bombas cluster
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O TRATADO PARA BANIR ASBOMBAS CLUSTERS E
A POSIO BRASILEIRAPara qualicar o debate nacional
Gustavo Oliveira Vieira
Santiago Artur Berger Sito
Organizadores
Centro Universitrio Franciscano
Santa Maria, RS
2010
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Coordenao Editorial
SALETTE MARCHI
Projeto Grco
FABRICIO SPANEVELLO PERGHER
Reviso
INARA RODRIGUES
MARIANE LAZZARI FLORES
Ficha Catalogrca elaborada pela Bibliotecria Eunice de Olivera CRB 10/1491
T776 O tratado para banir as bombas clusters e a posio brasileira :para qualicar o debate nacional / Gustavo Oliveira Vieira,Santiago Artur Berger Sito organizadores - Santa Maria :Centro Universitrio Franciscano, 2010.168 p.
ISBN: 978-85-7909-015-8
1. Direito Internacional Humanitrio 2. Explosivos3. Bombas Cluster I. Vieira, Gustavo OliveiraII. Sito, Santiago Artur Berger
CDU 620.261.1
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O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA
Eu acho que j hora do Brasil parar de exportar bombas
cluster. Eu acho que o Pas deveria assinar o tratado
imediatamente, exatamente como assinaram o Tratado
de Proibio de Minas. O Brasil deveria ser um lder no
hemisfrio ocidental nesse problema e um lder no mundo.
Ns no precisamos de mais armas, precisamos de menos.
Ns no precisamos de governos gastando seu dinheiro
na militarizao quando as pessoas no mundo tm tantas
necessidades, quando as pessoas no Brasil enfrentam
tantos desaos diariamente em suas vidas. Elas no
precisam de seu governo gastando dinheiro em bombas
cluster. Ento, Brasil, junte-se agora [ Conveno sobre
Munies Cluster], por favor!Jody Williams,
laureada com o Prmio Nobel da Paz de 1997,incita o Brasil a assinar a Conveno sobre Munies Cluster
- em entrevista concedida em dezembro de 2009,em Cartagena, Colmbia.
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LISTA DE ABREVIATURAS
CBCMT - Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Bombas Cluster
CCAC - Conveno sobre Certas Armas Convencionais de 1980
CF/88 - Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988
CICV - Comit Internacional da Cruz Vermelha
CMC - Coalizo Contra Munies Cluster (Cluster Munitions Coalition)
DIH - Direito Internacional Humanitrio
ERG - Explosivos Remanescentes de Guerra
EUA - Estados Unidos da Amrica
GEAPAC - Grupo de Estudos e Aes Pacistas
ICBL - Campanha Internacional pela Erradicao das Minas Terrestres(International Campaign to Ban Landmines)
MRE - Ministrio de Relaes Exteriores
OEA - Organizao dos Estados Americanos
ONG - Organizao No Governamental
ONU - Organizao das Naes Unidas
SIPRI - Instituto Internacional de Pesquisas de Paz de Estocolmo
(Stokholm International Peace Research Institute) UNIFRA - Centro Universitrio Franciscano
UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA
AGRADECIMENTOS
Mesmo uma obra de curta envergadura como esta contou
com o apoio de muitas pessoas para sua elaborao. Foram muitos os
apoiadores e os encorajadores que concorreram para chegarmos s
concluses, acessarmos as fontes e podermos oferecer uma publicao
que se espera til problematizao da poltica externa brasileira.
Em primeiro lugar, gostaramos de externar nosso agradeci-
mento muito especial ao Centro Universitrio Franciscano (UNIFRA) de
Santa Maria e sua mantenedora, SCALIFRA-ZN (Sociedade Caritativa e
Literria So Francisco de Assis - Zona Norte). Sem o apoio continuado
da UNIFRA, da Reitoria (Reitora Iran Rupolo), das Pr-reitorias, doProfessor Claudemir Quadros e da Coordenao do Curso de Direito
(Professoras Rosane Leal, Carla Costa e Professores Marcelo Kmmel e
Jaci Rene), nossas realizaes ficariam bastante restringidas.
A conana que todos vocs depositaram em ns foi e fundamental.
A formao do Grupo de Estudos e Aes Pacistas, em outubro
do ano de 2007, na UNIFRA, foi chave para a reenergizao da Campanha
Brasileira, com novos e jovens ativistas qualicados e empenhados emcompreender, pesquisar, publicar e agir. Sem o apoio da UNIFRA, em
vrios nveis, nossos resultados no poderiam acontecer. Entre outras
aes concretas de apoio e incentivo, devemos citar a concesso de bolsas
de pesquisa e extenso, horas de extenso para o professor coordenador,
Gustavo Vieira, espao fsico para trabalharmos, apoio nanceiro para
viagens nacionais e internacionais, abertura de espaos intrainstitucionais
para a divulgao das aes e, agora, a editorao e impresso deste livro.
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A Dom Irineu Rezende Guimares, pacista engajado, educador
para a paz e primeiro coordenador da Campanha Brasileira Contra
Minas Terrestres, que ofereceu os primeiros esclarecimentos para toda
essa jornada, que j perfaz 11 anos.Ao ilustre professor Fbio Konder Comparato, simpatizante da
causa, que gentilmente cedeu seu texto sobre a responsabilizao do
Presidente da Repblica em relao posio atual do Brasil a respeito
do tema das munies cluster.
A Cristian Wittmann, que atuou como colaborador do GEAPAC
e foi um grande ativista da Campanha at este incio de 2010. Abriu por-
tas e cooperou muito at aqui, com sua parceria, seu esforo, compe-tncia e prossionalismo.
Ao Instituto Sou da Paz, que abraou a causa pelo banimento
das bombas cluster e, em especial, ao Daniel Mack, Heather Sutton
e ao Denis Mizne, que participaram ativamente do Processo de Oslo
e contriburam com seu engajado ativismo e primorosos textos,
chamando a responsabilidade do Brasil para a causa.
Aos ativistas da Campanha Internacional Contra as Minas
Terrestres (ICBL), nas pessoas da Sylvie Brigot, Kasia Derlicka,
Simona Beltrami, Tamar Gabelnick, Patrick Teil, Olivia Denonville,
Amelie Chayer, Jackie Hansen e da Coalizo contra Munies Cluster
(CMC), nas pessoas do Thomas Nash e Laura Chesseman, por criarem
condies ao ativismo internacional. Especialmente tambm a Steve
Goose e Jody Williams, inspiradores lderes internacionais, exemplos
de ativistas e pesquisadores.
Ao colega e professor Marcos Palermo, pela reviso deste
texto. Por certo, continuaremos contando com seu valioso suporte.
A todos os membros da GEAPAC-UNIFRA, que mantm o
trabalho dirio da Campanha: Andrea Osmari, Felipe Walter, Felipe da
Silva, Jlia Rebelato, Juliano Cattani, Lorenzo Schaer, Laura Mariotto,
Natlia Lima, Natalia Brizolla e Sonya de David.
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Coordenao do Curso de Direito da UNISINOS, que reconhe-
ceu a importncia do trabalho e permitiu eventuais ausncias.
Ao CAED/UNISINOS, na pessoa do Edgar Fogaa, pelo apoio
e abertura de espaos que oferecem aos temas que nos propomos adebater.
Ao Deputado Federal Fernando Gabeira, por fazer ecoar
no Congresso Nacional a defesa da paz e a prevalncia dos direitos
humanos, aceitando nossa interlocuo e promovendo o debate
nacional atravs de audincias pblicas na Cmara dos Deputados e,
sobretudo, pela apresentao do Projeto de Lei 4.590/2009.
Um agradecimento especial, tambm, Rosngela BermanBleier, do Instituto Interamericano de Descapacidad y Desarollo Inclusivo,
merecidamente laureada com o Prmio de Direitos Humanos da Secretaria
Nacional, em dezembro de 2009, que tivemos a oportunidade de encontrar
recentemente e tem dado suporte fundamental para esta causa.
Tambm aos apoiadores que auxiliam nas tarefas da Campanha/
GEAPAC: Andrea Moraes, Andrea Kahmann, Luis Gustavo Gomes Flores,
Marcia Ramm, Maria Eugnia S, Mauro Parcianello, Rachel Walter,
Rodrigo Moraes, Raul Schramm, Serena Olgiati, Vincius Souza.
A todos, o nosso MUITO OBRIGADO!
Gustavo Oliveira Vieira e Santiago Artur Berger Sito
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SUMRIO
APRESENTAO ................................................................................................ 15
I - RELATRIO BANINDO AS MUNIES CLUSTER:
PRTICA E POLTICA GOVERNAMENTAL O CASO BRASILEIRO ...................19
CAPTULO: BRASIL .....................................................................................19
II AS BOMBAS CLUSTER PERANTE O DIREITO INTERNACIONAL:
REFLEXES CRTICAS E ACADMICAS ........................................................23
A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPBLICA
EM MATRIA DE POLTICA INTERNACIONAL
Fabio konder Comparato ..................................................................................23
O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO E A LIMITAO
DOS MEIOS DE GUERRA PROTEO DOS CIVIS:
PERSPECTIVAS ILEGALIDADE DAS BOMBAS CLUSTER
Cristian Wittman e Gustavo Oliveira Vieira .........................................................29
DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO OU MUNIES CLUSTER:
QUAL A POSIO DO BRASIL?
Jlia Rebelato e Lorenzo Schaer ......................................................................61
A CONVENO SOBRE AS MUNIES CLUSTER:
DA FORA FORMATIVA SUPERAO DOS DANOS A CIVIS Cristian Wittman, Gustavo Oliviera Vieira e Santiago Sito ................................... 70
III - ARGUMENTOS OPINIO PBLICA: QUALIFICANDO O DEBATE ...........81
O QUE VOC EST FAZENDO PARA BANIR AS MUNIES CLUSTER?
