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  • inaDimplemento Da aDministraçãopública em contratos aDministrativos:a juRIsPRuDêncIa DO suPERIOR TRIbunal DEjusTIça – sTj

    Antonio Paulo Kubli Vieira

    nova ZelânDia: uma análIsE juRíDIca E EcOnômIca sObRE sEu sIsTEmaInDEnIzaTóRIO DE DanOs acIDEnTaIs

    Maria Gabriela Castanheira Bacha

    o poDer normativo Do cnmpna jurispruDência Do supremo tribunal feDeral

    Marcos D’Avino Mitidieri

    Water & seWage regulation in the state of sao paulo: PROblEms fOR ImPlEmEnTaTIOn?

    Filippo Maria Lancieri

    Do Direito Do consumiDor à purgaçãoDa mora em contratos garantiDos por alienação fiDuciária

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    Leandro Moreira Valente Barbas

    revista discente DIREITO GV

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  • carta Do eDitor

    A Revista Discente Direito GV é uma revista acadêmico-jurí-dica, organizada de forma independente pelo corpo discenteda Escola de Direito de São Paulo da FGV, que objetiva incen-tivar a produção acadêmica de boa qualidade por parte dejovens estudantes e praticantes do Direito, o que abrange desdealunos de graduação até mestrandos e advogados em início decarreira, que se empenhem na produção acadêmica com r igortécnico-científico. Pretende-se publicar artigos científicos rela-tivos aos mais variados ramos do Direito, valorizando a inovação,a interdisciplinar idade e a consistência em seus conteúdos.

    O acesso à Revista Discente Direito GV será pautado exclu-sivamente pelo cr itér io da qualidade. Embora neste número1 todos os artigos sejam de alunos da Direito GV, a partir dasegunda edição a Revista estará aberta a colaboradores oriundosdas mais diversas instituições de ensino do Brasil.

    Como metas para os próximos números, destacam-se a amplia-ção do corpo editor ial e do corpo de parecer istas envolvidosna avaliação dos artigos submetidos à Revista, o fortalecimentodo per iódico no âmbito externo à Direito GV e a ampliaçãodo número de artigos a serem publicados, mantendo semprenossa missão de incentivo à produção acadêmica inovadorae consistente.

    Esperamos que a iniciativa encontre boa acolhida entre jovensestudantes e praticantes do Direito em nosso país e aguardamosa remessa de artigos pelos autores interessados.

    • • •

    Cabem aqui alguns agradecimentos.

    Ao professor Bruno Meyerhof Salama, grande idealizador eentusiasta da Revista, que sempre contribuiu com sua experiênciaacadêmica na discussão dos objetivos e planos deste periódico.

    À Direção da Escola de Direito de São Paulo da FGV (DireitoGV), por ter acreditado na ideia de criação da Revista Discente

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  • e apoiado de forma decisiva a sua execução, mesmo com aindependência desta em relação à instituição.

    Ao professor José Rodr igo Rodr iguez, pela constante dispo-sição em dividir a sua experiência na condição de Editor-Chefeda Revista Direito GV, incentivando a implementação denosso empreendimento.

    Ao Centro Acadêmico Direito GV e à Associação de Ex-Alunos, que deram o pr imeiro passo para a consecução desteprojeto, mostrando-se sempre prontos a oferecer o suportenecessár io à Revista.

    A todos, nossos sinceros agradecimentos.

    • • •

    Este número 1 da Revista Discente Direito GV é dedicado atodos os alunos e ex-alunos da Escola de Direito de São Pauloda FGV, sejam eles de graduação ou pós-graduação stricto sensue lato sensu, que representam o motivo de todo nosso trabalho.

    Boa leitura!

    Roberto Lincoln de S. Gomes JrEditor-Chefe

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  • editor’s letter

    Direito GV Students Journal is an academic legal magazine, organizedindependently by the student’s body of the São Paulo School of Law ofFundação Getulio Vargas (Direito GV) which aims to encourage thegood quality academic production by the young students and practitionersof Law. This encompasses the graduation students, the master’s studentsand lawyers in the begin of their career which engage in the academic pro-duction in strict observation to the technical and scientific quality. Themagazine intends to publish scientific papers related to the most variedbranches of Law, valuing innovation, interdisciplinary and the consistencyin its contents.

    Access to the Direito GV Students Journal will be based solely on a qualitycriteria. Even though the articles of this first edition are written by studentsof Direito GV, from the second edition on, the magazine shall be open to col-laborators from the most diverse education institutions of Brazil.

    As goals for the next editions, stands out the expansion of the editorialbody and of the reviewers body involved in the evaluation of the articlessubmitted to the magazine, the strengthening of the journal externally toDireito GV and the increase in the number of articles to be published,always maintaining our mission of encouragement to innovative and con-sistent academic production.

    We expect the initiative to be welcomed by the young students and Lawpractitioners in our country and wait the submission of articles by interestedauthors.

    • • •

    We would like to include some special thanks.

    To Professor Bruno Meyerhof Salama, great inspirational and enthusiast ofthe magazine, who always contributed with his academic experience in thediscussion of the goals and plans to this journal.

    To the São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas (Direito GV),for having believed in the idea of creation of the Direito GV StudentsJournal and supported it in a decisive manner in its execution, even thoughwith its independency in relation to the institution.

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  • To Professor José Rodrigo Rodriguez, for its constant readiness in sharinghis experience as Chief-Editor of Direito GV Law Review, encouragingthe implementation of our enterprise.

    To the Students Sorority of Direito GV and to the Alumni Association,which took the first step to the achievement of this project, showing readinessto offer the support needed to the magazine.

    To all, our sincere thanks.

    • • •

    This Number One Edition of Direito GV Students Journal is dedicatedto all students and alumni of São Paulo Law School of Fundação GetulioVargas, whether from graduation or post graduate courses lato sensu andstrict sensu, which represent the reason for all our work

    Enjoy your reading!

    Roberto Lincoln de S. Gomes JrChief - Editor

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  • 1 INTRODUÇÃOA Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, tal como dispôs sua ementa,instituiu as normas que regem as licitações e os contratos da Admi-nistração Pública1 2. Dentre as diversas preocupações do legislador,destaca-se a de criar mecanismos de prevenção e reação ao inadim-plemento3 da Administração.

    De um lado, com o intuito de prevenir o inadimplemento daAdministração, a Lei 8.666/93 instituiu mecanismos de naturezapreponderantemente orçamentária. A referida lei procurou criaruma série de travas para que a Administração Pública apenas pudesselicitar e contratar caso possuísse os recursos financeiros necessáriosao cumprimento de suas obrigações.

    Por exemplo, previamente à licitação de obras ou serviços, énecessário que haja recursos orçamentários para assegurar o pagamento

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    InadImplemento da admInIstraçãopúblIca em contratos admInIstratIvos:a jurisprudência do superior Tribunal dejusTiça – sTj

    Antonio Paulo Kubli Vieira

    Public AdministrAtion`s noncomPliAnce with obligAtions under AdministrAtive

    contrActs: suPerior court of Justice cAse-lAw

    resumoO ARTIGO ANALISA A JURISPRUDÊNCIA DOSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ SOBRE O INADIMPLEMENTO DA ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA EM CONTRATOS ADMINISTRATIVOSREGIDOS PELA LEI 8.666/93. ALÉM DE MAPEARO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL SOBRE OS MAIS

    VARIADOS TEMAS RELACIONADOS

    AO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

    CONTRATUAIS PELA ADMINISTRAÇÃO (CORREÇÃOMONETÁRIA, JUROS DE MORA, EXCEÇÃO DECONTRATO NÃO CUMPRIDO, ETC.), O ARTIGOPROCURA ENTENDER A POSTURA DO STJ AOJULGAR ESSAS MATÉRIAS, IDENTIFICAR AINFLUÊNCIA, NO ÂMBITO DOS CONTRATOSADMINISTRATIVOS, DAS REGRAS APLICÁVEIS AOSCONTRATOS EM GERAL, E, TAMBÉM, ENTENDERAS RAZÕES SUBJACENTES À JUDICIALIZAÇÃO

    DAS DEMANDAS TRATADAS NOS ACÓRDÃOS.

    palavras-chaveINADIMPLEMENTO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.CONTRATO ADMINISTRATIVO. LEI 8.666. ANÁLISEJURISPRUDENCIAL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

    abstractTHIS ARTICLE ANALYZES THE JUDICIAL DECISIONSOF THE SUPERIOR COURT OF JUSTICE (SUPERIORTRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ) REGARDING PUBLICADMINISTRATION`S NONCOMPLIANCE WITHOBLIGATIONS UNDER ADMINISTRATIVE CONTRACTS

    GOVERNED BY LAW 8.666/93. IN ADDITION TODESCRIBING THE UNDERSTANDING OF THE COURTON VARIOUS ISSUES RELATED TO NONCOMPLIANCE

    WITH CONTRACTUAL OBLIGATIONS BY PUBLICADMINISTRATION (SUCH AS INDEXATION, DEFAULTINTEREST, EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS,AMONG OTHERS), THIS ARTICLE SEEKS TO UNDERSTANDTHE SUPERIOR COURT OF JUSTICE`S BEHAVIOR WHILEJUDGING THESE MATTERS, IDENTIFY THE INFLUENCE,ON THE ADMINISTRATIVE CONTRACTS, OF THE RULESAPPLICABLE TO CONTRACTS IN GENERAL, AND ALSOUNDERSTAND THE REASONS FOR JUDICIALIZATION

    OF THE LAW ISSUES ADDRESSED IN THE JUDICIAL

    DECISIONS.

    keywordsNONCOMPLIANCE. PUBLIC ADMINISTRATION.ADMINISTRATIVE CONTRACT. FEDERAL LAW 8,666.JUDICIAL DECISIONS ANALYSIS. SUPERIOR COURT OFJUSTICE (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ).

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  • das obrigações decorrentes do que será contratado pela Administração(art. 7o, §2o, inciso III). No mesmo sentido, todo contrato administra-tivo deve possuir cláusula que estabeleça “o crédito pelo qual correrá adespesa (...)” (art. 55, inciso V). Adicionalmente, por imposição legal,a duração dos contratos firmados com a Administração deve ficaradstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários (art. 57).

