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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS COM LÍNGUA ESPANHOLA LETÍCIA SILVA DOS SANTOS A MATERIALIDADE DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO NOS DISCURSOS DE MEMES Feira de Santana-BA 2020

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Page 1: A MATERIALIDADE DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO NOS ...sociais e memes; gêneros da linguagem e, finalmente, acerca do preconceito linguístico. Na terceira seção, descrevemos o percurso

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS COM LÍNGUA

ESPANHOLA

LETÍCIA SILVA DOS SANTOS

A MATERIALIDADE DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO NOS

DISCURSOS DE MEMES

Feira de Santana-BA

2020

Page 2: A MATERIALIDADE DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO NOS ...sociais e memes; gêneros da linguagem e, finalmente, acerca do preconceito linguístico. Na terceira seção, descrevemos o percurso

LETÍCIA SILVA DOS SANTOS

A MATERIALIDADE DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO NOS

DISCURSOS DE MEMES

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao

Colegiado Letras com Língua Espanhola, do

Departamento de Letras e Artes, da

Universidade Estadual de Feira de Santana -

UEFS como requisito parcial para obtenção do

grau de Licenciado em Letras com Língua

Espanhola.

Orientadora: Profa. Ma Iranildes Almeida de

Oliveira

Feira de Santana-BA

2020

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AGRADECIMENTOS

Mesmo antes dessa minha trajetória, eu já sabia: sozinha eu não chego a lugar nenhum!

Essa é uma das certezas, embora certezas valham menos que um tostão furado como disse

Rubem Alves, que carrego comigo e me fez trilhar tantos passos dentro e fora da melhor da

Bahia, a minha sempre UEFS.

Ao longo desses 4 rápidos anos e alguns meses como estudante de Letras dessa

Universidade, Deus me presenteou com pessoas essenciais para minha caminhada. Ele, na sua

infinita bondade, me deu uma turma de muitas meninas e poucos meninos que, por

circunstâncias da vida, foi saindo alguns, entrando outros e ficando aqueles que puderam e

conseguiram ficar. A Eliane, minha Lia, Jesnner, o menino mais perturbado que conheço,

Kézia, nossa Kell (dupla que riu de mim por eu não saber o que era um meme, mas nessa labuta

de TCC me ajudaram até a formatá-los: Quem diria, hein?!), a Lílian, Luana, Monique, Naiara

e Théssia, minha gratidão pelos tantos momentos de companheirismo, risos, fotos, fila de

bandejão, queixas dos professores... Nem tudo foi riso e resenha, mas no fim deu tudo certo. A

Ailla e Cláudia, que chegaram pra somar na nossa turma, muito obrigada também.

Às minhas belas do Programa Portal, Bruna, Gabriele e Ithana, por serem as meninas que

tanto me incentivam na vida de modo geral, minha sincera gratidão. Vocês foram um algo a

mais pra mim, tenham certeza. A Luciane, Rodrigo e Pró Denise Pereira por me darem dicas

de leituras para construir o referencial teórico deste TCC, meu muito obrigada também. A

professora Milena Brun e sua tutora Cristina pelas dicas valiosas para se fazer um bom trabalho.

À minha PRÓ IRAN, por ter sido, desde o começo da graduação, uma professora a quem

eu temia, confesso, e respeitava. Uma professora preocupada com o ensino e aprendizagem e

línguas, uma mulher-mãe-acadêmica que sonha alto e não quer ir longe sozinha, mas incentiva,

puxa e faz crescer tantas outras pessoas; minha coordenadora de Programa de extensão e minha

orientadora de TCC, que me manda mensagem perguntando como tem sido o trabalho, me

manda textos, me chama várias vezes para sentar ao seu lado e começar a orientação e puxa

minha orelha quando não faço o que/como ela me pede as coisas no trabalho. À senhora, a

minha mais sincera gratidão. Eu sei que não daria certo se não fosse com o seu apoio. Aos

professores Alex Sandro Beckhauser e Geovanio Nascimento por terem aceitado ler e avaliar

esse trabalho, minha gratidão. “Finalmente”, a minha FAMÍLIA. Meus pais, Antônia e Luís,

meus irmãos, Carla e Pedro, aos meus sobrinhos, Hugo e Murilo, além da minha avó Leca, tias

e tios, primos e primas por terem sido incentivo pra mim, mesmo sem saber como fazer ou

fazendo sem perceber. Eu não seria o que sou hoje se vocês não fossem comigo. Por tudo e por

tanto, obrigada, MEU DEUS!

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RESUMO

Considerando que já foram realizados diversos estudos sobre o preconceito linguístico e que

este tema vem sendo fortemente discutido pela academia no Brasil, mas que ainda são

escassos aqueles que se referem à sua materialidade em memes, esta pesquisa se propôs a

preencher essa lacuna, mesmo que minimamente, e a provocar discussões e reflexões sobre um

tema tão em evidência no contexto sócio-político atual e problematizar seus efeitos para a

sociedade. Por esse motivo visou responder ao questionamento de como esse preconceito é

materializado nos discursos de memes que circulam nas redes sociais. Para o seu

desenvolvimento, portanto, foi realizada uma busca de manifestações do referido

fenômeno em memes divulgados em espaços virtuais e, posteriormente, realizada uma

análise semiótica a partir da proposta do autor francês Greimas (1976). Assim, este trabalho

insere no âmbito de estudos da Linguística Aplicada unindo tanto as discussões da

Sociolinguística, em termos da abordagem sobre o fenômeno do preconceito linguístico,

como da Semiótica a partir da análise do discurso verbal e imagético de memes. Apresenta-se

como importante para a sociedade acadêmica e, também, para a não acadêmica por ter buscado

asseverar as discussões relacionadas a esse preconceito fortemente presente e prejudicial para

a consolidação duma sociedade na qual predomine o respeito às diferenças e, nesse caso em

específico, à linguagem do outro. Quanto a sua estrutura,este trabalho está organizado em cinco

sessões: considerações iniciais, fundamentação teórica, percurso metodológico, análise

semiótica do corpus ( memes) e, finalmente, as considerações finais.

Palavras-chave: Materialidade do preconceito linguístico. Semiótica. Redes sociais. Memes.

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RESUMEN

Teniendo en cuenta que ya se han realizado numerosos estudios sobre el prejuicio lingüístico

en Brasil, pero que aún son escasos aquellos que tratan de la materialidad de ese prejuicio en

memes, esta investigación se propuso a llenar, aunque minimamente, esta laguna y provocar

discusiones y reflexiones sobre el prejuicio lingüístico en redes sociales y problematizar sobre

sus efectos para la sociedad. Por esta razón, su objetivo fue responder a la pregunta de cómo se

materializa este prejuicio en los discursos de memes que circulan en las redes sociales. Para su

desarrollo, por lo tanto, se realizó una búsqueda de manifestaciones del referido fenómeno en

memes publicados en espacios virtuales y, posteriormente, se realizó un análisis semiótico

basado en la propuesta del autor francés Greimas (1976). Así, este trabajo se enmarca en los

estudios de Linguística Aplicada, aunando tanto las discusiones de la Sociolingüística, en lo

que se refiere al enfoque sobre el fenómeno del prejuicio lingüístico, como las aportaciones de

la Semiótica en cuanto al análisis del discurso verbal e imagético de los memes. Se presenta

como una importante contribución para la sociedad académica y no académica, porque se buscó

provocar discusiones sobre el tema, tan fuertemente presente y perjudicial a la consolidación

de una sociedad que prime por respeto a la diversidad e a las diferencias y, en este caso

específico, al lenguaje del otro. En cuanto a su estructura, este trabajo se organiza en cinco

sesiones: consideraciones iniciales, fundamentos teóricos, ruta metodológica, análisis semiótico

del corpus (memes) y, finalmente, las consideraciones finales.

Palabras clave: Materialidad del prejuicio lingüístico. Semiótica. Redes sociales. Memes.