Santiago Artur Berger Sito ...............................................................................81
O BRASIL, PELA PAZ E PELOS DIREITOS HUMANOS:
CONTRA AS BOMBAS CLUSTER
Gustavo Oliveira Vieira .....................................................................................82
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UTILIDADE MILITAR LIMITADA VERSUS PREJUZOS HUMANITRIOS
INTANGVEIS: A DESPROPORCIONALIDADE NA GEOGRAFIA REGIONAL
Cristian Ricardo Wittmann .............................................................................. 84
O PSEUDO PARADOXO DO CUSTOBENEFCIO NO USODAS BOMBAS CLUSTER
Satiago Artur Berger Sito ................................................................................ 85
A ESTIGMATIZAO GLOBAL DAS MUNIES CLUSTER INVIABILIZA
SEU USO E EXPORTAO, FRUTO DO DESGASTE POLTICO JUNTO
S COMUNIDADES LOCAL E INTERNACIONAL
Julia Marques Rebelato ................................................................................... 87
MINAS TERRESTRES E BOMBAS CLUSTER:
A CONTRADIO DE UM BRASIL DESHUMANITRIO
Santiago Artur Berger Sito .............................................................................. 90
O BRASIL, A PAZ E OS DIREITOS HUMANOS: A COERNCIA
FORA A PARTICIPAO DO BRASIL CONVENO DE OSLO
Gustavo Oliveira Vieira .....................................................................................91
A INDSTRIA BLICA BRASILEIRA E A PRODUO DAS MUNIES
CLUSTER VERSUS A NECESSIDADE DE UMA POSIO HUMANITRIA
DO BRASIL: A DICOTOMIA ENTRE O LUCRO E A VIDA Felipe Matos Walter .........................................................................................92
A AUSNCIA BRASILEIRA NA CONVENO DE OSLO E O REFLEXO
NEGATIVO NA AMRICA LATINA
Felipe Matos Walter ........................................................................................ 94
NO DIA MUNDIAL DA DEFICINCIA, O BRASIL QUESTIONADO
SOBRE BOMBAS DE FRAGMENTAO
Gustavo Oliveira Vieira e Rosngela Berman Bieler ............................................. 96ENTREVISTA CONCEDIDA PELO PROF. GUSTAVO OLIVEIRA VIEIRA,
AO INSTITUTO HUMANITAS, EM SETEMBRO DE 2009
Por Patricia Fachin .......................................................................................... 98
QUEM TE VIU E QUEM TE V, ITAMARATY
Daniel Mack e Denis Mizne ..............................................................................106
CRISE HUMANITRIA MADE IN BRAZIL?
Cristian Wittman , Daniel Mack e Vanessa Pugliese ............................................109
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TENTANDO EXPLICAR O INEXPLICVEL
Daniel Mack .................................................................................................... 111
IV - MANIFESTAES DA SOCIEDADE CIVIL: BUSCANDO A SENSIBILIZAO
DOS TOMADORES DE DECISO ......................................................................115CARTA ENVIADA AOS PARLAMENTARES BRASILEIROS .....................115
CARTA ENTREGUE AO EMBAIXADOR DO BRASIL NA COLMBIA,
VALDEMAR CAMILO LEO NETO, POR OCASIO DO
CARTAGENA SUMMIT ON A MINEFREE WORLD ......................................118
CARTA A GILBERTO CARVALHO, ASSESSOR DO PRESIDENTE
DA REPBLICA ......................................................................................... 123
CARTA ENVIADA AO EMBAIXADOR DO BRASIL NA REPRESENTAOPERMANENTE CONFERNCIA DE DESARMAMENTO, GENEBRA,
5 DE JUNHO DE 2008 ............................................................................... 125
CARTA AO EMBAIXADOR DO BRASIL NO CANAD, OTTAWA,
2 DE DEZEMBRO DE 2007 ........................................................................ 127
V DOCUMENTOS OFICIAIS
CONVENO SOBRE MUNIES CLUSTER .............................................. 129
PROJETO DE LEI N 4590/2009 , DE 2009 Fernando Gabeira ..........................................................................................159
ESTADO DA UNIVERSALIZAO DA CONVENO SOBRE
MUNIES CLUSTER .......................................................................................163
MINICURRICULOS ...........................................................................................167
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APRESENTAO
Em 1 de agosto de 2010, a Conveno sobre Munies Cluster
entrar em vigor aps alcanar a raticao de trinta (30) pases e,
infelizmente, o Brasil no um deles. A Conveno conta com 106
Estados signatrios dentre os quais, lamentavelmente, o Brasil tambmest presente. A ausncia da Repblica Federativa do Brasil nesse
relevante tratado de Direito Internacional Humanitrio motivou-nos a
compilar, em uma publicao nica, nossos argumentos em favor da
mudana de posio do Estado brasileiro.
O objetivo desta obra, portanto, qualicar o debate sobre a
problemtica das bombas cluster no Brasil. Esse tema tem se reduzido
a alguns poucos interessados ou tomadores de deciso, apesar de se
tratar de uma questo que envolve a segurana nacional, internacional
e a prpria ordem mundial, no que diz respeito ao desarmamento
internacional e ao controle de armas.
O presente livro foi organizado a partir da reunio de uma
srie de textos j produzidos e elaborados, a maioria, por membros da
Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Munies Cluster, no
mbito da atuao comum com o Grupo de Estudos e Aes Pacistas
do Centro Universitrio Franciscano.
A Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres foi iniciativa
de um grupo de pacifistas do Rio Grande do Sul que se reuniu em
1996, inusitadamente, em um quarto de hospital. Os idealizadores
so o Padre Marcelo Rezende Guimares (hoje Monge Dom Irineu
Rezende Guimares), coordenador da Rede de Jovens em Busca da
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Paz e do Movimento Municipal de Direitos Humanos de Santa Cruz
do Sul, e o Pastor Ricardo Wangen (in memoriam), do SERPAZ de
So Leopoldo.
Em 1997, a organizao da Campanha Brasileira trabalhou parapressionar o pas a assinar o Tratado de Ottawa sobre a erradicao das
minas. Em 1998 e 1999, o trabalho se concentrou em torno da raticao
desse Tratado, realizada no nal de abril de 1999, mesmo ano em que
seu coordenador1, poca, atendeu a I Conferncia dos Estados Partes e
Encontro Mundial da ICBL, em Maputo, Moambique. Entre os anos de
1999 a 2001, realizaram-se aes para que o Congresso Nacional adotasse
legislao nacional implementao do artigo 9 do Tratado deOttawa, que culminou na lei 10.300. Em maro, ocorreu a participao
no Encontro da ICBL, em Washington, EUA. O destaque foi sempre a
participao da juventude a partir da Rede de Jovens Em Busca da Paz.
J a formao do Grupo de Estudos e Aes Pacistas ocor-
reu em outubro de 2007, no Centro Universitrio Franciscano, para
unir pesquisa e extenso pelo ativismo, em conjunto com a Campa-
nha Brasileira Contra Minas Terrestres, aproveitando o alto potencial
acadmico disponvel. Iniciado com o importante apoio da professora
Coordenadora do Curso de Direito poca, Rosane Leal, e sustentado
sob a coordenao do professor Marcelo Kummel, o projeto tem sido
coordenado pelo professor Gustavo Oliveira Vieira desde ento.
O texto dividido em cinco partes. A primeira, I - Relatrio
Banindo as munies cluster: prtica e poltica governamental - o
caso brasileiro, tem o objetivo de situar o debate nacional. Apresenta
a traduo do captulo destinado ao Brasil no relatrio internacional
produzido pela ONG Human Rights Watch e pela equipe de pesquisa-
dores do Monitor de Minas Terrestres sobre o tema das bombas
cluster, intitulado Banindo as Munies Cluster.
1 Pe. Marcelo Rezende Guimares
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Na segunda parte, II - As bombas cluster perante o Direito
Internacional: reexes crticas (e acadmicas), encontra-se uma
compilao de textos de maior profundidade sobre o assunto, que
j foram publicados em outros espaos pelo Curso de Direito enanciado pela Campanha Internacional para Banimento das Minas
Terrestres (ICBL) e pela Coalizo contra as Munies Cluster (CMC).
O primeiro texto, do professor Fbio Konder Comparato, aborda a
possibilidade da responsabilizao do Presidente da Repblica em
matria de poltica internacional; na sequncia, Cristian Wittmann e
Gustavo Vieira tratam da (i)legalidade das bombas cluster perante o
Direito Internacional Humanitrio; Lorenzo Schaer e Jlia Rebelatoreetem sobre o Brasil e o problema das bombas cluster; e, por m,
Cristian Wittmann, Gustavo Vieira e Santiago Sito realizam um estudo
sobre a Conveno sobre Munies Cluster.
A terceira parte, III - Argumentos opinio pblica: qualicando
o debate, constitui-se de uma srie de artigos jornalsticos produzidos
ao longo dos anos de 2008 e 2009 por diversos ativistas. Os assuntos
principais se situam na construo de argumentos em favor da
participao do Brasil Conveno sobre Munies Cluster.
J a quarta parte, IV - Manifestaes da sociedade civil:
buscando a sensibilizao dos tomadores de deciso, justamente
a reunio de algumas das Cartas que a Campanha entregou a altos
representantes do Estado em variados momentos ao longo do
Processo de Oslo, que culminou no novo tratado internacional sobre a
erradicao das Munies Cluster, em 3 de dezembro de 2008.
Por tal razo, a quinta e ltima parte traz a traduo da
Conveno sobre Munies Cluster, alm do Projeto de Lei atualmente
em tramitao no Congresso Brasileiro, de autoria do Deputado
Fernando Gabeira.
Gustavo e Santiago
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IRELATRIO BANINDO AS MUNIES CLUSTER:
PRTICA E POLTICA GOVERNAMENTALO CASO BRASILEIRO
CAPTULO: BRASIL1
A Repblica Federativa do Brasil no assinou a Conveno em
Munies Cluster. Participou minimamente do processo diplomtico
que resultou no desenvolvimento, negociao e a assinatura da
conveno em dezembro de 2008. O Brasil produz e armazenamunies cluster e Estado Parte da Conveno sobre Certas Armas
Convencionais (CCAC), mas no raticou o Protocolo V, dos Explosivos
Remanescentes de Guerra.
Poltica de banimento das munies cluster
Na declarao de 2005, sobre a aplicabilidade do direito
internacional humanitrio ao uso de bombas cluster, o Brasil mencionou
que bombardeamentos areos de altas altitudes, que utilizam bombas
cluster, violam o principio da distino. Mencionou, tambm, que o uso
de munies cluster deveria ser limitado dependendo das condies
1 Este relatrio foi gentilmente traduzido pela acadmica Andra Osmari.
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climticas e caractersticas terrestres e que bombas cluster ou
dispersores de submunies no deveriam ser liberadas ou lanadas
de altas altitudes devido ao padro de disperso suscetvel de gerar
grandes riscos desnecessrios e dano a civis.Apesar de expressar preocupao com as vtimas civis atingidas
por bombas cluster no Lbano, em 2006, apenas um ocial exigiu o
banimento da arma e o Brasil no apoiou os esforos internacionais para
proibir essas munies. Em 25 de outubro de 2006, o Brasil no apoiou a
proposta, durante a Terceira Conferncia de Reviso da CCAC, da criao
de um Grupo de Especialistas Governamentais (GGE) para negociar um
instrumento jurdico-vinculante que visasse s consequncias de carterhumanitrio provocadas pelas munies cluster.