    De outro lado, além de ter criado regras orçamentárias com oobjetivo de prevenir problemas futuros para o cumprimento pelaAdministração de suas obrigações, a Lei 8.666/93 criou mecanismosde reação aos eventos de inadimplemento da Administração. Muitosdos mecanismos trazidos pela Lei 8.666/93 - vale apontar - não ino-varam em relação aos já existentes e aplicáveis aos contratos em geral4.

    Por exemplo, em matéria de correção monetária e juros demora (ferramentas para que as quantias devidas pela Administraçãomantenham seu valor ao longo do tempo), a Lei 8.666/93 seguiu alógica dos contratos em geral, estipulando que editais de licitação econtratos administrativos precisam, obrigatoriamente, indicar os cri-térios de atualização financeira dos valores devidos pelaAdministração (art. 40, XIV, ‘d’; art. 55, III). No caso da exceção decontrato não cumprido, todavia, a lógica aplicável aos contratos emgeral – prevista no art. 476 do Código Civil5 (Lei 10.406, de 10 dejaneiro de 2002) – foi adaptada aos contratos administrativos, res-tringindo a faculdade do contratado de valer-se desse mecanismo.Conforme dispôs o artigo 78, inciso XV, da Lei 8.666/93, o con-tratado apenas terá a faculdade de suspender o cumprimento desuas obrigações (prestação de serviços, realização de obras, etc.)caso a Administração atrase os pagamentos devidos por tempo supe-rior a 90 dias. Apesar de, por um lado, ter restringido um direitoque é mais amplo no âmbito dos contratos entre particulares, poroutro lado, a Lei 8.666/93 não ignorou a exceção de contrato nãocumprido, assegurando mais um mecanismo de reação à inadim-plência da Administração – neste caso, buscando evitar que ocontratado seja “penalizado” ou prejudicado no cumprimento desuas obrigações, em razão do inadimplemento da Administração.

    Sem dúvida, não foi sem razão a preocupação do legislador emregular diversos tópicos relativos ao tema do inadimplemento daAdministração Pública. Afinal, a expectativa de que as obrigaçõescontratuais serão cumpridas é, certamente, um dos pressupostos dointeresse do particular em firmar um contrato com a AdministraçãoPública. Por isso, se a Administração, parte contratante de um contratoadministrativo, deixar de cumprir com suas obrigações, principalmente

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  • a de efetuar os pagamentos devidos ao contratado, é fundamentalque existam mecanismos satisfatórios para resolver esse problema.Caso contrário, o equilíbrio econômico-financeiro da relação con-tratual desapareceria e o particular perceberia que contratar com aAdministração Pública talvez não fosse um bom negócio.

    Apesar de o ordenamento jurídico ter sido montado com ointuito de evitar a inadimplência, é certo que a Administração Públicaenfrenta problemas para cumprir os contratos fiel e tempestivamente.Isso, não raramente, implica a judicialização de conflitos.

    Nesse contexto, e para ilustrar melhor a complexidade da ques-tão, vale lembrar das inúmeras dificuldades de se cobrar aAdministração em juízo, em função da já conhecida morosidade doPoder Judiciário e da ineficiência do sistema de precatórios noBrasil. Ou seja, as principais “válvulas de escape” à inadimplênciada Administração Pública não funcionam satisfatoriamente. Alémdisso, métodos extrajudiciais de resolução de conflitos - tais comomediação, dispute boards ou arbitragem - não são a regra no âmbitodos contratos administrativos em crise, nem são isentos de questio-namentos em razão de uma suposta violação à indisponibilidade dointeresse público que a solução de disputas por tais métodos poderiaacarretar. Por esse motivo, apesar de muitas vezes não ser o modomais célere ou eficaz de se resolver um conflito, muitas demandasdecorrentes do inadimplemento da Administração Pública são movi-das perante o Poder Judiciário.

    É nesse universo que se insere o presente artigo, cujo objetoconsiste em tentar entender o papel do Superior Tribunal de Justiça- STJ na implementação do sistema criado pela Lei 8.666/93 (e,supletivamente, pelas demais leis aplicáveis aos contratos em geral)de prevenção e reação à inadimplência da Administração.

    Uma das premissas deste estudo é a de que a jurisprudênciaexerce um papel significativo tanto na interpretação como na construçãodas normas jurídicas6. No primeiro caso, diante de um tema alta-mente regulado, o Judiciário é chamado a resolver embates quantoà interpretação dessas regras. No segundo caso, diante de uma ques-tão que tenha sido regulada com linguagem vaga e indeterminadaou que tenha sido pouco regulada, o Judiciário é chamado a ofereceruma solução ao caso e acaba criando normas.

    Outra premissa deste trabalho, que de certa forma decorre daprimeira, é a de que as leis são instrumentos insuficientes para regularas complexidades da vida moderna. Isto é, as leis não são capazes deregular todas as questões e problemas passíveis de surgir no mundo

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  • real. Por isso, elas sempre nascerão com potenciais “lacunas”, queserão notadas, na maioria das vezes, na resolução de casos concretos.

    Na situação ora em estudo, por mais detalhada e precisa quepossa ter sido a regulação sobre o tema do inadimplemento daAdministração Pública nos contratos administrativos, é certo que oJudiciário será convocado para solucionar os problemas acima apon-tados (ou seja, para solucionar dúvidas de interpretação de regras,indeterminações linguísticas e para preencher lacunas normativas).

    Nesse sentido, a partir da análise da jurisprudência do STJ,órgão máximo do Judiciário brasileiro na resolução de conflitosque envolvam a interpretação de leis federais7, tentaremos entendercomo este tribunal lida com as questões de interpretação e criaçãode normas diante dos tópicos atinentes ao inadimplemento daAdministração Pública.

    Além de mapear a jurisprudência do tribunal sobre o tema, pre-tendemos entender melhor o papel desempenhado pelo STJ a partirde três diretrizes, que balizarão a análise dos seus acórdãos:

    (a) a postura do STJ (por exemplo: o STJ respeita os contratos?Auxilia a dar efetividade ao sistema legalmente previsto?);(b) utilização de regras ou princípios gerais do direito obrigacional econtratual; e (c) a razão pela qual os temas foram judicializados: houve influênciada legislação, evitando ou instigando a judicialização de conflitos(por exemplo, lacunas relevantes ou imprecisões nas leis)?

    2 METODOLOGIAFoi realizada pesquisa no site oficial do STJ (http://www.stj.jus.br/),no dia 5 de junho de 2011, na seção de pesquisa de jurisprudência,procurando identificar acórdãos a partir do seguinte termo de busca:$adimpl$ e contrat$ e administrativo8.

    O termo de busca gerou um retorno de 215 acórdãos. Muitosdeles foram excluídos da análise por não terem relação com o objetoda presente pesquisa: questões relativas a permissões ou concessõesde serviços públicos; temas relativos a inadimplemento por parte docontratado; indenização por rescisão unilateral de contrato adminis-trativo; execução fiscal; contratos privados; contratos de emprego oucom servidores públicos; sistema financeiro da habitação; etc.

    Com a exclusão desses documentos, restaram 54 acórdãos paraa análise que será feita a seguir.

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  • 3 RESULTADOS DA PESQUISA: ANÁLISE DOS ACÓRDÃOS DO STJOs acórdãos do Superior Tribunal de Justiça selecionados para análiseforam classificados em função dos temas objeto das suas decisões. Sãoeles: Correção monetária (3.1.); Juros de mora (3.2.); Outras com-pensações financeiras e penalizações por atrasos de pagamentos (3.3.);Prescrição (3.4.); Título executivo (3.5.); Exceção de contrato nãocumprido (3.6.); Responsabilidade (3.7.); Nulidade e demais irregu-laridades (3.8.); Orçamento (3.9.); Questões processuais (3.10.).

    A divisão é justificável pelo fato de o STJ apenas poder decidirsobre questões de direito. Ou seja, os fatos do caso concreto podem serlevados em consideração, mas não podem ser reexaminados9. Nessesentido, nos acórdãos encontrados nesta pesquisa, o que se discutiuem cada caso específico foram temas e questões de direito relacionadosao inadimplemento da Administração Pública (não questões de fato).

    Nos itens a seguir, descreveremos o que foi decidido peloSTJ em cada tema, expondo os seus fundamentos, com o objetivode entender a postura do tribunal e identificar as aparentes contra-dições – caso existentes – em suas decisões.

    3.1 CORREÇÃO MONETÁRIAO tema mais recorrente nos acórdãos selecionados foi o da correçãomonetária. O STJ decidiu sobre questões a ele relativas em treze acór-dãos10. Foram dois os principais aspectos decididos sobre o tema: (i) aincidência da correção monetária no âmbito dos contratos adminis-trativos; (ii) o termo inicial da incidência da correção monetária.

    Quanto à primeira questão, o STJ decidiu que deve haver inci-dência de correção monetária sobre os pagamentos em atraso noscontratos administrativos, mesmo que não haja previsão contratualou legal, sendo o principal argumento utilizado o da vedação aoenriquecimento sem causa. Para o tribunal, como a correção mone-tária não se trata de um benefício extra ao contratado, mas sim deum mecanismo de manutenção da real expressão aquisitiva da moedadesvalorizada pela inflação, pagar ao contratado o valor desatualizadoda dívida seria uma forma de a Administração enriquecer-se ilici-tamente à sua custa. Ou seja, o STJ decidiu pela incidência dacorreção monetária nos contratos administrativos com fundamentona teoria geral dos contratos.

    Em um caso específico11, todavia, os valores referentes à atuali-zação monetária foram considerados como indevidos. Não porincoerência do tribunal, mas sim por uma peculiaridade do caso, qualseja, o fato de o credor, após receber o pagamento da Administração

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  • da quantia em atraso desatualizada, ter dado quitação plena ao devedor(a Administração Pública). Para o STJ, por ter dado a quitação plenaà Administração, o contratado abriu mão da parcela referente à cor-reção monetária que não havia sido paga. Entretanto, o tribunaldeixou claro que o simples comprovante do recebimento do valorpago não afasta o direito daquele receber a quantia referente à cor-reção monetária.

    Quanto à segunda questão, o STJ decidiu que o termo inicialda correção monetária, nos contratos administrativos, deve dar-seentre a data do adimplemento das obrigações – no plural, para significartanto a obrigação da contratada, como a da contratante – e a datado efetivo pagamento. Ou seja, incidirá a correção monetária a partirdo momento em que a Administração se constituir em mora12.

