cap2_o fotojornalismo

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    CAPTULO 2O FOTOJORNALISMO

    Apesar de hoje considerarmos a fotografia como um elemento fundamental da

    imprensa, isso nem sempre aconteceu. Quando a fotografia surgiu, no final da dcada de

    1830, os jornais j existiam em bom nmero, tanto na Europa como nas Amricas. Entretanto,

    por razes tecnolgicas, foram necessrios mais de 30 anos para ser possvel o

    aproveitamento de fotografias na imprensa. A introduo da fotografia na imprensa a partir

    de 1880, com o emprego de uma nova tcnica de impresso, um momento importante para

    a forma de se ver o mundo.

    Se at ento, o cidado comum apenas podia visualizar fenmenos que ocorriam

    perto dele, com a utilizao de imagens fotogrficas pela imprensa, o mundo tornou-se

    prximo, pequeno aos olhos da massa. A fotografia inaugura os mass media visuais quando

    o retrato individual substitudo pelo retrato coletivo (FREUND, 1994, p. 107)1. Para

    Freund a fotografia torna-se tambm um poderoso meio de propaganda e de manipulao.

    Para Sousa (2000) embora a fotografia tenha sido encarada por muito tempo como

    unicamente o registro visual da verdade, com o passar do tempo e a rotinizao do ofcio e a

    profissionalizao da atividade de fotgrafo, (...) de um reino de verdade, passou-se ao

    reinado do credvel (...) pois j no final do sculo XIX, manipulavam-se as imagens em

    funo de objetivos que em nada tinham a ver com a verdade, mas, de fato, unicamente com o

    credvel (SOUSA, 2000, p. 10)2. Porm, ser nesse ambiente que a fotografia documental,

    origem do moderno fotojornalismo, surgir como resultado da criao original do fotgrafo,

    carregando, em si, a possibilidade de transformao social.

    1FREUND, Gisele. Op. cit. 1994. P 107.2SOUSA, Jorge Pedro. Uma histria crtica do fotojornalismo ocidental. Chapec (SC): Grifos, 2000. P 10.

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    50Um dos trabalhos fundadores do fotodocumentarismo e, por conseqncia,

    tambm do fotojornalismo e de toda uma escola de profissionais empenhados em intervir com

    a fotografia sobre a realidade que os cerca foi o de Jacob Riis3, que em 1880 fotografou as

    pssimas condies de vida dos imigrantes em Nova York. Riis para fotografar noite

    utilizou uma das novidades tecnolgicas de sua poca, os flashes de magnsio. Embora suas

    imagens tenham, sido publicadas como gravuras, elas foram capazes de causar um forte

    impacto sobre a opinio pblica.

    Figura 01 Jacob Riis imigrantes italianos em Nova York (1882)

    Apesar do surgimento comum, o fotojornalismo difere do fotodocumentarismo e

    necessrio marcar claramente tal distino. Howard Chapnick4 diz no prefcio do livro Eyes

    of time: photojournalism in America, de Marianne Fulton (1988) que o fotojornalismo nos

    deu uma inacreditvel histria visual do sculo XX. Para ele, essa histria um testamento

    amplitude da experincia humana e, se uma fotografia o ltimo documento antropolgico e

    histrico de nosso tempo, o fotojornalismo uma fotografia humanstica capaz de mudar

    nossas expectativas do mundo e da verdade (CHAPNICK in FULTON, 1988)5.

    Wilson Hicks (1972), ex-editor de fotografia da revista Life, afirma que ofotojornalismo se caracteriza pela particular integrao dos meios verbais e visuais numa

    publicao e a combinao dos esforos de trs profissionais distintos: o redator, o fotgrafo e

    3Riis, Jacob (1849 1914) : nasceu na Dinamarca e aos 21 anos de idade, imigrou para os EUA. Como professorde uma escola dominical, Riis incentiva aos seus alunos a se envolverem em atividades comunitrias queauxiliassem na reduo dos problemas enfrentados pelos trabalhadores pobres e imigrantes de N. York. Foi dessaforma que ele acabou usando a fotografia para documentar as condies de vida nos bairros mais pobres dacidade. Posteriormente tornou-se reprter do New York Tribune. Inhttp:www.rleggat.com/photohistory/index.html. acessado em 12 de agosto de 2004.4

    Fotgrafo e pesquisador. Autor do livro "Truth Needs No Ally" - Finding an Ethical Structure inPhotojournalism" , publicado pela Columbia University of Missouri Press ,Columbia & London , 1994. Criouem 1935, uma das primeiras agncias de fotografia dos EUA, a Black Star.

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    51o editor (HICKS in SMITH, 1972)6. Embora possa soar estranha tal definio, torna-se

    mais fcil compreender as idias de Hicks quando pensamos que, na imprensa, a fotografia

    acompanha, ilustra ou complementa uma notcia escrita e, ao redator, compete a tarefa de

    escrever as legendas dessas imagens.

    O termo fotojornalismo tambm pode ser traduzido, segundo a Wikipedia(2004)7

    como uma forma particular de jornalismo, caracterizada pela coleta, edio e apresentao de

    material fotogrfico de notcias para publicao ou radiodifuso. Alm disso o fotojornalismo

    se utiliza das imagens para contar uma histria. O fotojornalismo se distingue das outras

    formas de fotografia pela:

    (a) Oportunidade: as imagens tm significado no contexto de um registrocronolgico de eventos;

    (b) Objetividade: a mensagem carregada pelas imagens uma representao justa eprecisa dos eventos que eles descrevem;

    (c) Narrativa: as imagens podem ser combinadas com outros elementos grficos ede notcias para melhor informar ao leitor.

    Ritchin (1998)8 por sua vez vai diferenciar a fotorreportagem, como uma fotografia

    editorialmente engajada desde o ato de sua produo, sendo realizada por profissionais

    dedicados especificamente a esse ofcio; do fotojornalismo, que pode mesmo gerarreportagens jornalsticas em que o texto permanea em segundo plano.

    Tim Gidal (1973) considera que o conceito de jornalismo relacionado a uma rea

    do jornal dirio, e o fotojornalismo ser, em geral, o principal apoio das revistas semanais

    ilustradas. O fotojornalismo moderno, porm se manifestar, principalmente, atravs das

    fotorreportagens, das foto-estrias e ensaios fotogrficos.

    Em seu livro Modern Photojournalism, Gidal cita o fotgrafo da agnciaMagnum,

    Philip Jones Griffiths que fala da nova distino criada na dcada de 1930 entre os fotgrafosde notcias e fotojornalistas: (...) a terminologia em fotografia est quase completamente

    baseada em egos frgeis (GIDAL, 1973)9.

    5 In: FULTON, Marianne. Eyes of time: photojournalism in America. Boston: Little, Brown and Company,1988.6 HICKS, Wilson. What is photojournalism. In SMITH, R. (ed.) Photographic Communication. Nova York:Hastings House, 1972. P 19-56.7 http://en.wikipedia.org/wiki/Photojournalism acessado em 04 de novembro de 2004.8 Ritchin, Fred .Close Witnesses: The involvement of the photojournalist. In A New History of Photography.Ed. M. Frizot. Kln (GER): Knemann, 1998.9 GIDAL, Tim. Modern Photojournalism. Nova York: Collier Books, 1973.

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    52Segundo o autor, se voc fosse um fotgrafo de imprensa nos anos de 1930, a

    ltima coisa que voc gostaria que acontecesse era ser confundido com algum que faz

    fotografias de casamentos . Em compensao, o profissional que trabalhava para uma revista

    ilustrada, que ia para a frica por trs meses fazer uma fotorreportagem sobre as mudanas

    polticas no continente, era bem mais ansioso por no ser confundido com um fotgrafo de

    imprensa. Especialmente porque a maioria dos fotgrafos de imprensa, era considerada como

    de pouca cultura. Assim, o fotgrafo das revistas ilustradas preferia ser chamado de

    fotojornalista.

    Gidal ainda procura discutir como se d a relao do profissional com a prpria

    obra fotogrfica. Para ele, enquanto o pintor interpreta eventos e acontecimentos, o fotgrafo,

    pode os refletir em uma forma mais precisa. A fotografia nunca teve a habilidade paraapresentar relatrios objetivos em realidade. Fotografias so imagens subjetivas por sua

    prpria natureza, assim como qualquer relatrio escrito ou relatos histricos (GIDAL,

    1973)10.

    Os fotgrafos tomam decises rotineiras que afetam o resultado final (imagem): o

    fotgrafo decide sobre o que fotografar, quando fotografar e onde publicar suas imagens.

    Gidal continua o fotorreprter que determina o contedo essencial da fotorreportagem,

    mas ele tambm dependente de um texto acompanhante de um projeto grfico capaz devalorizar suas imagens (GIDAL, 1973). Dessa forma, Gidal ver o editor realizando um

    papel de artista criativo que, longe de somente somar, estabelece uma ordem soma das

    partes individuais, resultando em uma entidade harmoniosa que a fotorreportagem.

    Do ponto de vista histrico, podemos ver a fotorreportagem como a forma moderna

    do relato pictorial, que emprega os meios tcnicos da fotografia para realizar a velha tarefa da

    comunicao visual. O contedo, os limites, e propsitos do relato so determinados pela

    prpria declarao direta ou indireta, e isto que tambm impe um limite na propaganda, noexagero e na falsificao, como tambm no elemento puramente imaginativo que existe no

    relato de filmes e nas histria em quadrinhos. Para Gidal (1973) os elementos de exagero,

    falsificao, imaginao e propaganda esto no trabalho fotojornalstico tanto como em

    qualquer outra forma de representao.

    J para Sousa (2000), a noo de fotojornalismo difcil de ser estabelecida, seja

    pela variedade de profissionais que nem sempre apresentam unidade na expresso e

    convergncias temticas, tcnicas, de abordagens e de pontos de vista (SOUSA, 2000,

    10 GIDAL, Tim. Op. Cit. 1973.

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    53p.11)11 seja pela confuso provocada pelos contatos com a publicidade. Tambm se torna

    difcil estabelecer uma noo precisa quando se tem vrios fotgrafos, que se dizem

    jornalistas, mas se dedicam a outros suportes de difuso.

    Dessa forma, o autor conceitua o fotojornalismo em dois sentidos: lato e estrito. No

    sentido lato, o fotojornalismo entendido (...) como a atividade de realizao de fotografias

    informativas, interpretativas, documentais ou ilustrativas para a imprensa ou outros projetos

    editoriais. Nesse sentido, o fotojornalismo se caracterizar mais pela finalidade e menos

    pela inteno. Seriam consideradas assim, como imagens fotojornalsticas, no apenas as

    fotografias ilustrativas como tambm as imagens que fazem parte de reportagens mais

    elaboradas ou que compem fotodocumentrios. J, num sentido mais restrito, o

    fotojornalismo ser entendido como a (...)atividade que pode informar, contextualizar,oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista (opinar) atravs da

    fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalstico (SOUSA,

    2000, p. 12 13)12.