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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................................... 1

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 3

2.1 LINGUAGEM E LÍNGUA ............................................................................................. 3

2.2 GÊNEROS DA LINGUAGEM ........................................................................................ 7

2.3 TEXTO, IMAGEM E DISCURSO ................................................................................... 8

2.4 MATERIALIDADE DO DISCURSO ............................................................................ 10

2.5 REDES SOCIAIS........................................................................................................... 11

2.6 MEMES ......................................................................................................................... 12

2.7 PRECONCEITO LINGUÍSTICO ................................................................................... 13

3 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................................. 17

4 ANÁLISE DOS MEMES: SEMIÓTICA FRANCESA (GREIMAS, 1976) .................. 18

FIGURA 1- A VOZ DO POVO NÃO É A VOZ DE DEUS ................................................. 18

FIGURA 2 - PENSE NUM POVO PRA ESCREVER ERRADO ......................................... 19

FIGURA 3 - SÓ OBSERVANDO SEUS ERROS ................................................................ 20

FIGURA 4 - ELA É TÃO LINDA, MAS É TANTO ERRO ................................................. 21

FIGURA 5- TÁ APAIXONADA?........................................................................................ 22

FIGURA 6- ESCREVEU ERRADO .................................................................................... 23

FIGURA 7-FALOU “PARÇA”, VOTOU EM MIM ............................................................. 24

FIGURA 8- REGRA SIMPLES ........................................................................................... 25

FIGURA 9-VENCI NA VIDA ............................................................................................. 25

FIGURA 10- NÃO BASTA SER POBRE ............................................................................ 26

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 28

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 29

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O mundo está imerso numa onda assustadora de discriminação e preconceito. Dessa

maneira, o papel da academia, da escola e da educação é provocar discussões e estudar fenômenos

como esses para compreendê-los e tentar minimizar suas consequências para a sociedade.

Muitos são os estudos relacionados ao preconceito linguístico publicados no Brasil e

fortemente discutidos pela academia. O escritor e linguista brasileiro Marcos Bagno, por

exemplo, é um dos principais autores dentro da Sociolinguística que se dedica a apresentar e

provocar discussões e reflexões relativas à ideologia de exclusão social e de dominação política

pela língua. Todavia, os trabalhos realizados neste tema ainda são escassos quando se trata da

relação entre o uso de memes e a materialidade do preconceito linguístico. Dessa maneira,

esta pesquisa se propôs a preencher, mesmo que minimamente, essa lacuna e promover esse

estudo no meio acadêmico.

A grafia “errada’’ das palavras e o “escrever errado” são reflexos de questões de

complexidade elevada e merecem ser tratadas com respeito. Por outro lado, a diversidade lexical

e as diferenças de pronúncia são fenômenos inerentes a qualquer língua e deveria ser abordado

com absoluta naturalidade. No entanto, usuários defensores do puritanismo linguístico, muitas

vezes, desconhecem as diversas possibilidades de a língua se manifestar e acreditam numa validez

única de uma variante de prestígio. Ou ainda, se não as desconhecem, agem por má fé e ânimo de

discriminar. O que é mais grave e merece repúdio. As redes sociais permitem que ambos os

comportamentos se manifestem e, por vezes, ajudam a reforçar e a disseminar o preconceito

linguístico e suas consequências como a humilhação e a exposição da vítima a vexames.

No intuito de contribuir para a desconstrução do preconceito linguístico em redes sociais,

este trabalho buscou responder a pergunta de como se dá a materialidade desse preconceito nos

discursos de memes a partir de uma análise semiótica de seu texto verbal e de suas imagens, a

fim de apresentar suas consequências para a sociedade ao discutir e refletir brevemente sobre

o proposto tema.

Quanto às motivações para a escolha desse tema, é possível relatar que o conhecimento e as

discussões acerca do preconceito linguístico na graduação e essencialmente a sua percepção no

dia a dia foram os responsáveis por gerar a inquietude e tornar possível a percepção deste

preconceito também em redes sociais através de memes.

Este trabalho se insere no âmbito dos estudos da Linguística Aplicada unindo tanto as

discussões da Sociolinguística, em termos da abordagem sobre o fenômeno do preconceito

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linguístico, como da Semiótica no que se refere à análise do texto verbal e imagético dos memes.

Assim sendo, esta pesquisa se apresenta como importante para a sociedade acadêmica e também

para a não acadêmica por apresentar discussões e reflexões relacionadas a preconceitos fortemente

presentes e prejudiciais para a consolidação duma sociedade onde exista o respeito às diferenças

e, nesse caso em específico, à linguagem do outro.

No que diz respeito à estrutura deste trabalho, o mesmo está organizado em cinco seções.

Na introdução, apresentamos a problematização da pesquisa, o objetivo geral e os específicos, a

justificativa e a sua relevância social. Na segunda seção, fundamentamos a pesquisa a partir de

conceitos sobre linguagem e língua; texto, imagem e discurso; materialidade do discurso; redes

sociais e memes; gêneros da linguagem e, finalmente, acerca do preconceito linguístico. Na

terceira seção, descrevemos o percurso metodológico trilhado, expondo qual a natureza do estudo,

quais os critérios de seleção dos memes e dos descritores de busca do corpus, além dos

procedimentos de análise. Na quarta seção, apresentamos a análise realizada de cada um dos

memes e trazemos reflexões a partir da análise feita. Na quinta e última seção, expomos as

considerações finais sobre o estudo, retomando a pergunta da pesquisa e destacando os impactos

acadêmicos, sociais e educacionais. Na sequência seguem-se as referências.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 LINGUAGEM E LÍNGUA

As discussões sobre Linguagem e Língua são clássicas. Para Saussure (1916, p. 16-17),

“é preciso colocar-se no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as manifestações da

linguagem”, de modo que o estudo da linguagem perpassa pelo estudo da língua. Por outro lado,

Franchi (2002, p. 38), em discordância da pesrpectiva de estudo da linguagem defendida por

Saussure, acredita que essa concepção de linguagem “conduz ao esvaziamento da própria

linguagem e a um privilégio da noção de língua”, porque a linguagem diferentemente da língua

não possui limites de alcance. A linguagem, afirmam Amoêdo e Soares (2018, p.130), “é uma

entidade viva, presente em todas as situações e manifesta-se de modos particulares em cada

contexto, sofrendo a influência de fatores socioculturais e ideológicos intrinsecamente”,.

Para Geraldi (1984 apud FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011, p. 480), um dos

estudiosos dos pressupostos bakhtinianos, no Brasil, linguagem é expressão do pensamento, é

instrumento de comunicação e forma de interação. Segundo Travaglia ( 1997 apud FUZA;

OHUSCHI; MENEGASSI, 2011, p. 481) na concepção de linguagem como expressão do

pensamento:

As pessoas não se expressam bem porque não pensam. A expressão se constrói

no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem

pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação

acontece (TRAVAGLIA, 1996, p. 21).

Já no que se refere à linguagem enquanto instrumento de comunicação, os autores Fuza,

Ohuschi e Menegassi (2011) afirmam que esta concepção de linguagem orientou muitos

professores, na década de 60 e, segundo Koch (2002) pode ter “o texto como um produto lógico

do pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão captar

essa representação mental.” (KOCH, 2002, p. 16 apud FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011,

p. 483). Na concepção de linguagem como interação:

O indivíduo emprega a linguagem não só para expressar o pensamento ou para transmitir conhecimentos, mas também para agir, atuar sobre o outro e sobre o

mundo. Ela reconhece um sujeito que é ativo em sua produção linguística, que

realiza um trabalho constante com a linguagem dos textos orais e escritos. (GERALDI 1984 apud FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011, p. 490)

Mesmo tendo sido formuladas há algumas décadas, é inegável a contribuição e

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repercussão destas concepções para a formulação de outros conceitos sobre linguagem e língua

nos dias atuais. Um estudo realizado pela professora doutora Edleise Menezes pautado na análise

das concepções de língua e linguagem apresentadas por professores em formação no curso de

Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Bahia e colhidas ao longo de três semestres

letivos, com alunos de terceiro e quarto semestres, no ano de 2012 revela que esses três conceitos

de linguagem anteriormente citados aparecem nos percepões coletadas. Dentre as respostas estão

a visão de Língua/linguagem como reflexo do pensamento; como dispositivo mental, de caráter

inato; como instrumento de comunicação ou conjunto de signos que tem como objetivo a

comunicação e também de língua/linguagem como lugar de interação e como atividade situada

socioculturalmente. (MENDES, 2012, p. 662)

Embora esses conceitos de linguagem enquanto expressão do pensamento, instrumento de

comunicação e forma de interação sirvam para influenciar a concepção de outros autores e

estudiosos, Franchi ( 2002) os criticam e defende a tese da linguagem como atividade constitutiva.

Para o autor, a linguagem, antes de ser para a comunicação, está para a elaboração e, antes de ser

veículo de sentimentos, ideias e aspirações, é um processo criador que nos permite organizar e

informar as nossas vivências e experiências.