    Os principais fundamentos utilizados foram dois artigos da Lei8.666/93: o artigo 40, XIV, ‘a’, que estipula a obrigação dos editaisde licitação de prever “critério de atualização financeira dos valores aserem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcelaaté a data do efetivo pagamento”; e o artigo 55, III, que determinouser uma cláusula obrigatória em qualquer contrato administrativo aque estipulasse “os critérios de atualização monetária entre a data doadimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”. Todavia, o fun-damento decisivo para resolução da questão foi o conceito de“mora”, do direito obrigacional, segundo o qual o devedor torna-se inadimplente (é considerado “em mora”) caso não efetue opagamento no tempo, lugar e forma devidos. Os dispositivos legaisda Lei 8.666/93 mencionados acima foram interpretados com basena noção de mora. Ou seja, mais uma vez aplicou-se a lógica doscontratos em geral aos contratos administrativos13.

    3.2 JUROS DE MORAO tema dos juros de mora – ou juros legais – foi decidido pelo STJem nove acórdãos14. O STJ decidiu sobre quatro aspectos relaciona-dos ao tema: (i) incidência de juros de mora no âmbito dos contratosadministrativos; (ii) taxa de juros; (iii) o termo inicial de incidênciados juros de mora; (iv) desnecessidade de interpelação judicial.

    Em primeiro lugar, o STJ decidiu que incidem juros de morasobre as parcelas em atraso de contratos administrativos, sendo apli-cáveis as regras previstas no Código Civil (Lei 10.406/2002) e noCódigo de Processo Civil (Lei 5.869/73). A aplicação das regrasgerais de direito contratual a essa situação explica-se pelo fato de aLei 8.666/93 ter apenas tratado genericamente a questão dos juros

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  • de mora – ao determinar, em seu artigo 40, XIV, ‘d’, que o edital delicitação deveria prever compensações financeiras e penalizaçõespor eventuais atrasos de pagamentos. Tal justificativa, entretanto,não é apresentada nos votos dos Ministros do STJ, que se contentamcom o fato de o posicionamento a favor da incidência dos juros demora já ter sido decidido previamente em outros julgados.

    Em segundo lugar, o STJ decidiu que a taxa de juros moratórios,aplicável até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a partirde 11 de janeiro de 2003, seria a de 6% a.a. (ao ano), conforme dis-punha o art. 1062 do Código Civil de 1916. Com a entrada emvigor do novo Código Civil, a taxa de juros passaria a ser reguladapelo art. 406 do Código Civil de 2002, ou seja, aplicar-se-ia umataxa de 1% a.m. (ao mês). A questão surgiu em razão de umamudança legislativa (com a entrada em vigor de um novo CódigoCivil, houve uma mudança na taxa de juros legais, de 6% a.a. para1% a.m.) que gerou dúvidas sobre qual taxa deveria ser aplicada aoscontratos celebrados até a entrada em vigor do novo Código Civil.

    Em terceiro lugar, depois de muita divergência sobre qual seriao termo inicial da incidência dos juros de mora, o STJ finalmenteresolveu a questão15. O tribunal buscou dar sentido ao emaranhadode regras a respeito do tema, e decidiu que, em caso de descumpri-mento de obrigação ilíquida, sem data certa para vencimento,quando o montante somente pode ser apurado em momento pos-terior ao inadimplemento da obrigação, a mora apenas configura-sea partir da citação válida (artigos 219 do CPC e 405 do CC/02).Por outro lado, em caso de obrigação líquida, certa e exigível, restaconfigurada a mora no momento em que o devedor não cumprecom sua obrigação de saldar a dívida – cometendo, assim, um ilícitocontratual (art. 960, CC/1916; art. 397, CC/02).

    Em quarto lugar, o STJ decidiu que, em obrigações líquidas, osjuros de mora correm a partir do primeiro dia subsequente ao ven-cimento (isto é, quando configurada a mora), sem necessidade deinterpelação judicial para a sua incidência.

    É possível verificar neste tópico que, tal como no tema da correçãomonetária, o STJ entendeu serem aplicáveis aos contratos administra-tivos as regras sobre juros de mora aplicáveis aos contratos em geral.

    3.3 OUTRAS COMPENSAÇÕES FINANCEIRAS OU PENALIZAÇÕESPOR ATRASOS DE PAGAMENTOS

    O próximo tema refere-se aos acórdãos nos quais o STJ tratoudas demais compensações financeiras ou penalizações por atrasos

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  • de pagamentos (além da correção monetária e dos juros de mora,já tratadas nos últimos tópicos). Três acórdãos16 sobre o temaforam analisados.

    No primeiro deles, havia previsão contratual da incidência tantode “encargos financeiros de mercado” (tal como previsto na cláusulacontratual, os “custos financeiros equivalentes aos praticados porinstituições financeiras de primeira linha, aí compreendidos osjuros”), como de multa de 0,5% ao dia, em caso de inadimplementoda Administração. O STJ entendeu serem lícitas as previsões con-tratuais e decidiu que elas deveriam ser aplicadas, com fundamentono princípio da teoria geral dos contratos de que “os acordos devemser respeitados” (pacta sunt servanda).

    No segundo caso, o STJ também entendeu ser lícita e aplicávela cláusula contratual prevendo uma multa de 5% sobre o valor queo Município deveria ter pago ao contratado.

    Em ambos os casos, prevaleceram as cláusulas estipuladas nopróprio contrato. Apesar de nenhuma das cláusulas conter – à pri-meira vista pelo menos – uma ilegalidade evidente, tal postura revelacerta simpatia do tribunal em respeitar o disposto nos contratos.

    No terceiro caso, todavia, o STJ entendeu ser improcedente opedido do contratado pela incidência de juros de mercado (juroscom taxas semelhantes às praticadas pelos bancos – ou seja, taxasmais elevadas que as dos juros de mora) sobre o montante devidopela Administração. O argumento do contratado era o de que, porcausa do inadimplemento da Administração, ele precisou contrairempréstimos em bancos, a juros maiores do que os juros de mora.Sendo assim, solicitou que sobre o inadimplemento da Adminis-tração incidissem não os juros de mora, mas os juros praticadospelas instituições financeiras no mercado. Em resposta, o STJentendeu que “não foi comprovado de forma inequívoca que osempréstimos bancários foram contraídos em virtude do inadim-plemento da Administração”, sendo assim, incidiriam no casoapenas os juros de mora (não os juros de mercado, como requeridopelo contratado).

    Os dois primeiros casos mostram uma propensão do STJ a res-peitar os mecanismos de compensação financeira previstos noscontratos administrativos. O último caso, por sua vez, revela umadesconfiança do STJ em penalizar a Administração pelo atraso nosseus pagamentos com juros não previstos contratualmente ou supe-riores aos juros de mora. Por isso, o tribunal condicionou aincidência de juros de mercado à demonstração inequívoca pelo

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  • contratado do nexo causal entre o inadimplemento da Administraçãoe a necessidade de captação de empréstimos bancários.

    3.4 PRESCRIÇÃOO tema da prescrição foi decidido pelo STJ em dez acórdãos17.

    A principal questão resolvida foi a do termo inicial da prescrição.O STJ decidiu que o prazo de prescrição corre a partir do inadimple-mento pela Administração de sua obrigação de realizar o pagamentodevido. Fundamentou-se a decisão com base no princípio da actionata, segundo o qual o prazo prescricional tem início a partir da dataem que o credor pode demandar judicialmente a satisfação do direito.Vale destacar que, mesmo que o inadimplemento da Administraçãotenha ocorrido em data anterior, o STJ decidiu que não corre aprescrição durante a demora pela Administração no estudo, no reco-nhecimento ou no pagamento da dívida considerada líquida.

    Além desse, outros pontos importantes foram decididospelo STJ com relação ao tema da prescrição.

    Em primeiro lugar, o STJ decidiu que a interpelação judicialé fato interruptivo da prescrição. É, assim, mecanismo legítimode protesto da contratada contra o inadimplemento contratualda Administração e tem o expresso intuito de conservar o direitoda contratada.

    Em segundo lugar, o STJ decidiu pela suspensão do prazo pres-cricional em um caso específico, no qual, em face da ausência decondições financeiras do ente municipal, o prazo para o pagamentoda dívida ficou estabelecido para termo incerto, condicionado àobtenção de crédito perante instituições financeiras e/ou fomenta-doras de desenvolvimento público. O STJ entendeu que deveriasuspender o prazo prescricional em razão da inexistência de prazopara cumprir a obrigação.

    Em terceiro lugar, o STJ decidiu que, em obrigações de tratosucessivo, pelo fato de a violação do direito ocorrer de forma con-tínua, o prazo prescricional renova-se a cada prestação periódicanão cumprida, podendo cada parcela ser fulminada isoladamentepelo decurso do tempo, sem, contudo, prejudicar as posteriores.

    3.5 TÍTULO EXECUTIVOAs questões relacionadas ao tema dos títulos executivos foram deci-didas pelo STJ em nove acórdãos18. Três títulos executivos foramobjeto de discussão nos acórdãos: (i) nota de empenho; (ii) cheque;(iii) documento público.

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  • Quanto à nota de empenho, o STJ entendeu tratar-se de títuloexecutivo extrajudicial, por ser um título de dívida líquida, certae exigível.

    Quanto ao cheque, o tribunal decidiu, em um caso no qual oscheques já estavam prescritos, que as cártulas discutidas (ou seja, oscheques já prescritos) eram originárias de contrato administrativo ea ele atreladas, razão pela qual inaplicável a teoria da abstração dascambiais. Nesse sentido, o contratado tem a obrigação de demonstrarna ação de cobrança a causa que originou o inadimplemento, sendonecessário investigar os motivos que levaram a Administração aonão pagamento do serviço contratado.

    A decisão do STJ trás um apontamento importante. Apesar de setratar de um cheque já prescrito, é certo que, se estivéssemos tratandode uma relação entre privados, o Judiciário não ligaria para as causasque deram origem à emissão daquele cheque, mas sim para a liquideze certeza da dívida que aquele título representa. O caso do chequeacima apontado é interessante, pois revela que, apesar de ser possível aemissão de cheques e a propositura de ações executivas neles fundadas,caso o cheque venha a prescrever, as suas vantagens – na qualidade detítulo de crédito – para o credor praticamente desaparecem.

