comportamentos anti-sociais (lilia, 2007)

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Qu’il s’agisse de délinquance ou d’addiction, de conduites de l’ «Xtrême» ou de marginalisation, dans toute mise en acte, il y a ainsi un instant où l’équilibre des forces se rompt, où l’individu bascule dans l’interdit, parce que quelque chose d’infime, mais essentiel, a emporté sa décision. In Coslin (2003, p.203).

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Page 1: Comportamentos Anti-sociais (Lilia, 2007)

“Qu’il s’agisse de délinquance ou d’addiction, de conduites de l’ «Xtrême» ou de marginalisation, dans toute mise en acte, il y a ainsi un instant où l’équilibre des forces se rompt, où l’individu bascule dans l’interdit, parce que quelque chose d’infime, mais essentiel, a emporté sa décision.”

In Coslin (2003, p.203).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

ÍNDICE

1. Introdução…………………………………………………………………………...p.3

2. Introdução aos Comportamentos Anti-Sociais………………………………….…..p.4

2.1. Definição do Conceito…………………………………………………….p.4

2.2. Evolução…………………………………………………………………..p.4

2.3. Idade e Sexo dos Indivíduos………………………………………………p.5

2.4. Factores do Aumento da Delinquência

e Variáveis Sócio-Familiares……………………………..……………….p.6

3. Indisciplina e Violência na Escola : Contextualização…………..………………….p.8

3.1. O Conceito de Indisciplina…………………………………………….….p.8

3.2. Aumento da Indisciplina e da Violência na Escola……………………….p.8

3.3. Níveis de Indisciplina……………………………………………………p.10

3.4. Tipos de Violência…………………………………………...…………..p.11

4. Factores da Indisciplina……………………………………………………..……..p.13

4.1. Os Professores…………………………………………………………....p.13

4.2. A Instituição Escolar……………………………………………………..p.15

4.3. O Aluno…………………………………………………………………..p.16

4.4. Factores Sociais e Familiares…………………………………………….p.18

5. Vertente Prática:

Entrevistas a duas Alunas do 3º Ciclo do Ensino Básico.………………………..p.20

5.1. Considerações Prévias……………………………………………….…..p.20

5.2. Análise das Entrevistas…………………………………………………..p.20

5.3. Confronto das Entrevistas…………………………………………….….p.23

6. Medidas Preventivas……………………………………………………………….p.24

7. Conclusão……………………………………………………………………….....p.25

8. Bibliografia………………………………………………………………………...p.27

9. Anexos ………………………………………………………………………….…p.28

2

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

1. INTRODUÇÃO

No âmbito da disciplina de Comportamentos Anti-Sociais, do 4º ano da

Licenciatura em Ciências da Educação, foi proposta a elaboração de um trabalho que

contemplasse um tema relacionado com esta matéria.

Actualmente, a violência na escola tem sido um assunto bastante mediatizado,

pelo facto de se verificar um aumento da violência no seio dos estabelecimentos

escolares (Coslin, 2003, p.166). Deste modo, torna-se relevante e da máxima

importância compreender os motivos que levam os alunos a adoptar comportamentos

indisciplinados para, posteriormente, desenvolver e aplicar medidas preventivas, de

forma a promover comportamentos sociais ajustados. Assim, o trabalho intitula-se “Os

Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula”.

São múltiplas as causas que estão na origem de condutas desviantes nos alunos,

no entanto, antes de expor este assunto serão introduzidos outros temas de forma a

contextualizá-lo. Por conseguinte, o trabalho apresentará a seguinte estrutura:

Depois da Introdução (ponto 1), surge uma Introdução aos Comportamentos

Anti-Sociais (ponto 2) onde serão abordados a definição e a evolução do conceito,

assim como a idade e o sexo dos indivíduos, alguns factores do aumento da

delinquência e variáveis sociais e familiares. De Seguida, será efectuada uma

Contextualização da Indisciplina e Violência na Escola (ponto 3), onde serão

esclarecidos o conceito da indisciplina, justificações para o aumento da indisciplina e

violência na Escola assim como os níveis e tipos de Indisciplina. No ponto 4, serão

apresentados os Factores da Indisciplina mais importantes, nomeadamente, os

professores, a instituição escolar, o aluno e o meio social e familiar do aluno. No ponto

seguinte, será exposta uma Vertente Prática (ponto 5), onde serão analisadas e

confrontadas duas entrevistas a duas alunas do 3º Ciclo do Ensino Básico. Estas

Entrevistas têm como objectivo obter o ponto de vista de alunos deste nível de ensino

quanto às causas dos comportamentos desviantes dos alunos e confrontar os dados

obtidos com a literatura consultada. No ponto 6 serão apresentadas algumas Medidas

Preventivas para promover comportamentos adequados e positivos no meio escolar.

Finalmente, surgem a Conclusão (ponto 7), a Bibliografia (ponto 8) e os Anexos

(ponto 9).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

2. INTRODUÇÃO AOS COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS

2.1. Definição do Conceito

Os comportamentos anti-sociais, casos “muito frequentes na sociedade”1,

representam “um padrão estável de desrespeito pelos direitos do outro ou de violações

das normas sociais próprias de uma determinada comunidade” 2 (Fonseca, 2000, p.9).

Nesta definição incluem-se “comportamentos de oposição”, “mentira” e mesmo

“crimes graves no código penal” (Fonseca, 2000, p.13).

Este termo apresenta uma diversidade de designações, nomeadamente

“delinquência juvenil” (Fonseca, 2000, p.10). Coslin (2003, p.181) define-a como sendo

um fenómeno heterogéneo que apresenta uma extrema diversidade, incluindo as

condutas delinquentes, comportamentos criminais, vandalismo e violências escolares3.

Importa denotar a existência de atitudes que, apesar de não implicar a violação

da lei, são consideradas comportamentos anti-sociais, como por exemplo, fumar,

adoptar atitudes violentas ou desobedecer aos pais (Fonseca, 2000, p.13).

Podem, ainda, aparecer outros problemas associados, nomeadamente

“dificuldades de aprendizagem (…), défices de participação em actividades sociais (…)

e relacionamento problemático com os colegas (…)” (Fonseca, 2000, p.28).