No que se refere à língua, trouxemos, neste trabalho, algumas das concepções de diferentes

correntes de estudo que a ela se refere. Dentre estas concepções estão as do estruturalista francês

Ferdinand de Saussure, a do gerativista Noam Chomsky, a do sociolinguista Willam Labov, dentre

outros estudiosos que se debruçam sobre esta, a fim de conceituá-la a partir de suas perspectivas

de estudo.

Numa visão estruturalista, Saussure “enfatizou a ideia de que a língua é um sistema, ou

seja, um conjunto de unidades que obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo

um todo coerente” ( COSTA, 2018, p. 114). Dessa maneira:

O estruturalismo compreende que a língua, uma vez formada por elementos

coesos, inter-relacionados, que funcionam a partir de um conjunto de regras, constitui uma organização, um sistema, uma estrutura. Essa organização dos

elementos se estrutura seguindo leis internas, ou seja, estabelecidas dentro do

próprio sistema. ( COSTA, 2018, p. 114).

Saussure quando recaptula os caractéres da língua traz o pressuposto de que esta é,

diferentemente da linguagem, de natureza homôgenea. Segundo o autor, “enquanto a linguagem é

heterôgenea, a língua assim delimitada é de natureza homôgenea: constitui-se num sistema de

signos onde, de essencia, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes

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do signo são igualmentente psíquicas.” (SAUSSURE, 1916, p. 23). Tal pressuposto de

homogeneidade é justamente o contrário do que é a língua na concepção da linguística moderna

que “respeita qualquer variação que uma língua apresente independente da região e do grupo social

que a utilize’’ (CUNHA, COSTA; MARTELOTTA, 2018, p. 20) e também é um pressuposto que

ajuda a asseverar o preconceito linguístico, elemento chave desta pesquisa. Segundo Lima e Reis

(2017, p. 198), Mikhail Bakhtin (1997) concorda com Saussure que “a língua é um fato social,

mas discorda de concebê-la como um sistema abstrato, organizado, homogêneo, desvinculado de

valores ideológicos e dissociado do sujeito que a fala.” Para Bakhtin a língua vive e evolui

historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da

língua, tampouco no psiquismo individual dos falantes, de modo que para ele, a língua é uma

atividade social, fundada nas necessidades de comunicação.

Noam Chomsky, por sua vez, “defende a ideia de que as línguas e, consequentemente, as

suas gramáticas se estruturam a partir de processos mentais, adquiridos de modo inato e que se

organizam por princípios que são universais” (MENDES, 2012, p. 669). Chomsky é um grande

represesentante da teoria gerativista, apresentada em 1957 e caracterizada pela defesa de que a

linguagem é uma capacidade inata, de modo que a capacidade do ser humano de falar e entender

uma lingua se dá por um dispositivo inato, uma capacidade biológica. Dessa naneira, a língua em

sua concepção é uma entidade abstrata, separada de seu aspecto social.

Os dois autores se diferenciam, porque enquanto Saussure enxerga a língua como um

sistema, uma estrutura, um objeto social, Chomsky afirma que a língua humana é um sistema de

princípios pertencentes à mente humana. Assim sendo, Chomsky acaba estabelecendo como objeto

de estudo da língua a descrição e a explicação do conhecimento linguístico adquirido de forma

biológica apenas e não através do uso da língua como propõe Saussure.

Com o advento da sociolinguística, termo surgido em 1950, mas desenvolvido como

corrente nos Estados Unidos na década de 1960 liderada por William Labov, bem como por

Gumperz e Dell Hymes e a conferência The Dimensions of Sociolinguistics, de William Bright

(1966), a língua passou a ser estudada em seu uso real, sendo levadas em consideração as relações

existentes entre a estrutura linguística e os aspectos sócio e culturais de sua produção (CEZARIO;

VOTRE, 2018, p. 141). Embora não seja apenas estes os autores da Sociolinguística, é com o

grande passo nos estudos realizados por essa corrente que a variação linguística, em seus diferentes

níveis, ganha visibilidade, já que “ o estruturalismo e o gerativismo não incluíram nas suas análises

a variação, porque esta estava fora do âmbito do objeto da linguística, o qual deveria ser abstraído

do “caos” da realidade do uso linguístico” (CEZARIO; VOTRE, 2018, p. 146).

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É a partir desses estudos também que fica perceptível a intríseca relação existente entre

variação linguística e sociedade. Labov, como trazem Cezario e Votre (2018, p. 147) “demonstrou

que a mudança linguística é impossível de ser compreendida fora da vida social da comunidade

em que ela se produz, pois pressões sociais são exercidas constantemente sobre a língua.” Ainda

sobre a indissociabilidade entre fatores linguísticos e sociais, extralinguísticos, Meillet (1926)

muito antes do termo e da corrente sociolinguística surgirem, afirmou que “toda modificação na

estrutura social acarreta uma mudança nas condições nas quais a linguagem se desenvolve e que,

portanto, a história das línguas é inseperável da história da cultura e da sociedade” ( CEZARIO;

VOTRE, 2018, p. 147).

A língua é, portanto, na percepção da sociolinguística “uma estrutura maleável, que

apresenta variações, mas há muitos elementos gramaticais, fonéticos e léxicos que são comuns às

variedades de uma língua’’ (CEZARIO; VOTRE, 2018, p. 147) . Para Marcos Bagno (2006), a

língua é uma entidade social em constante transformação por nós que a inventamos e reinventamos

todos os dias. É uma das principais manifestações da nossa brasilidade, formada por inúmeros

sotaques e expressões. Ainda trazendo concepções sobre a língua, Geraldi (1991) afirma que:

A língua na percepção sociolinguística não está de antemão pronta, dada como

um sistema que o sujeito se apropria para usá-la segundo suas necessidades

específicas do momento da interação, mas que o próprio processo interlocutivo,

na atividade da linguagem a cada vez a (re) constrói. (GERALDI, 1991:6 apud

BRITTO, 1997, p. 43)

Os conceitos formulados com base na sociolinguística, embora não mais importantes que

os trazidos de início, são os que melhor nos auxiliam a compreender a língua a partir de seu

aspecto de heterogeneidade e não de homogeneidade como postularam Saussure e Chomsky e que

auxiliaram no fortalecimento teórico desta pesquisa.

Quanto à variação linguística, partindo da concepção de língua formulada e adotada pela

sociolinguística, de que esta é uma estrutura maleável e que apresenta variações, essas são

compreendidas “como um conjunto de elementos diferentes de outro, conjunto de outro grupo, de

outra localidade ou de outro contexto” ( CEZARIO; VOTRE, 2018, p. 146). As diferenças

apresentadas na fala e/ou escrita são justamente o produto da heterogeneidade inerente à língua e,

muitas vezes, causadoras do preconceito linguístico. Isso se confirma a partir da concepção de

Brasil (1998 apud OLIVEIRA, 2015, p. 85) acerca de variação linguística. Segundo ele:

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela

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sempre existiu e sempre existirá independentemente de qualquer ação normativa.

Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. (BRASIL, 1998, p. 29)

A língua portuguesa, bem como tantas outras línguas, é um patrimônio cultural de tantos

povos e que não se constitui de uma homogeneidade, mas dum extenso quadro de variações, por

isso não se detêm ao que a gramática postula sobre o que ela deveria ser.

2.2 GÊNEROS DA LINGUAGEM

Muitas são as propostas conceituais para os gêneros do discurso e gêneros textuais, a

exemplo das teorias de autores como Bakhtin (1992), Bhatia (1994), Swales (1990), Bronckart

(1999), e Marcuschi (2002). A mais recente é da autora OLIVEIRA E PAIVA (2019), autora já

citada nesse trabalho. Todavia, ao contrário da terminologia utilizada por estes autores, a autora

chama estes gêneros de “gêneros da linguagem” e explica que sua opção por este termo “implica

também uma visão da linguística não apenas como uma ciência que estuda a linguagem verbal

humana, mas também as várias linguagens humanas.” (OLIVEIRA E PAIVA, 2019, p. 70).

Para a autora, gêneros da linguagem:

É um termo guarda-chuva que inclui texto e discurso e outros modos semióticos. Ao optar por “gêneros da linguagem”, não excluo gêneros textuais”, "gêneros do

discurso" ou “gêneros discursivos”, ao contrário, os incluo no guarda-chuva e

acolho gêneros não verbais, que também são ações de linguagem. Ao fazer essa

opção, apoio-me em uma visão de linguagem na perspectiva da complexidade. Ao optar por gêneros da linguagem sem focar, exclusivamente no texto oral,

escrito ou gestual, privilegio a experiência humana com a linguagem em geral,

independentemente do(s) modo(s) semiótico(s). (OLIVEIRA E PAIVA, 2019, p. 73)

A definição dada pela autora para os gêneros da linguagem não parece inovar os conceitos

para gêneros do discurso e gêneros textuais, uma vez que ela os engloba no guarda-chuva dos

gêneros da linguagem, no entanto enfatiza e fortalece que estes devem ser somados a outros modos

semióticos. Por ser a linguagem um conjunto de vários modos de expressão e cada um desses

modos interagirem com o outro na tarefa de produzir sentido, ou seja, na semiose (OLIVEIRA E

PAIVA, 2019), os memes também fazem parte desse conjunto de expressão e interação, sendo

capazes de produzir diversos sentidos, inclusive o de preconceito.