    Finalmente, alguns julgados do STJ trataram sobre os docu-mentos públicos. Desde logo, aponte-se o posicionamento do STJde que o contrato administrativo é um documento público, tendoem vista emanar de ato de Poder Público, sendo, portanto, um títuloexecutivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do Código deProcesso Civil. Contudo, três ressalvas a esse entendimento, levan-tadas em acórdãos do STJ, devem ser apontadas.

    A primeira delas é a de que não passariam pelo juízo de admis-sibilidade as ações de execução propostas anteriormente à ediçãoda lei que incluiu os “documentos públicos” no rol de títulos exe-cutivos extrajudiciais.

    A segunda delas é a de que o documento público é necessário,mas não suficiente, para demonstrar a presença dos requisitos deliquidez, certeza e exigibilidade, sendo necessária, além do títuloexecutivo, a juntada de outros documentos que sejam hábeis a com-provar a exigibilidade e a liquidez da dívida.

    A terceira e última delas é a de que o contrato firmado entreempresa privada e entidade da Administração Pública indireta,dotada de personalidade jurídica de direito privado – no caso umasociedade de economia mista – não constitui documento público(CPC, art. 585, II).

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  • 3.6 EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDOO tema da exceção de contrato não cumprido foi decidido emquatro acórdãos19.

    A posição do STJ sobre a questão é a de que, com o advento daLei 8.666/93, foi superada a discussão doutrinária sobre a inoponibi-lidade da exceptio non adimpleti contractus contra a Administração, anteo teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, desnecessáriaa análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade doserviço público20.

    Nesse sentido, se a Administração Pública deixar de efetuar ospagamentos devidos por mais de 90 dias, pode o contratado, licita-mente, suspender a execução do contrato, sendo desnecessária, nessahipótese, a tutela jurisdicional, porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93lhe garante tal direito.

    Finalmente, prevendo a lei a possibilidade de suspensão do cum-primento do contrato pela verificação da exceptio non adimpleticontractus imputável à Administração, implica sustar-se o prazo parao “início da execução”, se verificável a ocorrência de fato da Admi-nistração que tenha atrasado o início dos trabalhos.

    3.7 RESPONSABILIDADEEm três acórdãos21 o STJ tratou diretamente do tema da responsa-bilidade.

    No primeiro deles, o STJ decidiu que a responsabilidade doPoder Público em relação a débitos previdenciários não foi instituídapara todas as espécies de contratos, mas apenas para aqueles quetivessem por objeto a prestação de “serviços executados mediantecessão de mão-de-obra”. A decisão foi fundamentada no art. 71,§2º, da Lei 8.666/93, que faz expressa remissão ao art. 31 da Lei8.212/91, que cuida dessa espécie de contrato. Também foi levadaem conta na decisão a interpretação histórica e teleológica dos dis-positivos legais aqui mencionados.

    No segundo deles, o STJ decidiu que a rescisão de empreitadade obra pública, motivada pelo inadimplemento do empreiteiro,não acarreta a responsabilidade do Estado pelos encargos trabalhistasassumidos pelos subempreiteiros.

    No terceiro e último deles, o STJ entendeu configurar-se lucrocessante no pedido de indenização pelo não pagamento de serviçoprestado, consistente na valorização do custo do dinheiro pela apli-cação no mercado financeiro. Tal pedido, ademais, independe deprova pericial na fase de conhecimento.

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  • Esse último acórdão parece apontar uma contradição com oque foi decidido no caso em que o contratado não obteve do Judi-ciário o provimento do pedido de incidência de juros de mercadoao invés de apenas incidirem os juros de mora22. Os casos são muitosemelhantes em seus pedidos, a saber: naquele do item 3.3, pede-sea incidência das taxas de juros praticadas no mercado financeiro(não apenas a dos juros legais) sobre os valores devidos pela Admi-nistração. No entanto, enquanto no caso agora analisado a prova foidispensada, em razão do conhecimento notório de que o Brasilviveu anos de elevadíssima inflação, naquele exigiu-se prova ine-quívoca do nexo causal entre o inadimplemento da Administraçãoe a necessidade de captação de empréstimos bancários. Em primeirolugar, é importante apontar que parece ter havido uma confusão doSTJ entre correção monetária (calculada em função da inflação) erentabilidade do dinheiro no mercado (calculado em função dastaxas de juros nele praticadas) que fez com que o tribunal nãotivesse dúvidas em conceder os juros mais elevados, por pensar queestava tratando da questão da correção monetária (sendo fato notórioa existência de elevados índices de inflação durante muitos anos).Em segundo lugar, tudo leva a crer que o discurso da responsabili-dade civil – isto é, da busca pela identificação dos danos sofridospelo contratado (inclusive os lucros cessantes) em razão do inadim-plemento da Administração – no caso agora relatado – convenceumais o tribunal do que o discurso rotulado pelo tema dos juros demercado, utilizado no caso do item 3.3.

    3.8 NULIDADE E DEMAIS IRREGULARIDADESO tema da nulidade, ou outras irregularidades, foi tratado pelo STJem dois acórdãos23.

    Em um deles, o STJ decidiu que, demonstrada a efetiva realizaçãodo objeto contratado – no caso, obras de infraestrutura do Município– não pode a Administração, ao argumento de eventual irregulari-dade no estabelecimento do ajuste, furtar-se, na espécie, aoadimplemento de obrigação pecuniária com o particular. Funda-mentou-se a decisão com base no argumento de que a moralidadee legalidade vedam o enriquecimento ilícito de qualquer das partes,aí se inserindo a própria Administração Pública.

    No outro caso, o STJ decidiu que a anulação de contrato admi-nistrativo, quando o contratado tiver realizado investimentos para ocumprimento de suas obrigações, implica o dever do seu ressarci-mento pela Administração Pública. Isso porque, segundo o tribunal,

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  • o contratado estaria na posição de terceiro de boa-fé, às ordens doEstado e investindo em prol dos desígnios deste, tendo assim direitoao ressarcimento dos danos sofridos com a anulação do contrato.

    O STJ, em ambos os casos, foi bastante razoável ao preservar ointeresse legítimo do contratado de receber pelo que fez e, aomesmo tempo, não coadunou com nenhuma grande irregularidade.O tribunal também passou a mensagem de que a Administraçãonão pode ficar “inventando” ou mesmo “procurando” irregulari-dades, com o exclusivo objetivo de furtar-se ao cumprimento desuas obrigações.

    3.9 ORÇAMENTODois casos sobre orçamento foram julgados pelo STJ24.

    O primeiro deles tratou de uma situação em que houve cessãoparcial do objeto de um contrato administrativo para outra empresa.O STJ entendeu que o contrato originalmente efetuado entre aPrefeitura de Sumaré e a empresa já previa a totalidade dos recursosa serem despendidos pelo Município e, portanto, a cessão parcialdo objeto do contrato não aumentaria ou reduziria as obrigaçõesdo Município para com os prestadores dos serviços.

    Do ponto de vista orçamentário, a decisão do STJ faz sentido,pois, independentemente de quantos forem prestar os serviços, osserviços em si permanecem os mesmos após a cessão parcial do con-trato e, consequentemente, os recursos que vão ser usados para honraras obrigações relativas a tais serviços também serão os mesmos.

    No segundo caso, afirmou o STJ que os créditos decorrentesde contratos públicos não são direitos indisponíveis. Direitos indis-poníveis são, na verdade, considerados os que versam sobre osdireitos fundamentais do homem, como a saúde, a vida, a liberdade,a cidadania, e o estado familiar, nacional, social da pessoa.

    Apesar de fazer parte do tema do orçamento, a decisão acimanarrada não trata da questão orçamentária com o enfoque dado aesse tema na introdução deste estudo, isto é, como mecanismo deprevenção ao inadimplemento da Administração.

    3.10 QUESTÕES PROCESSUAISPor fim, dos cinco acórdãos25 que trataram de questões de ordemprocessual, vale a pena mencionar o que tratou da via processual ade-quada para requerer os valores devidos pela Administração.

    O STJ decidiu que o mandado de segurança é via inadequadapara satisfação de crédito decorrente do inadimplemento contratual

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  • por parte da Administração que deixou de efetuar o pagamento departe do valor contratado. Isso porque a satisfação dos créditoscontra a Administração depende de procedimento específico, decor-rente da impenhorabilidade dos bens públicos. Nesse sentido, tantoo artigo 100 da Constituição Federal como o artigo 730 do Códigode Processo Civil estabelecem a requisição de pagamento como aforma adequada para vencer o inadimplemento.

    4 CONCLUSÕESA partir da análise dos acórdãos do STJ, é possível vislumbrar algumasrespostas às questões suscitadas no início deste trabalho. A primeiradelas, e talvez a mais importante, é a de que o STJ tem tido um papelrelevante na resolução dos conflitos decorrentes da inadimplência daAdministração Pública nos contratos administrativos da Lei 8.666/93.

    Os acórdãos analisados neste artigo evidenciam as dificuldadesde se conferir efetividade a um sistema legal que busca combater oinadimplemento pela Administração Pública. É possível perceber queas mais variadas dúvidas surgem – das mais simplórias às mais com-plexas – na hora de interpretar e aplicar as regras sobre o assunto.

    Nesse contexto, diante de dúvidas sobre a aplicação e interpre-tação das regras específicas da Lei 8.666/93, e diante das dificuldadesde se articular as regras desse diploma legal com os dispositivosaplicáveis aos contratos em geral, o STJ revelou-se um verdadeiroprotagonista. Isso porque ao conferir eficácia a normas ambíguasou imprecisas, ao resolver conflitos entre normas antinômicas e aopreencher lacunas, o STJ atuou para que o inadimplemento nãoficasse sem solução.

    Em suma, é possível dizer que o STJ tem procurado harmonizaro sistema geral, de regras aplicáveis aos contratos em geral, com oespecial, aplicável aos contratos administrativos, com o objetivo defazer com que os mecanismos de combate ao inadimplemento daAdministração efetivamente funcionem.

    Quanto à aplicação de regras e princípios gerais de direito con-tratual, ficou claro que, em certos temas, tais normas gerais sãoessenciais. Isso já era esperado, afinal não seria viável, tampoucoprático, que uma legislação especial regrasse detalhadamente todosos tópicos relacionados a temas como correção monetária, juros demora, natureza executiva dos contratos administrativos, entre outros.

    Quanto ao respeito ao pactuado nos contratos, o STJ procuroufazer valer o disposto nos contratos administrativos, desde que,

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  • evidentemente, isso não violasse nenhuma lei. Nos casos em quea cláusula não estava de acordo com a lei, obviamente o acordadoentre as partes foi desconsiderado, sendo o dispositivo legal aplicadonessas situações.

