demundo”, como, por exemplo, aparece no Quaderno 10, ela é também, luta dos aparelhosque funcionam como suportes materiais dessas ideologias organizando-as e difundindo-as.

A lista de tais aparelhos hegemônicos é grande, más conhecida: igre jas, escolas, as-sociações privadas, sindicatos, partidos e im prensa, são alguns deles. A função desses or-ganismos é articular o consenso das grandes massas e a adesão des tas à orien tação so cial

im pressa pelos gru pos dominantes. Essecon junto de organismos, entretanto, não é social-mente indiferenciado. Os cortes classistas eas lutas entre os diferentes gru pos sociais atra-vessam os aparelhos hegemônicos e contrapõem uns a ou tros. Este aler ta se justifica na me-dida em que, no voca bulário político hodierno, um conceito tocquevilliano de “sociedadecivil”tornou-sepre ponderante.Nesteconceito,sociedadecivilpassou asignificarumcon- junto de associações situadas fora da esfera estatal, indiferenciadas e potencialmente pro-gressistas, agentes da transformação social e portadoras de interesses universais nãocontraditórios. Tal concepção é partilhada implicitamente por Bobbio no momento em queafirma uma positividade imanente a essa esfera.

Mas vale alertar a existência da quilo que Simone Cham bers e Je frey Kopstein deno-minaram apro priadamente de “bad ci vil so ciety”:odesenvolvimento de correntesautoritá-rias ou, até mesmo, to talitárias, no in terior da própria sociedade civil e não à sua margem,como foi o caso do nazismo na Re pública de Weimar e do fas cismo na Itália de Gramsci 22.Perce bida não como um todo indiferenciado, mas como um con junto marcado pelos pro-fundos antagonismos classistas, a sociedadecivil perde seu véu ilusório. Não se trata ape-

nas da distri buição desigual de recursos comunicativos que im pediriam o livre acesso auma esfera pú blica, trata-se, tam bém, da defesa de desenhos societários antagônicos. Aoinvés do local da universalização de interesses particularistas ela passa a ser vista como umespaço da luta de classes e da afirmação de projetos an tagônicos23.Aestratégia política deocu pação de es paços na sociedade civil, advogadapor uma leitura reformista, quando nãoliberal de Gramsci, não faz sentido para o autor dos Quaderni. O que se trata é da criação denovos espaços autônomos das classes subalternas e da negação dos espaços políticos dasclasses dominantes.

Além de afirmar a positividade imanente da sociedade civil, Bob bio lhe atri buiu o pa pel de determinação dahistória. Segundo Bob bio, o conceitodesociedadecivilex presso por Gramsci derivaria diretamente de Hegel, e não de Marx, ao contrário do que muitosacreditam. Pois é em Hegel que a sociedade civil com preenderia não apenas o momento dasrelações econômicas, como, tam bém, as formas de organização es pontâneas e voluntáriasqueele identifica nas cor porações, consideradas pelo filósofo alemão “asegunda raiz ética

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20 Q, 6, § 137, p. 801.

21 Cf. LIGUORI, G (2004) : Op. cit ., p. 221.

22 CHAMBERS, S & KOPSTEIN, J (2001): “Bad Ci vil Society”, Political Theory, v. 29, nº. 6, Dec., pp.837-865.

23 Cf. DIAS, EF (1996): “He gemonia: racionalidade que se faz his tória”, In: DIAS, EF et alli (1996): O outroGramsci. São Paulo: Xama, pp. 66-68.

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do Estado, a que está fundada na sociedade civil”24.Afórmula hegeliana aparece de modoquase literal em um esclarecedor texto A inserido por Gramsci no Quaderno 6  e citado,também, por Bobbio:

É preciso distinguir a sociedade civil tal como é entendida por Hegel e no sentidoemque freqüentemente em prega-se nestas notas (ou seja, no sentido de hegemo-niapolítica eculturaldeumgru po socialso bre a sociedadeinteira, comoconteúdoético do Estado) do sentido que lhe dão os católicos, para os quais a sociedade ci-vil é, pelo contrario, a sociedade política ou o Estado em confronto com a socieda-de familiar e a Igreja25.

A proximidade da formula gramsciana daquela de Hegel é, assim, não só evidentecomo assumida por ele pró prio. É de se notar, entretanto, que o conhecimento que Gramsci possuía da obra de He gel nem sempre era consistente26. Assim, era provavelmente a par tir de Croce que o marxista sardo se aproximava de Hegel. Cou be a Bobbio o mérito de colo-car em destaque de maneira en fática esse nexo Gramsci-Hegel. Mas não é pos sível deduzir apartir desse nexo a afirmação que Gramsci, apro priando-se livremente do conceito hege -liano, teria atribuído à sociedade civil (e, portanto, à superestrutura) o lugar ativo a elaatribuído por Marx.

A aproximação de Gramsci a Hegel, por parte do filósofo turinês teria como pro pósi-to marcar o rompimento do sardo com a teoria marxista e sua reconversão a um idealismo.Como um “teórico das su perestruturas” o marxista sardo veria, desse modo, sua teoria re-

duzida à denominada “história ético-política” de Benedetto Croce27

.A r e corrente críticaque Gramsci leva a cabo, prin cipalmente no Quaderno 10, à hi póstase do momentoético-político por parte de Croce desautoriza, entretanto, essa redução.

De modo adequado, Coutinho critica a inter pretação de Bob bio afirmando que se oconceito de sociedade civil de Gramsci não é mesmo de Marx, não haveria razão para atri- buir-lhe a mesma função de determinação emúltima instancia28. E não há, de fato, no textogramsciano, nada quepermitaafirmarqueomarxistasardo tivessereinvertido Hegel,colo-cando-o de novo so bre sua pró pria ca beça e afirmado a superestrutura como determinantedo processo histórico.