2.2. Evolução

Assiste-se a “um aumento considerável do comportamento anti-social e da

delinquência violenta nos últimos 50 anos” (Fonseca, 2000, p.16), e verifica-se que

1 Torna-se importante referir que os comportamentos mais graves variam de país para país, mas também diferem consoante a época histórica (Fonseca, 2000, p.15).2 Importa ressaltar que os dados estatísticos variam de estudo para estudo, dependendo do tipo de população, da natureza e da qualidade dos instrumentos ou dos intervalos temporais e verificam-se “padrões constantes” relativamente “à distribuição do comportamento anti-social” (Fonseca, 2000, pp. 14-15).3 Lawrence (1998, citado por Fonseca, 2000, p.16) refere diversos exemplos de comportamentos desviantes, nomeadamente “a venda e o consumo de droga, o uso de armas, roubos, ameaças e intimidações (bullying), vandalismo e diversas formas de violência para com colegas, funcionários e professores”.

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

“entre 74% e 98% de todos os crimes são cometidos por indivíduos matriculados em

escolas” (Lawrence, 1998, citado por Fonseca, 2000, p.16).

Coslin (2003, pp.184-187), também fala num aumento da violência, ao longo

dos últimos anos, no entanto, alerta para o facto da delinquência juvenil não ter evoluído

apenas quantitativamente, mas também qualitativamente, isto é, os tipos de conduta

também se modificaram, e assistimos a uma criminalidade cada vez mais violenta.

2.3. Idade e Sexo dos Indivíduos

A delinquência juvenil é um objecto complexo que se inscreve numa pluralidade

de factores de natureza diferente. A sua importância varia segundo o sexo, a idade e o

meio de origem (Coslin, 2003, p.189), e é “provável que nenhum destes factores,

isoladamente, forneça uma explicação adequada de tais comportamentos” (Fonseca,

2000, p.28).

Um estudo realizado em Coimbra (Fonseca et al., 1995) conferiu a expulsão

devido a um maus comportamentos de alunos da sala de aula, nomeadamente 1.3% dos

alunos do sexo masculino do 2º ano, 1.6% do 4º ano e 3.7% do 6º ano. De acordo com

este mesmo estudo, verificou-se que 72% dos rapazes e 36.7% das raparigas do 6º ano

admitiram ter “batido” nos colegas durante os últimos 12 meses (Fonseca, 2000, p.14).

Deste modo, averigua-se que rapazes adoptam mais frequentemente condutas violentas

do que as raparigas (Fonseca, 2000, p.15).

Coslin (2003, p.189) e Debardieux (1999, p.60) apontam, também, para uma

preponderância do sexo masculino, sendo que alguns estudos confirmam o predomínio

em 90% do sexo masculino (Coslin, 2003, p.189). Este facto pode constatar-se na

infância, na adolescência ou na idade adulta (Fonseca, 2000, p.17).

Verifica-se uma “prevalência particularmente elevada na adolescência”, ou seja

os jovens que adoptam esses tipos de comportamentos têm idades compreendidas entre

os 15 e os 18 anos4 (Fonseca, 2000, p.15).

4 O comportamento anti-social limitado à adolescência é observado na maior parte dos adolescentes, podendo, este facto, ser considerado um fenómeno normativo desta fase de desenvolvimento, onde o desfasamento entre a maturidade biológica e a falta de um estatuto social adequado influenciam as atitudes do jovem (Fonseca, 2000, p.22).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

Coslin (2003, p.178), na mesma linha de pensamentos, refere que mais da

metade dos jovens delinquentes que são julgados têm idades compreendidas entre os 16

e os 18 anos5.

Fonseca (2000, p.17) alerta para o seguinte facto: o tipo de comportamento

desviante varia consoante o sexo, a idade dos sujeitos e a forma como este é avaliado,

sendo que a diferença entre os dois sexos aparece mais elevada nos comportamentos

criminais na idade adulta, ou nos comportamentos agressivos nas crianças.

2.4.Factores do Aumento da Delinquência e Variáveis Sócio-Familiares

No âmbito de uma proposta de justificações para o aumento das condutas

delinquentes, podem considerar –se os seguintes factores: a família, o prolongamento

excessivo da adolescência (adiamento da entrada no mundo do trabalho), a

generalização do consumo de droga e do álcool assim como um surgimento de mais

oportunidades e de uma maior tolerância relativamente ao comportamento anti-social

(Rutter, 1998, citado por Fonseca, 2000, p.17).

Coslin (2003, p.175) afirmou que os jovens mais violentos no seio de um

estabelecimento apresentam uma relação psicológica perturbada com os pais, onde

existe indiferença, hostilidade, falta de interesse e de cooperação, assim como

comportamentos violentos. Em certas famílias, a violência é mesmo considerada um

valor (Cusson, 1983; Patterson, 1984; citados por Coslin, 2003, p.175).

Por outro lado, quando os pais são demasiado liberais ou autoritários, os jovens

também correm riscos de demonstrar comportamentos desviantes, sendo, então,

necessário apostar numa educação harmoniosa e promover o sentimento de segurança,

de modo a inibir as condutas violentas nos jovens (Coslin, 2003, pp. 175-178).

Constatou-se que os jovens oriundos de meios económicos e culturais

desfavorecidos tendem a adoptar condutas delinquentes (Coslin, 2003, p.189). Foram

obtidas as mesmas conclusões nos estudos de Douglas e colaboradores (1966, citados

por Fonseca, 2000, p.19), onde verificaram que os jovens ingleses condenados por

crimes pertencem maioritariamente a classes operárias, e onde concluíram que grande

5 Constata-se que o cume da delinquência tem vindo a manifestar-se mais tarde, podendo ser, este facto, explicado pelo prolongamento da escolaridade obrigatória assim como por factores psicológicos, biológicos e de natureza psicossocial (Fonseca,2000 p.21).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

parte dos jovens delinquentes são influenciados por conhecimentos, relações sociais e

pela sua família.

Por sua vez, de acordo com o que foi mencionado anteriormente, Elliot e

Hizinga (1980, citados por Fonseca, 2000, p.20) consideram que as taxas mais elevadas

do comportamento anti-social são tomadas por sujeitos oriundos de classes mais

desfavorecidas e que vivem em meio urbano6.

Deste modo, confirma-se, que “a pobreza e a desvantagem social constituem um

factor de risco de delinquência”7 (Farrington & Loeber, 1998, citados por Fonseca,

2000, p.20).

Coslin (2003, p.193) explicou que as categorias mais desfavorecidas

demonstram uma reacção de oposição às frustrações ressentidas, sendo a delinquência,

uma solução adoptada colectivamente, quando os sujeitos se deparam perante uma

situação onde são impedidos de melhorar as suas condições de vida, pelas vias legais8.