    Pensando nas razões pelas quais certas questões foram judiciali-zadas, percebe-se que o principal motivo da judicialização dasdemandas foram incertezas quanto à interpretação das regras (sejamelas gerais, aplicáveis a todos os contratos, ou especiais, aplicáveisaos contratos administrativos apenas). Além disso, é de se ressaltarque as questões mais judicializadas foram de ordem financeira (cor-reção monetária e juros de mora, preponderantemente). Isso poderevelar que as questões geralmente são mais judicializadas quandoexistem fortes interesses por detrás delas, e o interesse de o contra-tado receber o valor a ele devido, atualizado não só pelos índices deinflação, mas também por índices de investimento (juros de mora,por exemplo), é um interesse (legítimo, ressalte-se) de que ele mos-trou não pretender abrir mão.

    Por fim, vale destacar que o único tema cuja aplicação foi objetode maiores incertezas foi o tema dos juros de mora. Havia umagrande confusão nos tribunais sobre como resolver as questões ati-nentes a eles (especialmente a do termo inicial dos juros de mora),tratadas no item 3.2. deste artigo. A judicialização relativa a essetema pode ter se acentuado justamente em razão dessas dúvidas eincertezas. De resto, todavia, entendo que a judicialização na matériade inadimplemento da Administração em contratos administrativospode ser considerada “normal”. Os casos analisados mostram situa-ções típicas em que a Administração não cumpriu com suasobrigações e, por conta disso, o contratado recorreu ao Judiciáriopara fazer valer seus direitos. No Judiciário, a Administração, naposição de devedora, naturalmente levantava argumentos – oumesmo “inventava teses” – para não cumprir, adiar ou minorar opagamento. O contratado, por outro lado, naturalmente fazia ooposto. Em meio a essas disputas, o STJ, por sua vez, como já indi-cado, mostrou-se bastante atuante, tentando impedir que oinadimplemento ficasse sem solução.

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  • notas

    1 Nos termos do artigo 6º, inciso XI, da Lei 8.666/93, considera-seAdministração Pública “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direitoprivado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”. Neste artigo,os termos “Administração Pública” e “Administração” serão utilizados como sinônimos.

    2 Neste artigo, analisaremos apenas os contratos administrativos regidospreponderantemente pela Lei 8.666/93. Ficam excluídos deste estudo, portanto, oscontratos administrativos regidos apenas supletivamente pela Lei 8.666/93, a saber, oscontratos de concessão comum, regidos pela Lei 8.987/1995, e os contratos deparcerias público-privadas, regidos pela Lei 11.079/2004, bem como os demaiscontratos com a Administração regidos por outras normas.

    3 Para os fins deste artigo, utilizaremos parte da noção descritiva deinadimplemento dada por Judith Martins-Costa, segundo a qual o termo“inadimplemento” indica o não-cumprimento, pelo devedor, das normas que impõemo dever de prestar ao credor, no tempo, lugar e forma que a lei ou a convençãoestabelecer. Para um estudo mais detalhado sobre as noções de inadimplemento,conferir: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, volume V, tomoII: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 81-84.

    4 Importante lembrar que, conforme prevê o artigo 54 da Lei 8.666/93, osprincípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado aplicam-sesupletivamente aos contratos administrativos: “Os contratos administrativos de que trataesta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes,supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.

    5 Código Civil de 2002, art. 476: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes,antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

    6 A distinção entre interpretar e construir é feita de maneira simplificada nesteartigo. No campo teórico, é extremamente controvertida e complexa a conceituaçãodesses termos, bem como o entendimento preciso das suas distinções e sobreposições.

    7 Nos termos da Constituição Federal do Brasil, artigo 105, inciso III, competeao Superior Tribunal de Justiça: “julgar, em recurso especial, as causas decididas, emúnica ou última instância, pelo Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dosEstados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariartratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo localcontestado em lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe hajaatribuído outro tribunal”.

    8 O operador ‘$’ possibilita o resgate de quaisquer palavras que possuam ocentro indicado, independentemente do prefixo ou sufixo (por exemplo, no caso decontrat$, é possível encontrar as expressões contrato, contratado, contratual, etc.). Aexpressão ‘e’ exige que todas expressões indicadas no termo de busca estejam presentesno documento pesquisado.

    9 A Súmula 7 do STJ dispõe que “a pretensão de simples reexame de prova nãoenseja recurso especial”.

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  • 10 Acórdãos sobre correção monetária: REsp 1.079.522-SC, Min. MauroCampbell Marques, DJe 17.12.2008; REsp 1.148.397-SP, Min. Castro Meira, DJe02.12.2009; REsp 679.525-SC, Min. Luiz Fux, DJ 20.06.2005; REsp 696.935-MT,Min. Franciso Falcão, DJ 14.12.2006; REsp 770.675-SP, Min. Luiz Fux, DJ17.12.2007; REsp 909.800-MG, Min. José Delgado, DJ 29.06.2007; REsp 968.835-SC, Min. Eliana Calmon, DJe 14.08.2009; REsp 437.203-SP, Min. Eliana Calmon, DJ18.11.2002; REsp 17.040-SP, Min. Peçanha Martins, DJ 29.05.1995; REsp 54.470-RJ,Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 06.03.1995; REsp 7.399-SP, Min. Milton Luiz Pereira, DJ27.06.1994; REsp 958.177, Min. José Delgado, DJ 12.11.2007; REsp 145.819, Min.Eliana Calmon, DJ 04.06.2001.

    11 REsp 437.203-SP, Min. Eliana Calmon, DJ 18.11.2002.

    12 Artigo 394 do Código Civil de 2002: “Considera-se em mora o devedor que nãoefetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou aconvenção estabelecer”.

    13 Mesmo havendo certa constância nos acórdãos, no REsp 1.079.522-SC, a 2ªTurma do STJ decidiu de uma forma sutilmente diferente sobre a questão do termoinicial da correção monetária. Com base na Súmula 43 do STJ, decidiu-se que acorreção monetária incidiria a partir da “data do prejuízo”. Surpreendentemente,definiu-se que a data do prejuízo seria a data da medição, feita pelo contratado. Ouseja, com essa decisão, decidiu-se que a correção monetária passaria a incidiranteriormente ao descumprimento pela Administração da sua obrigação de efetuar opagamento devido, o que, a princípio, não faria muito sentido. Todavia, essa não foi aposição que prevaleceu no STJ. Apesar disso, o julgado ilustra as dificuldades deinterpretação das normas, em uma questão que, à primeira vista, parece simples.

    14 Acórdãos sobre juros de mora: Embargos de Divergência em REsp964.685-SP, Min. Mauro Campbell Marques, DJe 06.11.2009; Edcl no REsp1.004.258-SC, Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.03.2011; REsp 1.079.522-SC,Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17.12.2008; REsp 696.935-MT, Min. FranciscoFalcão, DJ 14.12.2006; REsp 958.177-SP, Min. José Delgado, DJ 12.11.2007; REsp909.800-MG, Min. José Delgado, DJ 29.06.2007; REsp 964.685-SP, Min. JoséDelgado, DJ 05.12.2007; REsp 465.836-RJ, Min. Denise Arruda, DJ 19.10.2006; REsp437.203-SP, Min. Eliana Calmon, DJ 18.11.2002.

    15 Embargos de Divergência em REsp 964.685-SP, Min. Mauro CampbellMarques, DJe 06.11.2009.

    16 Acórdãos sobre outras compensações financeiras: AgRg no RESp895.863-PR, Min. Luiz Fux, DJe 16.06.2008; REsp 1.125.788-SP, Min. Luiz Fux, DJe14.06.2010; REsp 909.800-MG, Min. José Delgado, DJ 19.06.2007.

    17 Acórdãos sobre prescrição: AgRg no AgRg no Agravo de Instrumento1.159.773-PE, Min. Luiz Fux, DJe 07.06.2010; REsp 1.008.133-RR, Min. José Delgado,DJe 31.03.2008; REsp 1.022.818-RR, Min. Herman Benjamin, DJe 21.08.2009; REsp1.115.277-SC, Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.02.2011; REsp 1.151.397-MG,Min. Hamilton Carvalhido, DJe 02.09.2010; REsp 1.188.908-DF, Min. BeneditoGonçalves, DJe 17.11.2010; REsp 578.868-MG, Min. Denise Arruda, DJ 01.03.2007;REsp 696.935-MT, Min. Francisco Falcão, DJ 14.12.2006; REsp 698.166-AM, Min.Luiz Fux, DJ 05.09.2005; REsp 338.197-RJ, Min. José Delgado, DJ 25.02.2002.

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  • 18 Acórdãos sobre título executivo: REsp 1.072.083-PR, Min. Castro Meira,DJe 31.03.2009; REsp 1.099.127-AM, Min. Castro Meira, DJe 24.02.2010; REsp487.913-MG, Min. José Delgado, DJe 09.06.2003; REsp 698.166-AM, Min. Luiz Fux,DJ 05.09.2005; REsp 700.114-MT, Min. Luiz Fux, DJ 14.05.2007; REsp 704.382-AC,Min. Eliana Camon, DJ 19.12.2005; REsp 813.662-RJ, Min. Denise Arruda, DJ20.11.2006; REsp 879.046-DF, Min. Denise Arruda, DJ 18.06.2009; REsp 882.747-MA, Min. José Delgado, DJ 26.11.2007.

    19 Acórdãos sobre exceção do contrato não cumprido: AgRg no REsp326.871-PR, Min. Humberto Martins, DJ 20.02.2008; REsp 879.046-DF, Min. DeniseArruda, DJe 18.06.2009; REsp 910.802-RJ, Min. Eliana Calmon, DJe 06.08.2008;Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 15.154-PE, Min. Luiz Fux, DJ02.12.2002.

    20 Essa posição aplica-se apenas aos contratos administrativos regidospreponderantemente pela Lei 8.666/93, não se aplicando, por exemplo, aos contratosde concessão comum, cujo objeto é a prestação de serviços públicos.

    21 Acórdãos sobre responsabilidade civil: REsp 20.254-PE, Min. AriPargendler, DJ 02.09.1996; REsp 412.798-BA, Min. Eliana Calmon, DJ 19.12.2003;Medida Cautelar 15.410-RJ, Min. Luiz Fux, DJe 08.10.2009.