A proposta deste trabalho de analisar, numa perspectiva semiótica, o discurso de memes que

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circulam nas redes sociais como elemento chave para a formar a materialidade do preconceito

linguístico não ficaria tão bem fundamentada se não trouxéssemos a definição dada por Vera Lúcia

no tocante aos gêneros da linguagem, afinal estamos trabalhando com diferentes linguagens: as

palavras e as imagens, que constituem-se como gêneros da linguagem e peças fundamentais para

a construção do discurso.

2.3 TEXTO, IMAGEM E DISCURSO

O texto é uma manifestação da linguagem e objeto de estudo da Linguística Textual, da

Análise do Discurso, da Linguística Aplicada, da Antropologia e de outras áreas do conhecimento.

Nesta sessão, trouxemos mais especificamente alguns dos conceitos de texto que apresentam

relação com o discurso.

No artigo Gêneros da linguagem: na perspectiva da complexidade, OLIVEIRA E PAIVA

(2019) traz o conceito de Beaugrande (1997) acerca de texto. Segundo ela, Beaugrande (1997),

“conceitua texto como veículos das atividades humanas definidos como configurações

significativas da linguagem com intenção comunicativa”. (OLIVEIRA E PAIVA, 2019, p. 69).

Também segundo o autor, podemos ver o texto como:

Um sistema de conexões entre vários elementos: sons, palavras, significados,

participantes do discurso, ações em um plano, etc. Visto que esses elementos

claramente pertencem a tipos diferentes, o texto deve ser um multissistema

composto de múltiplos sistemas interativos. (BEAUGRANDE, 1997b, 1.16 apud OLIVEIRA E PAIVA, 2019, p. 69, grifo nosso)

É interessante destacar a palavra discurso na definição dada por Beaugrande para texto,

porque entre estes há uma significativa complementaridade: o discurso se faz de texto e o texto

concretiza o discurso. Para fortalecer essa teoria, a autora Orlandi (1994), em seu artigo intitulado

justamente como Texto e Discurso, afirma que “o texto é um objeto histórico. Histórico aí não tem

o sentido de ser o texto um documento, mas discurso.’’ (ORLANDI, 1994, p. 112, grifo nosso).

Segundo a mesma autora, na perspectiva do discurso, “o texto é lugar de jogo de sentidos, de

trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade (cf. E. ORLANDI, 1983, p.204- 205

apud ORLANDI, 1994, p. 117).

Dentro da linguagem, tanto oral como escrita, as imagens são de fundamental importância

para a construção do discurso. Como afirmam Kress e Van Leeuwen (1996 apud NEGRÃO, 2012,

p. 2), “a análise das imagens torna-se crucial para um melhor entendimento da linguagem.” Porém,

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dentre tantos conceitos relacionados à imagens, demos destaque mais uma vez àquele que traz

consigo uma relação com o discurso, já que este constitui um importante elemento dentro do tema

desta pesquisa. Para Guimarães (2013):

Na sociedade de hoje, chamada pelo senso comum de “sociedade da imagem”,

emerge impregnada de valores socioculturais – donde sua precípua importância na constituição do discurso. Caracterizando-se como produtora desses valores,

a imagem constitui-se, ao lado da linguagem verbal, em documento histórico.

Como a História está em constante movimento e transformação, as imagens também estão sempre se construindo. (GUIMARÃES, 2013, grifo nosso)

A partir dessa definição de imagem, podemos perceber como esta configura um

importante elemento constituidor de sentidos junto à linguagem verbal. São elas um gênero de

linguagem que também corrobora para a construção da mensagem e de seus sentidos. Por isso,

trazer esse conceito nos ajuda a compreender de que forma a linguagem imagética dos memes

pode materializar um discurso preconceituoso.

O discurso, a princípio, era considerado apenas na modalidade escrita ou oral, mas depois

passou a ser investigado sob a ótica dos demais recursos semióticos, ou seja, textos multimodais.

(AMOÊDO; SOARES, 2018). Chouliaraki e Fairclough, 1999 apud Negrão, 2012, afirmam:

O discurso como um elemento das práticas sociais constitui outros elementos,

bem como é constituído e moldado por eles. Nessa visão, o discurso diz respeito

não somente à linguagem verbal, mas também a outros modos semióticos como a imagem. A linguagem, juntamente com outros modos semióticos, tem

sido um elemento fundamental das práticas sociais contemporâneas.

(CHOULIARAKI E FAIRCLOUGH, 1999 apud NEGRÃO, 2012, p. 1, grifo nosso)

Nesta definição fica nítida a intrínseca relação entre texto (linguagem verbal), o discurso e

a imagem: esse “triângulo” fortemente entrelaçado. Além disso, percebemos a perspectiva da

semiótica, isto é, a presença dessa teoria no conceito de discurso.

No tocante à interpretação desses discursos, Orlandi (2012) coloca que a:

A interpretação está presente em toda e qualquer manifestação da linguagem. Não

há sentido sem interpretação. Mais interessante ainda é pensar os diferentes

gestos de interpretação, uma vez que linguagens, ou as diferentes formas de linguagem, com suas diferentes materialidades, significam de modos distintos

(ORLANDI, 1996, p.9 apud ORLANDI, 2012, p. 5).

A interpretação, continua Orlandi, é “uma questão filosófica que não se pode fechar

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categoricamente, pois:

Não há um sistema de signos só, mas muitos. Porque há muitos modos de

significar e a matéria significante tem plasticidade, é plural. Como os sentidos

não são indiferentes à matéria significante, a relação do homem com os sentidos se exerce em diferentes materialidades, em processos de significação diversos:

pintura, imagem, música, escultura, escrita etc. A matéria significante – e/ou a

sua percepção – afeta o gesto de interpretação, dá uma forma a ele. (ORLANDI, 1996, p.12 apud ORLANDI, 2012, p. 5)

Neste trabalho, portanto, trabalhamos a partir da abordagem de texto relacionado com o

discurso, tendo em vista que foi o discurso de memes que nos detivemos a analisar semioticamente.

2.4 MATERIALIDADE DO DISCURSO

Para Fortunato (2003, p. 27), a condição de intervenção da materialidade no sentido do

discurso torna-se importante para qualquer análise, porque supõe a possibilidade de descrição de

meios materiais que funcionam como sistemas aos quais se acham submetidos os discursos.

De acordo com a autora:

A condição para que um enunciado possa ser reconhecido como tal é que ele deve

ter existência material, pois sua materialidade – o som, a impressão no papel, uma marca sobre uma superfície – ao mesmo tempo em que o torna perceptível o

conforma no espaço e no tempo. (FORTUNATO, 2003, p. 26)

Ao autora traz em sua dissertação que Michel Foucault, dente outas profissões,

filósofo e escritor francês; pensa a materialidade enquanto instituição material. Segundo ele:

O enunciado não se identifica com um fragmento de matéria; mas sua

identidade varia de acordo com um regime complexo de instituições materiais.

[...] O regime de materialidade a que obedecem necessariamente os enunciados

é, pois, mais da ordem da instituição do que da localização espaço-temporal;

define antes possibilidades de reinscrição e de transcrição (mas também

limiares e limites) do que individualidades limitadas e perecíveis. (FOUCAULT, 2002, p. 118-119 apud FORTUNATO, 2003, p. 27).

Dessa maneira, entendemos que os memes são meios materiais nos quais discursos

carregados de preconceito linguístico estão submetidos. Estes são importantes meios para a

construção do sentido de um discurso discriminatório pela maneira como se constitui em suas

estruturas fundamentais e narrativas e, por isso, contribuem para a materialidade do preconceito

linguístico.