O primeiro compromisso do Brasil com o processo de Oslo
rmou-se em setembro de 2007, quando mandou um observador para
a Conferncia Latino Americana na Costa Rica. O governo brasileiro
armou que sua posio no era a de apoiar o Tratado de Oslo, uma vez
que estava sendo realizado fora do sistema da ONU. Armou que as
negociaes devem incluir todos os atores interessados e no apenas
retirar as armas daqueles que no as tm. Armou que as munies
cluster so teis militarmente e no seria realista ngir que elas seriam
eliminadas. Apontou para o Direito Internacional Humanitrio existente
e para o Protocolo V da CCAC como a maneira mais adequada para
tratar dessas munies.
O Brasil tambm participou da conferncia preparatria do
tratado internacional em Wellington, em fevereiro de 2008, mas no
contribuiu com o debate e no endossou a Declarao de Wellington,
que comprometia os pases a participarem nas negociaes formais
em Dublin, em maio de 2008. A oposio do Brasil ao processo de
Oslo foi amplamente reconhecida pela mdia nacional e fortemente
criticada pelas ONGs que ativamente apoiam a campanha contra as
munies cluster.
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Em 3 de junho de 2008, a objeo do Brasil resoluo da
Organizao dos Estados Americanos (OEA), que convidou os estados
membros a considerarem fazer parte da Conveno contra as
Munies Cluster, foi citada em nota de rodap da resoluo.Em 17 de junho de 2008, o Ministro de Relaes Exteriores
brasileiro, Celso Amorim, ainda demonstrou preocupao em relao
Campanha as Munies Cluster, disse que reconsideraria essas bombas
como armas desumanas que deveriam ser eliminadas, e disse que o
Brasil revisaria sua posio futuramente para aderir Conveno.
Em reunio da CCAC, em novembro de 2008, entretanto, o Pas
armou que a deciso do governo em no fazer parte do processo de Osloe no apoiar a Conveno de Munies Cluster foi baseada na sua viso de
que o processo e a Conveno no harmonizavam com a necessidade de
defesa legtima da causa humanitria. O Brasil advertiu que
a prudncia deveria ser exercida antes de se negociar
proibies e restries de certas armas convencionais fora
da CCAC, j que elas podem ser consideradas no escopodessa Conveno que resistiu ao teste de tempo no que
diz respeito a sua capacidade de evoluo, refletindo
a constante mudana de realidade dos estados partes. O
processo paralelo pode expedir resultados, mas eles no
garantem universalidade e efetivao.
Em audincia pblica sobre munies cluster, realizada pelo
Congresso brasileiro em 3 de dezembro de 2008, o Ministro CelsoAmorim novamente classicou-as como armas desumanas e disse
que o Brasil estaria reconsiderando sua posio e poderia assinar a
conveno no futuro por causas humanitrias. Contudo, ele tambm
armou que o pas no concordava com a denio de munio cluster
arguida pela Conveno, pois abriu a possibilidade de produo dessas
bombas por outros pases e foi, por isso, discriminatria.
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Em fevereiro de 2009, um projeto de lei foi iniciado na Cmara
de Deputados para banir o uso, produo, importao e exportao de
munies cluster.
Uso, produo, armazenamento e transferncia
Em janeiro de 2008, o Brasil armou que nunca utilizou
munies cluster. Contudo, pelo menos trs companhias produziram
essas munies no pas, de acordo com os prprios materiais e
obras de referncia padro. A Avribras Aeroespacial AS produziu
a famlia ASTROS de foguetes superfcie a superfcie com ogivasde submunio. Essas armas foram exportadas para o Ir, Iraque e
Arbia Saudita. O lanamento de mltiplos sistemas de foguetes
ASTROS foi utilizado pela Arbia Saudita contra as foras do Iraque
durante a batalha de Khai, em janeiro de 1991, e deixou um nmero
signicativo de munies no explodidas.
A companhia Ares Aeroespacial e Defesa Ltda. produziu o
FZ-100 70mm, foguetes ar-superfcie, arma da mesma linha do Hydra
M261, submunio de multiuso. Adicionalmente, a Target Engenharia e
Comrcio Ltda. produziu dois tipos de munies cluster (BLG-120 e BLG-
252) para a fora area brasileira, declaradamente para exportao.
Em 28 de novembro de 2007, um representante do Ministro
da Defesa disse, em audincia pblica, que duas empresas particulares
brasileiras estavam envolvidas na produo de munies cluster:
Avribras Aeroespacial AS (produzindo o sistema de foguete ASTROS, as
bombas BLG-120 e BLG-252) e Ares Aeroespacial e Defesa Ltda. A defesa
ocial enfatizou o benefcio econmico da produo, declarando que
outras doze indstrias civis estavam envolvidas na produo.
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O TRATADO PARA BANIR AS BOMBAS CLUSTERS E A POSIO BRASILEIRA
IIAS BOMBAS CLUSTER PERANTE O DIREITO
INTERNACIONAL: REFLEXES CRTICASE ACADMICAS
A RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DAREPBLICA EM MATRIA DE POLTICA INTERNACIONAL
Fbio Konder Comparato
Dispe a Constituio Brasileira em vigor, segundo o modelo
por ns copiado dos Estados Unidos, competir privativamente ao
Presidente da Repblica manter relaes com Estados estrangeiros
e acreditar seus representantes diplomticos, bem como celebrar
tratados, convenes e atos internacionais, sujeitos a referendo do
Congresso Nacional (art. 84, VII e VIII).
No art. 49, inciso I, todavia, a Constituio inclui na competncia
exclusiva do Congresso Nacional resolver denitivamente sobre
tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimnio nacional. Como conciliar essa
regra com aquela expressa no art. 84, VIII? Tendo em vista que as
normas constitucionais formam um sistema lgico, sem contradies,
as disposies citadas devem ser interpretadas harmonicamente. Logo,
o ato de raticao, mencionado no art. 84, VIII, tem uma natureza
diversa da resoluo denitiva, prevista no art. 49, I. razovel, por
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conseguinte, entender que os tratados, acordos ou atos internacionais,
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio
nacional, s podero ser celebrados aps a concordncia do Congresso
Nacional; ao passo que a raticao refere-se celebrao de tais atos,previamente efetuada pelo Chefe do Poder Executivo.
Em qualquer hiptese, a superviso exercida pelo Congresso
Nacional sobre a poltica internacional do pas, dirigida pelo Presidente
da Repblica, muito restrita. Ao se considerar, alm disso, o fato de
que o controle judicial nessa matria praticamente nunca se exerce,
percebe-se que a prerrogativa presidencial de direo da poltica
externa quase arbitrria.Sem dvida, em matria de relaes internacionais, a
Constituio Federal de 1988 apresentou inegvel aperfeioamento,
em comparao com as que a precederam, ao declarar, em seu art.
4, os princpios fundamentais que devem reger o comportamento
do Estado brasileiro. Mas nada acrescentou quanto a garantias e
responsabilidades pelo descumprimento desses princpios.
Um episdio recente veio chamar a ateno da opinio pblica
para o carter insatisfatrio dessa regulao constitucional.
Em 3 de dezembro de 2008, sob a iniciativa da Noruega, mais
de noventa pases celebraram, em Oslo, uma conveno internacional
destinada a banir a produo, armazenamento, exportao e utilizao
de bombas de fragmentao (cluster bombs). Trata-se de um engenho
blico que atua de forma semelhante s minas subterrneas; ou seja, tais
bombas no explodem ao cair no solo e podem permanecer enterradas
durante dezenas de anos, tornando a rea minada altamente perigosa
para a ocupao humana. Os Estados Unidos, por exemplo, entre 1964 e
1973, lanaram cerca de 260 milhes de bombas desse tipo sobre o ter-
ritrio da Nigria. As principais vtimas desse explosivo so populaes
civis. Estima-se que, at o presente momento, tais bombas causaram a
morte de cerca de 100 mil pessoas no mundo, das quais 27% so crianas.
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O Brasil, juntamente com os demais pases produtores desse
tipo de armamento Estados Unidos, Rssia, Israel, ndia e Paquisto
recusou-se a assinar a conveno. Duas foram as explicaes dadas pelo
Ministrio das Relaes Exteriores para essa recusa: de um lado, o fatode que o direito ao emprego de munies reconhecido aos Estados
e considerado legal, internacionalmente; de outro, o argumento de
que o assunto deveria ser debatido no mbito da ONU e no em uma
conveno informal.
Tais explicaes so inadmissveis. A partir da fundao da ONU
e da promulgao da Declarao Universal dos Direitos Humanos, a
guerra ofensiva estritamente proibida no plano internacional. Ora, asbombas de disperso so um engenho blico exclusivamente ofensivo.
Demais, no se v como um tratado que rene quase cem pases e est
sujeito a um mnimo de raticaes para entrar em vigor, pode ser
considerado uma conveno informal. Na verdade, a razo da recusa
brasileira em assinar a conveno est ligada ao interesse privado
das empresas fabricantes de bombas de fragmentao, bem como
presso inconstitucional que setores das Foras Armadas exercem
costumeiramente sobre a presidncia da Repblica.
A afronta Constituio, nesse episdio, agrante. Entre os
princpios fundamentais que devem reger as relaes internacionais do
pas, conforme disposto no art. 4 da Constituio Federal, encontram-
se a prevalncia dos direitos humanos, a no interveno e a soluo
pacca de conitos.
Em nosso sistema jurdico, o desrespeito a princpios de
direito internacional, por parte do Chefe de Estado, acarreta uma
responsabilidade de natureza propriamente poltica e no judiciria,
consubstanciada nos chamados crimes de responsabilidade
(Constituio Federal, art. 85).
A lei que os define, e que permanece em vigor, a n 1.079,
de 10 de abril de 1950. Ela inclui alguns atos internacionais de
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responsabilidade do Presidente da Repblica, mas carece de uma
ampliao do espectro criminoso nesse campo, para melhor adequ-
la Constituio atual.
Com o objetivo de contribuir para o aperfeioamento de nossosistema jurdico nessa matria, na qualidade de Presidente da Comisso
Nacional de Defesa da Repblica e da Democracia, da Ordem dos Advo-
gados do Brasil, submeti ao exame e deliberao de seus membros uma
proposta de alterao da Lei n 1.079, de 1950, reproduzida a seguir.