    22 Conferir descrição do caso no item 3.3. deste artigo.

    23 Acórdãos sobre nulidade e demais irregularidades: REsp 468.189-SP,Min. José Delgado, DJ 12.05.2003; REsp 547.196-DF, Min. Luiz Fux, DJ 19.06.2006.

    24 Acórdãos relacionados a orçamento: REsp 1.016.583-AL, Min. ElianaCalmon, DJe 31.08.2009; REsp 468.189-SP, Min. José Delgado, DJ 12.05.2003.

    25 Acórdãos sobre questões processuais: AgRg no Agravo de Instrumento1.075.225-SP, Min. Benedito Gonçalves, DJe 11.03.2009; AgRg no Agravo deInstrumento 825.766-MG, Min. Denise Arruda, DJ 28.06.2007; REsp 1.072.083-PR,Min. Castro Meira, DJe 31.03.2009; REsp 870.838-DF, Min. Castro Meira, DJe25.11.2009; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 17.167-MT, Min. TeoriAlbino Zavascki, DJ 04.10.2004.

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    inadimplemenTo da adminisTração pública em conTraTos adminisTraTivos

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  • 1 NOVA ZELÂNDIA COMO PARÂMETROINSTITUCIONAL COMPARATIVO

    Quando uma pessoa sofre um dano causado, por exemplo, por umerro médico, ela almeja, geralmente, uma ou mais dessas soluções: (i)reconhecimento do dano, (ii) tratamento e reabilitação, (iii) compen-sação pelas perdas sofridas, sejam elas financeiras ou não, (iv) garantiade que outras pessoas não passarão pela mesma situação e de que osenvolvidos serão responsabilizados. Na maioria dos países, o meiomais comum para que tais soluções sejam alcançadas é ir a juízo1. NaNova Zelândia, contudo, é diferente. As pessoas que sofrem danosnão precisam ir a juízo para ter seu prejuízo compensado, uma vez

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    Nova ZelâNdia: uma análise jurídica e econômica sobre seu sistemaindenizatório de danos acidentais

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    New ZealaNd: aN ecoNomic aNd legal aNalysis oN its system of accideNtal

    damage iNdemNity

    resumoINICIALMENTE, É APRESENTADO O SISTEMAINDENIZATÓRIO DE DANOS ACIDENTAIS DA NOVAZELÂNDIA COM O OBJETIVO DE SE ESTABELECERUM PARÂMETRO INSTITUCIONAL COMPARATIVO. HÁ ACONTEXTUALIZAÇÃO DO “ACCIDENT COMPENSATIONSCHEME”, ADMINISTRADO PELA “ACCIDENTCOMPENSATION CORPORATION”, COM INDICAÇÃODE SUAS FUNÇÕES, OBJETIVOS E RESTRIÇÕES. EM SEGUIDA, APRESENTA-SE O PROBLEMA TEÓRICO, O QUAL É SUBDIVIDIDO EM TRÊS PARTES.PRIMEIRAMENTE, HÁ A DIFERENCIAÇÃO ENTRE OSISTEMA DE AUSÊNCIA DE RESPONSABILIZAÇÃO E

    O DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA, O QUE LEVA ÀCONCLUSÃO DE QUE O SISTEMA ADOTADO PELA NOVAZELÂNDIA É UMA COMBINAÇÃO ENTRE AMBOS. EMSEGUNDO LUGAR, APRESENTA-SE O SISTEMA DESEGURO, O PROBLEMA DOS CUSTOS DE LITÍGIO, E ASTEORIAS DA “DILUIÇÃO DAS PERDAS” E DO “BOLSOPROFUNDO” E SUAS SEMELHANÇAS E DIFERENÇASCOM O SISTEMA DA ACC. POR ÚLTIMO, É FEITA UMACOMPARAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE A NOVAZELÂNDIA E O BRASIL, CHEGANDO-SE À CONCLUSÃODE QUE CADA UM DOS SISTEMAS APRESENTA

    VANTAGENS E DESVANTAGENS QUE, AO SEREMPONDERADAS, FORAM ESCOLHIDAS DIFERENTEMENTEPOR CADA UM DOS PAÍSES.

    palavras-chaveNOVA ZELÂNDIA. SISTEMA INDENIZATÓRIO.DANOS ACIDENTAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL.

    abstractINITIALLY, THE SYSTEM OF ACCIDENTAL DAMAGEINDEMNITY OF NEW ZEALAND IS PRESENTEDWITH THE AIM OF ESTABLISHING AN

    INSTITUTIONAL COMPARATIVE PARAMETER. THEREIS THE CONTEXTUALIZATION OF ACCIDENTCOMPENSATION SCHEME ADMINISTERED BYACCIDENT COMPENSATION CORPORATION, WITHINDICATION OF THEIR FUNCTIONS, OBJECTIVESAND CONSTRAINTS. THEN THE THEORETICALPROBLEM IS PRESENTED AND IT IS DIVIDED IN

    THREE PARTS. FIRST, THERE IS DIFFERENTIATIONBETWEEN THE SYSTEM OF ABSENCE OF

    RESPONSIBILITY AND THE SYSTEM OF OBJECTIVE

    RESPONSIBILITY, WHICH LEADS TO THECONCLUSION THAT THE SYSTEM ADOPTED BY NEWZEALAND IS A COMBINATION OF BOTH. SECOND,IT IS PRESENTED THE INSURANCE SYSTEM, THEPROBLEM OF LITIGATION COSTS, AND THEORIESOF DILUTION OF LOSSES AND THE DEEP POCKET

    AND THE SIMILARITIES AND DIFFERENCES WITH

    THE ACC SYSTEM. FINALLY, AN INSTITUTIONALCOMPARISON IS MADE BETWEEN NEW ZEALANDAND BRAZIL, LEADING TO THE CONCLUSION THATEACH SYSTEM HAS ADVANTAGES AND

    DISADVANTAGES THAT WERE WEIGHED AND

    CHOSEN DIFFERENTLY BY EACH COUNTRY.

    keywordsNEW ZEALAND. INDEMNITY SYSTEM. ACCIDENTALDAMAGE. CIVIL LIABILITY.

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  • que todos os danos acidentais são indenizados com recursos de umfundo constituído especialmente para esse fim. Trata-se do AccidentCompensation Scheme (ACS), administrado pela Accident CompensationCorporation (ACC) e regulado, principalmente, pelo Injury Prevention,Rehabilitation and Compensation Act, de 20012.

    A função da Accident Compensation Corporation é de cobrir comabrangência qualquer dano pessoal sofrido, seja ele resultante deculpa ou não, por residentes e visitantes da Nova Zelândia. Ou seja,é possível obter a ajuda da ACC independentemente de como apessoa sofreu o dano ou de quem foi a culpa. Tal ajuda incluidiversos serviços, tais como pagamento de tratamento necessáriopara a recuperação da vítima, suporte em casa enquanto ela nãomelhora, e assistência financeira enquanto ela não pode trabalhardevido ao dano sofrido3.

    Além disso, a ACC também tem como objetivos prevenir a ocor-rência de danos, assegurar que as pessoas terão o tratamento adequadocaso eles ocorram, e ajudar as pessoas a voltar à sua rotina o maisrápido possível. Para que tais objetivos sejam realizados, o que a ACCfaz é (i) receber os requerimentos dos clientes, (ii) orientar e coordenara ajuda que o cliente deve receber, (iii) dar uma ajuda financeirasemanal calculada com base no rendimento usual do cliente, (iv) ajudara pagar por uma grande quantidade de tratamentos e despesas médicas,tais como consultas e exames, (v) arrecadar ajuda financeira para cola-borar com os serviços prestados, (vi) e aconselhar as firmas e acomunidade sobre como se tornarem lugares seguros, nos quais aspessoas raramente são vítimas de acidentes4.

    Todos os Neozelandeses e visitantes da Nova Zelândia quesofrem um dano podem solicitar a ajuda da ACC, independente-mente de ser trabalhador, aposentado, estudante ou criança; se foiele mesmo ou outro que causou o acidente que levou ao dano; ouse este ocorreu no trabalho, durante a prática de algum esporte, emcasa ou na estrada.

    A única restrição feita pela ACC é a de que, devido à grandeabrangência da ajuda disponível após a ocorrência de um dano, apessoa que o sofreu não pode recorrer ao sistema judiciário. Entre-tanto, os danos punitivos (examplary damages) não entram nessarestrição, uma vez que eles não têm por objetivo compensar avítima do dano, mas corrigir e dissuadir a pessoa que o causou, eoutros, de exercer a mesma conduta5.

    O sistema existente na Nova Zelândia pode ser justificado prin-cipalmente pela responsabilidade da comunidade, uma vez que é

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  • do interesse e é obrigação de todos garantir que os cidadãos sejamprotegidos e não tenham suas atividades interrompidas devido adanos sofridos. Cada um contribui individualmente, mesmo que demaneiras diferentes, para o bem-estar geral da comunidade. Nassociedades modernas, todos se beneficiam do trabalho de seus inte-grantes. Além disso, há quem se dedique exclusivamente a zelarpela comunidade, como por exemplo um policial ou um vigia.Dessa forma, todos são responsáveis pelos danos que eles possamvir a sofrer.6

    Contudo, há quem afirme que esse sistema não se baseia emnenhum propósito lógico ou econômico e que, devido a outros moti-vos, deve ser substituído. É o que discutiremos no presente artigo.

    2 O PROBLEMA TEÓRICOO direito contratual diz respeito a relações nas quais os custos detransação de acordos privados são relativamente baixos, sendo assimmais vantajoso para os envolvidos que eles cooperem e façam umacordo. Por outro lado, há situações para as quais os custos de tran-sação de acordos privados são tão elevados que impossibilitam aspartes de cooperarem. Por exemplo, é impossível que cada motoristafaça um acordo com todos os demais motoristas ou pedestres quepossam ser atingidos por seu carro. Para esses casos, o direito corres-pondente é o da responsabilidade civil7.

    No direito contratual, os danos que as partes possam vir a sofrersão internalizados pelos acordos privados. Em oposição, os danosque estão fora desses tipos de acordos são tidos como externalidades.Externalidades são as atividades de determinados agentes que, devidoà possibilidade de causarem acidentes, podem impor custos a ter-ceiros8, o que é indesejável por toda a sociedade. Com isso, oobjetivo econômico da responsabilidade civil seria de induzir osautores e as vítimas de lesões a internalizarem os custos dos danosque possam ocorrer, tendo assim incentivos para investir em segu-rança no nível eficiente9.