6 Principalmente nas zonas mais degradadas e desorganizadas das grandes cidades (Fonseca, 2000, p.20).7 Constata-se que “a criminalidade diminui quando o nível sócio-económico dos indivíduos melhora” (Fonseca, 2000, p.20).8 Também se verifica uma delinquência dos meios favorecidos (Coslin, 1999, citado por Coslin, 2003, p.193).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

3. INDISCIPLINA E VIOLÊNCIA NA ESCOLA:

CONTEXTUALIZAÇÃO

3.1. O Conceito de Indisciplina

Antes de abordar o tema dos factores da indisciplina, importa clarificar

determinados conceitos.

Assim, a indisciplina pode ser definida como um “fenómeno relacional e

interactivo que se concretiza no incumprimento das regras que preside, orientam e

estabelecem as condições das tarefas na aula, e, ainda, no desrespeito de normas e

valores que fundamentam o são convívio entre pares e a relação com o professor,

enquanto pessoa e autoridade” (Amado, 2000, p.179).

Lawrence e colaboradores (1985, citados por Amado, p.417) afirmam que “ a

indisciplina implica a contravenção de princípios, regulamentos, contractos e ordens,

em clara discordância com os objectivos do grupo ou instituição, e provocando

situações de perturbação das relações sociais no seu interior” e, contrariamente ao

conceito de delinquência juvenil9, não é considerada como “uma infracção à ordem

legal geral” , mas atinge “uma ordem normativa instituída de natureza escolar ou ético-

social destinada a assegurar as condições de aprendizagem e a garantir a socialização

dos alunos” (Estrela, 1996, citado por Estrela & Amado, 2000, p.251).

3.2. Aumento da Indisciplina e da Violência na Escola

Dentro dos comportamentos violentos cometidos pelos jovens nas últimas

décadas, importa referir que “muitas dessas transgressões ocorrem em idade e em

contexto escolares” (Fonseca, 2000, p.16).

9 Esta “remete,(…), para um quadro jurídico uniforme, codificado e oficialmente estabelecido num país, com prescrições e penas definidas para os actos considerados como infracções criminais” (Estrela, 1996, citado por Estrela & Amado, 2000, p.251).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

Assim, a escola, enquanto agente de socialização, tem sido alvo de grande

atenção mediática, pelo facto de demonstrar algum “fracasso” na sua “missão de

inserção das jovens gerações” (Estrela e Amado, 2000, p.249).

Depois de realizar alguns estudos, Debardieux (1999, p.21), verificou a

existência de um sentimento de insegurança e de diferenças entre estabelecimentos.

Constatou-se que nas escolas dos bairros10 mais desfavorecidos economicamente

persistia um maior o risco de violência11. Este clima degradado aparece fortemente

ligado às características da população acolhida, onde se destaca a pertença étnica dos

alunos ( Debardieux, 1999, p. 11).

A massificação do ensino (Coslin, 2003, p.165; Debardieux, 1999, p.49;

Walgrave,1992, citado por Fonseca, 2000, p.17) e o prolongamento da escolaridade

obrigatória (Walgrave,1992, citado por Fonseca, 2000, p.17) contribuíram para o

surgimento de um grande desfasamento entre a classe média-alta e as classes mais

desfavorecidas, levando ao desenvolvimento de comportamentos anti-sociais e violentos

(Fonseca, 2000, p.17). De facto, estes alunos não encontram forma de se valorizar no

sistema escolar (Coslin, 2003, p.165), porque adquiriram a consciência da sua

desigualdade (Baillon, 1982; citado por Debardieux, 1999, p.31) e sentem-se frustrados

perante a realidade da segregação dominante (Dubet e Martuccelli, 1996,1998; citados

por Debardieux, 1999, p.31)12.

Segundo Baudelot e Establet (1970, citados por Debardieux, 1999, p.34), a

escola é como o mundo do trabalho, onde existem dois tipos de classes totalmente

antagónicos. Os alunos provenientes das classes favorecidas aparecem como uma

verdadeira provocação que vai levar a violentas resistências, assim a violência aparece

como uma luta social, e uma “violência simbólica” (Bourdieu e Passeron, 1970, citados

por Debardieux, 1999, p.35).

Assim, tem-se assistido a um desenvolvimento de violências anti-escolares

dirigidas contra os docentes na sala de aula13. Estas agressões verbais ou físicas põem a

relação pedagógica em causa e levam à perda de credibilidade dos docentes

(Debardieux, 1999, p.29).

10 Nos estabelecimentos dos arredores desfavorecidos das grandes cidades existem mais transgressões (Debardieux, 1999, p. 46).11 O risco de ser vítima é mais importante quando as condições sociais se deterioram (Debardieux, 1999, p.9).12 A sociologia da violência escolar está fortemente ligada a uma sociologia da “exclusão” (Debardieux, 1999, p.9).13 Comportamentos delinquentes, no seio de um estabelecimento escolar, representam actos d indisciplina (Estrela & Amado, 2000, p.251).Importa referir que a indisciplina escolar pode degenerar, com facilidade em violência e em delinquência, sendo difícil, ainda, estabelecer fronteiras rígidas entre agressividade, violência moral e delinquência (Couldby & Harper, 1985; citados por Estrela & Amado, 2000, p.254).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

3.3. Níveis de Indisciplina

Amado (1998, citado por Estrela & Amado, 2000, p.251; Amado, 2000, p.103),

propõe “três níveis de indisciplina”.

O primeiro nível refere-se aos “desvios às regras de produção”, isto é,

compreende “incidentes a que é imputado um carácter “disruptivo”, em virtude da

“perturbação” que causam ao “bom funcionamento” da aula” (Amado,1998, citado

por Estrela & Amado, 2000, p.251).14

O segundo nível, correspondendo ao “conflitos inter-pares”15, inclui

acontecimentos que manifestam uma desordem nas reacções “formais e informais entre

os alunos”. Neste caso, podem surgir comportamentos agressivos e violentos, tais como

“extorsão, violência física e verbal, intimidação sexual, roubo e vandalismo”, que

podem alcançar a “gravidade de actos delinquentes”, isto é, “de foro legal”

(Amado,1998; citado por Estrela & Amado, 2000, p.251).