Dir-se- que, entre ns, a responsabilidade poltica do Chefe
de Estado e de seus Ministros de aplicao difcil, na medida em que
ela ca sujeita aos interesses pessoais ou partidrios dos membros doCongresso Nacional. Sem contestar esse fato, no se pode, porm,
deixar de assinalar que a discusso pblica ensejada pela abertura do
processo parlamentar por crime de responsabilidade no deixa de
enfraquecer politicamente o Presidente da Repblica, fato que o leva a
evitar a prtica de tais atos.
Incluiu-se tambm na proposta um alargamento da legitimidade
ativa para a abertura do processo por crime de responsabilidade.
A nossa experincia tem revelado que as denncias so mais seriamente
consideradas, no seio do Congresso e pela opinio pblica em geral,
quando apresentadas por rgos pblicos ou por representantes de
entidades coletivas que fruem de prestgio nacional. Da a proposta de
se considerarem como denunciantes legitimados, alm de qualquer
cidado, o Procurador-Geral da Repblica, a Ordem dos Advogados do
Brasil e as confederaes sindicais ou entidades de classe de mbito
nacional, todos eles, como se sabe, partes legtimas para propor a ao
direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Projeto de Lei
Altera dispositivos da Lei n 1.079, de 10 de abril de 1950, e
acrescenta outros.
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Art. 1 Os artigos 4 e 14 da Lei n 1.079, de 10 de abril de
1950, passa a vigorar com a seguinte redao:
Art. 4. ....................................................................................
....................................................................................................IX Os princpios fundamentais de direito, que regem as
relaes internacionais.
Art. 14 Tem competncia para denunciar o Presidente da
Repblica ou Ministro de Estado por crime de responsabili-
dade, perante a Cmara dos Deputados:
I qualquer cidado;
II o Procurador-Geral da Repblica;
III o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;IV confederao sindical ou entidade de classe de mbito
nacional.
Art. 2 A Lei n 1.079, de 10 de abril de 1950, passa a vigorar
com o acrscimo do Captulo IX ao Ttulo I, contendo o art.
12-A, como segue:
Captulo IX - Dos Crimes contra os Princpios que Regem as
Relaes Internacionais
Art. 12-A So crimes contra os princpios fundamentais de
direito que regem as relaes internacionais, alm daqueles
denidos no art. 5 desta lei, os seguintes atos:
1 recusar a celebrao de tratado, conveno ou ato
internacional que proscreve a fabricao, depsito ou
exportao de armamentos;
2 autorizar a participao das Foras Armadas em ofensivas
militares internacionais, em conjunto com pases que utilizamos armamentos referidos no inciso anterior;
3 permitir a realizao de atividade nuclear em territrio
nacional para ns no paccos, ou sem aprovao do
Congresso Nacional;
4 autorizar o descumprimento de resolues do Conselho
de Segurana das Naes Unidas;
5 deixar de cooperar, diligentemente, com o Tribunal Penal
Internacional;
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6 deixar de tomar as medidas indispensveis ao
cumprimento, pela Repblica Federativa do Brasil, de
tratados, convenes ou atos internacionais de represso ao
terrorismo e ao racismo;
7 ordenar ou permitir que a representao diplomtica
nacional atue contra os princpios de autodeterminao dos
povos e de no interveno em Estados estrangeiros;
8 recusar injusticadamente a concesso de asilo poltico.
Art. 3 Esta lei entra em vigor na data de sua publicao.
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O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO E ALIMITAO DOS MEIOS DE GUERRA
PROTEO DOS CIVIS: PERSPECTIVAS ILEGALIDADE DAS BOMBAS CLUSTER1
Cristian Ricardo Wittmann
Gustavo Oliveira Vieira
INTRODUO
Em maro de 2003, um ataque dos EUA com bombas cluster
em Al-Hilla, no centro do Iraque, matou pelo menos trinta etrs civis e feriou outros 109. Como incidente egrgio, esse
no foi uma anomalia no Iraque, ou no Afeganisto, em 2001
e 2002, ou na Iugoslvia em 1999. Em todos esses conitos
recentes, assim como noutros, os ataques com munies
cluster causam acidentes signicativos com civis vtimas
que poderiam ter sido evitadas... Pior ainda o vasto nme-
ro de explosivos potenciais que cam para trs aps os con-
itos e continuam a matar e ferir civis longo tempo aps osconitos terem acabado.2
O presente texto tem como escopo trazer uma contribuio
sobre o desenvolvimento do Direito Internacional Humanitrio (DIH)
relativo s negociaes de um novo marco legal pelo controle das
bombas cluster3, ao mesmo tempo em que enderea uma posio
1 Texto publicado originalmente em PRONER, Carol; GUERRA, Sidney (Orgs.). O DireitoInternacional Humanitrio e a proteo do indivduo. Porto Alegre: Srgio AntonioFabris, 2008, p. 168-195.2 GOOSE, Steve. Custer munitions: toward a global solution. In: HUMAN RightsWatch. World Report 2004: human rights and armed conflict. Washington:HRW, 2004, p. 245. Todas as tradues constantes nesse texto so livres e deresponsabilidade dos autores.
3 Tambm conhecidas como munies de fragmentao, munies clusters, bombas
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poltica a favor da erradicao mundial dessas armas, cujas negociaes
para um novo tratado internacional se encontram em pauta (ano-
base 2007). O Direito Internacional como Direito da Humanidade e
o Direito da Paz tm a funo primordial de regular a convivnciado gnero humano a partir da sociedade internacional, voltado cada
vez mais proteo do ser humano, principalmente daqueles em
situao de vulnerabilidade denido como movimento direcionado
humanizao do Direito Internacional. Para esse movimento, mister
que a lgica militar, de proteger as foras armadas da possibilidade
de uso de todas as armas disponveis, ceda espao s demandas
humanitrias para amenizar os riscos populao civil durante osconitos armados e suas heranas malcas, como os explosivos
remanescentes de guerra. Dessa forma, a tese do presente texto
sedimenta-se a favor da ilegalidade das bombas cluster perante os
mecanismos de proteo internacional da pessoa humana, e, mais
especicamente, perante o DIH.
Tendo em vista a impossibilidade de humanizar a guerra,
a no ser reconduzindo as controvrsias internacionais s vias de
resoluo pacca, o que seria o m da prpria guerra, resta fazer
com que os conitos armados, infelizmente (ainda) uma realidade
sociedade internacional, tornem-se menos sujos pela amenizao
dos possveis danos s populaes civis. Para tanto, o DIH o ramo
do Direito Internacional indicado, por limitar o uso da violncia nas
guerras, tendo como objetivo criar marcos regulatrios aos conitos
armados para: (a) poupar aqueles que no participam (civis) ou
no mais participam (prisioneiros de guerra, combatentes feridos
ou doentes) diretamente das hostilidades; e, (b) limitar a violncia
cassete, bombas-chacho, do ingls cluster munitions ou cluster bombs. O termo visaa identicar o que tem sido denominado por Cluster Bomb Unit, ou seja, uma bomba-continer que, ao ser jogada, se abre para lanar dezenas ou centenas de bombas
menores. Tal denominao ser abordada no decorrer deste captulo.
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ao montante necessrio para alcanar os objetivos do conito, que
pode ser independentemente das causas da batalha apenas para
enfraquecer o potencial militar do inimigo4.
Para Mario Bettati, esse ramo do Direito Internacional constitui-se de um conjunto de normas de Direito Internacional Pblico
primrias, consensuais e costumeiras, e de uma srie de regras de
Direito Internacional derivadas de atos de organismos internacionais,
em particular as Naes Unidas5. Existe basicamente a diviso entre
o Direito de Genebra (proteo s vtimas de combates), Direito de
Haia (limitao de meios e mtodos de guerra) e o Direito de Nova
Iorque (esforos da ONU para o desenvolvimento do DIH)6, com muitasconvergncias entre esses segmentos pela identidade de objetivos.
Atualmente, fala-se tambm do Direito de Roma (referente ao Tribunal
Penal Internacional Permanente).
O DIH ocupa-se das armas e da forma com que so utilizadas,
proibindo o uso daquelas que causam sofrimento desnecessrio (por
certo, deve-se questionar se h algum tipo de sofrimento necessrio)
e vtimas entre civis, desproporcionais aos proveitos militares diretos e
concretos antecipados pelo seu uso. As bombas cluster ligam-se, assim,
diretamente ao DIH pelo fato desse ramo do Direito Internacional
restringir o direito das partes em conito sobre o uso de certos meios
de guerra por razes humanitrias, estabelecendo os armamentos
que as partes conitantes podem(ro) se valer. A ameaa humanitria
4 SASSLI, Marco; BOUVIER, Antonie A. How does law protect in war? Cases,documents and teaching materials on contemporary practice in InternationalHumanitarian Law. Genebra: CICV, 1999, p. 67. Ver tambm: HAUG, Hans. Humanityfor all:the international red cross and red crescent movement. Berna: Henry DunantInstitute / Hupt, 1993, p. 491.5 BETTATI, Mario. Droit humanitaire. Paris: ditions du Seuil, 2000, p. 15.6 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitrio.Coleo para entender.Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 23-34; FERNANDES, Jean Marcel. A promoo da paz
pelo Direito Internacional Humanitrio. Porto Alegre: SAFE, 2006, p. 30-44.
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das bombas cluster situa-se no cerne dos objetivos do DIH, enquanto
um meio de guerra restrito/restringvel pelos efeitos causados,
indiscriminados, imprecisos e desproporcionais.
A ameaa integridade humana representada pelas bombascluster, com sua denio, apresentada na primeira parte do presente
texto, para, em um segundo momento, abordar-se a sua ilegalidade (da
produo, do uso, do armazenamento dessas bombas) tendo como
base o DIH. Em um ltimo momento, disserta-se sobre a iniciativa de
criao de um tratado internacional para banir o uso, a produo, a
transferncia e a estocagem das munies cluster, prevendo tambm
a assistncia s vtimas e a destruio dos estoques dessas bombasque causam danos inaceitveis a civis, com cooperao para auxlio
na recuperao de reas afetadas e a devida educao para o risco de
determinado armamento o Processo de Oslo.
A tenso entre a lgica humanitria e a lgica militar do
Estado uma constante no cenrio internacional, at que alguma se
estabelea denitivamente. Nesse caso, a questo humanitria ainda
considerada secundria. O esforo consiste em que a lgica de
proteo ao ser humano, independentemente de sua nacionalidade, se
sobreponha aos objetivos poltico-militares.