    Assim, enquanto o fotodocumentarismo se caracterizaria pela finalidade e pelo

    mtodo, o fotojornalismo se caracterizar pela prtica e pelo produto. Seriam ento,

    consideradas fotojornalsticas asfeature photos e as spot news e ainda as foto-ilustraes13.

    Alm disso, o fotojornalista se diferenciaria do fotodocumentarista pelo mtodo. Enquanto oreprter fotogrfico quase nunca sabe exatamente o que ir fotografar, ou quais as condies

    de trabalho ir encontrar, o fotodocumentarista , pela possibilidade do planejamento prvio,

    pelo contato prvio que seu projeto exige, poder traar estratgias de abordagem mais

    facilmente.

    11 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 11.12 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 12 13.13 Segundo a National Press Phographers Association (NPPA - www.nppa.org), entidade que congrega osreprteres fotogrficos americanos, as fotografias jornalsticas podem ser classificadas como: (a) Spot news:fotografias no planejadas de acontecimentos imprevistos (flagrantes) ou cujo desenvolvimento imprevisvel,como a polcia atacar uma manifestao pblica; (b) Fotografias semi-planejadas: fotografias de acontecimentoscujo desenvolvimento semi-previsvel, como as entrevistas coletivas ou as oportunidades fotogrficas (photoopportunities), cujo exemplo mais claro seriam, durante visitas ou cerimnias oficiais de estado, a tradicionalpose ou cumprimentos formais para os fotgrafos; (c) Feature photos: so fotografias de valor atemporal desituaes encontradas pelo reprter fotogrfico em suas sadas pela cidade, como o co que lambe o dono ou osmotoristas que param seus veculos para uma pata passar com seus filhotes numa avenida movimentada da zona

    sul da cidade de So Paulo; (d) Fotografias ilustrativas/ilustraes fotogrficas (photo illustrations): sofotografias conceituais e ilustrativas que, realadas por outros elementos grficos, combinam e ampliam o valorgrfico e o realismo da fotografia. Um exemplo so as fotografias utilizadas nos editoriais e matrias decomportamento.

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    542.1. Vises nem sempre consensuais do fotojornalismo

    Embora existam diferentes abordagens e trabalhos sobre o fotojornalismo, em sua

    maioria, essas vises no so consensuais. Talvez porque a prpria histria da fotografia e do

    fotojornalismo seja feita por uma srie de tenses e rupturas. Assim, resumidamente, vamos

    ressaltar alguns trabalhos j desenvolvidos sobre a fotografia e o fotojornalismo na tentativa

    de compreender melhor como se constrem essas vises de forma a permitir maior

    compreenso do atual estgio do fotojornalismo.

    Alguns pesquisadores analisam a fotografia como resultado do processo evolutivo

    da tecnologia empregada e da incorporao dos conceitos estticos produo das imagens.

    Dessa forma, o desenvolvimento de equipamentos cada vez mais eficientes e a incorporao

    dos conceitos estticos j em voga desde o Renascimento, produziram fotografias cada vez

    mais perfeitas o que, de certa forma, levou idia da fotografia como espelho da realidade. Os

    trabalhos de Helmut Gernsheim e Alison Gernsheim (1966)14 e Philip Geraci (1984)15

    analisam o fotojornalismo como uma espcie de colcha de retalhos, fragmentos que, juntos,

    levaram a atividade ao atual estado em que hoje se encontra e permitindo refletir sobre os

    fatos atuais.

    No campo oposto, ficam as pesquisas de Mitchell (1994)16 e Snyder (1980)17. Estes

    tratam a histria da fotografia como uma histria ideolgica, de movimentos de substituio e

    imposio de convenes. Outros estudiosos, como Newhall (1982)18 e Freund (1994)19,

    procuram visualizar a histria da fotografia como parte de um contexto histrico mais amplo,

    com seus aspectos econmicos e sociais. Freund d fotografia e, em especial ao

    fotojornalismo, um grande destaque como instrumento de mudana social. Ainda

    destacamos os trabalhos de Sontag (1986)20 e Benjamin (2000)21 que discutem a fotografia no

    contexto da cultura e das ideologias, questionando o valor informativo das imagens e osconceitos estticos envolvidos.

    14GERNSHEIM, Helmut e GERNSHEIM, Alison. Histria grfica de la fotografia. Barcelona: Omega, 1966.15GERACI, Philip C. Photojournalism: New Images in Visual Communication. Dubuque: Kendall/HuntPublishing Company, 1984.16MITCHELL, William J. The Reconfigured Eye. Visual Truth in the Post-Photographical Era. Cambridge,Massachusetts. London, England: The MIT Press. 1994.17SNYDER, Joel, Picturing Vision, The Language of Images. Chicago: University of Chicago, 1980.18

    NEWHALL, Beaumont. The history of photography. Nova York : Museum of Modern Art, 1986.19 FREUND, Gisele. Fotografia e sociedade. Lisboa: Vega. 1994.20 SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1986.

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    2.2. Primeiras experincias da fotografia na imprensa

    Apesar da fotografia ter surgido em 1839 com o desenvolvimento da

    daguerreotipia, e a inveno ter sido noticiada por um bom nmero de jornais, foram

    necessrios mais de 30 anos para que a fotografia chegasse imprensa. Os jornais da poca

    utilizavam ilustraes baseadas em tcnicas rudimentares, feitas a partir de gravuras em

    madeira ou pedra. O uso de fotografias por jornais e revistas esbarrava na dificuldade tcnica

    de se imprimir toda a gama de tons diferentes de cinza que formam uma imagem fotogrfica

    em preto-e-branco22.

    A tecnologia de impresso utilizada at a dcada de 1800 s possibilitava

    impresses de gravuras feitas a trao, onde os desenhos obtidos eram combinaes de preto e

    branco, sem tons intermedirios. Apesar das dificuldades, uma das primeiras fotografias de

    acontecimentos, um daguerretipo obtido por Carl F. Stelzner, logo depois ao grande

    incndio de Hamburgo (Alemanha) em 1842, , serviu de modelo para o desenho utilizado

    como gravura na revista semanal The Illustrated London News23. Segundo Sousa (2000), a

    inteno dessa revista , a primeira revista ilustrada, era informar rapidamente e, de forma

    contnua, os leitores com a ajuda de imagens variadas e realistas. Para dar credibilidade, as

    ilustraes eram sempre acompanhadas de uma legenda para avisar aos leitores que aquela

    ilustrao fora produzida a partir de uma fotografia (Freund, 1994)24.

    Mesmo com toda as dificuldades tecnolgicas, at a metade do sculo XIX, a

    fotografia j havia chegado s partes mais distantes do mundo conhecido. O gosto pelo

    extico e a curiosidade pelo diferente impulsionaram os fotgrafos viajantes a se aventurarem

    pela frica e Oriente em busca de imagens que documentassem cientificamente essas

    regies. Segundo Freund (1994) e Sousa (2000) esses primeiros fotodocumentaristas, quecarregavam grandes quantidades de equipamento em virtude da tecnologia na poca

    21 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica. In LIMA, Luiz Costa. Teoriada cultura de massa. 5a edio. So Paulo: Paz e Terra. 2000. Pp 221 254.22 Uma fotografia em preto e branco pode possuir cerca de 256 tons diferentes de cinza. A cor cinza acombinao equilibrada entre o branco e o preto. Na verdade, o a cor cinza ocorre quando uma superfcie capaz de refletir e absorver partes de cada um dos trs comprimentos bsicos de onda (azul, verde e vermelho).Na medida em que esta superfcie mais refletora, o cinza ser mais claro. Se, pelo contrrio, for maisabsorvente, o cinza tender ao preto.

    23A revista The Illustrated London News teve seu primeiro nmero impresso em 1842 e um dos melhoresexemplos de cobertura imagtica dos grandes acontecimentos do sculo XIX e XX. As edies semanais darevista foram editadas at 1971. A ltima edio saiu em 24 de abril de 1971, era o nmero 6.8773, volume 258.24 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994.

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    56empregada, buscavam, sob a capa do realismo fotogrfico, substituir o leitor, sob

    mandato, na leitura visual do mundo. o incio da retrica da objetividade, baseada num

    discurso de produzir imagens fotogrficas realistas, sem trucagens ou censura. Sousa porm

    lembra que, na medida em que tais fotografias eram copiadas (gravuras), no raro os

    gravuristas acrescentavam ou retiravam partes das imagens fotogrficas.

    As exigncias do pblico, aliada s necessidades dos profissionais levam a avanos

    tecnolgicos que permitiro considerveis ganhos para o contedo das fotografias. A

    diminuio dos tempos de exposio por exemplo, e a melhoria das objetivas fotogrficas, vai

    permitir a captura do movimento, o congelamento da ao, o que vital no fotojornalismo.

    Alm disso as possibilidades surgidas com os novos processos, capazes de permitir a cpia, a

    reproduo das imagens, vai fazer com que se abandone a idia de imagem nica, alterando-se as rotinas e convenes profissionais.

    Em meados da dcada de 1860 surgiram os primeiros processos de reproduo

    fotomecnica que permitiam a impresso de imagens fotogrficas a partir de uma matriz

    produzida fotograficamente. Entretanto ainda eram processos rudimentares e caros para

    permitirem um uso mais intenso de fotografias pela imprensa. A fotografia s se torna

    comum na imprensa a partir de 1882, com o desenvolvimento de um processo de impresso

    chamado autotipia pelo alemo Georg Meisenbach (1814 1912).O processo de autotipia, conhecido tambm no Brasil, como meio-tom (halftone)

    permitia que,

    a imagem original de tons contnuos fosse reproduzida atravs de uma malha(ou retcula) de vidro, sendo ento fragmentada em pequenos pontos,distribudos de maneira regular e cujo tamanho variava em funo datonalidade especfica de cada rea da imagem. Atravs deste processo,gravava-se uma chapa denominada clich, no qual os pontos, em alto-relevo,correspondiam s reas escuras da imagem. Os clichs podiam ser montados

    juntamente com os blocos de textos e impressos simultaneamente, pelo

    processo tipogrfico ento utilizado (HEIDELBERG GLOSSARY, 2004)25.

    Devemos ainda ressaltar que Meisenbach foi um dos muitos investigadores que

    buscaram o desenvolvimento do processo de autotipia. Conforme Andrade (2004)26, os

    primeiros estudos comearam com Fox Talbot, que utilizava pedaos de gaze para fragmentar

    a imagem. O francs Charles-Guillaume Petit (1878) e os norte-americanos Frederick Ives

    (1878) e Stephen Horgan (1880) tambm contriburam para o aperfeioamento da autotipia.