    O modelo econômico do direito da responsabilidade civil sebaseia em dois elementos: no custo do dano e no custo de se evitaro dano. O prejuízo esperado de um acidente é o valor monetáriodo prejuízo que resulta de um acidente multiplicado pela probabi-lidade dele ocorrer, e diminui à medida que a precaução aumenta,ou seja, à medida que comportamentos que reduzem a probabilidadede um acidente são tomados. É importante saber qual é o prejuízo

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  • esperado para então sabermos qual é o nível eficiente de precaução,ou seja, o nível de precaução no qual os custos esperados de umacidente (custos com precaução e custos gerados pelo acidente) sãominimizados, o que varia dependendo do caso10. Analisaremos doisdeles: ausência de responsabilização e responsabilidade objetiva.

    2.1 AUSÊNCIA DE RESPONSABILIZAÇÃOE RESPONSABILIDADE OBJETIVA

    Na ausência de responsabilização, não há responsabilização por lesõesacidentais. Logo, é a vítima quem arca com o dano esperado. Emoutras palavras, é a vítima que internaliza os custos gerados pelo aci-dente, o que lhe dá incentivos para tomar precauções eficientes etentar evitar que ele ocorra11. Já o autor do dano é indiferente entrea ocorrência ou ausência de acidente, já que não arca com nenhumcusto, não tendo assim incentivos para tomar precauções.

    Em contrapartida, na responsabilidade objetiva, o autor do danoé objetivamente responsável e a vítima recebe indenização perfeita.Nesse caso, como a vítima é indiferente entre um acidente comindenização e a ausência de acidente12, ela não tem incentivos paratomar precauções. O autor do dano, por outro lado, tem de pagar àvítima uma indenização equivalente ao custo do dano sempre queocorra um acidente. Assim, como há realocação do custo do dano,o autor deste passa a internalizar os custos, o que lhe dá incentivospara tomar precauções eficientes13.

    Entretanto, nem o modelo de ausência de responsabilização nemo modelo de responsabilidade objetiva criam incentivos para queambas as partes tomem precauções. No primeiro caso, a vítima inter-naliza o custo do dano e o autor o externaliza, tendo aquela incentivoseficientes e este incentivos ineficientes. Inversamente, no segundocaso, o autor do dano internaliza o custo do dano e a vítima o exter-naliza, tendo aquele incentivos eficientes e esta incentivos ineficientes.Logo, não há incentivos para uma precaução eficiente por ambas aspartes, com divisão dos custos dos danos entre elas14.

    Aplicando a problematização teórica ao caso da Nova Zelândia,observa-se que, neste país, a regra de responsabilidade é diferentedas que foram analisadas. Na realidade, o que ocorre na Nova Zelân-dia é uma combinação das duas: há ausência de responsabilidadecivil, porém a vítima sempre recebe indenização perfeita. Ou seja,o custo do dano não é suportado nem pelo autor deste nem pelavítima, recebendo esta uma indenização pelo dano sofrido sem queo autor seja responsabilizado. Tal indenização é paga pela Accident

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  • Compensation Corporation, de acordo com a regulação prevista noInjury Prevention, Rehabilitation and Compensation Act de 2001.

    Sob essa perspectiva, é possível afirmar que nem a vítima nem oautor do dano terão incentivos eficientes para investir em precaução einternalizar os custos do dano. Dessa forma, ambos serão indiferentesentre a ocorrência ou não do acidente, o que os levará a externalizaros custos resultantes dele, não tomando nenhum tipo de precaução e,consequentemente, aumentando o número de acidentes.

    2.2 SEGUROTendo em vista essas consequências, é possível observar semelhançasentre o sistema adotado pela Nova Zelândia e o sistema de seguros.O seguro pode ser adquirido por indivíduos que enfrentam o riscode prejuízos acidentais. Nesses casos, quando o acidente ocorre, avítima com seguro pede para ser ressarcida por sua seguradora. Alémdisso, também há o seguro contra responsabilidade civil. Nesse caso,quando o acidente ocorre e o autor do dano deve pagar indenizaçãoà vítima, é a seguradora que paga o valor devido. Dessa forma, oseguro nada mais é do que um sistema privado de direito da res-ponsabilidade civil que realoca os custos de acidentes15.

    Assim, como ocorre no sistema da Nova Zelândia, os seguros, aotransferirem os riscos da parte segurada para a seguradora, fazemcom que as partes externalizem esses riscos, dando a elas um incentivopara reduzir suas precauções. Tal redução é chamada de risco moral16.Contudo, os seguros possuem um diferencial, que é o de tentarreduzir o risco moral. Isso pode ser feito de diversas maneiras, entreelas fazer o segurado pagar um valor monetário fixo ou uma por-centagem fixa de suas perdas acidentais, estabelecer o valor da apólicedo segurado de acordo com o seu passado e até mesmo imporpadrões de segurança que os segurados precisam atender para per-manecerem cobertos por suas apólices17.

    É possível afirmar que na Nova Zelândia também há a tentativade redução do risco moral por meio de incentivos à redução dosriscos. A ACC, além de ser responsável por recompensar as vítimasde acidentes pelos prejuízos que sofreram, também é responsávelpor incentivar a população a transformar suas casas e seus locais detrabalho em locais seguros, nos quais não haja risco de acidentes, ea não terem atitudes que aumentem os riscos de acidentes. Entre-tanto, não há nenhum tipo de punição econômica para aqueles quenão sigam as orientações, como ocorre nos seguros. Nestes, os segu-rados que não tomam precauções sofrerão uma diminuição no seu

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  • patrimônio ou não receberão os serviços prestados pela seguradora,o que gera incentivos muito mais fortes do que os da ACC.

    2.3 CUSTOS DE LITÍGIOOutro ponto relevante para o tema é a discussão sobre os custos delitígio. Em vários países do mundo que não a Nova Zelândia, noscasos em que uma pessoa causa um dano a outra e deva ser respon-sabilizada por isso, o meio mais comum para que ocorra o pagamentoda indenização à vítima é o litígio – a vítima ajuíza uma açãopedindo que o autor do dano pague a indenização devida.

    Entretanto, geralmente, o custo de tal litígio é extremamentealto, às vezes o suficiente para arruinar uma das partes. Tal custo geraimpactos diferentes sobre as vítimas e sobre os autores do dano.

    Se as vítimas precisarem arcar com os custos para processar seudireito de indenização, então elas provavelmente ajuizarão menosprocessos, uma vez que não compensará arcar com custos de litígioque podem chegar a exceder a indenização compensatória esperada.Tal atitude por parte das vítimas é indesejada, pois a maioria delasnão processará os autores dos danos, deixando de sinalizar a elesque estão realizando ações repreensíveis. Como resultado, ocorrerámenos emprego de precauções do que o necessário por parte dospotenciais autores, levando à ocorrência de mais acidentes e de aci-dentes mais graves18.

    Por outro lado, se o processo for caro para o autor do dano,então este tomará mais precauções do que o necessário, tornandoassim os acidentes menos prováveis e menos graves. Dessa forma, érazoável pensar que, se os custos de precauções adicionais foremmenores do que os custos do litígio, potenciais autores de danotomarão precauções adicionais para evitar os altos custos19.

    Na Nova Zelândia, como não há responsabilização na grandemaioria dos casos, as vítimas dos danos não podem e não precisamajuizar uma ação para obter a indenização compensatória, uma vezque já a obtêm por meio da ACC. É como se o custo do litígiofosse zero, porém sem o autor do dano ter ciência de que realizouatitudes inaceitáveis20.

    Assim, o sistema da Nova Zelândia não está sujeito aos impactosque os altos custos do litígio causam nos países nos quais o paga-mento de indenizações está vinculado à responsabilidade civil,sejam eles negativos (no caso das vítimas, que ajuízam menos ações)ou positivos (no caso dos possíveis autores de danos, que tomammais precauções).

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  • 2.4 MÉTODOS DA “DILUIÇÃO DAS PERDAS” (LOSS SPREADING) E DO “BOLSO PROFUNDO” (DEEP POCKET)De acordo com Guido Calabresi em “The Costs of Accidents”, arazão para a existência de sistemas de alocação de custos de acidentessem responsabilização consiste no argumento de que tais custosserão menos onerosos se forem diluídos entre as pessoas e notempo21. Tal constatação é verdadeira se verificarmos que tomaruma quantidade significativa de dinheiro de uma única pessoa geramaior desarticulação econômica do que tomar pequenos montantesde várias pessoas22.

    Uma variante dessa constatação é a noção de “bolso profundo”.Segundo esta, a onerosidade dos custos de acidentes será ainda maisreduzida se eles forem diluídos entre as pessoas menos favoráveis asofrerem desarticulações econômicas como resultado de arcaremcom tais custos – isto é, os mais afortunados23. Tal noção pode sercomprovada pela ideia de utilidade marginal decrescente do dinhei-ro: uma unidade de dinheiro tirada de uma pessoa rica causa menosimpacto do que se tirada de uma pessoa pobre24.

    Assim, a melhor alternativa para um sistema de alocação decustos de acidentes sem a existência de responsabilização seria acriação de um fundo responsável pelo pagamento das indenizaçõesàs vítimas dos acidentes, o qual seria financiado, por meio de impos-tos, por todos os possíveis beneficiários ou somente por aquelesque tiverem maiores condições de pagar sem serem afetados eco-nomicamente, dependendo de como se deseja que seja feita adiluição dos custos25.

    Outra alternativa para o financiamento de tal fundo seria cobraros impostos das pessoas de acordo com sua tendência a gerar custosprovenientes de acidentes26. Apesar dos altos custos administrativosque seriam gerados – pois as pessoas deveriam ser classificadas emdiferentes categorias –, ocorreria uma dissuasão, incentivando todosa tomarem maiores precauções para que não tenham que pagaraltos impostos.

    Na Nova Zelândia, a ACC tem como base a ideia da diluição dasperdas. Os recursos do Accident Compensation Scheme – o fundo res-ponsável pelo pagamento dos custos dos acidentes – são constituídospor uma parte do rendimento de todas as pessoas que trabalham erecebem salários, por uma parte do lucro das empresas, por umaparte do preço pago pela gasolina, por uma parte das taxas pagas parao financiamento de veículos e por uma parte do orçamento doGoverno. O objetivo da ACC é fazer com que haja dinheiro suficiente

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  • para cobrir os prováveis custos dos acidentes, mantendo o valor dacobrança justo27.