O argumento de Bob bio revela-se ainda mais frágil quando analisados os demaissentidos queo conceitodesociedade civil assumeno pensamento gramsciano. Como aler-tou Texier a pró pria passagem citada por Bob bio revela que Gramsci define “freqüente-mente” (“ spes so” , no texto em italiano), más não de modo exclusivo, a sociedade civil

 Álvaro BIANCHI 42 Gramsci além de Maquiavel e Croce

24 HEGEL, GWF (2003): “Linhas fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito natural e ciência do Estadoemcompêndio”. Terceira parte –A Eticidade. Segunda seção – A sociedadecivil. A sociedadecivil: traduç -ão, introdução e notas Marcos Lutz Muller. Clás sicosdaFilo so fia: Cadernos deTradução, Campinas, nº. 6,out., § 255, p. 68.

25 Q 6, § 24 p. 703. Grifos meus.

26 Cf. nota SEMERARO, G (2001): Gramscieasociedade civil: culturaeeducação paraa democracia. 2 ed.Petró polis: Vozes, p. 134 a partir da análise de Q 1, § 152, pp. 134-135.

27 Cf. SEMERARO, G (2001): Op. cit., p. 185.

28 COUTINHO, CN (1999): Gramsci. Um estudo sobre seu pen samento político.RiodeJaneiro: CivilizaçãoBrasileira, p. 122.

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como lugar da “hegemonia política e cultural de um gru po social”29. De fato, esse pa recenão ser o único significado que Gramsci atri bui ao termo sociedade civil. Ve jamos, por exemplo, uma passagem do § 19 do Quaderno 13,intitulada Alcuni aspetti teorici e praticidell’“economismo”.

A formulação do movimento da livre troca baseia-se num erro teórico do qual nãoédifícil identificar a origem prática: a distinção entre sociedadepolítica esocieda -de civil, que de distinção metódica se transforma e é apresentada como distinçãoorgânica. Assim, afirma-se que a atividade econômica é pró pria da sociedade ci-vil e que o Estado não deve intervir em sua regulamentação. Mas, como na reali-dade factual sociedade civil e Estado se identificam, deve-se considerar que tam- bém o li berismo é uma‘regulamentação’ de caráter estatal, introduzida e mantida por caminhos legislativos e coercitivos:éumfatodevontade consciente dos pró- prios fins, e não a ex pressão espontânea, automática, do fato econômico30.

A idéia de que Gramsci teria excluído a economia ca pitalista da sociedade civil, aocontrário de Marx e, até mesmo de Hegel31, idéia sustentada não só por Bob bio, como tam- bém por Cohen e Arato32 não resiste a uma análise detalhada da passagem acima. Nela a so -ciedade civil aparece como o locus da atividade econômica pro priamente dita; o terrenodos interesses materiais imediatos, da pro priedade privada; a sociedade econômica burguesa; ou aquilo que hoje se chamaria o mundo dos negócios.

Estes dois sentidos são utilizados de modos diferentes por Gramsci. No primeiro, a

sociedade civil está associada às formas de exercício e afirmação da su premacia de umaclasse so bre o con junto da sociedade. Faz parte de um programa de pesquisa que visa escla-recer não só os processos de revolução burguesa e de fundação de um novo Estado, como alongevidade e fortaleza das instituições políticas do Ocidente ca pitalista e a possi bilidadede instauração de uma nova ordem social e política. No segundo sentido, freqüentementeapresentado entre as pas, destaca-se a capacidade de iniciativa econômica que o Estado possui no capitalismo contemporâneo.

O nexo en tre essas duas formas de manifestação do con ceito nem sempre se encontraclaro em Gramsci, daí que autores como Badaloni33  e Fran cioni34  possam afirmar queGramsci não tra balharia com um uma trí plice distinção: sociedade econômica, sociedadecivil esociedadepolítica. Nessa pers pectiva, a análise dos três momentos da relação defor-

Utopía y Praxis Latinoamericana. Año 12, No. 36 (2007), pp. 35 - 55 43

29 TEXIER, J (1988) : « Significati di società civile in Gramsci » Critica Mar xista, Roma, a. 26, nº. 5, set. ott., p. 8.

30 Q, 13, § 18, pp. 1589-1590.

31 Vale destacar que para Hegel, a “mediação da carência easatisfaçãodo sin gular pelo seu trabalho e pelo tra- balho e pela satisfação de todos os demais”,odenominado “sistema de carências”, é momento constitutivoda so ciedade civil. Cf. HEGEL, GWF. (2003): Op. cit ., §188, p. 21.

32 COHEN, J & ARATO, A (2000): Sociedadcivil yteoría política.México D.F.,Fondo de CulturaEconómi-ca, p. 174.

33 BADALONI, N (1978): “Li berdade individual e homem coletivo em Gramsci”, In: INSTITUTOGRAMSCI. Política e história em Gramsci. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, pp. 37-47.

34 FRANCIONI, G(1984): L’Officinagramsciana: ipottesi sulla struttura dei“Quaderni delcarcere”. Na polis:Bi blio polis, pp. 191-193.

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entretanto, a inter pretação de Texier, para quem a unidade orgânica apontada por Gramscina citação acima entre sociedade civil e sociedade política vale apenas para a relação entreEstado (sociedade política) e economia (sociedade civil) e não para a relação hegemo-nia-ditadura42.Aunidade existente entre sociedade política e sociedade civil como o locusda atividade econômica, aparece de forma ex plícita em Gramsci na passagem já citada de

 Alcuni as petti teorici e pratici dell’“economismo”. Mas também existe a unidade entre asociedade política e a sociedade civil como o conjunto de organismos privadosresponsáveis pela articulação do consenso.

A incom preensão dessa unidade orgânica entre sociedade civil e sociedade política,tem levado alguns autores a afirmarem que Gramsci teria caracterizado a sociedade civilcomo uma esfera autônomado Estado, sustentada dentre outros por Baker 43 e por Cohen eArato44. Cou tinho partilha essa concepção e chega a afirmar a existência de uma “autono-mia material (e não só funcional) em relação ao Esta do em sen tido estrito”45. A afirmaçãode Coutinho encontra-se assentada em um pressu posto histórico questionável e em umaconcepção teórica equivocada – o esta belecimento de uma relação algé brica entre domi-nação e direção.