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2.5 REDES SOCIAIS

De acordo com Wasserman e Faust, 1994; Wellman, 1997 apud BARCELOS;

PASSERINO; BEHAR, 2010:

Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores, ou seja, nós (pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões (interações ou laços

sociais). Capra (2008) complementa afirmando que redes sociais são redes de

comunicação que envolvem linguagem simbólica, restrições culturais, relação de

poder etc. (WASSERMAN e FAUST, 1994; WELLMAN, 1997 apud BARCELOS; PASSERINO; BEHAR, 2010, p. 2)

Esse é um conceito que representa os laços entre os invíduos e que tem a comunicação

como elemento fundamental. Porém, com o advento da internet e, em especial das ferramentas

Web 2.0, a criação de espaços de troca virtuais permitiu o achatamento geográfico e temporal, isto

é, independente do lugar onde se esteja e do tempo que se tenha, a dificuldade encontrada pelas

pessoas de se comunicarem com maior facilidade e rapidez é rompida mais eficazmente através

das redes sociais. Asseverando a teoria de achatamento geográfico e de tempo, Santos & Santos

(2010) considera que:

Podemos afirmar, sem equívoco, que neste período técnico-científico-

informacional, a internet, através das tecnologias da informação e comunicação

(computador, celulares, smartphones, tablets), enquanto possibilidade de comunicação e informação está modificando a maneira como as pessoas se

relacionam, aprendem e se comunicam. Nesse sentido, uma “convergência dos

momentos” se configura no substrato socioespacial [...] (SANTOS e SANTOS, 2010 apud ANDRADE, 2018, p. 310)

De acordo com as autoras, outro nome dado a essas redes é redes sociais digitais (RSD),

o que elas consideram como sendo um meio de possibilidades, estabelecido partir dos elementos

virtuais e das relações entre os indivíduos usuários. (SANTOS e SANTOS, 2010, apud

ANDRADE, 2018, p. 310)

As RSD, a partir do acesso das pessoas, colaboram e influenciam em vários aspectos da

vida social, pessoal e profissional destas. Nesse tópico vale relembrar que desejamos trabalhar

com um tipo de postagem específica nessas redes e com sua influência social para a materialidade

do preconceito linguístico: a postagem de memes, que através de seus textos verbais e imagéticos

constroem discursos de preconceito quanto à diversidade linguística no português do Brasil.

Quanto ao acesso das pessoas a estas redes, de acordo com o site Exame numa matéria

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escrita por Dino (como informa o site) e publicada em 19 de outubro de 2018, o relatório divulgado

pelas empresas We are Social e Hootsuite, intitulado “Digital in 2018: The Americas”, apontou

que 62% da população brasileira está ativa nas redes sociais. O relatório também constatou que

58% já buscou por um serviço ou produto pela internet. A partir desse dado, é nítida a amplitude

que essas redes possuem e a influência que possivelmente desempenham na vida de seus usuários

através de ações como a de propagação de informação de vários âmbitos, publicidade comercial,

publicização da vida privada, criação de grupos de conversa e páginas específicas para

compartihamentos e discussões de conteúdos diversos, dentre outras coisas. Outra visão

significativa sobre as redes sociais da internet é trazida por Santos e Santos (2014, p. 307) ao

afirmarem, em seu artigo acerca da sua influência na sociedade e educação, que estas funcionam

como uma “ferramenta de comunicação e informação”. Dentre as informações e discussões

presentes nestas redes podemos destacar as de caráter político, referentes à educação, às ciências,

ao mundo da culinária, ao mundo artístico e das celebridades.

No tocante ao preconceito linguístico, propagado através de diversas formas pelas RSD, é

notável que a existência de posts com divulgação de fotografias, cartazes e prints de conversa em

rede sociais como WhatsApp com erros de ortografia ( “erros de português’’ para muitos, como

traremos numa posterior seção acerca de preconceito linguístico), vídeos e memes, para citar

exemplos, servem para demonstrar a maneira como o preconceito linguístico é materializado

nessas redes. Afinal, fica registrado e aparente que a intenção de quem compartilha desse

preconceito é de expor e propagar a variação linguística registrada na fala ou na escrita, de modo

a ridicularizar, virtualmente, o sujeito que fala ou escreve diferentemente do que preconiza a

gramática normativa e dicionários.

2.6 MEMES

Trataremos agora sobre os memes, um dos elementos de grande importância para a

ampliação das discussões no que se refere ao preconceito linguístico neste trabalho, pois fazem

parte de uma das muitas formas na qual esse preconceito se materializa nas redes sociais.

O termo meme foi citado em 1976 pelo britânico Richard Dawkins, que associou seu

conceito à biologia, comparando a capacidade de replicação do meme ao gene, sendo portanto uma

ideia, compartilhamento ou estilo que apresenta a capacidade de se multiplicar e transmitido de

pessoa pra pessoa dentro de uma cultura (ANDRADE, 2018, p. 28). Na concepção de Henriques

(2007, p. 7 apud ANDRADE, 2018, p. 28): o meme é “o ‘gene’ da cultura”. São eles um dos

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responsáveis pela produção do humor (não é sempre), de críticas a fatores variados dentro da

sociedade e carrega consigo ideologias e discursos que são construídos de maneira profunda e

estudada, a fim de, por meio deles, abordar determinados temas, achincalhar ou enaltecer

determinadas realidades e vivências em detrimento a outras. No tocante à língua, muitos discursos

proferidos publicamente nessas redes revelam essa realidade de disparidade entre a valorização da

norma padrão da língua e da desvalorização daquilo que não é necessariamente seguimento das

regras insistentemente preconizadas pela gramática normativa tradicional. Do ponto de vista de

sua estrutura, Andrade (2018, p. 28) afirma que “um meme é composto por uma imagem com texto

curto, contendo ou não humor, que apresenta certa carga interpretativa e que possui uma

intencionalidade relacionada a pessoa ou grupo que o produz.’’ Além disso, o meme ganha

popularidade a partir do desenvolvimento tecnológico e, mais precisamente, “através das redes

sociais digitais ganhando destaque entre o público em geral e despertando o interesse dos

pesquisadores que procuraram classificá-lo”, afirma Andrade (2018, p. 29). Levando em

consideração possíveis ideologias desfavoráveis à diversidade, por exemplo, e, em especial, à

diversidade linguística, os efeitos destes memes, largamente propagados, intensificam a prática do

fenômeno do preconceito linguístico por parte daqueles que comungam de tal prática desrespeitosa

para com o outro.

2.7 PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Filosoficamente, o preconceito é compreendido como um fenômeno passível de ser

percebido “quando um sujeito discrimina ou exclui outro, a partir de concepções equivocadas,

oriundas de hábitos, costumes, sentimentos ou impressões”. (PERELMAN, 2005, p. 352 apud

LEITE, 2012, p. 15).

A fim de discutir e refletir acerca das possíveis contribuições do conteúdo virtual das

redes sociais através dos discursos de memes para a materialidade do preconceito linguístico, essa

afirmação de Perelman nos ajuda a perceber como o pré-julgamento pode gerar constrangimento

e exclusão para quem o sofre.

É sabido que a língua é utilizada para a opressão e como fonte de preconceito,

principalmente, pelas pessoas de maior poder aquisitivo e/ou intelectual, que não aceitam as

variações linguísticas das classes sociais mais baixa. Uma vez que fogem da norma que eles

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consideram culta 1, são consideradas “erradas”. Segundo Bagno (2006, p.23) a noção de erro na

língua é bem antiga e surgiu no mundo ocidental, mais precisamente na cidade de Alexandria

quando a língua grega havia se tornado o idioma oficial do grande império formado pelas

conquistas de Alexandre (356-323 a.C), gerando a necessidade de uniformizar essa língua a partir

de um padrão homogêneo e superior às diferenças linguísticas regionais e sociais. Em seu livro

Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, Bagno (1999, p. 122) afirma que o que se rotula

“erro de português” é, na verdade, mero desvio da ortografia oficial. E acrescenta:

Ora, em cartazes e placas não aparecem “erros de português” e, sim, “erros” de

ortografia. Escrever, digamos, LOGINHA DE ARTEZANATO onde a lei obriga a escrever LOJINHA DE ARTESANATO em nada vai prejudicar a intenção do

autor da placa: informar que ali se vende objetos de artesanato. Neste caso, nem

mesmo a realização fonética da placa “certa” e da placa “errada” vai apresentar diferença. (BAGNO, 1999, p. 123, grifo nosso)

É nessa perspectiva de erro de ortografia como erro de português que possivelmente se

baseiam os criadores de memes para disseminar o preconceito linguístico. Por isso, essa definição

formulada por Bagno soma significativamente ao proposto por este trabalho, uma vez que a nossa

intenção é a de conhecer a materialidade do preconceito linguístico a partir do discurso de memes.