O terceiro nível corresponde aos “conflitos da relação aluno-professor” 16. Os

alunos manifestam comportamentos que “põem em causa a autoridade e o estatuto do

professor (insultos, obscenidades, desobediência, contestação afrontosa, réplica

desabrida a chamadas de atenção e castigos)”, manifestando, também, “agressividade

e violência” e o “vandalismo”. A “gravidade” destes actos pode levar os alunos a serem

julgados judicialmente (Amado,1998; citado por Estrela & Amado, 2000, p.251).

Amado (2000, p.103) alerta para a tomada de consciência dos possíveis limites

deste tipo de categorias, porque “raramente os comportamentos, no seu contexto,

oferecem apenas uma leitura única” e porque “focando apenas os comportamentos

desviantes, podem oferecer uma visão distorcida dos conjuntos das interacções na sala

de aula, onde os desvios são, habitualmente minoritários se tivermos em conta os

outros comportamentos”.

14 Corresponde à “categoria processo-aula” onde os comportamentos “põem em cauda a organização e gestão da classe e do rendimento da turma” (Amado, 2000, p.103)15 “Categoria da relação aluno-aluno” (Amado, 2000, p.103) .16 “Categoria da relação professor-aluno” (Amado, 2000, p.103).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

3.4. Tipos de Violência

Na sequência dos níveis de indisciplina, pode-se referir a distinção entre os

diferentes tipos de violência na escola. Os quais podem diferir consoante os autores.

Pain (1997, citado por Estrela & Amado, p.253) distingue dois tipos de violência

na escola: “a violência delinquente e a violência das atitudes”. No primeiro caso,

inserem-se os “atentados físicos contra pessoas ou instalações (…), a violência verbal

ligada a insultos (…), a violência das atitudes (…), assim como a resistência à

participação e à comunicação”.

A violência das atitudes relaciona-se com fenómenos designados de “bullying”.

Estes comportamentos envolvem “intimidações prolongadas e vitimização”, sendo o

“bullying” descrito como “um abuso sistemático de poder (…) repetido e deliberado”

manifestando-se de várias maneiras, envolvendo “agressão física ou verbal” ( Pain,

1997; Estrela & Amado, 2000, p.253).

Coslin (2003, p.167) fala em três níveis de violência escolar, nomeadamente, os

crimes e delitos susceptíveis de dar origem a processos; as incivilidades (“incivilités”)

descritas pelos docentes, pelos funcionários e pelos alunos e, finalmente, em terceiro

lugar, os sentimentos de insegurança resultantes dos dois aspectos precedentes.

Este autor assume que as incivilidades podem tomar diversas formas, segundo as

regras impostas. Estas condutas, definidas por Debardieux (1999, p.42) como todas as

pequenas formas de violência, visam o divertimento e pretendem incomodar o docente.

Assim, podem manifestar-se de forma verbal (gozar, falar, insultar) ou de forma física

(empurrar, apresentar determinados gestos desagradáveis, estragar material ou tomar

atitudes violentas) (Coslin, 2003, p.167)

Dubet (1994, 1998; citado por Debardieux, 1999, p.44), propõe, tal como Coslin,

a classificação da violência escolar em três dimensões: a dimensão escolar; a dimensão

ligada à entrada de condutas delinquentes pela invasão da vida do bairro; e a dimensão

relacionada com uma violência anti-escolar, directamente voltada contra as pessoas e a

escola.

O primeiro tipo de violência, propriamente escolar, está directamente ligado à

massificação de novos públicos. A violência escolar pode ser uma resposta à

desigualdade sentida, e traduzindo-se em agitação, barulho e desordem entre os alunos

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

das classes populares (Dubet,1994, 1998; citado por Debardieux, 1999, p.44).

Determinadas populações não identificam utilidade na escola, sendo incapazes de

interiorizar a ordem escolar e de dar sentido ao seu trabalho, manifestando –se através

de muita agitação, brigas e roubos. Coslin (2003, p.169) define este aspecto como

“violence reactionnelle aux contraintes institutionnelles”.

A segunda dimensão da violência escolar relaciona-se com a entrada de condutas

delinquentes e violentas nas escolas (Dubet,1994, 1998; citado por Debardieux, 1999,

p.45). Neste âmbito, Coslin (2003, p.169) assinala que as delinquências exteriores que

penetram no estabelecimento e que os alunos transpõem os seus comportamentos

habituais no meio escolar.

A violência “antiescolar” aparece como a dimensão mais significativa. Este tipo

de violência tem sofrido um aumento nos últimos anos. Para Dubet e Martuccelli

(1998,citados por Debardieux, 1999, p.46), esta forma de violência corresponde a “uma

resposta ao desprezo”. Esta representa uma resistência manifestada pelos alunos porque

se sentem desvalorizados pelo seu estatuto escolar e procuram estabelecer uma estima

neles mesmos (Coslin, 2003, p.169).

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Page 13: Comportamentos Anti-sociais (Lilia, 2007)

Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

4. FACTORES DA INDISCIPLINA

Perante o aumento da violência e indisciplina na escola, torna-se relevante

compreender as múltiplas causas que levam ao seu surgimento nas escolas. Assim,

seguidamente, serão apresentados os factores da indisciplina, divididos em quatro áreas

principais (Amado, 2000, p.222):

- Os Professores

- A Instituição Escolar

- O Aluno

- Os Factores Sociais e Familiares

4.1. Os Professores

Amado (2000, p.222) considera dois aspectos essenciais para abordar o tema da

“indisciplina e a responsabilidade do professor”: as “estratégias de ensino

inadequadas” e a “relação pedagógica problemática”.

As “estratégias de ensino inadequadas” consistem na “maneira de o professor

dar as aulas”, isto é, no “tipo de aulas, no modo de ensinar, no modo de explicar e na

forma de dar a matéria” (Amado, 2000, p.223).

Dentro deste aspecto, os professores podem cometer erros ou não demonstrar a

competência necessária para ensinar os alunos. Assim, Amado (2000, p.223) aponta

algumas lacunas que podem ser cometidas pelos docentes, e que levam a consequências

notáveis nas apreciações dos alunos.

O “abuso do método expositivo” (Amado, 2000, p.223) ou uma “aula

desinteressante” (Amado, 2000, p.223) representam alguns dos aspectos negativos

referidos por grande parte dos alunos. O autor considera que uma aula pouco activa ou

13

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

que não desperte interesse pode levar à “desmotivação” dos alunos e, por conseguinte,

a “comportamentos desviantes” (Amado, 2000, pp. 223-226).