    25 In http://www.heidelberg.com/wwwbinaries/bin/files/dotcom/en/glossary.pdf acessado em 12 de agosto de2004.26 ANDRADE, Joaquim Maral Ferreira de. Histria da fotorreportagem no Brasil a fotografia na imprensado Rio de Janeiro de 1839 a 1900. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

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    57Com esse novo processo, a xilogravura27 e a litografia28 forma abandonadas

    enquanto processo para reproduo de fotografias. Para Sousa (2000) a nova tecnologia vai,

    finalmente,

    (...) emprestar ao fotojornalismo a base tecnolgica que lhe faltava paraconquistar um lugar ao sol na imprensa (...) porm, a introduo do processode impresso por meio-tom, no provocou uma imediata alterao nasrotinas produtivas. O desenho continuou sendo empregado por mais algumasdcadas pois os custos de modificao dos sistemas de impresso ainda eramcaros. As fotografias surgiam nos jornais do sculo XIX como um poucomenos do que intrusas (SOUSA, 2000, p. 44)29.

    Talvez isso ocorresse pelo design grfico das pginas, centrado no texto, e tambm

    pela forma como encaravam a fotografia, no muito mais do que uma simples ilustrao.

    O primeiro jornal a publicar uma fotografia utilizando o novo mtodo de impressofoi, segundo Sousa (2000), o jornal suecoNordisk Boktrycheri-Tidning , em julho de 1871. J

    os pesquisadores norte-americanos, como Phillips (1996)30, atribuem a Frederic Ives (1856 -

    1937) a criao e o desenvolvimento do processo de impresso por autotipia a partir de 1880,

    mesmo ano em que o jornal The New York Daily Graphic teria publicado a primeira

    fotografia impressa no novo processo. Sousa (2000) discorda dessa afirmao, pois segundo

    ele, embora o jornal americano tenha realmente publicado, na edio de 04 de maro de

    1880, uma fotografia utilizando o mtodo da autotipia, o processo j havia sido utilizado naSucia nove anos antes e Frederic Ives, como j ressaltamos, foi somente um dos

    pesquisadores que ajudaram em seu desenvolvimento.

    Entretanto, Phillips (1996) afirma corretamente que o surgimento de jornais

    impressos pelo novo processo foi essencial para a salvao da indstria grfica. O processo

    de impresso de fotografias e ilustraes a meio-tom (...) reduziu o custo de produo de

    uma pgina de revista de cerca de 300 dlares para pouco mais de 20 dlares (PHILLIPS,

    1996)31. Nos processos antigos, a publicao de pginas ilustradas dependiam da mo-de-

    obra dos artesos, que gravavam em blocos de madeira o desenho ou a gravura que iria

    enfeitar o texto das revistas. Gravar na madeira exigia grande habilidade manual e

    27 Xilogravuras so ilustraes obtidas por gravuras talhadas em madeira. Ainda so muito difundidas noNordeste do Brasil e sempre associadas Literatura de Cordel.28 Litografias so ilustraes obtidas com placas de pedra calcria.29 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 44.30 PHILLIPS, David Clayton Art for Industry's Sake: Halftone Technology, Mass Photography and the SocialTransformation of American Print Culture, 1880-1920. Dissertation Presented to the Faculty of the Graduate

    School of Yale University in Candidacy for the Degree of Doctor of Philosophy Dissertation. New Haven: YaleUniversity, 1996. Disponvel em : http://dphillips.web.wesleyan.edu/halftone. Acessado em 13 de agosto de2004.31PHILLIPS, D. C. Op. Cit. Captulo 1 - The Technology of Mass Photography.

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    58conhecimentos artsticos que poucos profissionais podiam oferecer aos editores de jornais e

    revistas. Tudo isso, segundo o autor, tornava quase proibitivo o uso de ilustraes impressas

    com o auxlio de pedaos de madeira.

    O surgimento do filme fotogrfico em rolos, desenvolvido por George Eastman e

    W. Walker em 1884, vai permitir o desenvolvimento de novos equipamentos, com as velhas

    placas de vidro ou metal emulsionadas sendo substitudas, reduzindo o peso e facilitando o

    manuseio. George Eastman vai dar um novo impulso quando em 1888, cria a primeira

    cmera Kodak. Com esse equipamento a fotografia definitivamente se transforma num meio

    de uso massivo, idia reforada pelo prprio slogan publicitrio utilizado para promover a

    cmera: voc aperta o boto e ns fazemos o resto.

    A popularizao da fotografia vai permitir, em pouco tempo, o aparecimento de umanova esttica fotogrfica, onde a boa fotografia, senso comum, deveria ser lisa , limpa e com

    os objetos centralizados. Essa esttica afetou at mesmo as produes do domnio do

    fotojornalismo. Mas, por outro lado, a disseminao da fotografia amadora vai permitir a

    possibilidade da experimentao, da criao e ainda garantir que os acontecimentos mais

    marcantes das histrias individuais e familiares ganhem uma memria.

    Na imprensa, segundo Sousa (2000) ser a partir da concorrncia derivada da

    cobertura da guerra hispano-americana (1898) que os jornais norte-americanos vo investirpesadamente no reaparelhamento das oficinas grficas, adquirindo novas mquinas que

    utilizavam o processo de meio-tom (halftone) e ampliando o uso das fotografias em suas

    pginas.

    Esses jornais eram chamados de yellow journalism32, jornais de carter

    sensacionalista, e com um custo muito menor. Os mais famosos eram o World, de Joseph

    Pulitzer e oNew York Journal de Randolph Hearst.

    32 Embora existam outras verses para a definio do termo, o mais correto que ele deriva de um dos muitosepisdios que caracterizaram a guerra travada entre Pulitzer e Hearst pela hegemonia no jornalismo de N. Yorkno fim do sculo XIX. Segundo o site: http://www.pbs.org/crucible/journalism.html, o episdio que gerou essetermo foi a publicao de uma tira em quadrinhos, na edio de Domingo, de um personagem chamado yellowkid: (...) arly in 1896, Pulitzer began to pay serious attention to the newcomer. In January, Hearst enticedRichard Felton Outcault, the artist who drew the popular comic strip, "The Yellow Kid," to move to the Journal.The strip was named for the main character's colorful robes. Pulitzer's use of a color comic strip in the SundayWorld was an innovation at the time. In addition to stealing Felton, Hearst managed in the same month toconvince Pulitzer's entire Sunday staff to work for the Journal. This constituted a coup on Park Row, and a dashof poetic justice. Pulitzer, although he was an established veteran in 1886, had originally stolen many of his staffmembers from other papers when he came to New York. His code name for the audacious publisher, "Gush,"only begins to describe the animosity he felt toward the upstart. Hearst, at thirty-three, almost seemed a younger

    version of the forty-eight year-old Pulitzer. However, Pulitzer was never a man to resign in defeat. He hiredGeorge B. Luks to continue producing "The Yellow Kid" at the World even though its creator had left. Thecompetition between Pulitzer and Hearst, each with his own brightly-colored comic strip, sealed their fatestogether and provided future historians with the convenient title of "yellow journalism.

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    60pictorialismo, tornando-se uma arte autnoma. As idias desse grupo, ao qual mais tarde se

    associar Paul Strand (1890 1976), eram difundidas atravs da revista Camera Work e,

    basicamente, buscavam impor uma esttica modernista voltada para o elogio cidades, a

    indstria e aos costumes no pitorescos.

    Figura 02 Alfred Stieglitz (1893) 5a Avenida, N. York Figura 03 Paul Strand (1905) 5a Avenida, N. York

    Figura 04 - Edward Steichen (1910) O rabino

    Stieglitz foi o precursor do instantneo fotogrfico e de novas formas de

    enquadramento buscando destacar os elementos geomtricos de cada objeto fotografado,

    procurava ainda explorar de forma intensa um equilbrio dos elementos da composio

    fotogrfica, especialmente os contrastes entre o branco e o preto.

    Enquanto Steichen tornou-se um grande fotgrafo de retratos, colaborador de revistas

    como Vanity Fair e Vogue, Paul Strand pode ser considerado um dos mais influentes

    profissionais, impulsionando-a em direo ao amadurecimento, transformando-a numa arte

    moderna e influenciando o surgimento de fotgrafos como Cartier-Bresson ou Brassai.

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    61Embora j comum nas revistas ilustradas e semanrios, a fotografia s se tornar

    efetiva nos jornais dirios em 1904 quando oDaily Mirror, na Inglaterra, comea a ilustrar

    suas pginas apenas com fotografias. Segundo Freund (1994), esse uso tardio por parte dos

    jornais dirios ocorre porque as imagens ainda precisavam ser feitas fora das empresas. A

    imprensa, cujo sucesso se funda na atualidade imediata, no pode esperar e os proprietrios

    dos jornais hesitam em investir grandes somas de dinheiro nestas novas mquinas

    (FREUND, 1994, p.107)35. Ao Daily Mirror segue-se uma srie de publicaes que vo

    utilizar a fotografia no mais apenas como uma ilustrao, mas como elemento informativo.

    Nessa poca, tambm se resolve um problema de ordem prtica. At 1906, os filmes

    fotogrficos eram os chamados ortocromticos, que no captavam certas cores. O vermelho

    e seus diferentes tons, como o laranja, eram vistos como se fossem preto. Com o surgimentode pelculas em preto-e-branco pancromticas, capazes de registrar todas as cores do

    espectro visvel36, as imagens fotogrficas tornaram-se mais ntidas e capazes de apresentar

    uma variao tonal maior.

    Embora o aumento de imagens utilizadas pela imprensa tenha levado um nmero

    grande de fotgrafos a enveredar pelo caminho do fotojornalismo, esse um perodo de

    anonimato e desprestgio profissional. Ser apenas com uma nova espcie de fotojornalistas,

    da gerao de Erich Solomon (1896 1944) que os reprteres fotogrficos seroreconhecidos profissionalmente.