Historicamente Coutinho afirma que a autonomia material da sociedade civil é um“traço es pecífico de sua manifestação nas sociedades ca pitalistas mais com plexas”46. Nãodeixa, entretanto,dereconhece aam bigüidade presente nos Quaderni, onde Gramsci pare-ceria oscilar entre uma posição que afirma a presença da sociedade civil em sociedades pré-ca pitalistas e outro, no qual esta seria característica distintiva das sociedades nas quaishaveria níveis elevados de socialização da política e de auto-organização de gru pos so-

ciais”47. Como dito anteriormente, a tese é historicamente questionável e am para-se emuma concepção historiograficamente ultrapassada sobre as sociedades pré-capitalistas e, particularmente sobre o medioevo.

Foge com pletamente dos pro pósitos deste texto discutir a im pro priedade históricadessa tese. Ressalte-se apenas que ela é inconsistente com o texto dos Quaderni no qual asrelações Estado-Igre ja na Idade Média, fornecem im portante recurso analógico para a dis-cussão do Estado contemporâneo e de suas relações com a sociedade civil. Más não se trataapenas de uma analogia histórica como revela a pesquisa gramsciana so bre a “ formaçãodos gru pos intelectuais italianos” e seu lugar na sociedade civil, pre sente já no índice do

 Primo Quaderno, datado de 1929. Pesquisa essa que extrapola em muito o reduzido âmbitodas “sociedades com plexas”, eufemismo com o qual Coutinho quer designar os países deavançado desenvolvimento do ca pitalismo48.

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42 TEXIER, J (1988): Op. cit ., p. 10.43 BAKER, G (1998): “Civil society and democracy: the gap between theory and possibility”.  Politics,Oxford, v. 18, nº. 2, p. 81.

44 COHEN, J & ARATO, A (2000): Op. cit.

45 COUTINHO, CN (1999): Op. cit., p. 129.

46  Ibid ., p. 131.

47  Idem.

48 Uma análise historicamente bem informada so bre o lugar desses intelectuais na Idade Média, próxima aGramsci em muitos sentidos e distante de Coutinho, pode ser encontrada em LE GOFF, J (2003): Osintelec -tuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio.

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Certamente, não sepretendeaquiesta belecer umconceito trans-histórico de socieda -de civil que identifique formas desocialização que se desenvolveram emrealidades muitodiferentes entre si e sob diferentes maneiras. Mas tam bém aqui história e política se identi-ficam.Aquestão princi pal para Coutinho não é deordemhistoriográficaesimpolítica. Seuargumento é construído de modo rigoroso com o pro pósitode esta belecer uma identidadeentre “sociedades com ple xas do ca pitalismo recente” e a afirmação de uma con cepção al-gébrica da re lação en tre con senso e coerção na qual uma variável apresentariacomportamento inversamente proporcional à outra. Segundo Coutinho:

(...) o fato de que um Estado seja mais hegemônico-consensual e menos ‘ditato-rial’, ou vice-versa, de pende da autonomia relativa das esferas su perestruturais,da predominância de uma ou de outra, predominância e autonomia que, por suavez, de pendem não apenas do grau de socialização da política alcançado pela so-ciedade em questão, mas também da correlação de forças en tre as classes sociaisque disputam entre si a su premacia49.

Por mais que Coutinho afirme liturgicamentea unidade entre coerção e consenso, overdadeiro sentido dessa unidadese perdeemsuafórmula algé brica. Poisse uma am pliaç-ão da sociedade civil im plica um esvaziamento das funções coercitivas do Estado isso só pode ocorrer porque uma anula a outra. Nessa concepção algé brica perde-se a dialética daunidade-distinção que caracteriza a formulação gramsciana. O pró prio exercício da hege -monia é entendido por Gramsci como uma com binação entre coerção e consenso, mesmo

nos regimes políticos nos quais imperam as formas democrático-liberais:O exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno clássico do regime parlamentar,caracteriza-se pela com binação da força e do consenso, que se equili bram varia -damente,semqueaforça su plante muitooconsenso, ou melhor,procurando obter queaforça pareçaapoiada noconsenso damaioria,ex presso peloschamados órg-ãos da opinião pú blica – jornais e associações – os quais, por isso, em determina-das situações, são artificialmente multi plicados50.

Assim, se na conhecida fórmula do Quaderno 6  a hegemonia apa recia em uma fór -mula clássica “encouraçada de coerção”. Ora, na passagem acima apresentada, é a forçaque aparece “encouraçada pela hegemonia”51. Não se justifica, portanto, a pouca im- portância que algunsautoresins pirados no pensamento gramsciano dãoà dimensãocoerci-tiva do Estado. Justificando a pouca importância dada ao tema em sua obra Gramsci et  l’Etat , Christine Buci-Glucksmann afirmou que o pensamento marxista havia enfatizado

tanto a coerção, que julgava apro priado enfatizar o consenso para contra balançar os resul-

 Álvaro BIANCHI 46 Gramsci além de Maquiavel e Croce

49 COUTINHO, CN (1999): Op. cit., p. 131.

50 Q, 13, § 37, p. 1638.

51 A nota do Quaderno 6 é datada por Francioni entre março e agosto de 1931. A nota do Quaderno 13 aprececomo texto A já no Primo Quaderno (§ 48, p. 59) e é datada por Francioni ente fevereiro e março de 1929 esua segunda redação (aquela que citamos) é, datada entre maio de 1932 e os primeiros meses de 1934 pelomesmo autor. (Cf. FRANCIONI, G (1984): Op. cit., p. 140, 142 e 144).

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tados.52 Oresultado, entretanto, é uma análise unidimensional, naqual a “du pla pers pecti-va” gramsciana perde-se, restando apenas a articulação do consenso como forma deafirmação política. Gramsci como proto-habermasiano.