Ainda podem ser apresentadas, por parte do docente, outros exemplos de

inabilidades, nomeadamente a sua “postura” e a “administração incorrecta do espaço”

(Amado, 2000, p.231).

Uma “relação pedagógica problemática” (Amado, 2000, p.241) também pode

levar os alunos a demonstrarem atitudes indisciplinadas perante os docentes.

Estrela (1992, citado por Amado, 2000, p.241) define a relação pedagógica

como “um contacto interpessoal que se gera entre os intervenientes de uma situação

pedagógica e os resultados desses contactos”. Assim a relação entre estes

“intervenientes” não é favorável quando “os resultados desse contacto (…) não são os

esperados” (amado, 2000, p.241).

Segundo Nash (1978, citado por Amado, 2000, p.241) os alunos esperam

determinados comportamentos por parte do professor, nomeadamente, a “capacidade de

manter a ordem”, a “capacidade de explicar e de ensinar” e a “capacidade de actuar

com humor, justiça e amizade”. Então, os docentes, ao manifestarem “falta de

autoridade e de firmeza” , “falta de experiência”, ou ao agirem de “forma autoritária ou

incoerente” ou “injusta”, recusando a amizade, poderão fomentar situações

problemáticas junto dos alunos (Amado, 2000, pp.241-253).

Perante situações de “injustiça” ou de “falta de respeito”, os alunos podem

responder de forma indisciplinada como “afirmação dos seus direitos” ou como

“retribuição” (Amado, 2000, pp. 137-140). Geer (1982, citado por Amado, 2000, p.140)

refere que “os alunos possuem, efectivamente, sanções para punir ou para recompensar

os professores que cumprem e os que não cumprem a sua parte na negociação feita

com eles”.

Perante estas situações, os alunos podem sentir-se frustrados ou sentirem-se

vítimas de “ofensas, de atentados à dignidade e de injustiça, o que leva a experimentar

uma forte necessidade de vingança” (Lopes, 1997, citado por Amado, 2000, p.278).

Por conseguinte, os professores devem evitar “comportamentos discriminantes”,

“ridicularizar” os alunos ou mesmo utilizar o seu “poder de avaliar para controlar o

comportamento do aluno” (Amado, 2000, pp.259-269). Sendo essencial o

estabelecimento de um “diálogo e partilha de responsabilidades, no quadro do respeito

dos direitos de cada um” (Amado, 2000, p.281).

14

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

4.2. A Instituição Escolar

Existem diversas causas que, dentro da instituição escolar, podem levar a um

“mal-estar generalizado” e que levam a obter, por parte dos alunos “violência” como

“resposta” (Estrela e Amado, 2000, p.256).

Debardieux (1999, p.9), refere que, para além das variáveis sociais, foi

demonstrada uma grande importância do “efeito-estabelecimento” (“l’effet

établissement”). Num dos seus estudos, numa escola de Marseille, onde a população

sofria grandes dificuldades, este autor verificou que o estabalecimento apresentava um

bom ambiente. Por outro lado, estabelecimentos considerados médios demonstravam

grandes problemas. Com estes resultados, o autor pretende demonstrar que existe

sempre uma acção possível e que as variáveis sociais não representam uma fatalidade.

Para além do “efeito-estabelecimento”, foi provado que também existe o “efeito-

turma” (“l’effet-classe”) (Payet, 1994, Debardieux, 1996; citados por Debardieux, 1999,

p.31). Amado (2000, pp.312-313), também inclui a “composição das turmas” nos

factores da indisciplina na escola. Um “número elevado de alunos por turma” e uma

“composição heterogénea das turmas” podem influenciar os alunos. Este último

aspecto revela que nas turmas constituídas por alunos que transitaram e por alunos

repetentes, podem surgir comportamentos desviantes.

O facto de existirem “subgrupos” muito diversos de alunos, na escola e na

turma, também se pode revelar problemático. Os docentes devem ter em conta que a

presença de “subgrupos” e “relações horizontais” entre os alunos na sala de aula detêm

uma grande importância. Assim, a indisciplina pode representar uma “resistência e

conflito de classes” (Amado, 2000, p.134), ou seja, surge uma oposição dos alunos das

diferentes classes sociais (Apple, 1989; Giroux, 1986; Dubberley, 1995, citados por

Amado, 2000, p.134).

Para além da resistência entre classes sociais, também aparece uma “resistência

pedagógica e um conflito de culturas” (Amado, 2000, p.135), em que aparece “um

choque entre a cultura da escola e cultura de origem dois alunos” (Stoer & Araújo,

1992, citados por Amado, 2000, p.136).

15

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

Relativamente aos locais, Debardieux (1999, p.68) afirma que existe um grande

sentimento de desigualdade, relativamente às condições materiais e à limpeza,

permanecendo um desejo de igualdade por parte dos alunos das escolas mais

desfavorecidas.

Amado (2000.p.311) menciona a “gestão de espaços e de tempos”, em que a

“instalação física das interacções” pode estar relacionada com problemas de

comportamento na aula. A “desocupação no tempo livre” e o “desequilíbrio entre o

tempo de trabalho e de recreio” são aspectos negativos apontados pelos alunos no que

diz respeito às condições e organização do estabelecimento (Amado, 2000, p.312).

4.3. O Aluno

Os factores “inerentes ao próprio indivíduo” englobam diversos aspectos

relacionados com “distúrbios da personalidade” ou “desinteresse” (Estrela e Amado,

2000, p.256). Assim, serão esclarecidos, de seguida, os aspectos intrínsecos ao aluno

que o podem levar a adoptar comportamentos rebeldes.

Num estudo realizado por Coslin17 (1997, citado por Coslin, 2003, pp.170-173),

verificou-se que os docentes e os alunos estabelecem hierarquias de comportamentos

mais graves diferentes e que os alunos, de modo geral, tendem a ser mais severos que os

docentes no estabelecimento de juízos acerca desses mesmos comportamentos.

A “Dinâmica Social da Turma”

Segundo Amado (2000, p.299), existe uma “acção contagiante de certos

alunos”, isto é, “ a dinâmica social da turma está intimamente relacionada com a sua

estrutura informal e concretiza-se na influência exercida por determinado aluno ou

alunos concretos sobre outros, enquanto actores sociais (…) e ainda pelo papel

exercido pelo próprio clima geral da turma sobre cada um dos seus elemento”. Neste

17 No estudo participaram 214 adolescentes (com idades compreendidas entre os 11 e 16 anos) e 213 docentes que elaboraram uma lista de 40 comportamentos considerados mais graves (Coslin,1997, citado por Coslin, 2003, pp.170-173).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

contexto também importa relembrar, a existência de “subgrupos” e “subculturas” que se

opõem e que podem exercer alguma “pressão” (Amado, 2000, p.299) .