    O dinheiro coletado é distribuído em cinco contas diferentes,cada uma responsável por cobrir as despesas de um dano específico:conta de trabalho (responsável por cobrir os danos trabalhistas,financiada pelas empresas); conta das pessoas que possuem rendi-mento (cobre os danos das pessoas empregadas que ocorrem forado local de trabalho, financiada pelas próprias); conta dos que nãopossuem rendimento (cobre danos sofridos por pessoas que nãotrabalham, tais como estudantes, crianças e aposentados, financiadapelo Governo); conta de veículos automotores (cobre todos osdanos envolvendo veículos automotores que aconteçam nas viaspúblicas da Nova Zelândia, financiada pelo preço do petróleo epelo imposto sobre o licenciamento de veículos); e a conta de tra-tamentos médicos (cobre os danos envolvendo tratamento médicoe é financiada da mesma maneira que as contas dos que possuem edos que não possuem rendimento)28.

    Dessa forma, é verificável que na Nova Zelândia a ideia da dilui-ção das perdas é basilar na formação de seu sistema. Além disso, ométodo do “bolso profundo” também está presente. Só as pessoasque estão empregadas e possuem rendimento estão obrigadas a cola-borar com o fundo. As desempregadas, por sua vez, não colaboramenquanto estão nessa situação, mas recebem uma fatura que deveráser paga no futuro, quando encontrarem um emprego e passarem areceber um salário. Já as crianças, os aposentados e os estudantes,apesar de serem beneficiários do sistema, não contribuem.

    Uma observação a ser feita é a de que não ocorre, na NovaZelândia, a diferenciação entre os contribuintes de acordo com suatendência a sofrer ou a causar acidentes. Assim, não há incentivospara que eles tomem maiores precauções visando a diminuir omontante de sua contribuição.

    3 OBJETIVOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

    No Brasil, o tema da responsabilidade civil é regulado pelo CódigoCivil de 2002, apresentando uma tendência à objetivação, isto é, àausência de especulação a respeito de existência de culpa29. As trêsprincipais funções atribuídas à responsabilidade civil pelo ordenamentobrasileiro são: indenização da vítima, distribuição dos danos e pre-venção de comportamentos antissociais. É reconhecido que nem

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  • sempre a responsabilidade civil é o melhor meio para atingir essesobjetivos e que a realização simultânea deles pode ser difícil, uma vezque, para realizar um, pode comprometer-se a realização de outro30.

    No que diz respeito à indenização da vítima, há limitações. Avítima deve arcar com o risco da possibilidade de insolvência do res-ponsável e com o alto custo decorrente do longo processo judicialnecessário. Dessa forma, pode chegar a ser inviável que ela faça valerseu direito de ser indenizada31. Em relação à distribuição dos danos,há situações – como nos casos de danos acidentais – em que, aomesmo tempo em que é preciso indenizar a vítima, não é justoatribuir esse dever ao autor do dano faltoso. Assim, faz sentido distri-buir o dever de indenizar entre os membros de uma coletividade,reduzindo o ônus individual32. Já no tocante à prevenção de com-portamentos antissociais, a responsabilidade civil faz com que hajanão só um efeito preventivo específico, decorrente da ameaça da san-ção de reparação, como também um efeito preventivo geral, com aeliminação de certas atividades consideradas perigosas por meio daimposição de responsabilidade em uma economia de mercado33.

    Contudo, é importante ressaltar que cada país pode incluir dife-rentes objetivos para a responsabilidade civil em seu ordenamento,sendo estes específicos do Brasil. Na Nova Zelândia, país objeto deestudo do presente artigo, pode ser verificado que alguns dessesobjetivos são perseguidos de maneira diversa à responsabilidadecivil. Como todos os danos acidentais são indenizados com recursosde um fundo constituído especialmente para esse fim – o AccidentCompensation Scheme –, a responsabilidade civil perdeu sua funçãode indenização e de distribuição de danos34, uma vez que taisfunções já são alcançadas pelo fundo, como já foi demonstradoanteriormente. Lá, a responsabilidade civil, quando admitida, possuifim puramente punitivo, com o objetivo de dissuadir o responsávele os outros de exercerem a conduta inadequada que causou o dano.

    4 CONCLUSÃOComo foi apresentado, a Nova Zelândia possui um sistema de repa-ração de danos diferente do utilizado no Brasil. É possívelargumentar que cada um dos sistemas apresenta vantagens e des-vantagens que, ao serem ponderadas, foram escolhidas diferentementepor cada um dos países.

    Apesar de haver quem critique o sistema da Nova Zelândia,foi demonstrado que ele possui propósitos lógicos e embasamento

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  • econômico. Além disso, apesar de ser razoável considerar que umaconsequência inevitável é a diminuição na tomada de precauçãopor parte das pessoas beneficiárias do sistema, ele é eficiente no sen-tido de reduzir os gastos com acidentes: além de não haver custoscom litígios, os custos com indenização e outros gastos são diluídospor quase toda a sociedade.

    A atipicidade do sistema neozelandês de responsabilidade civiltambém chama a atenção. Há uma ausência de responsabilização(com exceção dos danos punitivos), porém a vítima sempre temdireito a receber toda a assistência disponibilizada pelo sistema. Énatural que em decorrência dessa atipicidade surjam problemas. Oprincipal deles, e muito debatido nas Cortes do país, diz respeito àtênue linha que separa os danos acidentais dos danos punitivos, poisem muitos casos é difícil saber se o responsável pelo acidente deveser responsabilizado ou não. Como na maioria das vezes as vítimasnão podem processar os autores do dano, não há jurisprudência arespeito de tal assunto para servir como base de análise e comparaçãoentre as situações35.

    Diante da atual regulação de responsabilidade civil no Brasil, pre-sente principalmente no Código Civil de 2002, não seria possível aimplementação de um sistema análogo ao da Nova Zelândia. Contudo,é preciso reconhecer os benefícios presentes no sistema neozelandês,e tentar incorporá-los, dentro dos limites, no nosso ordenamento.

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  • Notas

    1 Cabinet Social Development Comittee: Medical Misadventure Review –Conclusions and recommendations (2004). In ATKIN, Bill; McLAY, Geoff e HODGE,Bill. Torts in New Zealand – Cases and Materials. 4th ed. Previous ed: 2002. OxfordUniversity Press, p. 154 e 155.

    2 PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e Princípios Justificadores da ResponsabilidadeCivil e o art. 927, § único do Código Civil. Nota de rodapé 10, p. 12.

    3 Site da ACC. Disponível em: Acesso em: 17/11/2010.

    4 Idem.

    5 Idem.

    6 The Woodhouse Report. In ATKIN, Bill; McLAY, Geoff e HODGE, Bill. Tortsin New Zealand – Cases and Materials. 4th ed. Previous ed: 2002. Oxford UniversityPress, p. 121.

    7 COOTER, Robert e ULLEN, Thomas. Direito & Economia. Tradução: LuisMarcos Sander, Francisco Araújo da Costa. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 321-322.

    8 RODRIGUES, Vasco. Análise Econômica do Direito: Uma Introdução. Ed.Almedina: Coimbra, 2007, p. 41-42.

    9 COOTER, Robert e ULLEN, Thomas. op. cit., p. 322.

    10 Idem, p. 332-333.

    11 Idem, p. 334.

    12 É importante ressaltar que é impossível, obviamente, a vítima estarcompletamente indiferente entre a não ocorrência do acidente e a ocorrência doacidente com o pagamento de indenização perfeita, pois de fato ela sofreu uma perda.Contudo, a indenização perfeita tem por objetivo fazer com que os custos do danosofrido sejam transferidos, aliviando os da vítima. De acordo com Schäfer e Ott,“There is no real return to the status quo ante so it is impossible to conclude that theaim of compensatory damages is the removal of losses.” SCHÄFER, Hans-Bernd eOTT, Claus. The Economic Analysis of Civil Law. Translates from the German byMatthew Braham. Adward Elgar, p. 111.

    13 COOTER, Robert e ULLEN, Thomas. op. cit., p. 335.

    14 Idem, p. 337.

    15 Idem, pp. 367-368.

    16 Idem, p. 368.

    17 Idem, p. 369.

    ano 01

    v.1 n.1

    dez|2011

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    maria gabriela castaNheira bacha

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  • 18 Idem, p. 373.

    19 Idem, ibidem.

    20 É importante ressaltar que, no sistema da Nova Zelândia, para que uma pessoareceba indenização compensatória, não é necessário que outra pessoa tenha causado odano a ela. Na hipótese de o dano ter sido causado pela própria pessoa que o sofre, nãose aplica tal argumentação.

    21 CALABRESI, Guido. The Costs of Accidents – A Legal and Economic Analysis.Yale University Press, p. 39.

    22 Idem, ibidem.

    23 Idem, p. 40.

    24 Tal ideia não é absoluta nem universal, mas serve para ilustrar a noção dedeep pocket.

    25 CALABRESI, Guido. op. cit., p. 44.

    26 Idem, p. 46.

    27 Site ACC. Disponível em: Acesso em: 25/11/2010.

    28 Idem.

    29 PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e Princípios Justificadores da ResponsabilidadeCivil e o art. 927, § único do Código Civil, p. 1.

    30 Idem, p. 3.

    31 Idem, pp. 3-4.

    32 Idem, p. 4.

    33 Idem, ibidem.

    34 Idem, nota de rodapé 10, p. 12.

    35 ATKIN, Bill; McLAY, Geoff e HODGE, Bill. Torts in New Zealand – Casesand Materials. 4th ed. Previous ed: 2002. Oxford University Press, p. 120.

    artigo 02

    p. 027-038

    são Paulo

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    nova zelândia: uma análise jurídica e econômica sobre seu sistema indenizatório

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  • 1 INTRODUÇÃOO Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), assim comoo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi criado pela Emenda àConstituição nº 45 de 2004, que veio a integrar nosso ordenamentojurídico após a promulgação da chamada “PEC da Reforma doJudiciário”1. Tal Proposta de Emenda à Constituição estava inseridaem um contexto de tornar o Judiciário mais célere e eficiente, commembros mais competentes e menos corporativistas. É o que senota na justificativa do referido projeto, e