 MAQUIAVEL E A METÁFORA DO CENTAURO

A res peito da relação dialética de unidade-distinção entre força e consenso é im por-tanteretomar as fontes do pensamento gramsciano e, em primeiro lugar Maquiavel. A im-

 portância da pesquisa so bre o florentino torna-se evidente já no Primo Quaderno, muitoembora esta não fizesse parte do ín dice que Gramsci coloca em seu início. O florentino era,entretanto, um dos temas enumerados tantonacoleção de argumento dos “Sag gi princi pa-li”, como no “ Rag grup pamentidimatéria”ante postosao Quaderno 8. A res peito das notasso bre Maquiavel, Leonardo Paggi destacou que é possível identificar dois grandes temas,queem bora interconectados seapresentamdemodoformalmentedistinto:1)umapesquisasobre a interpretação marxista da obra de Maquiavel; 2) a tradução para o marxismo de al -guns conceitos presentes na obra de Maquiavel53. À observação de Paggi é necessárioacrescentar que Gramsci começa sua investigação no Primo Quaderno no âmbito de umareflexão so bre a interpretação da obra de Maquiavel, ressaltando o tempo que lhe era pró- prio e a necessidade de tratá-la de modo his tórico54. A pesquisa a res peito de Maquiavel e a“autonomia do fato político” pró pria daquele segundo bloco temático apontado por Paggiaparecerá apenas mais tarde, no Quaderno 4, § 5655.

A reflexão a respeito de Maquiavel, que a princípio aparecia do modo es parso nosQuaderni ganhou ritmo e intensidade no interior do im portante Quaderno 8, em um con- junto de notas escritas entre janeiro e abril de 1932 e depois reescritas, em sua maioria noQuaderno 13, entre maio de 1932 e os primeiros meses de 1934.56 A abordagem correntedessas notas tende a destacar a metáfora do “moderno príncipe”, presente já no § 1 do Qua-derno 13 e o lugar do partido político no processo de constituição de um novo Estado. Demodo apropriado Rita Medici chamou a atenção para a escassez de referências a essa te má-tica nos Quaderni57. Tal temática é, sem dúvida, de grande im portância, mas ela nãofornece um critério interno de unidade da abordagem gramsciana de Maquiavel.

A questão fundamental que permitecom preenderaim portância de Maquiavelparao pensamento gramsciano aparece em uma nota naqual o comunista sardo pretendiaesta be-

Utopía y Praxis Latinoamericana. Año 12, No. 36 (2007), pp. 35 - 55 47  

52 BUCI-GLUCKSMANN, Ch (1980):Op. cit . e BUCI-GLUCKSMANN, Ch (1980): “Entrevista con Chris-tine Buci-Glucksmann”, Revista Me xicana de Sociolo gia, v. XLII, nº. 1, pp. 289-301.

53 PAGGI, L (1984): La strategia del potere in Gramsci. Roma: Riuniti, p. 387. Cf. tb. FINOCCHIARO, MA

(2002): Gramsci and the history of dialectical thought . Cam bridge: Cam bridge University, pp. 125-126.54 Q 1, § 10, pp. 8-9.

55 Segundo Francioni,esse parágrafo data de novem bro de 1930 (Op. cit .,p. 141). é concomitante, portanto,daquelas discussões na prisãonarradas por Athos Lisa, discussões essas que assinalamum giro político nointerior dos Quaderni.

56 Maquiavel écitado emtodos os quaderni an teriores ao 8, com a exceção do 7. Mas neles nunca de dicou maisdo que três parágrafos ao florentino. No Quaderno 8, ao invés, é possível encontrar referências nos §§ 21,37, 43, 44, 48, 48, 56, 58, 61, 78, 84, 86, 114, 132, 162 e 163.

57 MEDICI, R (2000): GiobbeePrometeo: filo so fia epolitica nelpen sierodiGrasmci. Firenze: Alínea, p. 162.De fato, no Quaderno es pecial de dicado a Maquiavel só há duas referências ao “príncipe moderno” (Q 13, §1, p. 1558 e § 21, p. 1601-1602).

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lecer a distinção entre “pequena política” e “grande política”: “Maquiavel examina es pe-cialmente as questões de grande política: criação de novos Estados, conservação e defesadeestruturas orgânicas emseu con junto; questões de ditadura ede he gemoniasobre vastaescala, isto é, sobre toda a área estatal ”58. O tema chave, que unifica a discussão so bre a in -terpretação histórica da obra do florentino e a tradução de alguns conceitos para o âmbitodo marxismo é, portanto, a criação e a conservação de novos Estados.

É nesse contexto teórico-político que a passagem citada torna-se de grande im-

 portância para uma va loração ade quada das relações entre coerç ão e consenso. A quest ão éanteci pada na seqüência da frase acima citada. Referindo-se a distinção que Luigi Russofazia no interior da obra maquiaveliana, destacando Il Princi pe como o tratado da ditadurae os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio como o tratado da hegemonia, Gramsci ob-servava que em Il Princi pe não faltavam referências “ao momento da hegemonia ou doconsenso ao lado daquele da autoridade e da força” e concluía afirmando que “não há opo-sição de princí pio [em Maquiavel] entre princi pado e re pú blica mas que se trata, acima detudo, das hi póstases dos dois momentosdaautoridadeedauniversalidade”59. Na interpre-tação de Gramsci torna-se claro que a se paração entre autoridade e universalidade, força econsenso, ditaduraehegemonia eram, para Maquiavel, ar bitrárias. É emuma nota na qualGramsci fazreferênciaaumcontem porâneodeMaquiavel, FrancescoGuicciardini, que talar bitrariedade revela-se plenamente:60

Afirma Guicciardini que para a vida de um Estado duas coisas são absolutamentenecessárias: as armas e a religião. A fórmula de Guicciardini pode traduzir-se em

várias outras fórmulas menos drásticas: força e consenso, coerção e persuasão,Estado e Igre ja, sociedade política e sociedade civil, política emoral (história éti-co-políticadeCroce),direitoeli berdade,ordemedisci plina ou,comum juízo im- plícito de sa bor li bertário, violência e fraude61.

A referência não deixa de ser a Maquiavel, uma vez que Guicciardini põe a questãoem um comentário aos Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio. Afirmava Maquiavelnessa obra, que “a religião servia para comandar os exér citos, animar a Ple be, preservar oshomens bons e fazer com que os culpados se envergonhem” e que “onde há religião facil-mente podemseintroduzir as armas e onde há apenas armas dificilmente poder-se-á intro -duzir aquela”62. A esse res peito Guicciardini escrevia em suas Con sidera zioni intorno ai

 Discorsi del Machiavelli so pra la prima deca di Tito Livio: “É certo que armas e religiãosão fundamentos princi pais das re pú blicas e dos reinos e são tão necessários que faltandoqualquer um deles pode-se dizer que faltam as partes vitais e sub stanciais”63.