    35 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P. 107.36 A luz a radiao eletromagntica (espectro eletromagntico visvel) que tem a propriedade de impressionar oolho humano. A luz somente uma das formas pela qual a radiao eletromagntica se apresenta na natureza.Existem outros tipos de radiao como raios x, raios gama, radiao infravermelha, radiao ultravioleta, ondas

    de rdio, etc. As radiaes eletromagnticas so determinadas pela sua freqncia e consequentemente, pelo seucomprimento de onda, devido a sua natureza ondulatria. O olho humano pode captar trs comprimentos de ondadiferente (luz visvel): vermelho, verde e azul. Os objetos refletem raios luminosos dos diversos comprimentosde onda, que, ao impressionarem nossa retina (corpsculo sensvel situado na parede interna e posterior do olho),nos do a sensao das diversas cores. Alm dessa diferena qualitativa entre as cores, h tambm diferenas deluminosidade entre elas. As emulses sensveis , diferentemente do olho humano, s so sensveis ao azul , aovioleta, e ao ultravioleta (no comeo os filmes s eram sensveis parte do espectro visvel de pequenocomprimento de onda). O vermelho , o verde e o amarelo no impressionam a emulso, aparecendo em brancona emulses negativas e em preto nas positivas. Parte destes inconvenientes foram suprimidos pela adio desensibilizadores pticos , corantes que so absorvidos pela emulso, tornando-a sensvel a determinadas cores.Os primeiros sensibilizadores que foram usados tornaram as emulses sensveis tambm ao amarelo e ao verde,ficando insensvel apenas ao vermelho. Estas emulses chamam-se ortocromticas. Posteriormente, oaperfeioamento da tcnica permitiu que tambm o vermelho fosse percebido pela emulso (filmes

    pancromticos) Acrescentou-se tambm aos filmes, um filtro amarelo para compensar o excesso de sensibilidadeaos raios azuis, atenuando-se de tal forma, que as curvas de sensibilidade cromtica destes filmes so muitosemelhantes a do olho humano. In http://www.if.ufrj.br/~coelho/DI/fotograf.html

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    622.3. A Alemanha e o moderno fotojornalismo

    A 1 Guerra Mundial (1914 1918) vai permitir uma exploso no uso de fotografias

    pelos semanrios e jornais. Quase todos os jornais da Europa e dos EUA possuam equipes

    prprias de reprteres fotogrficos que cobriam as principais frentes de combate produzindo

    farto material. Porm ainda no se pode falar de reportagens fotogrficas. Segundo Sousa

    (2000) as imagens eram publicadas sem ter em conta o resultado global, tinham todas o

    mesmo tamanho (provocando a ausncia de ritmo de leitura e no dando pistas para uma

    leitura mais hierarquizada da informao visual) e eram quase sempre planos gerais

    (SOUSA, 2000, p.70)37.

    Com o fim do conflito, as revistas ilustradas mudaram novamente. O gosto pelas

    revistas fotogrficas declinou. Mas a noo de que as fotografias eram inseparveis das

    notcias j estava profundamente entranhada na mente dos leitores.

    Logo aps o fim da Primeira Guerra, durante a Repblica de Weimar (1918 1933)

    na Alemanha, aproveitando o clima liberal, surge um grande nmero de revistas ilustradas e

    onde nascem os verdadeiros fotojornalistas modernos. As mais importantes revistas so a

    Berlinder Illustrierte e a Mnchen Illustrierte Presse, que chegam a tiragens, cada uma, de

    mais de dois milhes de exemplares a um custo muito baixo.

    Figura 05 fac-smile da capa da Revista Berlinder

    Illustrierte (maio de 1942)

    Figura 06 fac-smile Berlinder Illustrierte (21 de

    maro de 1933) com a cobertura da chegada de A.

    Hitler ao Bundenstag (Parlamento Alemo) para

    assumir o cargo de premi

    Os profissionais que trabalham para essas revistas em nada se comparam com os das

    geraes anteriores. So bem educados, andam bem vestidos e falam diversas lnguas.

    Segundo Freund (1994), os fotgrafos deixam de pertencer classe dos empregados

    subalternos e passam a proceder da sociedade burguesa ou da aristocracia que perdeu fortuna

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    63e posio poltica mas que preserva ainda seu status social (FREUND, 1994, p. 114)38.

    Entre os alemes temos Erich Solomon e Felix H. Man, mas a eles podemos juntar vrios

    imigrantes de origem hngara, como Lszl Moholy-Nagy, Martin Munkasci, Andr Kertsz

    e Brassai.

    As revistas alems, influenciadas pelas idias daBauhaus39, articulavam o texto e as

    imagens de uma maneira nova, permitindo que se estabelea a a origem do moderno

    fotojornalismo. As revistas traziam a fotografia integrada ao texto, como parte de um projeto

    maior, muitas vezes assumindo um ponto de vista, esclarecendo o acontecimento.

    Ser tambm no perodo entre guerras que vrios avanos tecnolgicos permitem

    que o fotojornalismo se desenvolva. A Alemanha, onde a produo cinematogrfica foi

    intensa durante a Repblica de Weimar, foi bero de vrios modelos que marcariam a histriadas pequenas cmeras. Alm disso a Alemanha, desde o sculo XVI possua uma tradicional

    indstria ptica com a construo de lunetas, telescpios e microscpios, por vezes

    fornecendo lentes para toda a Europa. Na fotografia, a objetiva Tessar40, de 1902, j

    demonstrava a qualidade das objetivas alems que se consolidou com as lentes usadas na

    Leica e naRolleiflex.

    Uma das primeiras cmeras alems foi a Minnograph, criada por Levy-Roth em

    1914, tirava 50 fotos de 18x24mm, e tinha as dimenses externas de 5 x 6 x 13 cm, muitosemelhantes s da futura Leica. A resoluo das objetivas empregadas elevou as cmeras

    miniaturas a "verdadeiros instrumentos de preciso". Essa preciso ficou mais ntida e

    perceptvel, a partir de 1931, quando os primeiros reveladores de gro fino reduziram a

    37 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 70.38 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P 114.39Bauhaus o nome curto para a Staatliches Bauhaus (literalmente, casa estatal de construo ou arquitetura),uma escola de arte e arquitetura que existiu durante o perodo de 1919 a 1933 na Alemanha. A Bauhaus foi umadas maiores e mais originais expresses do que chamado Modernismo na arquitetura, sendo uma das primeirasescolas de design do mundo. A escola foi fundada por Walter Gropius em Weimar no ano de 1919, a partir dareunio da Escola do Gro-Duque para Artes Plsticas com a Kunstgewerberschule. A maior parte dos trabalhosfeitos pelos alunos nas aulas-oficina foi vendida durante a Segunda Guerra Mundial. A inteno primria erafazer da Bauhaus uma escola combinada de arquitetura, artesanato, e uma academia de artes, e isso acabou sendoa base de muitos conflitos internos e externos que se passaram ali. Em 1933 a Bauhaus fechada por ordem dogoverno nazista. Os nazistas se opuseram Bauhaus durante a dcada de 1920, bem como a qualquer outrogrupo que tivesse uma orientao poltica de esquerda. Contudo, a Bauhaus teve um impacto fundamental nodesenvolvimento das artes e na arquitetura do ocidente europeu, e tambm dos Estados Unidos da Amrica nasdcadas seguintes - para onde se encaminharam muitos artistas exilados pelo regime nazista. Um dos objetivosprincipais da Bauhaus era unir artes, artesanato e tecnologia. A mquina era valorizada, e a produo industrial e

    o desenho de produtos tinham lugar de destaque. In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bauhaus (ltima modificao:02/nov/2004). Acessado em 04 de novembro de 2004.40 A Tessar (nome derivado da palavra grega tetra (quatro) , uma criao de Paul Rudolph, e deu origemposteriormente s famosas objetivas fabricadas pela Carl Zeiss.

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    65da poca, porm com o tamanho do fotograma47 duplicado. O fotograma do cinema era de

    12 x 36mm e ele passou a usar 24 x 36mm, pois acreditava que assim as fotografias teriam

    uma melhor qualidade de imagem para as ampliaes. Estava ento criada a cmera que seria

    conhecida como Ur-Leica, o prottipo de uma nova era na fotografia mundial.

    Com o incio da Primeira Guerra Mundial, o projeto teve de ser paralisado. Somente

    em 1920, quando o prprio Barnack usou a cmera para documentar uma enchente na cidade

    de Wetzlar, que o projeto foi retomado.

    Oskar Barnack percebeu a necessidade de melhorar sua cmera com uma objetiva

    que fosse adequada ao tamanho de filme que ele empregava e que permitisse uma qualidade

    de imagem para ampliaes de at 10 vezes. Foi ento que o projetista ptico da empresa,

    Max Berek, desenhou uma lente com plano focal de 50mm e abertura de f. 3.5, a famosa

    Anastigmat.

    Figura 07 cmera LEICA (1924)

    Embora a Alemanha atravessasse uma grave crise econmica, a Leitz decidiu

    bancar a produo da nova cmera e em 1924, as primeiras unidades comeam a chegar ao

    mercado. Era uma cmera revolucionria em diversos aspectos. Equipada com um visor direto

    (visor ptico), vinha ainda com um telmetro, um obturador Compur (obturador de ris) de

    seis velocidades e uma objetiva com abertura mxima de f. 3,5. Ao mesmo tempo foi

    registrada a marcaLEICA, derivada deLEItz CAmera. No incio da dcada de 1930, a Leica

    surgiu com mais uma novidade, um modelo com objetivas intercambiveis.

    Essas cmeras alm da qualidade da imagem proporcionada pela alta qualidade de

    suas objetivas, permitiam que o enquadramento, a composio, o foco e a regulagem da

    47 Fotograma: embora o termo seja normalmente empregado para definir o desenho que se obtm, colocandoobjetos opacos ou transparentes sobre uma emulso sensvel, expondo-a luz e revelando-a em seguida

    (fotografia), tambm se emprega o termo, em cinema, para referir-se a cada um dos quadros utilizados paraformar uma seqncia de exibio. Barnack ao procurar montar seu fotograma ou negativo (fotografia),utilizou-se do chamado formato ideal, que possui uma de 4 por 3 (por exemplo: 6 cm x 4,5 cm; 24mm por36mm). Esta relao considerada a forma ideal tanto para a composio vertical, como para a horizontal.

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    66exposio48, fossem realizados com a cmera diante dos olhos do fotgrafo. Para Gidal

    (1973), as cmeras desenvolvidas a partir da dcada de 1920 na Alemanha, no eram meras

    novidades tecnolgicas, mas ferramentas que alteraram totalmente a relao do fotgrafo com

    seu equipamento e com os sujeitos fotografados, pois permitiam a captura de imagens

    instantneas e poses mais naturais.

    De acordo com Gidal, os equipamentos utilizados at ento, no permitiam ao

    fotgrafo ter a liberdade de movimento necessria para realizar seus trabalhos. Os meios de

    que dispunham para realizar o trabalho (cmaras pesadas, ausncia de visor, negativos de

    chapa de vidro que precisavam ser trocados um a um, emulses de baixa sensibilidade, trips,

    flashes de ps de magnsio, etc.) s permitiam a produo de fotos posadas e estticas, muitas

    vezes luz do dia ou em ambientes externos.A lente da cmera fotogrfica passa a ser, na viso de Freund (1994) e Gidal (1973)

    uma extenso do olho do fotgrafo. A fotografia, para ser reconhecida como imagem de valor,

    depende no mais da nitidez obtida, mas exclusivamente da habilidade e sensibilidade do

    fotgrafo.