É válido salientar também que esta concepção de erro dá margem à criação de livros, blogs, canais

na plataforma Youtube dentre outras mídias que são “consumidas” com muita frequência por

aqueles que não querem cometer um “atentado contra o idioma ou um pecado contra a língua”

(BAGNO, 2006, p. 23). Além disso, o autor afirma a relação existente entre o preconceito

linguístico e a gramática normativa e chama a atenção para a sua diferença. Segundo ele:

O preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada,

no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de

um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a

gramática não é a língua. (BAGNO, 1999, p. 09).

Reforçando essa ligação entre o erro na língua e a gramática normativa, Possenti (1996, p.

77 apud HOFFMANN, 2015, p. 17), defende que “A noção mais corrente de erro é a que decorre

da gramática normativa: é erro tudo aquilo que foge à variedade que foi eleita como exemplo de

1 Um modelo de língua, um padrão a ser observado por todo e qualquer falante que deseje usar a língua de maneira

“correta”, “civilizada”, “elegante” etc. É esse modelo que recebe, tradicionalmente, o nome de norma culta. (BAGNO,

Marcos. Norma Linguística, Hibridismo & Tradução. Traduzires 1- Repositorio.unb. Maio 2012, p. 21.

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boa linguagem.” Para Barbosa ( 2003, p.51) essa relação também procede, pois ele defende que a

noção que se tem de erro, objetivada na escola ( ele ressalta esse aspecto), baseia-se unicamente

nas regras estabelecidas pela gramática normativa e no desprezo a outras manisfestações de outras

gramáticas da língua de modo que erro é tudo aquilo que vá de encontro à variedade linguística de

mais prestígio, o chamado português padrão.

Bagno (2006) afirma ainda que os formuladores da Gramática Tradicional foram

importantes agentes do preconceito linguístico.Segundo o autor:

[..] foram eles os primeiros a perceber as duas grandes características das línguas

humanas: a variação (no tempo presente) e a mudança (com o passar do tempo). No entanto, a percepção que eles tiveram da variação e da mudança lingüísticas

foi essencialmente negativa. Por causa de seus preconceitos sociais, os primeiros

gramáticos consideravam que somente os cidadãos do sexo masculino, membros da elite urbana, letrada e aristocrática falavam bem a língua. Com isso, todas as

demais variedades regionais e sociais foram consideradas feias, corrompidas,

defeituosas, pobres etc. (BAGNO, 2006, p. 24)

Notemos a partir das palavras do autor que o preconceito linguístico não é um fenômeno

recente, mas é sim uma realidade desde muito tempo presente na sociedade. Além disso, ele está

intimamente ligado a outros preconceitos como o socioeconômico, regional, cultural, misoginia.

Ele está fortemente relacionado também ao racismo e mais recentemente à homofobia como ficou

claro na polêmica gerada em torno de uma questão da prova do Enem de 2018 que versava sobre

o pajubá (dialeto criado pela comunidade LGBT). A partir daí, notória é a complexidade e

correlações entre os vários tipos de preconceito vigentes em nossa sociedade, que não são

exatamente de tempos recentes, e o preconceito linguístico. Dessa maneira, esse preconceito

corrobora para a fortalecimento dos demais preconceitos que a ele estão relacionados e vice-versa.

Uma outra descrição para preconceito linguístico pode ser encontrada no dicionário de

Houaiss e Villar (2001). Segundo Oliveira (2015) a descrição trazida pelo dicionário se aproxima

dos conceitos defendidos pela Sociolinguística Variacionista e afirma que o preconceito

linguístico:

[...] é qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus

usuários, como, p.ex., a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas primitivas, ou de que só a língua das classes cultas possui gramática. (HOUAISS;

VILLAR: 2001, verbete, apud OLIVEIRA, 2015,p. 86).

É lamentável todo e qualquer tipo de crença que não tome por base fundamentos

apropriados e confiáveis, uma vez que, práticas negativas como o preconceito são criadas,

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veiculadas e postas em prática, gerando concepções questionáveis e intolerantes quanto às

particularidades do outro indivíduo ao usar a língua.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta é uma pesquisa exploratória, descritiva e de natureza qualitativa, uma vez que foi

executada a partir da realização de um estudo feito com levantamento de corpus, descrição e

análise do mesmo. Visou responder ao questionamento de como o preconceito linguístico é

materializado nos discursos de memes que circulam em redes sociais. Para o seu

desenvolvimento, portanto, foi realizada uma busca de manifestações do referido fenômeno

em memes divulgados em espaços virtuais.

Os 10 memes que compõem o corpus desse trabalho foram coletados e selecionados,

no período de outubro a dezembro de 2019, no sistema de busca online Google na opção de

Imagens com os descritores: memes sobre falar errado, memes sobre erro de português, português

errado, ortografia errada, gente que fala errado. Já a sua seleção obedeceu à relevância de cada um

para este estudo, uma vez que vários resultados foram obtidos e não apenas de memes. Todavia,

coube-nos, na condição de pesquisadores, a seleção apenas daqueles que melhor correspondessem

as intenções desta pesquisa, isto é, memes que apresentassem manifestações de preconceito

linguístico a partir de frases e imagens que, mesmo se retiradas desse seu contexto de produção,

continuariam expressando seu caráter de discriminação linguística. Estes memes foram analisados

com base na semiótica francesa, mais especificamente, numa proposta de Greimas (1976) “criada

para ser uma teoria da significação, um modelo de descrição do sentido, ou seja, uma

metalinguagem.” (SILVA, 2011, p.2). A semiótica francesa estuda não apenas o conteúdo, mas a

sua arquitetura, ou seja, como o texto se organiza para expressá-lo. É este um ramo das ciências

da linguagem que se ocupa dos conjuntos significantes e, por isso, “seu objeto de análise será

sempre um signo, tomado no sentido amplo do termo (texto verbal, não verbal e sincrético), enfim,

tudo que carreia um sentido” (SILVA, 2011, p.2). Por isso, essa análise se deu a partir de três

níveis presentes na estrutura de um meme, que compõem o percurso gerativo do seu sentido

(DIAS, 2016). Segundo Greimas (1976), as estruturas se dividem em:

a) estruturas fundamentais – o mais simples e abstrato, onde a significação surge como uma

oposição semântica mínima, geradora de sentido;

b) estruturas narrativas – onde as relações entre sujeitos e objetos, ainda não nomeados de forma

particularizada, são organizados;

c) estruturas discursivas – um sujeito responsável pela enunciação assume a narrativa tornando o

sentido compreensível, com características definidas para atores e objetos.

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4 ANÁLISE DOS MEMES: SEMIÓTICA FRANCESA (GREIMAS, 1976)

Figura 1- A voz do povo não é a voz de Deus

Fonte: Meme / Fb.com/Serumaninho

a) Estruturas fundamentais: o rosto de um homem de pele clara, personagem do Mustafary do

humorista brasileiro Marco Luque, estereotipado de “povo” basicamente através de sua barba

grande e mal cuidada e de seu cabelo dread; um espaço aberto, aparentemente uma praça, onde

está esse homem que parece falar algo; o texto verbal distribuído na parte superior e inferior do

meme.

b) Estruturas narrativas: nessa narrativa, a relação que se estabelece entre os sujeitos, Deus e o

povo, e o seu objeto (a língua falada por ambos) é uma relação de divergência entre a forma como

Deus e o povo, representado pela imagem midiaticamente conhecida do personagem Mustafary,

utilizam- na e a consequência dessa divergência em um tempo e um espaço indefinido pelo texto

verbal e imagético.

c) Estruturas discursivas: Quando o enunciador afirma, em um discurso indireto livre, que “a

voz do povo não é a voz de Deus” ele nega a relação de concordância entre os desejos, a “voz”, de

ambos ao utilizar o advérbio “ não”, afirmando também a superioridade que é própria desse Deus

em detrimento a inferioridade do povo, inclusive na sua forma de falar, pois este pronuncia

“prástico”, “bassoura”, “probrema” e “ vai curintia”, cometendo o rotacismo na primeira e terceira

palavra apresentadas no texto verbal e pronunciando com B em lugar de V a palavra “vassoura”,

e realizando uma pronúncia diferente ao nome do time paulista Corinthians. Dessa maneira, esse

enunciador materializa o preconceito linguístico ao afirmar que Deus jamais pode ser igualado ao

povo, pois Ele não fala “errado’’, isto é, em desacordo com a norma padrão da língua falada e

escrita, mas fala puro assim como Ele é e o povo não.