 Álvaro BIANCHI 48 Gramsci além de Maquiavel e Croce

58 Q 13, § 5, p. 1564. Grifos meus.

59  Idem.

60 É possível quea referência aGuicciardini seja apenas indireta, decorrente da leitura deartigo de Paolo Tre-ves (cf. o aparelho crítico de Gerratana em Q, p. 2720).

61 Q, 6, § 87, pp. 762-763.

62 MACHIAVELLI, N (1971): Tutte le ope re. Florença: Sansoni, p.94.

63 GUICCIARDINI, F (1933):Scritti politici ericordi. A cura di Ro berto Palmarocchi. Bari: Laterza, p. 21.

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O tema presente nos Discor si não é estranho a Il Prínci pe. Nesta úl tima obra, Ma -quiavel registrava que “os princi pais fundamentos que devem ter todos os estados ( stati),sejam no vos, velhos ou mistos, são as boas leis e as boas armas”64. A questão dos funda-mentos do poder tem longa tradição no pensamento político e sua investigação foi, por muitos, consideradaoob jeto dafilosofiapolítica par excellence. O tra tamento dado a essaquestão porMaquiaveleGuicciardinidestaca-senointeriordessatradiçãoporduasrazões.Emprimeirolugar,porque unifica acondição do exercíciodopoder político (acoerção, “asarmas”) e a condição de legitimidade desse poder (a “religião’, “as leis”) criando umnexoindissociável entre am bas. Em segundo lugar porque esta du pla fontedo poder político seafirma, em seu caráter indissociável, como necessária em todas as formas de Estado, sejam“repúblicas” ou “reinos”, “novos, velhos ou mistos”.

O Estado é marcado, dessa maneira pela presença de elementos que mantêm entre siuma relação ten sa de distinção, sem que cada um deles che gue a anular seu par no processohistórico mas, pelo contrário, cada um moldando e até mesmo reforçando o outro. A sepa-ração orgânica des ses elementos não é sen ão uma hi póstase e, como tal, uma ar bitrária abs -tração. É esta concepção unitária do poder político que Gramsci denomina de “dupla perspectiva”:

Outro ponto a ser fixado e desenvolvido é o da ‘du pla perspectiva’ na ação políti-ca e na vida estatal. Vá rios são os graus através dos quais se pode apresentar a du - pla perspectiva, dos mais elementares aos mais com plexos. Mas eles podem se re-duzir teoricamenteadoisgrausfundamentais corres pondentesànaturezadú plice

do Centauro maquiavélico, férica e humana, da força e do consenso, da autorida-deedahegemonia,daviolênciaedacivilidade, domomento individualedaqueleuniversal (da ‘Igreja’ e do ‘Estado’), da agitação e da propaganda, da tática e daestratégia65.

A imagem do Centauro é forte e ser ve para des tacar a unidade orgânica entre a coerç -ão e o consenso. É possível se parar a metade fera da metade homem sem que oco rra a mortedo Centauro? É possível separar a condição de existência do poder político de sua condiçãodelegitimidade?Épossível haver coerção semconsenso?Mastaisquestões podeminduzir a um erro. Nessa concepção unitária, que é de Maquiavel, mas também de Gramsci, não éapenas a coerção que não pode existir sem o consenso. Também o consenso não podeexistir sem a coerção.

Trata-se, portanto de uma“relação dialética” entre essas duas naturezasdopoderpo-lítico.Omarxistasardo protestava noparágrafo citado contra aquelesquefaziamda“du pla pers pectiva” algo mesquinho oubanalreduzindo as duas naturezasdopoder político asuasformas imediatas e colocando-as em relação de sucessão – primeiro uma, de pois a outra.Esseprotesto torna-sepleno designificado sereferido àquelaformadeapro priaçãodaobradosecretário florentino jácitada que se parava Il Prínci pe dos Discor si,reduzindo aprimei-ra obra a uma análise do momento coercitivo da fundação de um novo Estado e a segunda auma análise do momento do consenso e da ex pansão de um Estado. A ressalva que Gramsci

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64 MACHIAVELLI, N (1971): Op. cit ., p. 275.

65 Q 13 , § 14, p. 1576.

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fez a res peito de Il Prínci pe identificandonessa obra várias referênciasao“momento dahe-gemonia” lhe permitiu recusar a se paração entre coerç ão e consenso. Agora, tratava-se dereconhecer que as duas naturezas do poder político, embora possuam tempos distintos, sãocoetâneas entre si.

Cabe ver, entretanto, se além de coetâneas, coerção e consenso podem ser, também,coextensivas, ou seja, se podem atingir com intensidades diversas os mesmos es paços davida política. Gramsci, é sa bido, enfatizou que a coerção tinha sede na sociedade política e

oconsenso nasociedadecivil. Mas isso significariaparaomarxista sardoadefiniçãodees-feras ex clusivas e ex cludentes para uma função e para a ou tra? A questão não é tratada demodo direto no Quaderno 13, no qual parte im portante da reflexão so bre o florentino en-contra seu lugar, nem nos quaderni que o antecedem. Mas ela aparece em varias notas pre -sentes nos quaderni 14, 15 e 17 .