    Gidal (1973), Freund (1994) e Sousa (2000) afirmam que o desenvolvimento do

    moderno fotojornalismo na Alemanha no pode ser visto apenas como resultado das

    inovaes tecnolgicas desenvolvidas naquele pas no perodo entre-guerras, mas como oresultado de uma conjuno de fatores. Para estes pesquisadores, cinco fatores podem ser

    destacados:

    (a)desenvolvimento de cmeras dotadas de objetivas de alta qualidade e preciso,novos flashes fotogrficos e filmes mais sensveis;

    (b)a emergncia de uma gerao de reprteres fotogrficos bem formados e comnvel social elevado;

    (c)a atitude de experimentao e de colaborao intensa entre fotgrafos, editorese proprietrios de revistas, promovendo o aparecimento e difuso de

    fotografias instantneas, no posadas;

    (d)inspirao no interesse humano: cresce a idia de que ao pblico no interessaapenas as atividades e os acontecimentos em que esto envolvidas figuras

    pblicas mas tambm os temas que representam a vida cotidiana;

    (e)ambiente cultural e suporte econmico.48 Entende-se por exposio a quantidade de luz que atinge o filme aps passar pela objetiva, pelo diafragma epelo obturador. A exposio e, para uma dada cmera, determinada por dois fatores: um geomtrico, em que o

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    67Esses fatores permitiram ao fotojornalismo crescer, desenvolver-se e ultrapassar o carter

    meramente ilustrativo, passando a assumir lugar de destaque enquanto informao.

    Nesse ambiente favorvel, como destaca Freund (1994) vrios fotgrafos

    apareceram, mas um se destacou a ponto de ser considerado o pai do moderno

    fotojornalismo: Erich Solomon (1886 - 1944 ).

    Erich Solomon era de uma famlia de banqueiros falidos com a derrota alem na

    Primeira Guerra. Formado em direito, trabalhava para uma companhia editora, a Casa

    Ullstein. Freund (1994) destaca que, como advogado, uma de suas funes era controlar os

    acordos da firma com os camponeses que alugavam as paredes de suas casas para publicidade

    e, Solomon usava fotografias anexadas aos processos contra os proprietrios que quebravam

    os contratos de exclusividade. Conta-se que ele decidiu tornar-se fotgrafo quando aps umatempestade que inundou vrios bairros de Berlim, chamou um fotgrafo para documentar a

    tragdia. As fotos foram repassadas para a editora na qual trabalhava e, depois de pagar ao

    fotgrafo, percebeu que poderia ele mesmo ter feito as fotografias.

    Solomon ficou famoso quando, em 1928, conseguiu publicar fotografias feitas

    durante o julgamento de um jovem estudante acusado de matar dois de seus colegas aps uma

    festa. No se permitiam fotografias nos tribunais (como hoje ainda acontecem na maioria dos

    pases), Solomon entrou com sua cmera Ermanox escondida na cartola e o trip dentro dopalet. Segundo Freund (1994), a fotografia est quase desfocada, mas a nica fotografia

    tirada deste processo sobre o qual aparecem inmeros artigos na imprensa (FREUND, 1994,

    p.116)49.

    Essa imagem nica propiciou a Solomon no apenas fama, mas tambm uma boa

    quantia em dinheiro. A partir disso ele larga o emprego como advogado para se dedicar

    exclusivamente fotografia. Ele far ento fotografias onde quer que ocorra qualquer coisa.

    Suas fotografias retratam desde sesses de tribunais s conferncias diplomticas.Ele procurava bater a foto quando os retratados no estavam percebendo sua inteno.

    Solomon instalava a cmara - primeiro uma Ermanox, depois uma Leica num trip,

    desenrolava o cabo disparador e se afastava entre cinco e seis metros do equipamento.

    Quando notava que no estava sendo percebido e que a situao que queria fotografar estava

    em seu clmax, apertava o disparador. Reside nesse estilo de fotografar, chamado pela

    diafragma controla a rea da objetiva por onde a luz passa; o outro, um dispositivo de tempo, em que o obturadorlimita o tempo em que o filme submetido ao da luz.49 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P 116.

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    68revista inglesa The Graphic, de Candid Photography50, a viso que se tem de Erich

    Solomon como pai do fotojornalismo atual, pois com ele que esse estilo nascer.

    A presena de Solomon nos acontecimentos pblicos trouxe tambm maior

    respeito pelos fotgrafos. Dizia-se inclusive que, uma conferncia ou uma reunio poltica

    at poderia ocorrer sem alguns dos delegados, mas jamais sem a presena de Solomon.

    Figura 08 Erich Salomon (1918) Lderes europeus se renem em Genebra (Sua)

    Em 1931, no prefcio de seu livro contemporneos clebres fotografados em

    momentos inesperados, Solomon listava as qualidades que, na sua viso, um fotojornalista

    deveria ter:

    A atividade de um fotgrafo de imprensa que quer ser mais do que umarteso uma luta contnua pela sua imagem. Tal como o caador estobcecado pela sua paixo de caar, tambm o fotgrafo est obcecado pelafotografia nica que quer obter. (...) preciso lutar contra (...) aadministrao, os empregados, a polcia, os guardas (...) preciso apanh-las[as pessoas] no momento preciso em que elas esto imveis. Depois precisolutar contra o tempo, pois cada jornal tem um deadline ao qual precisoantecipar-se. Antes de tudo o mais, um reprter fotogrfico tem de ter umapacincia infinita, e no se enervar nunca; deve estar ao corrente dosacontecimentos e saber a tempo e horas onde que iro desenrolar-se. Senecessrio, devemos servir-nos de toda a espcie de astcias, mesmo se elasnem sempre so bem sucedidas (SOLOMON, 1931 apud FREUND, 1994, p.117)51.

    Apesar de algumas consideraes hoje estarem ultrapassadas pelos avanos tcnicos, a

    maioria ainda vlida.

    Segundo Gidal (1973), os editores52 de revistas ilustradas tiveram um papel

    fundamental para o desenvolvimento do fotojornalismo moderno na Alemanha. Um deles foi

    50 Candid photography: Fotografias espontneas tiradas fora de uma situao de estdio ou sem que o modelotenha posado. Ocorre freqentemente quando o sujeito fotografado no percebe ou desconhece a presena dofotgrafo ou da cmera.51 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P 117.52Gidal descreve o editor de uma revista como um artista criativo. Segundo ele, a tarefa de fotografar umevento nunca busca a objetividade. Compete ao editor impor uma ordem e unificar as histrias de forma queelas tenham um coerncia global, mas geralmente aceito que a subjetividade intervm todo o tempo e emtodos os nveis. A publicaes contam histrias de uma forma que atenda a todos os valores de todos os seusleitores.

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    69Kurt Korff, editor chefe da Berliner Illustrierte. O outro foi o hngaro Stefan Lorant, que

    antes de virar editor-chefe daMnchener Illustrierte Presse.

    De alguma maneira, foram eles que criaram o novo jeito de se aproveitar a

    fotografia na imprensa, quebrando a velha viso da fotografia como mera ilustrao. A grande

    inovao desses editores foi elaborar um projeto grfico para as revistas combinando e as

    fotografias com o texto, com um complementando o outro e recorrendo sempre que possvel

    ao foto-ensaio para o efeito desejado.

    Enquanto Korff, que desenvolveu a teoria da foto nica e exclusiva, no tinha

    escrpulos em montar ou encenar fotografias que pudessem provocar impacto nos leitores,

    Lorant, recusava-se categoricamente quaisquer tipo de montagem fotogrfica que induzisse o

    leitor. Segundo Freund (1994), a nova idia de Lorant era de encorajar reportagens (...) poruma srie de imagens. Lorant especializou-se em mostrar o lado humano das reportagens

    fotogrficas que encomendava. Ele tambm foi o primeiro a compreender que o pblico no

    deseja apenas ser informado sobre o que acontece com os grandes personagens, mas tambm

    deseja ter os fatos da vida cotidiana, mais prximos, mostrados.

    Sousa (2000) destaca ainda que Lorant vai influenciar o prprio mtodo de

    trabalho dos fotojornalistas, a partir dos seguintes elementos:

    (a) Relao amigvel entre editores fotojornalistas redatores;(b) Todos os membros da equipe (fotgrafos e editores) podiam apresentar projetos;(c) Debate das idias de projetos pelos envolvidos no processo;(d) Liberdade para o fotojornalista abordar o assunto como melhor entender;(e) Ao editor competia especificamente:- selecionar as fotografias apresentadas e pr-escolhidas pelo fotojornalista;- estruturar um layout generalista que consagrava, porm, ateno aos pormenores,

    combinado tamanhos e disposio ordenada das fotografias com as necessriaslegendas;

    - rever e refazer a componente textual (ttulos, legendas, etc.), de modo a evitar msparties, cortes nas linhas ,etc., e a elaborar um texto no redundante em relao sfotos, mas que as complementasse, explicasse ou at ilustrasse. (SOUSA, 2000, p.

    81)53.

    2.4. A ascenso Nazista e os novos rumos do fotojornalismo

    A experincia das revistas ilustradas alems chega ao fim com o surgimento de

    Adolf Hitler em 1933. Toda a elite cultural e artstica, inclusive os fotgrafos e os editores,

    que no comungava das idias nazistas, teve de fugir. Quem no conseguiu, acabou preso

    53 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 81.

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    70ou morto nos campos de concentrao. Todos os suspeitos de no admitirem as idias do

    Terceiro Heich so deportados com os que no podem comprovar a ascendncia ariana.

    Segundo Freund (1994), ao refugiarem-se em outros pases, os fotojornalistas alemes, ou que

    trabalhavam na Alemanha, exportaram tambm as concepes do fotojornalismo alemo,

    que se espalham por vrios pases, entre os quais a Frana, Inglaterra e os Estados Unidos.

    Lorant, retorna para a Hungria e depois foge para a Inglaterra onde, em 1938, funda

    a Picture Postque, segundo Ledo Andin (1988), representa a evoluo da frmula pioneira

    daMnchner Illustrierte Presse.

    Na Post, Lorant continua a publicar os trabalhos de Felix Man e de outros

    fotojornalistas, como Robert Capa (1913 1954) (Robert Capa era o pseudnimo do judeu de

    origem hngara, Andreas Friedmann) que iniciara como fotgrafo ainda em 1924, quandotinha 17 anos, na Dephot(Deutsche Photodienst)54. Capa, em 1947, aps tornar-se famoso

    pelas fotografias realizadas para a Poste para a Life, durante a Guerra Civil Espanhola e

    Segunda Guerra Mundial, funda a agncia Magnum, em Paris, junto com Cartier-Bresson,

    George Rodger, David Seymour, e Bill Vandivert.

    Na Frana, os fotgrafos que vieram da Alemanha, foram aproveitados por Lucien

    Vogel que, em 1928, lanou a revista Vu. A Vu seguia o mesmo modelo estabelecido pelas

    revistas alems: publicao de grandes fotorreportagens temticas, com algumas ediesdedicadas exclusivamente a um pas ou assunto (FREUND, 1994, p.125). Foi em uma

    edio de 1936 da revista Vu que Robert Capa publicou a foto que o faria famoso: a morte de

    um soldado republicano, durante a Guerra Civil Espanhola. Segundo Freund, as idias

    esquerdistas de Vogel e a independncia editorial da revista acabaram afastando os

    anunciantes e decretaram seu fim em 1938.

    Kurt Korff foge para a ustria e depois para os EUA onde posteriormenteauxilia na criao da revistaLife. A revista teve sua primeira edio em 1936 e

    mudou a forma de ver o mundo. A Life trazia ensaios e fotografias dosmelhores fotgrafos da poca: Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, W.Eugene Smith, Margareth Bourke-White, Philippe Halsman, Eve Arnold eGordon Parks (GIDAL, 1973)55.