Esta Pressão, é exercida por “grupos” ou “líderes” que se influenciam

mutuamente (Amado, 2000, p.303). Desta forma, “a influência de indivíduos e de

grupos alastra toda a turma” (Amado, 2000, p.305), podendo mesmo, gerar-se uma

“coesão” entre os alunos que leva à “ausência de regras e autocontrolo”, deste modo,

torna-se necessário que os docentes criem um ambiente favorável na sala de aula

(Amado, 2000, p.307).

Aspectos Intrínsecos ao Indivíduo

Como todos os alunos são diferentes, o que faz com que eles se adaptem de

forma diferente à escola, importa, mencionar três modalidades adaptativas (Amado,

2000, pp.281-282).

Existem os alunos “obrigados satisfeitos”, que se mostram interessados e bons

resultados escolares (Amado, 2000, p.282). Os alunos “obrigados resignados”

procuram responder às exigências da escola ao mesmo tempo que se interessam pela sua

vida pessoal (Amado, 2000, p.284) e, finalmente, existem os alunos “obrigados

revoltados” que assumem “comportamentos e atitudes anti-escola” (Amado, 2000,

p.286) e que estes demonstram uma grande dificuldade em assimilar os valores

transmitidos pela escola (Estrela, 1992, citado por Amado, 2000, p.286).

Segundo Amado, a indisciplina pode ser um efeito de diversos aspectos

intrínsecos ao indivíduo. Frequentemente, os docentes apontam como principais causas

a “hiperactividade e problemas psicológicos”, o “desinteresse”, o “insucesso” ou “os

problemas familiares” (Amado, 2000, p.47).

A “hiperactividade”, enquanto problema psicopatológico não está excluída

como motivo para a indisciplina (Rebelo, 1986; Simões, 1986; Salgueiro, 1990, citados

por Amado, 2000, p.48). Verificou-se, ainda, uma “forte correlação entre as

dificuldades de aprendizagem e um autoconceito negativo” (Faria & Fontaine, 1990;

Veiga, 1995, citados por Amado, 2000, p.48). Assim, ao longo do seu desenvolvimento

escolar, estes alunos sofrem de “insucesso” e vivem rotulados pelos colegas, adoptando

comportamentos indisciplinados (Amado, 2000, p.48), de forma a “remediar as

ameaças à sua auto-estima” e a mudar os “valores propostos pela escola” ( Robinson

& Tayler, 1986, citados por Amado, 2000, p.48).

17

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

O desinteresse aparece associado à auto-estima. Tendo em conta este aspecto,

Robinson introduz os seguintes conceitos: a “circularidade entre factores

escolares”( “monotonia das aulas”), os “factores exteriores à escola” (ambiente

familiar pouco favorável) e as “consequências” (insucesso), que podem traduzir

desinteresse por parte do aluno (Amado, 2000, p. 49).

O aluno pode demonstrar desinteresse “relativamente à situação escolar em

geral”, que se pode traduzir num “agravamento do insucesso escolar” e levar ao

“abandono”. Importa denotar que este desinteresse por parte dos alunos também pode

levar à por parte dos docentes.

Factores tais como a influência da família e a origem social (Robinson, 1978,

citado por Amado, 2000, p.287), assim como objectivos de vida diferentes e frequentar

a escola por obrigação podem levar os alunos a desinteressar-se(Amado, 2000, p.289).

Os alunos podem demonstrar “desinteresse relativamente a uma situação

pedagógica concreta”, em disciplinas específicas ou em determinadas aulas, onde se

sentem contrariados e desmotivados, demonstrando “falta de vontade” (Amado, 2000,

p.290).

Para além do desinteresse, os alunos também podem sentir “dificuldades de

adaptação”, relativamente às exigências da escola (Amado, 2000, p.292), ou uma

“desadaptação relativamente a determinados professores” (Amado, 2000, p. 295).

Finalmente, a “má formação do aluno”, como causa de “perturbações

psicológicas” ou de “maus hábitos escolares” (Amado, 2000, p.297) e a “influência das

más companhias” também representam factores determinantes da indisciplina (Amado,

2000, p.298).

4.4. Factores Sociais e Familiares

“a indisciplina é um reflexo da ausência de

condições para uma adequada educação familiar.”

18

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

(Dockin, 1987, citado por Amado, 2000, p.50).

Os alunos são afectados, pelo meio social de onde provêm e imitam os valores

de origem, os quais são diferentes dos “exigidos na escola” (Willis, 1998, citado por

Estrela & Amado, 2000, p.255).

Os “disfuncionamentos familiares e os modelos inadequados de autoridade

parental”18 levam as criança a adoptarem comportamentos revoltados contra os

colegas, na escola (Felhusen, 1979; Weishew & Peng, 1993; citados por Estrela e

Amado, 2000, p.256). Neste contexto, Dumay (1994, citado por Coslin, p.169) e Amado

(2000, p.315), apontam para uma “revolta”dos os alunos19, contra a escola e contra o

docente porque só encontram na escola humilhação e exclusão. 20

Debardieux (1999, p.71), também aponta para uma explicação étnica. Os alunos

sofrem com os estereótipos da cultura dominante. A desordem começa frequentemente,

por causa de insultos raciais, e constata-se que os alunos justificam alguns dos seus

actos através de pertenças étnicas, assim como os adultos explicam a violência através

de conflitos culturais ou raciais. (Debardieux, 1999, p.71).

Assim, a etnização aparece como uma figura essencial presente nas escolas. É

separadora e estigmatizante, naturalizando violência escolar e autorizando as práticas da

separação social, não com critérios escolares, mas com critérios de pertença a uma

determinada cultura ou etnia ( Debardieux, 1999, p.94).

18Debardieux (1999, p.59)também fala numa insuficiência e falta de referência parental.19 Esses alunos vivem, muitas vezes, em bairros difíceis, onde existe miséria, desemprego, exclusão e dificuldades familiares . assim, a violência escolar responde à violência de condições de vida, muitas vezes, intoleráveis(Coslin, 2003, p.169).20Amado (2000, p.315), refere que alguns alunos consideram que os colegas oriundos de famílias mais abastadas, por vezes, também não se esforçam, porque “não precisam de se preparar para a vida e dificuldades do futuro, pois ele está garantido de antemão”.