Esse con junto de quaderni tem características bastante particulares. A redação doQuaderno 14 começa em dezembro de 1932, após ter início o Quaderno 13,portanto, como parágrafo 4. Os três parágrafos precedentes são de março de 1935, conforme constataFrancioni66 apartir do estudodasreferênciasneles citadas. Ele é interrom pido emfevereirode 1933, quando Gramsci empreende a redação do Quaderno 15, e é retomado em março de1935. O Quaderno 15, por sua vez, registra em uma importante advertência em sua pri mei-ra folha a tônica desses no vos miscelâneos: “Caderno iniciado em 1933 e escrito sem ter emconta aquelas divisões das matérias e dos reagru pamentos de notas em cadernos es pe-ciais”67. O último desses novos quaderni é o de número 17. Ele tem início após o término doQuaderno 15, em agosto de 1933, e será concluído em junho de 1935, pouco antes de

Gramsci interromper seu trabalho.A redação desses quaderni coincide com o momento no qual a confecção dos qua-

derni 10, 11, 12 e 13 encontra-se bastante avançada ou em vias de conclusão e marca umafase de transição que se estenderá até meados de 1933 constituindo o úl timo período deuma atividade criativa intensa. Após sua transferência a Formia, em dezembro de 1933 ecom a piora de seu es tado de saúde esse tra balho criativo chegou pra ticamente a seu fim. A partir daío prisioneiro do fascismo limitou-se, praticamente, a transcreverparaoscadernosespeciais, de modo cada vez mais literal, os textos já presentes nos miscelâneos68.

Por que razão Gramsci teria dado início a novos cadernos miscelâneos depois de játer começado a redação dos es peciais? E por quea ru brica Maquiavel aparece nesses mis-celâneos em um momento no qual a redação do Quaderno 13 encontrava-se adiantada ouemviasdeconclusão? Épossível que tivesse constatado lacunas existentesemsuapesqui-sa e que retomasse desse modo o tra balho dos miscelâneos com vistas a saná-las, ao mesmotempo em que dava seqüência á redação dos es peciais. É possível, tam bém, que pretendes-

se posteriormente transcrever esse material em novos es peciais, como sugere Frosini69

. Defato, nos primeiros meses de 1934, de pois de ter concluído o Quaderno 13, o marxista sar-do deu início a um novo caderno es pecial intitulado Niccolò Machiavalli. II  no qual escre-

 Álvaro BIANCHI 50 Gramsci além de Maquiavel e Croce

66 FRANCIONI, G (1984): Op. cit ., p. 116.

67 Q 15, p. 1748.

68 Cf. FROSINI, F (2003): Gramsc ie la f i lo so fia: sag gio sui Quaderni del cárcere. Roma: Carocci, p. 26.

69  Ibid ., p. 27.

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veu apenas três páginas, recolhendo três notas C presentes já no Quaderno 2. É possível,assim, que esta fosse a sede prevista das notas con tidas nos quaderni 14, 15 e 17 .

Os temas presentes nesses novos cadernos miscelâneos são aqueles já identificados por Paggi eaosquaisfoifeita menção acima. Predominam nitidamente, entretanto,asnotasreferentes ao segundo tema:a traduçãoparaomarxismo de conceitos e temas maquiavelia -nos. Uma com paração ente alguns temas presentes no Quaderno 13 e no Quaderno 14 éim portante para um maior enriquecimento dos conceitos de sociedade civil e Estado, bem

como para uma identificação mais precisa dos nexos existentes entre consenso e coerção.Discutindo as questões do “homem coletivo” e do “conformismo social”, registravaGramsci no Quaderno 13:

Tarefa educativa e formativa do Estado,quesem pre tem a finalidade de criar ti posde civilização novos e mais elevados, de adequar a ‘civilização’ e a moralidadedas massas po pulares mais vastas às necessidades do contínuo desenvolvimentodo aparelho econômico deprodução,e,portanto, de ela borar tam bém fisicamenteos novos ti pos de humanidade70.

Aconformaçãodo“homemcoletivo” encontraseumomento crucialna passagemdoindivíduo singular para a esfera universalizada das classes, e, mais es pecificamente paraaquela esfera na qual asclasses seapresentamcomosu jeitosuniversais, a esfera dapolítica.Essa passagem é com preendida porGramsci como uma“relação pedagógica” ativa, distin-ta, portanto, de uma mera relação escolar. É no nexo existente entre go vernantes e governa-

dos, dirigentes e dirigidos, intelectuais e não intelectuais que se torna possível identificar de modo mais preciso essa relação, e o processo de formação de uma “personalidade his tó-rica”. Desse modo,toda“relação dehegemonia é,necessariamente, uma relação pedagógi -ca” de construção de novos su jeitos sociais e políticos71.

É essa relação pedagógica, relação de hegemonia, que Gramsci temem mente quan-do destaca atarefa “educativa eformativa do Estado”.Éoprocesso de afirmação de formascivilizatórias que se afirma nessa tarefa.Aincor poração doindivíduo singular no homemcoletivo, a afirmaçãode uma formacivilizatóriaqueencontreseuresumono Estado, exigea aquiescência ativa ou passiva desses indivíduos. Para tal o Direito cumpre uma importan-te função. Não é, entretanto o Direito como mero dispositivo jurídico que atua por maio desanções legais do que se trata. O marxista sardo apresenta naquele parágrafo do Quaderno13 uma concepção integral do Direito, o qual abrangeria, também,

(...) aquelasatividadesquehojesãocom preendidas na fórmula de ‘indiferenteju-rídico’ e que são de domínio da sociedade civil, que opera sem ‘sanções’ e sem ‘o- brigações’ taxativas, mas que nem por isso deixa de exercer uma pressão co letivaeobtém resultados ob jetivos de ela boração nos costumes, nos modos de pensar ede operar, na moralidade, etc72.

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70 Q 13, § 7, p. 1565-1566.

71 Q 10/II, § 44, p. 1331.

72 Q 13, § 7, p. 1566.

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Sabe-se, desde Durkheim que “pressão co letiva” não deixa de ser uma forma decoerção. A sociologia sim bólica contem porânea, que seguiu as trilhas abertas pelo funda-dor do L’Année sociolo gique muito contribuiu para desvelar essas formas de violência sim- bólica que se manifestam fora da esfera regulada pelas formas jurídicas do Direito. Não hánada nos Quaderni que permita indicar que Gramsci con hecesse a obra do francês. Mas Be-nedetto Croce a conhecia e a cita uma única vez em Materialismo storico ed economiamar-

 xistica73. O pró prio Croce já havia, em Etica e política, chamado a atenç ão para a necessi-dade de ter um con ceito de força que fosse além da violência física e re cobrisse ou tras for-mas de coação: “A idéia de força não deve re duzir à tosca re presentação que sói su gerir essa palavra, quase a de tomar pe los ca belos e obrigá-los a cur var-se”74.