    A Life foi posteriormente seguida por novas revistas ilustradas em todo o mundo,

    como a francesa Paris-Match e as brasileiras O Cruzeiro,Manchete eRealidade. Mesmo nos

    Estados Unidos, o estilo criado pela revista Life foi copiado: entre 1937 e 1972, tambm

    circulou nos EUA outra revista ilustrada que privilegiou o fotojornalismo, a revistaLook.

    54 Uma das primeiras agncias fotogrficas independentes a surgir na Alemanha.55 GIDAL, Tim. Op. Cit., 1973.

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    71

    Figura 09 Robert Capra (1936) a morte de um

    soldado legalista na frente Muriano (prximo a

    Crdoba)

    Figura 10 fac-smile da fotorreportagem publicada

    pela Revista Vu (Frana, 1936)

    Figura 11 A LIFE, publicada nos EUA a partir de 1936, talvez tenha sido o maior sucesso editorial entre as

    revistas ilustradas. Acima, reproduo da capa da revista em junho de 1944 (invaso da Normandia) e

    reportagem sobre a fotografia de Capra publicada anteriormente na VU.

    No auge do sucesso a revista chegou a vender mais de oito milhes de exemplares

    semanais. Com o desenvolvimento da comunicaes via satlite, a televiso vai se impondocada vez mais como o meio de comunicao preferencial. O aumento da audincia da

    televiso esfriou os nimos dos leitores por revistas ilustradas e, em 1972, aps perder

    assinantes e anunciantes, aLife passou a circular apenas uma vez por ms (FREUND, 1994,

    p.133).

    Agora, aps a redao da revista ser fechada em 2000, a Life s circula em datas e

    ocasies especiais, como em junho de 2004, quando a revista circulou com uma edio

    especial sobre os 60 anos da invaso da Normandia pelos Aliados durante a 2

    GuerraMundial. Seu gigantesco acervo fotogrfico foi digitalizado e pode ser consultado, mediante

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    72pagamento de taxas, pela internet e tem servido ainda como fonte de diversos livros

    editados pelas atual empresa controladora da revista, aAOL -Time Warner.

    Segundo Sousa (2000) foi com as experincias das revistas ilustradas, na Europa e

    nas Amricas, que o fotojornalismo transformou-se definitivamente. Para ele agora no se

    trata mais da produo rotineira de um produto rpido, da produo de bonecos ilustrativos.

    Segundo o autor, o fotojornalismo atual, que conta uma estria, que informao, no apenas

    concretiza as velhas idias de narratividade que Nadar ensaiou quando de sua entrevista a

    Chevreul, como tambm fez avanar o fotojornalismo para a guerra pela interpretao da

    notcia e do acontecimento, pelo triunfo do ponto de vista (SOUSA, 2000, p. 83)56.

    2.5. A afirmao da fotografia do autor

    O reconhecimento dos fotojornalistas a partir da dcada de 1930, de certa forma,

    afirmou a fotografia de autor e os foto-ensaios como grande marca da imprensa europia.

    Ser nas guerras do sculo XX que este fenmeno ficar mais claro. As fotografias

    produzidas sobre esses acontecimentos, primeiro demonstram um contrato de

    interdependncia entre o fotgrafo e o meio. Antes de qualquer opo meditica e da

    percepo e recepo da foto por parte do observador, a fotografia um ato pessoal

    (SOUSA, 2000, p.84)57.

    A fotografia de Cartier-Bresson58, que surge conhecido em 1934 com uma bela viso

    do Mxico do incio do sculo, torna-se um exemplo perfeito da aliana entre a arte e a

    informao imagtica baseada na autoria. J nos EUA, a crescente industrializao vai

    afetar de forma intensa a imprensa e estende ao fotojornalismo o ideal da objetividade diante

    de um mundo onde os fatos so merecedores de desconfiana. Dessa forma, reina entre os

    fotgrafos, a idia de estabelecer a fotografia como um documento (carter de verdade).Ser ainda na dcada de 1930 que o fotojornalismo integra-se definitivamente s

    rotinas dos jornais norte-americanos. Essa integrao ocorre por uma srie de fatores sociais

    e culturais. interessante destacar que as fotografias tornam-se populares muito em virtude

    de uma nova cultura visual que se desenvolve por conta do cinema.

    56 SOUSA< Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 83.57 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 84.58 O fotgrafo francs, mestre de toda uma srie de profissionais, faleceu enquanto este texto era produzido (26de junho de 2004).

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    Figuras 12 e 13 Henri Cartier-Bresson

    Cartier-Bresson, cuja formao artstica advm da pintura, transportou para o fotojornalismo a inteno

    surrealista, a organizao geomtrica do espao e o rigor formal que norteavam sua pintura. Alm disso,

    chamou a ateno para que, o fotgrafo, ao fotografar, espere pelo instante em que os elementos compositivos

    da fotografia se congreguem na imagem de forma a gerar o sentido pretendido, de forma a exprimir ou dar

    significado a uma ocorrncia, isto , de forma a que a imagem, tanto quanto possvel, fosse eloqente, fosse

    expressiva por ela prpria.

    Tambm contribuem para essa integrao os grandes projetos de fotodocumentao,

    como o Farm Security Administration (F.S.A.), e os trabalhos dos fotgrafos que viam a

    fotografia como um instrumento de mudanas sociais. Alm disso, os editores e o pblico

    comearam a perceber o poder de legibilidade da informao proporcionado pelas imagens

    fotogrficas. Outros fatores importantes foram as mudanas dos projetos grficos da maioria

    dos jornais aliadas s modificaes nos processos de edio fotogrfica e as novas

    tecnologias empregadas.

    Figura 14 Dorothea Lange (1936) A fila do po.

    Nos EUA, entre 1935 e 1942 , desenvolveu-se o projeto fotodocumentalconhecido por Farm Security Administration (FSA). A inteno bsica

    desse projeto era retratar os resultados das polticas do New Deal do

    presidente Roosevelt. Em grande medida, o projeto se baseou na tradio

    do documentarismo social americano de Riis e Hine. O principais

    fotgrafos a trabalharem no projeto foram: Walker Evans, DorotheaLange, Russel Lee, Carl Mydans e Gordon Parks (um

    Entre as tecnologias de maior impacto est emprego de sistemas de telefoto59 a partir

    de 1935. Apesar de permitir a utilizao das fotografias como meio eficaz de comunicao, os

    servios de telefoto acabaram levando a uma repetio de imagens nos diversos jornais e

    59 Sistemas de telefotos: as fotografias eram transmitidas primeiramente em sistemas de rdio de ondas curtas,atravs de um aparelho que emitia uma srie de sinais e impregnava o papel fotogrfico sensvel com as imagensdas mais diversas partes do mundo. Entretanto, o sistema sofria com qualquer interferncia de descargas eltricasda natureza, turvando as fotos. Posteriormente, com o desenvolvimento dos sistemas telefnicos, os aparelhosvia rdio foram substitudos por transmissores via linha telefnica. Os aparelhos de telefoto utilizavam uma

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    74revistas. Conforme Sousa (2000) destaca, j na dcada de 1940, grande parte das

    fotografias empregadas na imprensa vinham dos servios de telefoto mantidos pelas grandes

    agncias de notcias. Alm disso, em virtude dos problemas tcnicos que muitas vezes

    atrapalhavam as transmisses, os clientes dessas agncias exigiam apenas uma fotografia

    ntida e clara por assunto. Muitas vezes, devido s imperfeies no processo de transmisso,

    era necessrio recorrer s velhas prticas de (re)construo imagtica, com as fotografias

    passando pelas mos hbeis de algum retocador/ restaurador. Atualmente, esses retoques so

    executados no mais manualmente, mas por sofisticados softwares de tratamento de imagens.

    Figura 15 Roger Fenton (1865) Guerra da Crimia Figura 16 Carl Mydans (1944) - o GeneralMcArthur desembarca nas Filipinas

    A dcada de 1940 pode ser caracterizada pela convergncia entre o fotojornalismo

    praticado na Europa e o fotojornalismo norte-americano. O surgimento dos sistemas de

    telefoto, a emigrao de diversos profissionais para os EUA, fugindo da perseguio nazista, a

    cobertura da Segunda Guerra e dos conflitos posteriores, as novas estruturas econmicas

    mundiais e o crescente poder das agncias de notcias vo traar um novo cenrio para o

    fotojornalismo.A cobertura da 2a Guerra trouxe vrios problemas para os fotojornalistas. Segundo

    Sousa (2000), assim como ocorreu com Roger Fenton e suas fotografias da Guerra da

    Crimia, muitas fotografias foram utilizadas como propaganda poltica ou manipuladas para

    fins de contra-informao e desinformao. Alm disso, a extenso e distribuio das frentes

    de combate trouxeram diversos problemas logsticos. Mas, como lembra o autor, nem sempre

    foi necessrio que os governos envolvidos na guerra recorressem censura, nem o recurso

    propaganda literal.tecnologia hoje empregada, de certa forma, nos aparelhos de fax. O inventor da telefoto foi o alemo Arthur

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    75Esse assunto tambm foi tratado por Freund (1994), para quem "o

    endoutrinamento dos prprios fotgrafos era to forte que eles prprios estavam persuadidos

    de estarem a lutar por uma causa justa ao censurarem-se a si mesmos, fotografando apenas

    cenas que no pareciam desfavorveis aos pases que representavam (FREUND, 1994, p.

    161)60. Segue-se uma espcie de padro de fotografias, uma espcie de retrato de um

    combate herico, limpo, aventureiro, pico, como j Fenton havia feito na Crimia. A

    fotografia surge como mais um fator para animar e erguer a moral dos combatentes e da

    opinio pblica. Como lembra Freund, somente ao final do conflito que as fotografias mais

    dramticas e que demonstravam o alto preo a ser pago, puderam ser exibidas.

    Figuras 17 e 18 Batalha de Guadalcanal (Ilhas Salomo)

    Corpo de Fuzileiros dos EUA e Eugene Smith (LIFE)

    Freund, tambm afirma que apenas quando a guerra se torna abertamente impopular

    que esse esprito se modifica. Isso vai ocorrer, primeiro na Guerra da Coria, quando pela

    primeira vez, (...) os fotgrafos se viam confrontados com uma dupla tragdia, que no

    compreendiam e com um povo dilacerado por uma guerra fratricida. A Guerra do Vietn ser

    o auge dessa crise para os fotgrafos, com as imagens produzidas despedaando a opinio

    pblica americana. Nesse caso, a fotografia e televiso assumiram o papel de despertar as

    conscincias para os horrores da guerra (FREUND, 1994, p.162)61.

    Korn , em 1906.60 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P 161.61 Idem, p.162.