1 A AMEAA DAS BOMBAS CLUSTER INTEGRIDADE HUMANA
1.1 Bombas Cluster: denio
No existe consenso quanto nomeao precisa de uma bomba
cluster. A mdia tem usado reiteradamente a expresso bombas de
fragmentao7, porm, entende-se que essa no a melhor traduo.
7 A exemplo: bombas de fragmentao. BBC Brasil. Especial bombas de fragmentao.Disponvel em: . Acesso em: 18 mar. 2007.
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Por fragmentao entende-se o efeito da munio, a exemplo de
certos tipos de armas que, ao explodirem, fragmentam-se em mltiplos
pedaos para atingir suas vtimas, o que no ocorre geralmente com
as bombas cluster. Da mesma forma, existem divergncias quanto traduo do ingls de cluster bombs, que pode levar a denominaes
como bombas cacho usada em Moambique - ou bombas cassete -
Angola. Adota-se, neste texto, o termo estrangeiro cluster, a m de
assegurar um padro utilizado em conferncias internacionais.
Como uma denio possvel para as bombas cluster, tem-se
um continer do qual so dispersas inmeras outras submunies.
Tais submunies adquirem a caracterstica de granadas, pelo fato deestarem armadas e prontas para explodirem com o impacto a partir
do momento em que saem do continer. Por mais que seja comum
a apresentao dessas bombas como armas que so lanadas do ar,
existem tambm determinados tipos lanados do solo. A Organizao
No Governamental (ONG) Human Rights Watch dene bombas cluster
como grandes armas que contm dzias e frequentemente centenas
[ou milhares] de pequenas submunies. Elas existem em pelo menos
208 modelos e podem ser lanadas do ar ou da terra, liberando
minibombas ou granadas8.
O avio projeta do ar ou a artilharia, do solo, um explosivo, cha-
mado bomba-me, que se abre para lanar diversas submunies, que
podem somar at 650 por bomba, cada uma com funcionamento inde-
pendente munies cluster que devero explodir ao tocarem o solo
ou aps certo tempo, dependendo do mecanismo prprio de ativao.
Dentro do que posteriormente ser abordado como Processo
de Oslo, a Coalizo de ONGs Contra as Munies Cluster deniu as
munies cluster, para ns de um novo Tratado, como uma arma
8 HUMANS RIGHTS WATCH. Fatally awed: cluster bombs and their use by the United
States in Afghanistan. Washington: HRW, 2002, p. 6.
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detentora de mltiplas submunies explosivas, dispersas de um
continer. Uma submunio explosiva desenhada para ser dispersa
em mltiplas quantidades de um continer e dever explodir antes,
durante e aps o impacto. O chamamento ao tratado diz respeito aoproblema humanitrio que o uso dessa arma produz.
1.2 O problema humanitrio das bombas cluster
As consequncias que o referido armamento apresenta
integridade humana esto basicamente centradas nos seguintes
fatores a seguir explicitados: (1.2.1) os seus efeitos indiscriminados;(1.2.2) a rea afetada por bomba; (1.2.3) os efeitos ps-conito; (1.2.4) os
ndices de falha; (1.2.5) o grande poder explosivo de cada submunio;
e, por m, (1.2.6) a quantidade de estoques, o que pode representar
uma ameaa vida humana de grandes propores.
1.2.1 Efeitos indiscriminados
Dentre os motivos para a existncia do referido armamento, o
principal a sua capacidade de atingir vrios alvos com apenas uma bom-
ba, permitindo assim destruir um grande arsenal, uma concentrao de
veculos blindados e grandes infantarias com menores custos militares e
reduzida exposio a situaes hostis de conito. No entanto, esse efei-
to tambm pode gerar consequncias trgicas pois, com a abertura do
continer, as submunies so lanadas sem critrio ou tecnologia que
permita distinguir entre alvos militares e civis, ou, ainda, controlar a rea
que ser atingida, tornando tal distino uma impossibilidade. Assim,
fere-se o princpio humanitrio que deve reger as implicaes blicas de
um Estado na utilizao de qualquer tipo de armamento.
A proposta de utilizao desse armamento em meio a um
deserto onde somente existiria uma concentrao de blindados no raio
de 2 km no se traduz nos conitos em que o armamento foi utilizado.
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As munies cluster so lanadas contra alvos gerais, no especcos
nem guiados. Segundo o especialista militar Kevin Bryant, uma
questo de sorte atingir ou no o alvo inimigo9.
Uma das preocupaes do DIH o fato de as guerras contem-porneas caracterizarem-se pela vitimizao muito mais intensa de
civis do que de combatentes10. Dentre as razes para esse lastimvel
dado, detecta-se que os conitos armados tm ocorrido em regies
densamente povoadas (Lbano, 2006; Iraque, 2003; Israel-Palestina;
entre outros)11, ao mesmo tempo em que os conitos armados perdem
a caracterstica da interestatalidade, pois uma das partes se confunde
com a populao civil (grupos rebeldes armados, terrorismo interna-cional, guerras civis). Alm disso, deve-se considerar a ameaa que as
bombas cluster causam s demais categorias de bens protegidos pelo
DIH, como bens culturais, centros hospitalares, escolas, etc..
1.2.2 Abrangncia da rea sob ataque
Um dos diferenciais das bombas cluster o seu potencial
de ataque sobre uma regio inteira, no somente sobre um alvo
9 BRYANT, Kevin. Cluster munitions and their submunitions a personal view. In:UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006. Genebra: United Nations, p. 48. Clustermunitions are not target-specic and are neither aimed nor guided. They are in fact adumb weapon that can only be aimed in the general direction of the enemy, and oncethe submunitions are released it is a matter of luck whether they hit a target or not.
Their use is similar to carpet bombing, which is inecient and very often ineective.10 Segundo Eric Hobsbawn, a cada dez vtimas dos conitos armados contemporneos,nove so civis. Uma inverso em relao ao modelo dos conitos armados interestataisda primeira metade do sculo XX. Cf. HOBSBAWN, Eric. A epidemia da guerra. Folha deSo Paulo, So Paulo, 14 de abr. 2002. p. 4-10 (Caderno Mais!).11 A lista de pases que foram alvos de ataques de munies cluster contempla aUnio Sovitica, Reino Unido, Camboja, Laos, Vietnam, Sria, Saara Ocidental, Lbano,Afeganisto, Ilhas Falklands/Malvinas, Chade, Iraque, Kuwait, Arbia Saudita, Bsniae Herzegovina, Tajiquisto, Tchetchnia, Crocia, Sudo, Serra Leoa, Etipia, Eritria,Albnia, Iugoslvia, Israel. Cf. HUMAN RIGHTS WATCH. Timeline of Cluster Munition
Use. In: ______. Survey of cluster munition policy and practice. Washington: HRW, 2007.
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determinado como os demais tipos de armamentos de preciso
(e mesmo os de preciso, por vezes, acertam prdios da ONU, CICV,
hospitais, escolas, etc.). Esse efeito tem relao particular com
cada espcie de bomba cluster, sua taxa de rotao e a altura que abomba-me (continer) se abre dispersando as submunies. Uma
bomba cluster, de modo geral tem a capacidade de atingir uma rea
de abrangncia de 200 a 400 metros quadrados, o equivalente a,
aproximadamente, oito campos de futebol12.
O total da rea abrangida por bomba varia bastante e de
acordo com o tipo de explosivo, tipo de bomba, e, tambm, de outras
circunstncias, alm da mencionada altitude do lanamento, para quehaja condies de as submunies se dispersarem, as circunstncias de
tempo e o tipo de terreno morros, cordilheiras, plancie.
Utilizadas primeiramente por um grupo de Estados na Segunda
Guerra Mundial e aperfeioadas no decorrer da Guerra Fria (tanto pela
Organizao do Tratado do Atlntico Norte quanto pelas foras do
Pacto de Varsvia), sua funo primria era tirar vantagem do efeito
sobre uma vasta rea e atacar uma concentrao de veculos blindados
e de infantaria.13 No uso militar, tal armamento oferece uma economia de
escala. Uma bomba pode atingir e saturar um territrio vasto, de dezenas
de hectares, eliminando custos logsticos e riscos aos combatentes.
Os ataques com bombas cluster [...] requerem poucas plataformas [...]
para lanar poucas unidades e atacar mltiplos alvos, reduzindo assim o
custo logstico e a exposio das foras ao fogo hostil14. Entretanto, o alvo
12 BOMBAS de Fragmentao. BBC Brasil (Especial Bombas de Fragmentao).Disponvel em: . Acesso em: 18 mar. 2007.13 BORRIE, John; CAVE, Rosy. The humanitarian eects of cluster munitions: whyshould we worry? In: UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006. Genebra: United Nations,2006, p. 5-14, p. 5.14 HIZNAY, Mark. Operational an technical aspects of cluster munitions. In: UNIDIR.
Disarmament forum. Four 2006. Genebra: United Nations, 2006, p. 15-26, p. 16.
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bastante impreciso, o que se traduz em um paradoxo, pois ao mesmo
tempo em que reduzem o custo logstico e de exposio dos combatentes
que atacam, aumentam os custos humanitrios pelo grande potencial
ofensivo contra civis. Assim, a mencionada economia de escala geraconsequncias ao princpio humanitrio em proporo nunca vista.
Nesse sentido, refora-se a relao entre a caracterstica do
ataque indiscriminado com a rea de abrangncia de um ataque.
Em um ataque normal, utiliza-se sempre mais de uma bomba cluster,
que tende, ento, a abranger vrios hectares sem qualquer capacidade
de distinguir seu alvo, o qual pode ser militar, civil, atingir animais ou
qualquer combinao entre eles.
1.2.3 Efeitos ps-conito
As munies cluster causam danos inaceitveis aos civis tanto
durante quanto aps os conitos armados. Essa situao torna-se mais
grave considerando-se que os conitos armados contemporneos
ocorrerem em reas densamente povoadas e h diculdade em
distinguir a populao civil dos combatentes. Aps o conito, as
submunies que acabaram por no explodir no momento do impacto
inicial podem prejudicar os civis que delas se aproximam ou entram
em contato. Tornando-se, desse modo, explosivos remanescentes
de guerra, as submunies podem passar a agir, de fato, ao modo de
minas terrestres antipessoais, pois possvel que essas armas quem
enterradas com todos os dispositivos prontos para serem acionado
pela presena, proximidade ou contato da prpria vtima.