Gramsci não partilhava com Croce a localização dessa afirmação no âmbito de umaconcepção na qual a sede dessa força, o Esta do, “não é um fato, é sim uma categoria es piri-tual”75. Mas po dia, muito bem, sub screver a afirmação que o critico na politano fazia a res- peito da relação entre força e consenso:

(...) força e consenso são em política termos correlatos e onde aparece um o ou tronão faltará. Consentimento ‘forçado’ ob jetar-se-á; mas todo consentimento é‘forçado’, ou seja, resulta da ‘força’ de certos fatos e, portanto, está ‘condiciona-do’. Não existe formação política que elida essa vicissitude: no mais li beral dosEstados, assim como na mais opressora da tiranias, o consentimento está sempre,e sem pre forçado, condicionado e transitório. Se assim não fosse não existiriamnem o Estado nem a vida do Estado76.

Ao colocar as pas nas ex pressões “sanções” e “obrigações” quando estas encontra-vam sua sede na sociedade civil, Gramsci afas tava-se da conotação que assumiam no sensocomum e apro ximava-se da fórmula cro ceana. Mas não era, essa, entretanto, uma questãoresolvida de modo ex plícitooumesmodefinitivo pelo sardo, em bora houvessesinaisqueaconsiderava im portante. A concepção am pliada do Direito aventada por Gramsci era umdesenvolvimento teórico da idéia de Estado integral. É por essa razão que a resolveu ins-crevê-la na nota do Quaderno 13 muito em bora ela estivesse com pletamente ausente na primeira redação77.

O tema foi retomado em algumas notas do Quaderno 14,justamente aquele que abreum novo ciclo na pesquisa. A maioria dessas notas é registrada sob a ru brica Machiavelli,muitoem bora os temaspredominantesnãodigamres peitoàinter pretaçãodaobradosecre-tário florentino, que raras vezes écitado diretamente nesse Quaderno. Mas o registro da ru- bricaéim portante,pois assinalaacontinuidadedostemas tratadosno Quaderno 13, a uni-dade que exis te entre os diversos blocos temáticos que se articulam nela e a inserção dessas

notas em um projeto de pesquisa abrangente.

 Álvaro BIANCHI 52 Gramsci além de Maquiavel e Croce

73 CROCE, B (1972): Materialismo storicoed economia mar xistica. Bari: Laterza, p. 112.

74 CROCE, B (1952): Etica y política: seguidas de la contribución a la crítica de mí mismo. Buenos Aires:Imán, p. 193.

75  Idem.

76  Idem.

77 Q 8, § 52, p. 972.

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A pro pósitodeumartigo deMauro Fasiani, cola borador da revista Ri forma Sociale,o autor dos Quaderni perguntava:“Queméolegislador?”78.Ainterrogação motivava umasérie de im portantes reflexões pertinentes para o desenvolvimento de uma teoria integraldoEstado. Aprimeiradelasdiziares peitoanecessidade dedistinguira“voluntasle gislato-ris”, ou seja, a intenção do legislador no ato de concepção da lei, da “voluntasle gis” o con- junto de conseqüências não previstas decorrentes da aplicação de determinada lei, aquiloqueateoriaeconomiacontem porâneadenomina de “unintended con sequences”. A investi-gação so bre a “voluntas le gislatórias” não esgota todo o Direito e é necessário para a pes-quisa so bre o que este realmente é levar em conta a “volunta le gis”. O resultado efetivo daatividade legislativa é marcado, assim, pela relação dialética existente entre a produção dalei e sua aplicação efetiva.

Essa observação prepara o te rreno para outra, de maior alcance para uma teoria doEstado integral.Seavontadelegislativa nãopode ser reduzida à vontadedolegislador, ent-ão, é necessário atribuir a palavra legislador um sentido mais amplo, “até o ponto de indicar com ela o con junto de crenças, de sentimentos, de interesses e raciocínios difusosemumacoletividade em um dado período histórico”79. A questão rea parecerá poucas páginas àfrente, em uma nota inscrita sob a mesma ru brica. Afirmava Gramsci nela que o con ceito de“legislador’ deveria ser identificado com o de ‘político” e dado que todos são “políticos”,na medida em que fazem parte ativa ou passivamente da vida política, todos, tam bém, sãoativa ou passivamente “legisladores”80.

Em seu sentido restrito, a palavra “legislador” tem um significado jurídico-estatal preciso, indicando aquelas pessoas que tem um mandato para exercer a atividade legislati-

vaetêmessaati vidade reconhecida eregulamentada pelas leis de um país. Acontece com aatividadedo“legislador” o mesmoquecomaatividadedeintelectual.Todos são legislado-res,masnemtodos tême função legislativa. Mesmo adotando uma concepção am pliada doDireito e dolegislador é necessário esta belecer a esfera no qual esse Direito e esse legisla-dor cumprem uma condição de legitimidade, ou seja, são reconhecidos como tal por aque-les que re presentam. É necessário, tam bém, identificar a efetividade real dessa atividade,ou seja, até que ponto os representados praticam, de fato, aquelas regras que nascem da ati-vidade do “legislador” e que têm “ex pressão sistemática normativa”81.

Oatolegislativo do legislador não pode, portanto, colocar-se além da história, assu-mindo a posição de demiurgo do real. Esse ato ganha significado, na medida em que esti-mula ou re prime tendências já pos tas na vida social e política. Tal significado é, então, o re-sultado das ações e reaç ões in trínsecas a uma dada esfera social e ao ato legislativo em si.Por essa razão,

(...) nenhum legislador pode ser visto como indivíduo, salvo abstratamenteepor comodidade de linguagem, porque na realidade, ex pressa uma determinada von-

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78 Q 14, § 9, p. 1662.

79 Fasiani apud  Q 14, § 9, p. 1663.

80 Q 14, § 13, p. 1668.

81  Idem.

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tadecoletiva dis posta a tornar efetiva sua ‘vontade’, que só é vontade porque a co-letividade está dis posta a dar-lhe efetividade82.