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    Figura 19 Saigon, Vietn (1968): Ngunyen Ngoc,

    Chefe da Polcia sul vietnamita mata um guerrilheiro

    vietcong capturado. Foto: Eddie Adans (AP)

    No campo tecnolgico, com as novas necessidades impostas pelo esforo de guerra,

    a indstria de material fotogrfico se desenvolve bastante nos pases envolvidos no conflito.

    Em 1945, a Eastman Kodak, que em 1935 desenvolvera uma pelcula positiva em cores, a

    Kodachrome, lana um filme negativo em cortes, o Ektachrome, que pode ser revelado em

    processadores domsticos.

    A dcada de 1950 dar origem s trs grandes tendncias que ainda hoje dominam o

    campo da fotografia. De um lado surge a fotografia de carter humanista, com obras

    caracterizadas por um tom marcadamente testemunhal. A essa soma-se a fotografia de livre

    expresso, derivada direta das obras produzidas na Bauhaus (Moholy-Nagy) e por Man-

    Ray. A fotografia surge, para essa corrente, como pura criao. Finalmente surge a terceira

    corrente que v a fotografia como "verdade interior" do fotgrafo.

    Sousa (2000) afirma que a grande contribuio deste ltimo movimento para o

    entendimento que temos hoje da fotografia , talvez, o de que ela sempre, num certo sentido,

    uma testemunha da vida interior do fotgrafo (dos seus gostos, das suas inclinaes, etc.). No

    caso especfico do fotojornalismo, essa ser a dcada da afirmao do poder estabelecido

    pelas agncias de notcias. Mas, segundo o autor, se por um lado o fotojornalismo vai

    conseguir novas formas de debates e de expresso em decorrncia do surgimento dos novos

    profissionais e das mudanas polticas e culturais em curso, por outro lado, os processos de

    trabalho cada vez mais se rotinizaro, causando uma banalizao da produo fotojornalstica.

    Os anos de 1950 sero anos marcantes para o fotojornalismo no que diz respeito

    tecnologia. Em 1950, surge o filme negativo, em cores, Eastmancolor, com uma nova

    tecnologia de distribuio dos corantes na emulso. A seguir, depois de anos de pesquisas,

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    77finalmente surge uma pelcula com base em acetato de celulose. Essa pelcula vai substituir

    os filmes com base de nitrato de celulose, que embora fossem de excelente nvel de

    transparncia, eram altamente inflamveis. Esses velhos filmes, se submetidos a temperaturas

    acima de 40 C, podiam entrar em auto-combusto, assim como podiam se deteriorar com o

    tempo e a m conservao, virando p.

    Ser nessa dcada tambm que surgiriam duas grandes marcas para o fotojornalismo.

    A empresa japonesa, Nippon Kogaku, inicia a produo de suas cmeras fotogrficas para

    filmes de 35mm, com a marca Nikon. Esses equipamentos, com objetivas de grande

    qualidade, copiadas em parte das lentes produzidas na Alemanha durante o perodo entre-

    guerras (durante a 2 Guerra o Japo foi aliado da Alemanha, onde estavam localizadas as

    mais tradicionais fbricas de produtos pticos), conquistaram rapidamente os fotojornalistas,especialmente os norte-americanos. Outra grande inovao, partiu mais uma vez, da Eastman

    Kodak , com a produo do filme preto-e-branco (P&B) Tri-X Pan, com ISO40062. Essa

    pelcula ainda uma das vendidas no mundo e a preferida de muitos fotgrafos, como

    Sebastio Salgado, pela versatilidade de uso. Tanto pode usada ao ar livre com em ambientes

    internos e mal iluminados.

    2.6. Evolues tecnolgicas da dcada de 1960e as mudanas no fotojornalismo

    Ser apenas a partir das dcadas de 1960 que a fotografia novamente passar por uma

    revoluo, evoluindo por um lado, para a polissemia e, por outro, mas no dissociado do

    primeiro, para a anlise e para o comentrio. Segundo Sousa (2000), o desenvolvimento de

    novas tecnologias nas ltimas trs dcadas, como a das objetivas de autofoco, a introduo da

    cor no fotojornalismo e o surgimento da manipulao e captao digital de imagens e sua

    transmisso imediata via satlite ou atravs da Internet, so caractersticas marcantes do atualperodo do fotojornalismo.

    Ser a partir da dcada de 1960 que o mundo comea a se transformar na aldeia

    global proclamada por Marshall McLuhan. A televiso cada vez mais se estabelece como

    meio dominante e revoluo eletrnica proporcionada pelo desenvolvimento do transistor

    permite a criao de novos equipamentos e novas tecnologias de comunicao.

    62 ISO a abreviatura de International Standard Organization. Nas pelculas fotogrficas, o termo ISO indica ondice de sensibilidade luz. Quanto maior for o nmero da ISO, maior ser a sensibilidade do filme. A tabelaISO possui valores equivalentes aos da antiga tabela ASA.

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    78Esta tambm ser a dcada do crescimento econmico, das guerras de

    independncia em vrios pases da sia e frica. Os movimentos contra-culturais ganham

    fora, tanto nas Amricas como na Europa. Na Amrica do Sul, guerrilhas, golpes de estado e

    ditaduras se sucedem num crculo sem-fim. Mas nela que surgem mitos como o de Che

    Guevara, que morreu na Bolvia, a 8 de Outubro de 1967. A foto do seu cadver, cercado de

    militares e policiais que o exibiam, deu, na ocasio, a volta ao mundo63.

    Figura 20 - Ernesto Che Guevara morto na selva

    boliviana

    Figura 21 Che Guevara, por Alberto Korda (1960,

    Cuba)

    Sousa (2000) destaca que o aumento da concorrncia e o reforo dos aspectos

    negativos do jornalismo sensacionalista vai cada vez mais privilegiar a espetacularizao e

    dramatizao da notcia. No fotojornalismo, essas alteraes sero percebidas no privilgio

    dado s imagens sensacionalistas e na industrializao das rotinas profissionais. Cada vez

    menos se debatem as funes da fotografia, as alteraes tecnolgicas e os prprios temas

    abordados. Segundo Sousa (2000), a partir da dcada de 1970, o fotojornalismo entra numa

    escala de produo industrial apresentando os seguintes sintomas: reduo no nmero de

    profissionais free-lancers, estabilizao dos quadros de profissionais nas empresas

    jornalsticas; e, principalmente por uma convencionalizao ou padronizao das imagens,

    onde cada evento, por mais insignificante que seja, coberto por um nmero grande de

    fotojornalistas, enfatizando a idia de atualidade, de tempo real da cobertura jornalstica.

    63A fotografia mais famosa de Che Guevara foi uma das imagens descartadas pelo fotgrafo Alberto Korda(1928 2002). Tirada no comcio realizado durante o enterro das vtimas do atentando ao cargueiro francs LaCoubre que trazia munies aos revolucionrios em 1960 , a foto contribuiu para a quase canonizao dorevolucionrio, depois de impressa em psteres, camisetas e outros badulaques. Ao notar a expresso de Che, ofotgrafo que cobria o evento para o jornal Revolucin fez dois disparos, um na horizontal e outro na vertical.Ampliou apenas a foto horizontal, que seria publicada um ano depois. Em 1967 foi procurado em Havana pelo

    editor italiano Giangiacomo Feltrinelli. Ele queria bons retratos de Guevara. Levou duas cpias. Aps aexecuo de Che Guevara nas selvas da Bolvia, Feltrinelli imprimiu milhares de psteres, sem dar crdito aotrabalho, pelo qual Korda jamais recebeu um centavo.

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    79Do ponto de vista tecnolgico, o fotojornalismo sofreu grandes transformaes

    tecnolgicas a partir da dcada de 1960. Os primeiros sinais dessas alteraes surgem ainda

    em 1962 quando se iniciam as transmisses de telefotos via satlite pela AT&T American

    Telephon and Telegraph. Embora o desenvolvimento de um eficiente sistema de transmisso

    de imagens fotogrficas via satlite no tenha afetado o fotojornalismo como a televiso ir

    fazer nos anos seguintes, ele contribuir fortemente para uma padronizao da produo

    fotogrfica.

    Os sistemas de transmisso de imagens, ganham um eficiente reforo com o

    lanamento pela UPI United Press International, em 1972, do sistema Unifax64. O sistema

    usava um processo de registo electrosttico para transmitir e receber fotografias com maior

    qualidade. Com o desenvolvimento dos computadores e de softwares especficos, estasmquinas ganham eficincia e funcionam at 1990. Posteriormente, com o a venda da agncia

    para um grupo da Arbia Saudita, a marca Unifax foi repassada para um sistema de

    transmisso de dados e documentos online.

    Esse perodo marcado pelo fim de tradicionais revistas ilustradas. Segundo Freund

    (1994) essas revistas desaparecem, primeiro, pela diminuio do interesse do pblico,

    segundo, pela crise econmica agravada pela fuga dos anunciantes.

    Embora muitos tenham imaginado ser este o fim do fotojornalismo, esteacontecimento foi somente o fim de uma poca. Essa a poca do fortalecimento das

    agncias fotogrficas e de notcias. As revistas semanais de informao geral, como a Time e

    aNewsweekcomeam a ceder espao para a fotografia, embora passem a operar com material

    de agncia e no mais com equipes prprias. Por volta do final dos anos de 1970, essas

    revistas comeam a empregar grande quantidade de fotografias em cores, devido a

    disponibilidade dos novos equipamentos de impresso e a forte influncia da televiso sobre a

    prtica do fotojornalismo. Embora tenha-se fortemente debatido o emprego da cor nafotografia, principalmente pela possvel superficialidade da imagem em cores, os fotgrafos

    aprenderam a lidar com a cor, passando a empregar filmes coloridos de alta velocidade 65 (que

    64 A UPI foi a primeira agncia de notcias a utilizar o teletipo e os sistemas de radiofoto, acabando com osantigos sistemas de transmisses telegrficas via cabos submarinos. No campo da fotografia, alm do Unifax,que foi uma revoluo na transmisso de fotografias junto com o transmissor porttil 16-S para fotografias,muito utilizado pelas equipes de cobertura de jogos de futebol, guerras ou viagens a regies remotas. Ver:http://www.pulso.org/Espanol/Acerca/index.htm Revista eletrnica do Centro de Prensa Internacional de laEscuela de Periodismo y Medios de Comunicacin de la Universidad Internacional de la Florida (FIU), Miami,

    Flrida, EUA.65 Velocidade (do filme): Sensibilidade da pelcula luz. Quanto mais sensvel, mais veloz. A sensibilidade(ISO) medida em ASA ou DIN. Quanto menor a ASA, menor a sensibilidade luz, quanto maior a ASA, maissensvel ser o filme. Existe uma relao fixa entre as velocidades dos filmes. Um filme de ASA 100 tem o

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    80permitem uma variao maior nas aplicaes e nos temas fotografados). Alm disso, a

    linguagem esttica da televiso trouxe outras importantes contribuies esttica fotogrfica,

    principalmente em relao captura do movimento e do emprego de cores saturadas ou

    granuladas. Hoje a fotografia em preto-e-branco tornou-se exclusivamente destinada a ensaios

    e documentrios.