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Figura 2 - Pense num povo pra escrever errado

Fonte: Dopl3r/ Diário Gaúcho

a) Estruturas fundamentais: o recorte de uma cena da minissérie O Auto da Compadecida da

Rede Globo, na qual há a imagem de uma mulher assumindo aparentemente o papel de figurante

ao fundo, e da imagem mais destacada de Chicó, um dos personagens principais, interpretado pelo

ator Selton Mello, em um espaço urbano da região nordestina; além do texto verbal distribuído na

parte superior e inferior do meme.

b) Estruturas narrativas: neste meme o narrador utiliza a imagem do personagem Chicó, um

nordestino sem eira nem beira, que parece estar andando e em silêncio, para representar, numa

versão estereotipada, o homem do nordeste do Brasil e atrela sua imagem com a afirmação do

“escrever errado”, por ser ele é um rapaz com poucos recursos financeiros (sem eira nem beira) e

pouca instrução escolar.

c) Estruturas discursivas: a presença de Chicó na constituição desse meme e as afirmações de

que “se tivesse prova de redação pra entrar no Facebook, tinha gente no Orkut ainda”, porque

“pense num povo pra escrever errado” materializa o preconceito linguístico existente por parte do

enunciador para com os nordestinos. Pois, para esse enunciador, o fato de ser nordestino coloca o

indivíduo como pertencente ao “povo que escreve errado” e o deixa lá trás, “no Orkut ainda”.

Afinal quem não sabe escrever bem uma redação (o elemento superiorizado neste discurso, como

foi Deus no meme anterior) não pode evoluir até mesmo em algo mais “simples” como no uso de

redes sociais e menos ainda em outras esferas sociais, é possível inferir no discurso do enunciador.

É interessante ressaltar que o termo “povo” aparece nas construções verbais e também através das

imagens, como no primeiro meme. Essa estrutura discursiva consegue demonstrar, inclusive, a

relação entre o preconceito para com os pertencentes à classe social menos abastada, o povo, e o

preconceito linguístico.

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Figura 3 - Só observando seus erros

Fonte: ClicRBS/Gerador de memes

a) Estruturas fundamentais: a imagem colorida do Professor de Língua Portuguesa Pasquale

Cipro Neto, autoridade reconhecida na mídia e pela sociedade como um grande gramático, em

posição sentada e com a mão no queixo, esboçando um riso capaz de expressar satisfação, mas

também um tom de sarcasmo, esboço preferível para a construção do sentido do discurso desse

meme ao aliar-se ao texto verbal organizado em duas frases distribuídas na parte superior e inferior

do meme.

b) Estruturas narrativas: a relação possível de ser estabelecida entre o sujeito desse discurso, o

Professor Pasquale, e o texto verbal é uma relação de espionagem e gozação diante dos erros de

português de um indivíduo não especificado nessa construção discursiva. Porém, através de

pesquisa, descobrimos que este meme foi produzido como uma resposta a um post no Twitter

sobre erros de ortografia, (há diferença ente erros de ortografia e de português como já tratamos

no referencial teórico desse trabalho) da atriz global Luana Piovani.

c) Estruturas discursivas: utilizar a imagem de um professor de Língua Portuguesa e

principalmente a de Cipro Neto, conhecido na mídia e no meio acadêmico por explicar questões

gramaticais e o uso dessa língua, foi uma estratégia do enunciador desse meme para enaltecer a

importância de um professor de Língua Portuguesa por ser este um indivíduo capaz de notar os

“erros de português” cometidos por alguém, além de ajudar a reforçar e conferir amplitude e longo

alcance ao preconceito linguístico. Nesse meme, o esboço sarcástico do professor demonstra e

materializa esse tipo de preconceito, por vezes, praticados por esses professores diante dos “erros”

linguísticos cometidos pelos alunos ou por qualquer outra pessoa e ajuda a fortalecer o senso

comum e institucionalizado (imprensa, escola) de que erro de português significa erro ortográfico.

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Figura 4 - Ela é tão linda, mas é tanto erro

Fonte: Meme/Instanagem

a) Estruturas fundamentais: a imagem colorida da personagem Magda, interpretada pela atriz

Marisa Orth, com um semblante simpático, espontâneo e bonito; também o texto verbal na parte

superior e inferior.

a) b) Estruturas narrativas: no programa Sai de baixo da Rede Globo, a personagem Magda é

uma mulher que não estuda nem trabalha, por isso depende financeiramente de seu parceiro, é

vulgarmente vista como gostosa e comete alguns deslizes ao falar, por exemplo, “hipocrátes” em

lugar de “hipócritas”, o que a leva, dentre outras coisas, a ouvir de seu esposo o famoso jargão

“Cala a boca, Magda”. Destarte, o sentido desta narração é que não adianta uma pessoa ter beleza

e não saber utilizar a língua dentro de suas especificidades e normas, tornando-se menos atraente

devido aos seus “erros de português”.

c) Estruturas discursivas: o enunciador deste meme utilizou muito sagazmente a imagem da

personagem Magda para construir um discurso que materializa o preconceito linguístico ao colocar

em contraste a beleza de uma pessoa e o uso não padrão da língua por parte dela. Através de um

discurso indireto, o enunciador sugere que não basta ser bonito para namorar alguém e sim escrever

e falar de acordo com as regras da gramática normativa e de acordo aos dicionários. Isso fica em

evidência quando o aspecto positivo da beleza, tido como elemento importante para namorar

alguém, exposto na construção “ela é tão linda’’, é quebrado pela declaração seguinte, iniciada por

uma conjunção adversativa (mas) que serve para diminuir ou desfazer o dito anteriormente: “mas

é tanto erro de português”. A materialidade do preconceito linguístico aqui se dá a partir de uma

concessão não realizada, ou seja, a beleza o faria namorar, mas os erros de português o impedem.

Além do preconceito linguístico, o uso da imagem de Magda em consonância com o texto

corrobora com a visão machista de que a mulher deve ocupar um lugar de esforço para agradar um

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homem e esperar ser escolhida (passividade), já que ele apesar de achá-la bonita, não namoraria

por que a considera pouco desenvolvida intelectualmente.

Figura 5- Tá apaixonada?

Fonte: Meme/ SinistraOficial

a) Estruturas fundamentais: a imagem em preto e branco de uma mulher sorridente e que, pelo

corte de cabelo e pelo pouco visível da sua roupa, representa a estética feminina de uma época e

de uma localidade não identificadas; além do texto verbal na parte superior e inferior.

b) Estruturas narrativas: o semblante feliz e o sorriso da mulher presente neste meme nos

remetem ao estado de ânimo de uma pessoa apaixonada. Em contrapartida, esse estado pode ser

alterado se o uso da língua da pessoa por quem se está apaixonada for levada em consideração.

c) Estruturas discursivas: o discurso constituído pelo texto verbal e pela imagem demonstra que

nada pode ser mais importante para um relacionamento do que a maneira “correta” como o

indivíduo utiliza a língua. O enunciador, traz a imagem de uma mulher por ser esta, numa visão

estereotipada, o ser que mais facilmente demonstra seus sentimentos. Todavia ele busca, através

de seu discurso preconceituoso, desfazer essa “realidade’’ da paixão sugerindo que ela, a mulher,

lembre dos erros de português do homem por quem está apaixonada. Esse discurso, portanto,

materializa o preconceito linguístico por reforçar a exclusão do outro devido a sua forma de usar

a língua.

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Figura 6- Escreveu errado

Fonte: Humorsincericida

a) Estruturas fundamentais: a imagem colorida de uma casa pegando fogo e de pessoas ao seu

redor e mais em destaque o rosto de uma menina de aparentemente 5 a 6 anos com um semblante

de ironia; texto verbal distribuído na parte superior e inferior do meme.

b) Estruturas narrativas: a relação que pode ser estabelecida entre o sujeito desse meme (a

menina) e o seu objeto (a grafia errada) é de total intolerância para com as pessoas que não

conseguem escrever de acordo com a norma padrão da língua.

c) Estruturas discursivas: mesmo sendo uma criança, o enunciador faz uso da imagem de uma

menina pequena para construir um discurso intolerante para com a maneira como tantas pessoas

fazem uso da língua escrita. Isso pode, inclusive, incentivar crianças que virem o meme a serem

preconceituosas também. Para além disso, este enunciador agrava a inflexibilidade à linguagem

alheia através da imagem da casa incendiando, isto é, quem não obedecer às regras da “Santa mãe

Gramática’’ (título nosso) deve ser queimado (qualquer semelhança com a Inquisição da Igreja

Católica não é por acaso). O incêndio da casa, aliás, torna mais curioso e chamativo o discurso de

preconceito linguístico, uma vez que serve como a continuação e explicação para a construção

verbal da parte inferior do meme: “não escreve mais”.