Revela-se nessa passagem o diálogo com Maquiavel nouso particular que seu autor faz da expressão “ef fetuale”83. O diálogo torna-se mais intenso quando, na seqüência,Gramsci afirma que todo aquelequenoatolegislativo prescindir de uma vontadecoletiva,não passa de um “fogo-fátuo”, um “profeta desarmado”84. O profeta, o legislador precisater as ar mas à dis posição para legislar de modo efe tivo. A re ferência a Maquiavel é menosmetafórica do que parece a primeira vista, pois Gramsci afirmava que o legislador não éapenas quem “ela bora diretrizes que deverão tornar-se normas de conduta para outros”. Étambém aquele que “elabora os instrumentos por meio dos quais essas diretivas serão ‘im- postas’ e sua aplicação será verificada”85.

Essa concepção am pliada a res peito do poderdelegislar integra uma concepção org-ânica ou in tegral do Estado. Ela afirma a existência de uma “atividade le gislativa” tan to noâmbito da sociedade política oqueé bastante evidente, como naquele da sociedade civil. Eafirma que a eficácia dessa atividade reside na ca pacidade de mo bilizar os instrumentos decoerção tanto no âmbito da sociedade política, como no âmbito da sociedade civil:

(...)opoder legislativo máximoreside nopessoal estatal(funcionárioseleitosedecarreira), que têm à dis posição as forças coercitivas legais do Estado. Mas não se pode dizer que os dirigentes de organismos e organizações ‘privadas’ tam bémnão ten ham a sua dis posição sanções coercivas, até mesmo a pena de morte86.

Esse tema continua a ser desenvolvido no § 11 do mesmo Quaderno, muito em borasoboutraru brica(“ Argomentidicoltura”).Discute-se nessa nota a ca pacidade que consti-tuições têmde adaptar-se a diversas con junturas políticas, particularmente àquelas que se-riam desfavoráveis à classe dominante. O modelo do autor dos Quaderni é a aná lise queMarxfezdaConstituição es panhola de1812. Nessa pers pectiva, afirma Gramsci, retoman-do a idéia da função pedagógica do Estado: “Pode-se dizer, em geral, que as constituiçõessão acima de tudo ‘textos educativos’ ideológicos e que a Constituição ‘real’ está noutrosdocumentos legislativos (mas es pecialmente, na relação efetiva das forças sociais no mo-mento político-militar)”87.

A verdade efetiva da Constituição encontra assim seu es pelho na relação de forçasentre as classes sociais e, particularmente, na relação de forças sociais que se manifesta noconflito aberto, o “momento político-militar”. Conce ber o direito como ex pressão dessasrelações é,para Gramsci, um modo de com bater “aabstração mecanicista e o fatalismo de-

 Álvaro BIANCHI 54 Gramsci além de Maquiavel e Croce

82 Q 14, § 9, p. 1663. Grifos meus.

83 Afirmava Maquiavel em Il Princi pe que seu ob jeto de pesquisa era a “ver dade efetiva da coisa e não sua ima-ginação” (MACHIAVELLI, N (1971): Op. cit ., p. 280).

84 “Segue-se que to dos os profetas armados vencem e que os desarmados se arruí nam” (MACHIAVELLI, N(1971): Op. cit ., p. 263).

85 Q 14, § 13, p. 1668.

86  Idem.

87 Q 14, § 11, p. 1666.

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terminista”. Tal concepção necessita valorizar as particularidades históricas enacionais decada país para ser realmente efetiva, bem como a ca pacidade legislativa (em um sentidoam pliado) e, portanto, coercitiva, que emana da sociedade civil. A relação existente entrereligião e política nos Estados Unidos é, nesse ponto, esclarecedora. Em uma observaçãode grande atualidade, registrava Gramsci,

 Nos Estados Unidos, legalmenteedefatonãofalta a li berdadereligiosa dentrodecertos limites, como recorda o processo contra o darwinismo, e se legalmente(dentro de certos limites) não falta li berdade política, esta falta de fato pela press -ão econômica e pela aberta violência privada88.

A força das pa lavras não deixa dúvida de que Gramsci reen contra ago ra a coerçãotam bém na esfera da sociedade civil. A seqüência dessa nota permite ainda esclarecer queestaviolência privadaécoetânea ecoextensiva àviolência jurídico-estatal. Para o autor dosQuaderni, o exame crítico da organização judiciária e policial era de grande im portância para a com preensão da configuração política dos Estados Unidos, pois revelava como es-sas organizações da sociedade política “deixam im punee apóiam a violência privada vol-tadaparaim pediraformaçãodeoutros partidos alémdo re pu blicano edo democrático”89.

CONCLUSAO

Gramsci não foi um contratualista, nem um teórico do consenso comunicativo. Asleituras hegemônicas de sua obra tendem a conduzi-lo a uma segunda prisão: a do pensa-

mento dominante.Acom plexidade de seupensamento e o caráter fragmentário de suaobrafacilitam esse novo encarceramento. Sendodedifícil com preensão torna-se fácil substituir o escrito pelo dito. Prevalece assim um “senso comum filosófico”, uma leitura su perficialmarcada por slogans: “a sociedade civil con tra o Estado” e “ocupar es paços” e seussucedâneos, “democratizar a democracia” e “reformismo revolucionário”.

Mas tal senso co mum não é senão a negação da radical contribuição de Gramsci àteoria marxista. Sociedade civil e sociedade política (Estado strictu sen su) não estão emuma relação de antagonismo e sim de unidade distinção. O mesmo pode ser dito de outrosconhecidos pares conceituais:Oriente eOcidente,guerra de movimento eguerra de posiç-ão, revolução permanente e hegemonia. Uma retomada crítica do texto dos Quaderni del carcere, valorizando o ritmo do pensamento de seu autor e as fontes de pesquisa por elemo bilizadas pode contri buir para um melhoresclarecimento a res peitodeseupensamento.Trata-se de um pensamento que não se caracteriza pela construção de dicotomias e sim pelaidentificação da radical unidade que existe na radical diversidade.

Utopía y Praxis Latinoamericana. Año 12, No. 36 (2007), pp. 35 - 55 55

88 Q 14, § 11. p. 1666. Grifos meus.

89 Q 14, § 11, pp. 1666-1667. Grifos meus.