As ameaas ao princpio humanitrio no se resumem somente
aos problemas de sade pblica, mas afetam tambm o desenvolvimento
econmico e social da regio, a exemplo dos problemas relacionados
contaminao por explosivos remanescentes que precisam ser limpos,
impossibilidade de reconstruo de vilarejos, ao retorno das pessoas
para suas casas aps o trmino do conito, diculdade econmica,
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pelo fato de reas cultivveis estarem contaminadas com submunies
prestes a explodir, ao abastecimento de gua potvel e ao considervel
aumento da pobreza.
No conito armado entre Israel e o Hizbollah, em 2006, quedurou 34 dias, foram identicados pelo menos 864 locais alvos de
ataques com bombas cluster. O Centro de Coordenao de Aes
Contra as Minas da ONU estima que existam mais de 1 milho de
submunies dispersas no territrio do Lbano, principalmente na
regio sul, ameaando a vida de populaes inteiras que buscam
reconstruir suas vidas aps o conito15.
1.2.4 Os ndices de falha
Existe um alto grau de falha das submunies de bombas
cluster, sobretudo durante os combates. No XV Encontro de Expertos
Governamentais da Conveno sobre Certas Armas Convencionais16
(CCAC), apresentou-se a estatstica que de 30 a 40% de submunies
restam falhadas ao serem usadas em combate, podendo chegar a
mais de 70%17. No existe garantia alguma da inexistncia de falha ao
serem detonadas. Alis, houve o consenso de que sempre existir um
percentual de submunies que no explodir, deixando ameaas por
tempo indenido.
15 Cf. MACCSL. South Lebanon Cluster Bomb Info Sheet. Disponvel em: < http://www.maccsl.org >. Acesso em: 16 mar. 2007. Para um aprofundamento das consequncias
ps-guerra que hoje trazem desaos ao Lbano, recomenda-se a leitura de: LANDMINEACTION. Foreseeable harm: the use and impact of cluster munitions in Lebanon 2006.Londres: Landmine Action, 2006.16 Ocialmente recebe o nome de Conveno sobre as proibies ou restries do usode certas armas convencionais que possam ser reconhecidos por prejuzos excessivosou ter efeitos indiscriminados.17 Cf. GOOSE, Steve. First look at Israels use of cluster munitions in Lebanon in July-August 2006. Pronunciamento no Fifteenth Meeting of the Group of GovernmentalExperts. Convention on Conventional Weapons. Genebra, Sua, 30 de Agosto de 2006.Disponvel em: . Acesso
em: 15 mar. 2007.
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Ademais, os ndices de falha apresentados pelas foras armadas
so apontados, em regra, a partir de treinamentos militares e, nas condies
de treinamento, testam-se os armamentos em condies ideais, o que no
acontece no terreno de um conito real, na qual se amplia enormementeesses percentuais18. Para Kevin Bryant, a taxa de falhas s pode ser denida
aps o ataque pois h muitas razes para alterar as condies de uso,
como a visibilidade, o mau tempo e a hostilidade do territrio19.
As estimativas das falhas no uso de bombas cluster calculadas
nos conitos passados20 trazem dados que demonstram a existncia
de milhes de submunies dispersas, que podem ser detonadas a
qualquer movimento. Pelo menos quinze Estados utilizaram muni-es cluster: Unio Sovitica (1943; 1979-1989); Alemanha (1943);
Estados Unidos (1960-1970 e aliados em 1991; 2001-2002; e Reino
Unido 2003); Israel (1973; 1978; 2006); Marrocos (1975-1988); Reino
Unido (1982); Frana (1986); Iugoslvia (1992-1995; 1998-1999); Rssia
(1994-1996); Srvia (1995); Sudo (1996-1999); Nigria (1997); Etipia
(1998); Pases Baixos (e aliados: 1999). Existiram enfrentamentos em
que grupos armados no estatais tambm utilizaram o armamento21.
18 Em uma pesquisa de campo no Lbano, aps o conito de 2006, o fotgrafoJohn Rodsted lmou uma pequena regio e demonstrou o alto ndice de falha dassubmunies que aguardam para explodir a qualquer momento. Cf. RODSTED, John.Cluster bomb duds that shouldnt exist. Lbano, 2006. Disponvel em: < http://www.youtube.com/watch?v=v_jsyObTG8k>. Acesso em: 6 abr. 2007.19 BRYANT, Kevin. Cluster munitions and their submunitions a personal view. In:
UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006. p. 45-49. Genebra: United Nations: 2006, p.46. It also became apparent that only afteran attack could accuracy or failure ratesbe established. Often, when released by aircraft, the cluster-munition strike could besome distance from the intended target, and unexploded submunitions could be somedistance from the intended to any number of reasons, though ying at night, in badweather, and over hostile territory were the most common.20 Para mais informaes sobre os conitos em que foram utilizadas munies de frag-mentao ver HUMANS RIGHTS WATCH. Timeline of Cluster Munition Use. In: ______.Survey of Cluster Munition Policy and Practice. Washington: HRW, 2007.21 Cf. HUMANS RIGHTS WATCH. Timeline of Cluster Munition Use. In: ______. Survey of
Cluster Munition Policy and Practice. Washington: HRW, 2007.
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No conito entre Israel e Lbano (Hissbolah), a taxa de falha
das bombas cluster lanadas foi de aproximadamente 30 a 40%, ou
seja, dos 4 milhes de submunies lanadas, em torno de um milho
permanecem a gerar vtimas.
1.2.5 O alto poder explosivo das submunies
Enquanto as minas terrestres antipessoais foram desenhadas
para mutilar pessoas, as submunies de bombas cluster so feitas
para detonarem a blindagem de tanques de guerra e possuem,
consequentemente, uma carga de explosivos inmeras vezes maior, o
que amplia exponencialmente o dano potencial aos civis. Com a anlisede um ataque de bombas cluster, de seu potencial explosivo sobre vrios
hectares, tem-se a concluso lgica de que essas armas aumentam as
possibilidades de matar e ferir pessoas fora de combate, sobretudo civis.
1.2.6 A quantidade dos estoques
Um dado preocupante e que, ao mesmo tempo, gera impacto
nas discusses sobre os riscos dessas armas a quantidade desubmunies estimada que se encontra armazenada pelos Estados.
Os Estados22 possuem, aproximadamente, 16 bilhes de submunies
de bombas cluster em estoque. So quase trs bombas por habitante
no planeta. Se chegarem a ser utilizadas em larga escala, perpetrar-se-
uma crise jamais experimentada no mundo.
22 Hoje tem-se o conhecimento de que 73 Estados estocam munies cluster: Arglia,Angola, Argentina, ustria, Azerbaijo, Bahrain, Bielorssia, Bsnia e Herzegovina,Brasil, Bulgria, Canad, Chile, China, Crocia, Cuba, Repblica Tcheca, Dinamarca, Egito,Eritria, Etipia, Finlndia, Frana, Gergia, Alemanha, Grcia, Guin, Guin-Bissau,Honduras, Hungria, ndia, Indonsia, Ir, Iraque, Itlia, Japo, Jordnia, Cazaquisto,Coria do Norte, Coria do Sul, Kuwait, Lbia, Moldova, Monglia, Marrocos, PasesBaixos, Nigria, Om, Paquisto, Polnia, Portugal, Romnia, Rssia, Arbia Saudita,Srvia, Singapura, Eslovquia, frica do Sul, Espanha, Sudo, Sucia, Sua, Sria,Tailndia, Turquia, Turcomenisto, Ucrnia, Estados Unidos da Amrica, Reino Unido,
Emirados rabes Unidos, Uzbequisto, Lmen e o Zimbbue.
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O especialista em armas e chefe da referida diviso da ONG
estadunidense Human Rights Watch, Stephen Goose, especula que as
bombas cluster so, na atualidade, as armas mais perigosas da Terra.
Alm de existirem em estoque de propores avassaladoras, esto ab-solutamente sem controle pela sociedade internacional, pois no h
qualquer regime que regule o uso desses artefatos23.
1.3 As semelhanas com o problema das minas terrestres
antipessoais
As minas terrestres24 antipessoais so artefatos blicos explosi-vos que, plantados no solo, tm a caracterstica fundamental de serem
acionadas pela prpria vtima, em presena, proximidade ou contato.
Ficaram conhecidas pelo seu efeito de destruio em massa, pois, por
mais que cada mina terrestre tenha seu efeito praticamente25 indivi-
dual, causam, aps tantas dcadas de uso, reexos de uma arma de
destruio em massa, tendo em vista as estatsticas: 100 milhes de
minas plantadas e centenas de milhes em estoques pelos Estados26.
23 Cf. HUMANS RIGHTS WATCH. Cluster Munitions: Governments to Discuss NewTreaty. Disponvel em: .Acessado em: 6 abr. 2007.24 As minas terrestres so classicadas em duas categorias: antipessoal - desenhadaspara serem acionadas por pessoas, com menor potencial explosivo e a necessidade
de aproximadamente 5 a 50 quilogramas de presso para detonar; e antitanque -conhecida como antiveculo, feitas para explodirem com a passagem de um veculo, deforma que possuem maior potencial explosivo e detonam com aproximadamente 100a 300 quilogramas de presso.25 Ressalta-se a diferena entre sobreviventes e vtimas: os primeiros so aqueles quesofreram consequncias fsicas a partir do seu contato com o explosivo, ao passo queas vtimas englobam todo o grupo de pessoas que acaba por ser prejudicado em vistado acidente ocorrido pelo risco permanente de morte, a exemplo da famlia, amigos,entre outros.26 Segundo o Landmine Monitor, foram informados, em 2005, um total de 7328
acidentes com minas terrestres antipessoais, um aumento de 11% dos acidentes
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As consequncias causadas pelo uso de minas terrestres esto prestes
a se repetir, porm em propores maiores e descontroladas, pela uti-
lizao das munies cluster.
Dentre as caractersticas dessas minas, pode-se ressaltarespecicamente duas que trazem implicaes de carter humanitrio
e se assemelham: (1) a impossibilidade de distino da vtima; (2) o
indeterminado prolongamento de sua capacidade destrutiva. Essas
caractersticas assemelham-se s consequncias contra a integridade
humana das bombas cluster, motivo pelo qual parte da comunidade
internacional, incluindo CICV, ONGs e Organizaes Internacionais,
advogam pelo banimento desse armamento por meio da universalizaoe implementao da conveno internacional conhecida como Tratado
de Ottawa ou Tratado de Erradicao das Minas Terrestres27, alm de
todo arcabouo legal internacional que relaciona o Direito Internacional
dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitrio28.