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Figura 7-Falou “parça”, votou em mim

Fonte: MemeGenerator

a) Estruturas fundamentais: imagem colorida da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, com

uma postura de satisfação, pela sua expressão facial, e pelo gesto de saudação e/ou afirmação de

“Legal’’ ; texto na parte de cima e de baixo do meme.

b) Estruturas narrativas: a figura da ex-presidente e o texto verbal que traz algumas

particularidades linguísticas de algumas pessoas estabelecem uma relação de reconhecimento por

parte do candidato à eleição, nesse caso Dilma Rousseff, do perfil de seus eleitores.

c) Estruturas discursivas: com o intuito de fazer menção ao público que, provavelmente, mais

votou na ex-presidente Dilma Rousseff no período das eleições presidenciais, o enunciador deste

meme escolheu as expressões “Parça e Pode pá” para lembrar esse público através do seu

vocabulário, uma variante linguística de menos prestígio no Brasil, é válido dizer. O uso dessas

expressões serve para mostrar o preconceito linguístico presente neste discurso quando seu

enunciador continua seu texto com a interrogativa: “Escreve errado?’’. Tal pergunta reafirma o

menor prestígio da língua do “povo” e aponta a deficiência linguística dos possíveis eleitores de

Dilma Rousseff. Esse fator demostra, mais uma vez, a relação entre um preconceito e outro. Afinal,

se é eleitor de Dilma (é eleitor de baixa renda) e, por isso, escreve mal (errado).

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Figura 8- Regra simples

Fonte: FacebookEuirônico

a) Estruturas fundamentais: imagem colorida do personagem Felix da novela Amor a vida da

Rede Globo; ele está sentado, mexendo em um dos seus dedos e parece conversar com alguém;

texto na parte de cima e de baixo do meme.

b) Estruturas narrativas: o personagem Félix, interpretado pelo ator Matheus Solano, tinha como

características a inteligência e o deboche, daí o enunciador deste meme utilizá-la para enunciar o

que enuncia no texto verbal.

c) Estruturas discursivas: o enunciador deste meme traz a figura de Félix como sujeito que dá a

dica da “Regra simples durante uma discussão’’ por ter sido ele, dentro da trama da novela do qual

faz parte, um vilão que saia facilmente das discussões por saber usar bem a sua inteligência. Já o

deboche desse sujeito na novela se une ao do enunciador desse discurso, afinal, ele debocha do

português mal falado de um adversário para sair como vencedor numa discussão. O preconceito

linguístico, nesse discurso, se concretiza a partir da supervalorização da língua padrão em

detrimento da não padrão, “capaz” de derrubar o “inimigo” numa “guerra.

Figura 9-Venci na vida

Fonte: Dopl3r

a) Estruturas fundamentais: imagem colorida do personagem Champolin Colorado sentado

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numa poltrona e aparentando conversar com alguém; texto na parte de cima e de baixo do meme.

b) Estruturas narrativas: esse meme traz como sujeito um personagem que não tem muito a ver

com o discurso verbal que expõe, mas mesmo assim ajuda a compor um outro objetivo deste

gênero (meme): o humor.

c) Estruturas discursivas: diferente do predominante nos memes anteriores, nos quais o texto

verbal trazia uma relação mais explícita como a imagem, neste meme, o enunciador constituiu um

discurso verbal sem atrelá-lo a uma imagem tão correspondente. Em suas palavras, o enunciador

afirma que a grafia padrão das palavras é um elemento preponderante para ascender na vida:

“Quando eu vejo pessoas que estudaram comigo escrevendo ‘concerteza’, percebo que venci na

vida”. Todavia, ele atrela essa afirmação, claramente preconceituosa uma vez que rebaixa o outro

sujeito pelo fato de este escrever de forma junta e com “n” em lugar de “m” a expressão “com

certeza’’, ao herói latinoamericano atrapalhado, medroso e mulherengo Chapolin, que não comete

erros de pronúncia e ortografia, inclusive por utilizar a Língua Espanhola e não a Portuguesa.

Figura 10- Não basta ser pobre

Fonte: FacebookFrasesdeCacoAntibes

a) Estruturas fundamentais: a imagem colorida do rosto do personagem Caco Antibes, vivido

pelo ator Miguel Falabella do programa Sai de baixo da Rede Globo, com um semblante sarcástico;

texto organizado na parte superior e inferior do meme.

b) Estruturas narrativas: a relação possível de ser estabelecida entre o sujeio desse discurso, o

personagem Caco Antibes, e o texto verbal é uma relação de intolerância múltipla para com um

sujeito que, pelo gênero das palavras, é uma figura feminina.

c) Estruturas discursivas: no programa Sai de baixo, Caco é um homem que detesta pessoas

pobres e quando Magda, sua esposa e personagem no meme 4, exagera nas frases estúpidas e nas

palavras pronunciadas diferentemente a norma padrão, ele responde "Cala a boca, Magda!" ou

começa a imitar um jumento (chamando-a de Burra). Por odiar pobres e humilhar uma mulher, o

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enunciador deste meme elege a imagem desse personagem, com características tão presentes em

tantas pessoas no nosso meio, para construir um discurso no qual prevaleceu uma tríade de

preconceitos: o socioeconômico, o machista, racial. A expressão “não basta” reforça o peso que é

“ser pobre e preta feia’’, na opinião do enunciador, revelando sua indifernça as pessoas de baixa

renda, de pele negra e de sexo feminino. Todos esses preconceitos aliados a mais um: o linguístico

( “ tem que escrever errado”). Quão profundos e discriminatórios são cada um desses preconceitos,

mas infelizmente é através dessa perversa mistura de intolerâncias que o preconceito linguístico

ganha forma nesse discurso: na inferiorização de mulheres pobres, pretas e feias e que, por

diferentes razões, não escrevem como ditam as normas da gramática normativa.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscando responder ao questionamento de como o discurso de memes nas redes sociais

materializa o preconceito linguístico, a análise que realizamos fundamentou-se na semiótica do

autor francês Greimas (1976). A partir dessa análise ficou constatado que os diferentes discursos,

formados tanto pelo texto verbal como pelo texto imagético são capazes de dar forma, amplitude

e visibilidade ao preconceito linguístico, materializando-o e reforçando esta prática perversa no

meio social.

Os discursos constituídos pelos seus enunciadores nos dez memes descritos e analisados

demonstravam a supervalorização de um elemento em detrimento a outro, gerando uma

regularidade de elementos. Nesta prática do preconceito linguístico valeu tudo: usar a figura

transcendente de Deus para diminuir e achincalhar o povo; discriminar o nordestino e a mulher

que é bonita, mas comete “erros de português’’; valeu sugerir a dica de corrigir o português do

adversário para se sair como vencedor numa discussão; enaltecer a ortografia oficial como

elemento diferenciador para ser um vencedor na vida; serviu dar dica de como esquecer uma

paixão ao observar os “erros de português” da outra pessoa; achincalhar um grupo de eleitores

pelas suas particularidades linguísticas; valeu, até mesmo, a união do machismo, do preconceito

socioeconômico, racial e linguístico, afinal, como declara o enunciador do último meme analisado

neste trabalho: “ Não basta ser pobre e preta feia, tem que escrever errado”.

Conseguimos constatar que o preconceito linguístico está presente em nosso meio e tem

espaço nas redes sociais através de diversas formas de divulgação e compartilhamento. Temos a

consciência de que os discursos presentes nesses memes são uma pequena amostra de como o

preconceito linguístico se concretiza, se faz presente e é prejudicial para a sociedade, haja vista a

sua capacidade discriminatória, excludente e vexatória para as suas vítimas. As palavras e as

imagens de cada um dos memes analisados são signos carregados de sentidos e ajudaram na

composição de tantos discursos materializadores deste tipo de preconceito. Em suma, cada

discurso declarou posicionamentos, pensamentos e comportamentos reais de intolerância ao

conhecimento linguístico e às particularidades linguísticas do outro.

Dessa maneira, este trabalho buscou construir resultados que somassem nas esferas

acadêmica, ao propor uma pesquisa científica; na esfera social, por tratar de uma realidade presente

em nossa sociedade, a fim de buscar provocar novas discussões e reflexões acerca do tema e,

finalmente, na esfera educacional uma vez que a educação é capaz de discutir temas como esse do

preconceito linguístico e sugerir medidas que, ao menos, ajude no enfraquecimento de sua prática.

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