    Enquanto isso, na Europa, ocorre uma espcie de reao ao domnio do

    fotojornalismo norte-americano. Surgem novas agncias, todas instaladas em Paris. No final

    de 1990, existiam mais de 15 agncias fotogrficas ou com departamentos de fotojornalismo

    instaladas na Frana. Entre elas, podemos destacar: a Sygma, a Gama, a Sipa Press

    (especialista em cobrir situaes de violncia), aRapho, aMagnum-Paris, a Keystone-France

    (a mais antiga das agncias de fotos), aImapress, a Cosmos, a Press Sports (especializada emesportes) e ainda os departamentos de fotojornalismo da Associated Press (que domina o

    mercado global), daReuters daEFE Agncia de Notcias de Espanha e da France-Presse

    (mais tarde integrante daEuropean Press-Photo Association (EPA), fundada em 1981). Essas

    agncias atendem especialmente s revistas. J os jornais so atendidos especialmente pelos

    departamentos de fotojornalismo das grandes agncias de notcias como aReuters.

    Diante dos conflitos que ocorrem nesse perodo (Vietn, Chipre e Biafra), o

    fotojornalismo toma um caminho oposto s posies tomadas nas dcadas anteriores. Commenos (auto-)censura, algumas das fotos publicadas na imprensa ocidental, mormente na

    norte-americana, em conjunto com a TV, serviram para criar no Ocidente correntes de opinio

    contrrias guerra (SOUSA, 2000, p. 152)66. As fotografias desses acontecimentos

    dramticos exploram, especialmente a sensibilidade do leitor, recorrendo freqentemente

    emoo, muitas vezes porm, recorrendo tambm as fotografias com contedos mais fortes.

    Segundo Sousa (2000) a Guerra do Vietn, que terminou em 1973 com a retirada

    norte-americana de Saigon, talvez tenha sido a ltima guerra de livre acesso. Em todos osconflitos que a partir da vo ocorrer, os militares, sentindo a importncia que o

    fotojornalismo poderia ter tido na sensibilizao do pblico, vo, estar mais atentos s

    movimentaes dos fotorreprteres. Enquanto alguns fotojornalistas, especialmente os ligados

    s agncias, procuram formas de burlar os esquemas de controle dos militares, outros

    acomodam-se situao. Assim, aps o Vietn, ocorreu uma tendncia generalizada, por

    dobro da sensibilidade de um filme de ASA 50, a metade da sensibilidade de um filme de ASA 200, e assim por

    diante. Podemos separar os filmes em 3 grandes grupos, de acordo com a sua velocidade: lentos, mdios erpidos.

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    81parte da imprensa, de deixar de seguir os processos globais dos conflitos blicos, em

    privilgio de umas tantas imagens-choque, ou at nem isso.

    Esse controle sobre os fotojornalistas passa, na dcada de 1980, a ser feito em outros

    campos que no a guerra. Nos eventos polticos, probem-se a cobertura de certas cerimnias

    ou utilizam o esquema de "sesses para os fotgrafos". Torna-se comum o uso de

    fotografias de divulgao e de fotografias feitas por amadores (quer o scoop67, quer as fotos

    de famlia, quando nestas surge gente ilustre ou por qualquer outro motivo) que depois so

    difundidas por agncias ou outros veculos de comunicao.

    A partir de 1972 uma nova gerao de cmeras fotogrficas passam a ser

    produzidas. Neste ano surge a Pentax ES, com fotmetro incorporado. Em 1976, surge a

    cmera Cnon AE-1 com controle automtico de diafragma e obturador. No ano seguinte, a

    Konica comeou a fabricar a C35AF, com objetiva autofoco. Surgem ainda, as objetivas

    grande-angulares com menos de 15mm de distncia focal, atingindo ngulos de viso

    prximos aos 180 (objetivas olho-de-peixe). Aparecem tambm flashes estroboscpicos e

    conversores. Nos anos que se seguem, as cmeras manuais passam a dar cada vez espao

    para as novas mquinas, com sistemas automticos de foco e de controle de exposio.

    Surgem cmeras como as Nikon srie N, totalmente automticas, capazes de disparar mais de

    nove quadros por segundo.Em 1974 entram em operao naAP - Associated Press os novos transmissores de

    imagens. As mquinas que operavam com a tecnologia wirephoto (transmisso via rdio ou

    telefone) do lugar novas mquinas, baseadas na tecnologia laserphoto. O novo sistema

    empregava um papel fotogrfico processado com calor em vez do tratamento qumico e uma

    fonte clara de laser em vez do sistema de lmpadas. Alguns anos mais tarde, a AP

    Associated Press introduziu uma segunda rede, laserphoto II, que usou a tecnologia de

    transmisso via satlite para enviar fotografias coloridas, proporcionando maior definio nasimagens transmitidas distncia. Porm, os sistemas de transmisso analgica de dados ainda

    era limitado. A transmisso de uma imagem fotogrfica em cores via sistema analgico,

    demorava , em mdia, cerca de 40 minutos. A resposta foi o desenvolvimento de sistemas de

    transmisso digital de imagens.

    Os projetos de transmisso digital comearam ainda em 1970. Em 1978, a AP

    introduziu uma nova ferramenta para imagens fotogrficas, o AP Electronic Darkroom

    (cmera escura eletrnica). O sistema foi primeiramente utilizado para receber fotografias,

    66 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 15267 Scoop: furo so assim classificadas as fotografias de flagrantes, feitos muitas vezes por amadores.

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    82armazena-las digitalmente e retransmiti-las sem perda de qualidade. O tratamento da

    imagem pelo computador era possvel na cmara escura e melhorias substanciais na

    qualidade da foto foram conseguidas, especialmente na manipulao de fotos recebidas do

    exterior.

    Por volta de 1980, estes equipamentos operavam em Nova Iorque, Chicago, em

    Washington e em Los Angeles. As cmaras escuras eletrnicas foram posteriormente

    distribudas para Londres, Frankfurt e Tquio, principais centros de distribuio e controle de

    notcias. Em 1992, Nas Olimpadas de Barcelona, a AP utilizou estes equipamentos para

    agilizar a transmisses de imagens.

    Surgem em 1981 as primeiras cmeras de still-video. Elas asseguram uma maior

    rapidez da transmisso, j que, no funcionando com filme, mas com um chip que armazenaimagens que podem ser transmitidas para um disco de computador, evitam o processamento

    da pelcula tradicional, embora ainda operem em um ambiente analgico. Sero as

    precursoras das cmeras fotogrficas digitais. Desenvolvem-se tambm scanners

    (digitalizadores) de imagem a partir dos negativos, acelerando o processo de edio e

    transmisso a partir do tradicional suporte em filme.

    Em 1989, comeam a funcionar novos sistemas de transmisso de imagens via

    satlite, capazes de transmitir imagens em cores em menos de 15 segundos. Estes novossistemas exigiram mudanas significativas na maneira de arquivamento das imagens por parte

    dos jornais e agncias. As imagens eram digitalizadas e enviadas para os jornais, que

    recebiam as imagens, selecionavam as fotografias na tela de um computador, sem produzir

    cpias. As imagens selecionadas podiam ento ser tratadas, realadas e da repassadas para a

    grfica para impresso.

    Em janeiro de 1996, durante a cobertura das finais do 30 Super Bowl, no Arizona,

    foi empregada uma cmera eletrnica nova, aNC 2000. A cmera, um projeto desenvolvidoem conjunto entre a AP e a Eastman-Kodak, podia gravar as imagens, capturadas atravs de

    CCDs, em chips instalados no equipamento.

    Em fevereiro de 1996, um consrcio formado pelas maiores indstrias do mercado

    fotogrfico (Kodak, Fujifilm, Nikon e Cnon, etc.) apresentou um novo sistema de fotografia,

    chamado de APS Advanced Photo System ( sistema avanado de fotografia), que une a

    fotografia analgica (cmera e filme convencionais) com um registro eletrnico de dados

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    83sobre as imagens. Este sistema exige cmeras, filmes e mini-labs especficos para sua

    operao (TRIGO, 1998, p.127)68.

    A partir do final da dcada de 1960, a fotografia comea a chegar aos museus e

    mercados de artes. A fotografia tambm comea a ser ensina nas universidade, primeiro,

    torna-se disciplina obrigatria nos cursos das reas de comunicao e de artes, depois, com a

    evoluo do ensino, transforma-se em curso superior. As primeiras escolas surgem nos EUA,

    depois na Inglaterra. No Brasil, os cursos de Artes e de Comunicao oferecem a disciplina

    desde pelo menos o ano de 1984.

    Sousa (2000) destaca que durante os anos de 1980, aumentou o interesse das

    revistas pela imagem fotogrfica. Cresce no apenas o espao dedicado s fotografias como

    tambm os formatos de ampliao de cada imagem publicada. E, embora o mercado se voltepara a fotografia de celebridades e imagens institucionais, surge uma brecha para a publicao

    dos projetos fotogrficos de autor e aos foto-ensaios. Fotgrafos como Sebastio Salgado

    (projeto migraes e trabalhadores do mundo) e Eugene Richards (fotografias dos servios de

    emergncias dos hospitais e dos viciados em crack de Nova Iorque).

    Quanto liberdade de circulao que os fotgrafos podem ter, nas coberturas dos

    grandes acontecimentos, essa a poca das grandes contradies. De um lado, quase no h

    mais empecilhos para o trabalho dentro dos tribunais (ver Solomon), mas, por outro lado, otrabalho dos fotojornalistas controlado e muitas vezes proibido, como no Afeganisto, em

    Granada (onde os EUA no permitiram fotografias de carter negativo), na invaso do

    Panam ou na Guerra do Golfo (nesta ltima guerra, os fotgrafos praticamente s podiam

    fotografar as atividades nas bases, como fez Roger Fenton na Guerra da Crimia, no sculo

    XIX).

    Sousa (2000) destaca que ainda pelos anos oitenta, que os fotgrafos vo comear

    a usar generalizadamente o computador para reenquadrar as fotos, escurec-las ou clare-las,mudar-lhes a relao tonal e at retoc-las. A imagem totalmente ficcional torna-se mais fcil

    e rpida de criar (SOUSA, 2000, p.162)69. Ainda segundo Sousa, citando um trabalho

    realizado por Karin Becker (1991) a ambivalncia moldou o discurso dos fotojornalistas s

    quatro grandes inovaes tecnolgicas referenciadas: uso da cor, digitalizao da imagem,

    introduo das novas cmeras e novas tecnologias de transmisso de imagens. Elas tanto

    foram consideradas como uma oportunidade de libertao como uma ameaa ao estatuto

    68 TRIGO, Thales. Equipamento fotogrfico teoria e prtica. So Paulo: Editora Senac, 1998, p 127.69 SOUSA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2000. P 162.

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