2 O DIH E OS MEIOS DE MTODOS DE GUERRA: SOBRE A ILEGALIDADE
DAS BOMBAS CLUSTER
Como disciplina prpria no mbito do Direito Internacional,
o DIH tambm se fundamenta em princpios especficos, que
informados em 2004. Cf. LANDMINE MONITOR. Major Finding. In: ______. Landmine
Monitor 2006: toward a mine-free world. Ottawa: MAC, 2006. Disponvel em: < http://www.icbl.org/lm/2006>. Acesso em: 18 mar. 2007.27 Para mais informaes sobre o Tratado de Erradicao das Minas Terrestres, verConveno Sobre A Proibio Do Uso, Armazenamento, Produo E Transferncia DeMinas Antipessoais E Sobre Sua Destruio. Disponvel em < http://www.icbl.org/trea-ty/text/portuguese>, Acesso em: 15 mar. 2007.28 Cf. VIEIRA, Gustavo Oliveira. Inovaes em Direito Internacional: um estudo de casoa partir do Tratado de Ottawa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006; MASLEN, Stuart.Commentaries on arms control treaties, Volume I: The convention on the prohibitionof the use, stockpiling, production, and transfer of anti-personnel mines and on their
destruction. Oxford: Oxford University, 2004.
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sero apresentados a seguir, relacionados aos meios de guerra
bombas cluster , para apresentar o problema da ilegalidade
desse armamento.
2.1 A ilegalidade das bombas cluster a partir dos princpios do DIH
No existe atualmente nenhuma regulamentao interna-
cional especca e vinculante que proba a utilizao de bombas
cluster, mas nem por isso legal seu uso a partir de uma leitura
atenta dos princpios do DIH. Dentre as normas consuetudinrias
que foram registradas formalmente por meio das Convenes e de
seus Protocolos Adicionais podem-se extrair os seguintes princpios
do Direito Internacional Humanitrio: a) Princpio da humanidade
aliado Clusula de Martens; b) Princpio da distino; c) Princpio da
necessidade; d) Princpio da proporcionalidade.
a) Princpio da humanidade: com vistas preservao da
dignidade da pessoa humana, pode ser aliado aqui Clusula de Martensque, originada de uma proposta de Fidor Fidorocivh Martens (1845-
1909) Conferncia de Haia de 1899, tornou-se princpio basilar e
fundamental do DIH. A Clusula de Martens estipula que aquilo que no
est explicitamente proibido por um tratado no permitido ipso facto,
pois as limitaes aos conitos armados no so apenas estabelecidas
pelos tratados internacionais, mas tambm pelos princpios do Direito
Internacional que os complementam.
Dessa forma, ainda que no se tenha um marco legal especco
sobre o tema, os beligerantes permanecem sob a salvaguarda dos
princpios do Direito Internacional (Humanitrio), pois os princpios
humanitrios so vlidos e devem ser seguidos no somente na
ausncia de dispositivos expressos que os precisem, mas constituem
obrigaes erga omnes, que vinculam os Estados voluntariamente
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comprometidos, os indivduos submetidos a essas jurisdies nacio-
nais29 e mesmo terceiros (Drittwirkung).
b) Princpio da distino: a distino entre civis e combatentes;a proibio de atacar aqueles hors de combat (que esto fora das
batalhas, impossibilitados de continuar). A regra da distino, prevista
no art. 48 do Protocolo Adicional I de 1977, avalia que com vista a
assegurar o respeito e a proteo da populao civil e dos bens de
carter civil, as partes em um conito devem sempre fazer a distino
entre populao civil e combatentes, assim como entre bens de carter
civil e objetivos militares, devendo, portanto, dirigir suas operaesunicamente contra objetivos militares.
No arcabouo legal do DIH, a denio de civis e bens civis
encontra-se nos art. 50 e 52, respectivamente, do Protocolo Adicional
I de 197730. Considera-se civil qualquer pessoa que no pertena s
foras armadas, ressaltando-se que, em caso de dvida, prevalece a
designao civil. Quanto aos bens, consideram-se civis todos os que
no constituem objetivo militar, denidos assim por sua natureza,
localizao, nalidade ou utilizao no contribuir para a ao militar e
cuja destruio, total ou parcial, captura ou neutralizao no oferea
29 FERNANDES, Jean Marcel.A promoo da paz pelo Direito Internacional Humanitrio.Porto Alegre: SAFE, 2006, p. 70.30 Artigo 50 Definio de civis e de populaes civis: 1. considerada civil toda
pessoa que no pertence a uma das categorias mencionadas no artigo 4A, alneas(1), (2), (3), e (6) da III Conveno e pelo artigo 43 do presente Protocolo. Em casode dvida, a pessoa citada ser considerada civil. 2. A populao civil compreendetodas as pessoas civis. 3. A presena no seio da populao civil de pessoas isoladasque no correspondem deinio de pessoa civil no priva essa populao dasua qualidade. [...] Artigo 52 Proteo geral dos bens de carter civil. 1. Os bensde carter civil no devem ser objeto de ataques ou de represlias. 2. So bens decarter civil todos os bens que no sejam objetivos militares, nos termos do 2. 2. [...]Em caso de dvida, presume-se que um bem normalmente consagrado ao uso civil,tal como um local de culto, uma casa, outro tipo de habitao ou uma escola, quando
no utilizado para dar contribuio efetiva ao militar.
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vantagem militar. No que tange conceituao de bens civis, tambm
prevalece a ideia de que, na dvida, denem-se como civis.
Como o ataque com bombas cluster tem o potencial de abran-
ger vrios hectares, pode tornar-se impossvel a diferenciao entreum alvo civil e um alvo militar. Esse armamento deve ter seu uso banido
pelo fato de que, quando utilizado, no consegue direcionar seu poten-
cial ofensivo somente para alvos militares. O Comit Internacional da
Cruz Vermelha (CICV) se pronunciou sobre o Protocolo Adicional I de
1977 Conveno IV de 1949, especialmente sobre o art. 48 do referido
Protocolo, armando que qualquer conito deve garantir o respeito
e a proteo para a populao e os bens civis, [obrigando] as partesem conito a fazer sempre a distino entre a populao civil e os com-
batentes, assim como entre os bens civis e os objetivos militares, e a
dirigirem as suas operaes apenas contra objetivos militares31.
A falta de preciso dessas bombas torna o ataque indiscrimi-
nado, o que banido conforme o DIH, especicamente pelo art. 51
4 e 5 do Protocolo Adicional, sendo que a prpria interpretao do
CICV dene que a proibio estende-se aos ataques indiscriminados.
Trata-se em especial de ataques no dirigidos ou que no podem ser
dirigidos, em razo dos mtodos ou meios de combate usados, con-
tra um objetivo militar32.
c) Princpio da necessidade: a proibio de inigir sofrimento
desnecessrio. O princpio da necessidade orienta a restrio de ataques
e o uso de meios estritamente necessrios s nalidades militares
que tragam benefcios objetivos ao conito. A regra contra ataques
indiscriminados, art. 51 do referido Protocolo, especialmente nos seus
4 e 5, probe ataques quando no dirigidos contra um objetivo
militar determinado e os meios utilizados no possam ser limitados
31 CICV. Normas fundamentais das Convenes de Genebra e de seus Protocolos Adicionais.Genebra: 1983, p. 35-36.
32 Idem, ibidem, p. 36.
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aos objetivos militares. Complementa, igualmente, o protocolo sobre
os critrios de discriminao, no qual se encontra a caracterstica de
proibio de ataques a alvos militares quando situados em uma cidade,
uma aldeia ou em qualquer outra zona que contenha concentraoanloga de civis ou de bens de carter civil.
Quanto s precaues no ataque, prevista no art. 57, na conduta
em operaes militares, devem ser constantemente consideradas
para proteger e poupar a populao civil e os bens de carter civil das
hostilidades. Dessa forma, todas as previsveis precaues precisam ser
tomadas para evitar e, em qualquer evento, minimizar acidentes que
possam causar perdas de vidas humanas, ferimentos nos civis e danosaos bens de carter civil.
Ainda restam pelo menos dois pontos de vista a serem analisados
quanto ilegalidade frente ao princpio da proporcionalidade: o que
se refere ao sofrimento desnecessrio; e quanto ao impacto de longo
prazo. Em ambos os casos existem restries legais, de acordo com
os art. 35 e 55 do Protocolo Adicional I. A regra da proporcionalidade
tambm lida com o custo de sofrimento desnecessrio e os impactos
relativos ao desenvolvimento sustentvel, ou seja, o seu impacto em
longo prazo no ambiente em que foi utilizado.
d) Princpio da proporcionalidade33: nenhum alvo deve ser
atacado se os prejuzos forem maiores que os ganhos militares,
enfocando-se, sobretudo, a garantia de menor dano aos civis. No que
tange ao princpio da proporcionalidade, regulamentada no art. 51, 5,
b, traz a proibio de ataques que possam causar acidentalmente
perdas de vidas humanas, ferimentos a civis e prejuzos a bens de
carter civil ou uma combinao dessas perdas e danos, que seriam
excessivos em relao vantagem militar concreta e direta esperada.
33 SASSLI, Marco; BOUVIER, Antonie A. How does law protect in war? Cases, documentsand teaching materials on contemporary practice in International Humanitarian Law.
Genebra: CICV, 1999, p. 67-68.
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Dessa forma, o princpio da proporcionalidade acompanhado do
princpio da utilidade militar, que permite o uso da violncia necessria
e razovel. O princpio da proporcionalidade deve estar relacionado
aos custos humanos do uso de certos meios e mtodos de guerra. Essa a principal regra elencada quando se observa o alto ndice de falha
na exploso das submunies cluster, pois, nesse contexto, qual seria
a vantagem militar frente ao alto custo humano da exposio desse
armamento contra civis? Tal proibio est baseada no art. 51 e seus
subsequentes pargrafos no Protocolo Adicional I.
Kevin Bryant, militar britnico reformado que passou a atuar
na limpeza e remoo de explosivos, ao relatar a sua experinciapessoal com as submunies cluster, armou que, entre os militares,
se dizia que esse sistema de armas era o melhor e mais efetivo contra
inimigos dispersos em uma rea, porm, com algumas experincias na
limpeza de terrenos aps a guerra, percebeu que estava comeando
a entender que o chamado dano colateral causado pelas submunies
no detonadas era de fato um srio problema humanitrio34.