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

5. VERTENTE PRÁTICA: ENTREVISTAS A DUAS ALUNAS DO

3º CICLO DO ENSINO BÁSICO

5.1. Considerações Prévias

Foram realizadas duas entrevistas a alunas do 3º ciclo do ensino Básico, em

meados do mês de Julho de 2007. Uma das alunas frequentou o 7º ano e a outra o 9º

ano, e ambas transitaram para o ano seguinte, e nenhuma reprovou ao longo do seu

percurso escolar. Frequentaram uma escola básica em Penela, que acolhe bastantes

alunos provenientes de aldeias nos arredores.

Aplicou-se o mesmo guião de entrevista (c.f. Anexo I), a qual foi semi-

estruturada pelo facto de permitir introduzir outras questões consideradas pertinentes.

Importa referir que as entrevistas não foram gravadas porque as alunas

demonstraram timidez e nervosismo quando visualizaram o aparelho, deste modo, as

respostas foram escritas à medida que as estudantes respondiam às questões.

As entrevistas têm como objectivo recolher informação acerca do ponto de vista

de duas alunas relativamente às principais causas da indisciplina e da violência na

escola. Pretende-se, também, confrontar as respostas com a literatura consultada para a

componente teórica deste trabalho. Pretende-se, também, analisar a diferença de

opiniões consoante os anos escolares.

5.2. Análise das Entrevistas

Uma leitura da entrevista da aluna do 7º ano (c.f. Anexo II), permite conferir

alguns dos aspectos mencionados ao longo do trabalho.

Em primeiro lugar, averiguou-se uma influência mútua dos alunos, bem como a

existência de líderes nas relações sociais da turma, principalmente no que diz respeito a

comportamentos indisciplinados.

“(…)estão là dois e, depois, começam os outros todos a falar.”

“A turma é toda junta.”

20

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

Também se constatou que os professores possuem uma responsabilidade nas

condutas rebeldes dos discentes. A aluna referiu que os alunos não respeitam uma

docente porque esta os “trata mal” e lhes “chama nomes”.

“Ela pica os alunos, (…) chama-nos burros.”

“Respondem-lhe mal, e quando se enervam mandam-na para certos sítios (sorriso) (…)

um colega até já a empurrou para trás.”

Conferiu-se que os alunos se distinguem os comportamentos coerentes dos

professores. A aluna referiu que na sua turma, alguns professores exigiam respeito, e era

por isso que os alunos demonstravam um comportamento tranquilo, no entanto, eles

apercebem-se quando os professores também demonstram respeito.

“Com os outros é só barulho (…) por exemplo, o professor de ciências, ele exige

respeito, mas também mostra respeito por nós e até manda piadas.”

A entrevista também permitiu averiguar, dentro das competências do professor,

que os alunos são indisciplinados porque se aborrecem durante a aula.

“(…) há muito barulho porque achamos que a aula é uma seca, alguns profs mandam

calar, paramos um bocadito e depois o barulho continua outra vez.”

Na turma do 7º ano, existem dois alunos mais rebeldes, assim, a colega deles,

que respondeu à entrevista considera que estes se comportam desta forma por causa de

problemas familiares ou devido a características intrínsecas.

“Eu acho que é porque são assim (…) Estão revoltados com qualquer coisa.”

“O primeiro, aquele que empurrou a professora, é porque o pai se tentou matar (…) e

depois como os pais também são separados(…). E o outro é porque lhe dá prazer e

depois ri-se.”

“(…) a família não é tanto, acho que é mais porque não gostam de estudar e acham

uma seca (…) por exemplo, quando o outro professor manda piadas eles já gostam.”

21

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

Relativamente ao estabelecimento, a aluna afirmou que alguns funcionários não

eram muito agradáveis que não se impunha muito respeito.

A aluna do 9º ano (c.f. Anexo III), apesar de estar inserida numa turma calma,

era colega de um rapaz indisciplinado de 20 anos. Este aluno revoltava-se contra os

docentes e contra os seus colegas.

“(...) tem 20 anos e voltou a reprovar, ele chumbou por faltas (…) ele fala mal para os

professores.”

“Há muita gente contra ele, ele é muito arrogante com a professora de Geografia, mas

também ninguém gosta dela.(…) Ele até já a ameaçou dizendo que lhe espetava uma

cadeira pela cabeça (…) Ele até andou ao estalo com uma rapariga numa aula de

Educação Física (…). Não era a primeira vez que ele queria bater noutros(…).”

A aluna atribui ao divórcio dos pais a culpa destes comportamentos desviantes.

Ainda foi conferido que alguns professores humilham este aluno através de

comentários. Esta atitude por parte dos professores deve ser evitada porque pode

fomentar, no aluno, revolta, falta de respeito e condutas indisciplinadas. Também foi

referido que uma docente 21, o que também leva a acções problemáticas por parte dos

alunos.

“Há profs que lhe mandam piadas, até houve um, uma vez, que lhe disse que qualquer

dia ia apanhar um professor da idade dele, lá na escola, também deve ser por isso que

ele não gosta de ir às aulas(...)”

“quanto mais ela chama mais eles retribuem” e “vira-se tudo contra ela”.

Por outro lado, a sua Directora de Turma mostra-se muito agradável com os

alunos e todos obtiveram boas notas.

A minha DT era excelente, ela até disse no início do ano que antes de ser nossa

professora ela era primeiro a nossa amiga, ela disse que se precisássemos sempre de

alguma coisa podíamos desabafar com ela.”

21Esta docente também lecciona na turma do 7º ano, e foi a mesma referida pela aluna durante a sua entrevista.

22

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

Esta aluna considera que a escola tem, de modo geral, um bom ambiente para os

alunos. Ela considera que nem todo os funcionários são agradáveis e que mudava o

equipamento.

5.3. Confronto das Entrevistas

Uma análise das entrevistas permite conferir que as alunas, apesar de

frequentarem anos escolares diferentes, demonstram possuir opiniões idênticas

relativamente aos factores da indisciplina, indicando os aspectos individuais dos alunos,

o comportamento dos professores e os problemas familiares em detrimento das

instalações e do ambiente escolar.