2.2 A proteo internacional da pessoa humana: a ameaa das
bombas cluster numa perspectiva integrada
A poltica internacional de segurana dos Direitos Humanos
pode ser traduzida pelo fortalecimento integrado do Direito Interna-
cional dos Direitos Humanos (lato sensu), em seus vrios ramos:
34 As British soldiers we were told that these weapon systems were the best andmost eective way of engaging an enemy whose assets were dispersed over an area.But as military Explosive Ordenance Disposal (EOD) Operators we were beginning tounderstand that the so-called collateral damage caused by unexploded submunitionswas in fact a serious humanitarian problem not to mention a signicant personaldanger to those of us responsible for post-conict clearance. BRYANT, Kevin. Clustermunitions and their submunitions a personal view. In: UNIDIR. Disarmament forum.
Four 2006. p. 45-49. Genebra: United Nations, p. 46.
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Direitos Internacional dos Direitos Humanos (stricto sensu), Direito
Internacional dos Refugiados e Direito Internacional Humanitrio (DIH).
Alis, trs ramos que o professor Canado Trindade aponta como as
principais vertentes da Proteo Internacional da Pessoa Humana35.Entretanto, elas apresentam uma viso compartimentalizada devido
nfase exagerada nas distintas origens histricas que, por sua vez,
acarreta prejuzos no observncia dos seus canais de cooperao
e coordenao prprios entre um e outro ramo. Direitos Humanos,
Direito dos Refugiados e Direito Humanitrio guardam congruncias e
interseces inequvocas e a cooperao entre uma vertente e outra
estratgica realizao dos direitos reconhecidos internacionalmente.Os trs ramos no se equivalem, no h uniformidade total
em seus planos normativos, operativos e processuais36, mas
indispensvel perceber que h interao normativa acompanhada de
complementaridade entre os trs planos, pois so interdependentes
em sua aplicao. Portanto, o ideal uma aplicao simultnea dessas
trs vertentes, a ser analisada a cada caso, na pretenso de usufruir
ao mximo dos frgeis mecanismos internacionais de implementao
do Direito Internacional Pblico alicerado no ser humano como valor-
fonte. A unidade de propsito bsico dos diferentes ramos do Direito
Internacional aqui mencionada a prpria proteo do ser humano
em toda e qualquer circunstncia. Nesse sentido, interessa analisar a
relao sobre o uso de munies cluster e a sua relao com as outras
vertentes da Proteo Internacional da Pessoa Humana37.
No que tange ao Direito Internacional dos Direitos Humanos,
o uso de bombas cluster ameaa e viola, no mnimo, os direitos vida
35 TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Tratado de Direito Internacional dos direitoshumanos. Volume I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, 488p.36 Idem, ibidem, p. 270.37 VIEIRA, Gustavo Oliveira. Inovaes em Direito Internacional: um estudo de caso a
partir do Tratado de Ottawa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006, p. 14 e 15.
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(art. 6 do Pacto de Direitos Civis e Polticos de 1966) e segurana
pessoal (art. 9 do mesmo Pacto), bem como o desenvolvimento
econmico e social (art. 1 do Pacto de Direitos Sociais, Econmicos e
Culturais, de 1966).Quanto s garantias aos refugiados, o uso de munies cluster
torna hostis e ameaadores os locais sujeitos a trnsito. Qualquer
terreno no planeta passvel de ser utilizado por seres humanos com
ns paccos, mas o trnsito de refugiados em reas onde foram
utilizadas bombas cluster torna-se uma ameaa permanente a tais
populaes j aigidas por circunstncias diversas.
2.3 A soberania como a responsabilidade de proteger (pessoas
e no armas)
Um dos argumentos mais consistentes utilizado para advogar
a erradicao das bombas cluster foi proferido por Jody Williams, co-
laureada com o Prmio Nobel da Paz de 1997: a responsabilidade de
proteger, atribuda aos Estados por meio de seus funcionrios, no signica
a responsabilidade de proteger suas armas, mas sim a responsabilidade de
proteger as pessoas, os indivduos, os seres humanos38.
A responsabilidade de proteger foi proposta elaborada por um
grupo de especialistas em Direito Internacional que redene a noo de
soberania nacional: a soberania como a responsabilidade de proteger39.
Essa questo foi seriamente estudada, debatida e relatada pela
Comisso Internacional para a Interveno e a Soberania do Estado.
38 WILLIAMS, Jody. Munies cluster e direito de proteo. Pronunciamento proferidono segundo dia da Conferncia de Oslo sobre Munies Cluster. 22 fev. 2006. Anotaespessoais de Gustavo Oliveira Vieira.39 AXWORTHY, Lloyd. Navigating a new world: Canadas global future. Toronto (Canad):Vintage Canada, 2004, p. 177-200; SINGER, Peter. Um s mundo: a tica da globalizao.
Traduo de Adail Ubirajara Sobral. So Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 157-166.
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No relatrio nal, intitulado The Responsability to Protect, h a ideia de
proteo internacional da pessoa como sendo uma responsabilidade
em que o centro do interesse da comunidade internacional seria os
indivduos e no mais os Estados. Em suma, em vez de um direito deintervir, existe uma responsabilidade para proteger, restringindo os
limites da soberania estatal sobre as armas e sendo mais coerente com
a responsabilidade em proteger os seres humanos.
3 POR UM MARCO LEGAL PELA ERRADICAO DAS BOMBAS CLUSTER
Atualmente, cresce a preocupao da opinio pblica globalsobre a crise de dimenso humanitria gerada pelas bombas cluster,
tendo em vista o envolvimento de ONGs que trabalham pela erradica-
o dessas armas, a produo de relatrios internacionais a respeito e
o crescente envolvimento dos Estados e Organizaes Internacionais
nos debates. Todavia, as negociaes em torno de um possvel bani-
mento dessas armas cluster remontam a dcadas de negociaes sem
uma soluo at a presente data (maro de 2007).
Os primeiros debates em torno da regulamentao internacio-
nal sobre as bombas cluster foram buscados, insistentemente, no m-
bito da Conveno sobre Certas Armas Convencionais de 1980 (CCAC),
cujo Protocolo V40, sobre Explosivos Remanescentes de Guerra41, repre-
senta um avano nesse sentido. Porm, o Protocolo V regulamentou a
ao apenas no perodo ps-conito com as seguintes medidas: limpeza
dos campos que possuam explosivos, incluindo clusters; compartilha-
40 CONVENO SOBRE CERTAS ARMAS CONVENCIONAIS. Protocolo V: explosivos re-manescentes de guerra. Genebra: Encontro dos Estados Partes, 2003. Disponvel em:. Acesso em: 7 abr. 2007.41 Para uma compreenso global do problema gerado pelos explosivos remanescentesde guerra, ver LANDMINE ACTION. Explosive remnants of war and mines other than anti-
personnel mines: Global survey 2003-2004. Londres: Landmine Action, 2005.
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mento de informao referente ao armamento; e medidas para pro-
teger os civis do contato com tais explosivos. Ressalva-se que a CCAC
s gera efeitos aos pases que integram a Conveno, os quais somam
hoje 102 Estados Partes e 6 Signatrios42 e, no caso do Protocolo V, sgera obrigaes para os Estados que raticarem o Protocolo, o qual,
em janeiro de 2007, contava com 29 Estados Partes.
Entre os debates sobre a possibilidade de uma regulamentao
das bombas cluster, em pauta no mbito da CCAC, esto os que se re-
ferem ao aperfeioamento tecnolgico dessas bombas para que se ga-
ranta um ndice mnimo de falhas. Como explicitado, o ndice de falhas
s poder ser conhecido aps os combates. No h ndice de falhaszero, assim como no h ndices de falhas aceitveis. Nesse sentido,
o aperfeioamento tecnolgico denitivamente no atende s deman-
das de carter humanitrio que o tema faz emergir. Entretanto, essas
discusses parecem ter encontrado um teto, ou seja, h limites ao
que poder ser negociado na CCAC.
Como em pocas passadas, a Terceira Conferncia de Reviso
da CCAC, que ocorreu em 2006, no conseguiu suprir os anseios
humanitrios de Estados e Organizaes que se mobilizavam em
prol do banimento das bombas cluster. O teto comentado reside
justamente no consenso, processo no qual esto baseadas as decises/
negociaes do tema. Um grupo de Estados, liderados pela Noruega,
advogavam, na referida Conferncia, pela criao de um Protocolo VI
para banir as munies cluster que causassem demasiado sofrimento,
o que no acabou se materializando.
Todavia, ainda predomina o senso de que no existem
instrumentos legais de proibio das bombas cluster, por mais que
existam elementos para demonstrar a ilegalidade de sua utilizao.
42 Para a lista completa e detalhada: ORGANIZAO NAS NAES UNIDAS. Disarma-ment. Disponvel em: . Acesso em: 7 abr. 2007.
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O mais prximo que se chegou em termos de regulamentao
especca para essas armas se situa no Protocolo V da CCAC, porm,
como observado, esse dispositivo atua principalmente nas situaes
ps-conito, no sendo suciente para responder aos anseioshumanitrios de minimizao das consequncias da guerra aos civis.
Entretanto, com os debates das reunies diplomticas da CCAC,
surgiu a demanda por um marco legal para o banimento das bombas
cluster, o que deu incio ao Processo de Oslo.
3.1 Processo de Oslo: perspectivas do banimento total das
bombas cluster
O sofrimento humano causado pelas bombas cluster no se
justica frente utilidade militar. Com esse argumento, a Noruega
chamou membros da comunidade internacional que se manifestaram
a favor de um marco legal pela erradicao das bombas cluster para
iniciarem as negociaes a respeito, em fevereiro de 2007, em Oslo,
aps a tentativa frustrada de estipular um novo mandato para a CCAC,em novembro de 2006, na sua Conferncia de Reviso.
O Ministro das Relaes Exteriores da Noruega expressou
tais anseios armando no pairar dvidas sobre o grande sofrimento
humano causado pelo uso de bombas cluster: A menos que algum
progresso seja feito para estabelecer um instrumental internacional
legalmente vinculante sobre as munies cluster, esse armamento
vai se tornar um problema humanitrio em maiores propores que asminas terrestres antipessoais costumavam ser43.
Assim como a utilizao das bombas cluster no recente,
a reivindicao para o seu banimento tambm remete a dcadas
passadas. J em 1976, treze Estados aclamavam pelo banimento
43 STRE, Jonas Gahr. Special Comment. In: UNIDIR. Disarmament forum. Four 2006.
p. 3-4.Genebra: United Nations: 2006, p. 3.
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das armas cluster sem estarem sob presso intensa de organizaes
internacionais ou at mesmo d
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