As incompetências mais apontadas aos professores foram as seguintes: a forma

de leccionarem a aula de forma desinteressante, a incapacidade de manter a ordem, a

falta de autoridade, a injustiça, a falta de respeito e comportamentos discriminantes.

Nenhuma das alunas considerou o “efeito-estabelecimento” como sendo um

factor importante na influência dos comportamentos dos alunos, no entanto, ambas

exprimiram o desejo de modificar o equipamento.

Após esta análise comparação, torna-se possível depreender que todos os

factores enunciados ao longo do trabalho influenciam os alunos, no entanto, nas

entrevistas destacaram-se as causas centrais: as atitudes e competências dos docentes

bem como as características individuais e familiares dos alunos.

Estas entrevistas foram realizadas a duas raparigas, que nunca reprovaram de

ano. No entanto, seria pertinente entrevistar dois rapazes, do 7º e do 9º ano, de forma

comprar as opiniões segundo as diferenças de género.

Também seria interessante entrevistar professores, de forma a obter o seu ponto

de vista.

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

6. MEDIDAS PREVENTIVAS

A indisciplina e a violência na escola dependem de vários factores. Assim,

Vettenburg (2000, p.223) refere a importância de “promover o melhor desenvolvimento

do indivíduo” através de “um ensino democrático baseado na comunicação e

participação”, promovendo “um comportamento social positivo” (Vettenburg, 2000,

p.240).

Esta autora propõe algumas medidas preventivas que se revelam favoráveis,

nomeadamente uma colaboração entre as diversas instituições escolares e “serviços

externos”, permitindo um acompanhamento dos jovens, principalmente os que provém

de famílias desfavorecidas (Vettenburg, 2000, p.242).

As escolas não devem apenas ter como único objectivo o desenvolvimento

cognitivo dos alunos, mas também devem promover “o processo de socialização e

autonomia, bem como o sentimento de respeito pelos outros” (Vettenbug, 2000, p.243) 22. Assim, torna-se fundamental trabalhar o regulamento interno da escola, promovendo

a cooperação entre os diversos actores intervenientes para desenvolver um ambiente

positivo Debardieux (1999, pp. 143-157)

Deste modo, deve-se levar a uma mudança nas atitudes dos docentes23 e sujeitos

presentes nos estabelecimentos educativos, assim como intervir junto dos pais, mudando

as políticas educativas, introduzindo aspectos sócio emocionais no currículo. A

formação inicial e contínua de professores primordial (Vettenburg, 2000, p. 244).

(Estrela & Amado, 2000, p.267) para aperfeiçoar as competências do docente e da

escola.

A escola deve mostrar-se mais aberta à comunidade, de forma a colaborar com

as diversas instituições e contactar com “decisores políticos” (Vettenburg, 2000, p.

245), porque estes desempenham uma acção fundamental na sensibilização e tomada de

consciência a nível nacional (Debardieux, 1999, p.177).

22 Debardieux (1999,p.179) refere que é importante gerir projectos de estabelecimento que levam, pela sua criatividade, a um sentimento de pertença à comunidade educativa.23 Estrela e Amado (2000, p.259) referem alguns princípios enunciados na “Declaração das Nações Unidas” para atender ao “envolvimento de crianças e jovens em actos delinquentes (ver Anexo IV).

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

7. CONCLUSÃO

A realização deste trabalho permitiu compreender de forma mais clara o âmbito

dos comportamentos anti-sociais, assim como a realidade da violência e indisciplina na

escola e na sala de aula. Este tema tem sido bastante mediatizado e torna-se um assunto

cada vez mais preocupante, no seio das instituições escolares. Os alunos manifestam

comportamentos agressivos, por vezes, com uma tal gravidade, levando-os a

julgamento.

A revisão bibliográfica permitiu depreender a existência de múltiplos factores

que levam à manifestação de comportamentos indisciplinados. Os quais se distribuem

em quatro áreas principais, nomeadamente os professores, o estabelecimento escolar, o

aluno e os factores sócio-familiares do aluno.

As entrevistas realizadas permitiram confirmar a relevância destas causas,

particularmente a importância da influência e das atitudes dos docentes com os alunos.

Assim, revela-se imprescindível uma intervenção nos estabelecimentos escolares, de

forma a implementar medidas preventivas eficazes para diminuir os comportamentos

desviantes.

O reconhecimento das diferenças individuais dos alunos, tanto de classe como

culturais e étnicas, revela-se primordial para implementar medidas no regulamento

interno das escolas e nas políticas educativas, de forma a que os estudantes não se

sintam excluídos do mundo escolar.

Os Licenciados em Ciências da Educação podem desempenhar um papel

fundamental na prevenção, trabalhando com todos os actores presentes no sistema

escolar assim como a família e a comunidade, de forma a promover competências e

comportamentos sociais positivos.

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

“ Le Pauvre n’a pas besoin d’éducation, celle de son

état est forcée, il ne saurait en avoir d’autre.”

Rousseau (citado por Debardieux, 1999,p.76)

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

8. BIBLIOGRAFIA

AMADO, J. S.(2000). Interacção pedagógica e indisciplina na aula. Porto: Edições

ASA.

COSLIN, P. (2003). Les conduites de risque à l’adolescence. Paris : Armand Colin.

DEBARDIEUX, E. (1999). La violence en milieu scolaire: Le désordre des choses.

Paris : ESF éditeur.

ESTRELA, M. T. & AMADO, J. S.(2000). Indisciplina, violência e delinquência na

escola: Uma perspectiva pedagógica. Revista Portuguesa de Pedagogia, ano XXXIV,

2000, nº1,2,3, pp. 249-267

FONSECA, A. C. (2000). Comportamentos Anti-Sociais: uma introdução. Revista

Portuguesa de Pedagogia, ano XXXIV, 2000, nº1,2,3, pp.9-36

VETTENBURG, N. (2000). Violência nas escolas: Uma abordagem centrada na

prevenção. Revista Portuguesa de Pedagogia, ano XXXIV, 2000, nº1,2,3, pp. 223-246

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Comportamentos Anti-Sociais: Factores da Indisciplina na Escola e na Sala de Aula

9. ANEXOS

Anexo I – Guião de Entrevista

Anexo II – Transcrição da Entrevista a uma Aluna do 7º Ano

Anexo III – Transcrição da Entrevista a uma Aluna do 9º Ano

Anexo IV - Medidas enunciadas na Declaração das Nações Unidas para dar resposta ao

envolvimento de crianças e jovens em actos delinquentes.

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